ÉTICA ÉTICARevista Revista- -nov./dez. mai./jun.––2010 2009 Artigo A necessidade da prevenção da doença renal crônica A insidiosidade sintomática, aliada a fatores como envelhecimento da população, sedentarismo e maus hábitos alimentares, constituem o cenário favorável ao surgimento de um número cada vez maior de casos dessa enfermidade silenciosa 22 ÉTICA Revista - nov./dez. – 2010 Artigo A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e o Diabetes Melitos (DM) são patologias de elevada e crescente prevalência tanto em nosso país quanto no resto do mundo. Entretanto, a despeito – sobretudo no caso da hipertensão – do desenvolvimento de novas drogas e da ampliação do acesso a estas na rede primária de saúde, o progressivo envelhecimento populacional somado ao sedentarismo, a ingesta salina inadequada e o fato destas patologias terem o curso muitas vezes insidioso (prejudicando desta forma o diagnóstico precoce, retardando o tratamento e dificultando a adesão do paciente a uma patologia muitas vezes assintomática) acabam criando um campo propício para o alastramento de uma doença que vem sendo atualmente entendida como um grande problema de saúde pública: a Doença Renal Crônica (DRC). A perda progressiva da capacidade renal de exercer suas funções de manutenção da homeostase corporal através do controle da volemia, da regulação da pressão arterial, da depuração das escórias nitrogenadas, da manutenção do equilíbrio hidroletrolítico/ ácido básico, da produção de hormônios (eritropoetina, vitamina D) e da regulação do metabolismo ósseo é o que chamamos de DRC. De uma maneira mais objetiva, definimos que o indivíduo é portador de DRC quando seu clearance de creatinina (exame que demonstra o grau de funcionamento renal) encontra-se menor que 60 ml/ min/1.73m2 de superfície corpórea e/ou quando o paciente apresenta evidência de lesão renal progressiva (principalmente proteinúria ou microalbuminúria) por um período superior a três meses. Esta definição permite a classificação da DRC em estádios (numerados de 1 a 5) de acordo com o grau de perda da função renal do indivíduo. Nos estádios iniciais da DRC (estádios 1 a 3), o indivíduo muitas vezes se encontra assintomático, sendo o diagnóstico realizado através da presença de alterações laboratorias discretas. Devido a existência de uma grande reserva funcional renal, a maior par- te dos sintomas “grosseiros” da DRC (edema, descontrole pressórico e anemia, dentre outros) surgem apenas quando mais de 70% da função renal já se encontra deteriorada de maneira irreversível. Desta forma, a triagem do paciente renal crônico com base na presença de sintomas clínicos é falha, uma vez que tais sintomas são muito tardios. A Doença Renal Crônica terminal ou dialítica (DRC estadio 5) é definida quando o paciente apresenta um clearance de creatinina menor que 15 ml/ min/1.73m2 de superfície corpórea. Tal paciente necessita rapidamente ser encaminhado para alguma das modalidades de terapia renal substitutiva (TRS) existentes : a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal. O diagnóstico tardio da DRC, muitas vezes realizado em uma unidade de emergência, na vigência de complicações clínicas extremas (edema agudo de pulmão, emergência hipertensiva, anemia e uremia acentuadas) contribui para uma diminuição expressiva na sobrevida destes pacientes devido ao alto grau de comorbidades – sobretudo cardiovasculares – que poderiam ter sido tratadas ainda em fase conservadora. Estima-se que existam atualmente no Brasil em torno de 90 mil indivíduos em programa crônico de diálise e mais de 20 mil transplantados renais com enxerto funcionante. Mais de 80% destes pacientes tem seu tratamento subsidiado pelo SUS. Apenas para o tratamento desta parcela de doentes, estima-se que 10% de todo o orçamento do Ministério da Saúde (algo em torno de dois bilhões de reais) é gasto para manutenção dos programas de diálise crônica (diálise peritoneal e hemodiálise) e fornecimento de drogas imunossupressoras para os transplantados renais. Ou seja, a despeito da necessidade imprescindível deste tratamento para a manutenção da vida destes pacientes, é um tratamento caro e extremamente oneroso para nosso sistema de saúde. Durante muito tempo, os focos para combate desta pandemia se resumiam no estímulo a abertura de novas clínicas de hemodiálise (principal forma de 23 ÉTICA Revista - nov./dez. – 2010 Artigo TRS em nosso país) e no aumento no número de transplantes renais doadores vivos e cadáveres. Apesar de ambos serem alternativas válidas, tais medidas não resolvem o problema, uma vez que apenas atuam na parcela da população já dialítica, não conseguindo previnir a chegada de novos pacientes vindos dos outros estadios da DRC. Estudos americanos sugerem que para cada paciente em diálise temos entre 25 a 50 pacientes ainda em fase conservadora. Extrapolando tais dados para nosso país, estima-se que 2% da população adulta brasileira tenha alguma DRC não dialítica. Somado a isto o progressivo envelhecimento populacional e os níveis crescentes de HAS e DM em nosso meio (tais patologias juntas respondem por mais de 70% das etiologias de DRCT e acometem 25% e 7% de nossa população respectivamente), não é difícil perceber que a DRC encontra um campo extremamente fértil para seu alastramento. A única maneira de conseguirmos conter esta epidemia de uma maneira racional, barata e efetiva, é através da detecção precoce desta patologia – ainda nos Centros Primários de Saúde – através da realização do diagnóstico precoce na população de alto risco para DRC (idosos, diabéticos, hipertensos, obesos mórbidos e aqueles com antecedente de DRC fami- 24 liar), visando à insEstudos americanos tituição rápida do tratamento e obje- sugerem que para tivando a preven- cada paciente em ção da progressão diálise temos entre 25 da DRC para níveis dialíticos. Há vários a 50 pacientes ainda casos de programas em fase conservadora. de prevenção de doença renal em nosso país que, em conjunto com os Programas de Saúde da Família (PSF), vêm realizando essa promoção da saúde renal, impedindo o diagnóstico tardio – muitas vezes em pacientes gravemente enfermos, entre a vida e a morte – nas portas de prontos socorros de hospitais secundários e terciários. Desta forma, conclamamos a todos os profissionais de saúde e a sociedade civil para participar conosco do World Kidney Day - Dia Mundial do Rim, em 10 de março de 2011. O tema deste ano será “Proteja seus rins, salve seu coração” numa clara referência às comorbidades cardiovasculares relacionadas com a DRC. Trata-se de uma iniciativa internacional – no Brasil, coordenada pela Sociedade Dr. Fábio Humberto Brasileira de Nefrologia com apoio Ribeiro Paes Ferraz de outras Sociedades Médicas CRM 13909-DF afins – com o intuito de divulgar Médico Formado pela UNICAMP a imperiosa necessidade do rápido Residência em Clínica Médica pela diagnóstico, prevenção e trataUNICAMP mento da DRC, visando à promoResidência em Nefrologia pela UNIFESP ção da saúde renal. Preceptor do Programa de Residência em Faça sua parte! Acompanhe-nos Clínica Médica do HRAN nesta luta pela prevenção da DoAtual Presidente da Sociedade Brasileira ença Renal Crônica! de Nefrologia - Regional DF