resenhasintaxe - IME-USP

Propaganda
Flaviane Romani Fernandes RA 981196
Introdução à Sintaxe LL013
Resenha da tese de doutorado
Para uma sintaxe da inversão sujeito-verbo em Português1
0. Introdução
A tese de Âmbar (1992) tem como objetivo o estudo das estruturas de Inversão
Sujeito Verbo em Português Europeu (doravante PE) no quadro da Teoria da Regência e da
Ligação (“Government and Binding Theory”) da Gramática Gerativa.
Essa tese está dividida em três grandes partes: Parte I – Questões Preliminares, Parte
II – Os contextos de Inversão Sujeito Verbo e Parte III – Inversão sujeito Verbo na Teoria
da Regência e da Ligação. Nesta presente resenha trataremos de cada uma dessas partes de
modo sucinto, elencando como pontos principais os seguintes tópicos: 1. Caracterização
preliminar do fenômeno Inversão Sujeito Verbo em PE; 2. A ‘ordem básica’ não marcada
em PE; 3. Inversão Sujeito Verbo obrigatória versus Inversão Sujeito Verbo facultativa; 4.
Os contextos de ocorrência de inversão Sujeito Verbo e inversão Sujeito Verbo Auxiliar em
PE e 5. O fenômeno Inversão Sujeito Verbo na Teoria de Regência e de Ligação.
1. Caracterização preliminar do fenômeno Inversão Sujeito Verbo em PE
Conforme a definição de Âmbar (1992:5), a Inversão Sujeito Verbo (doravante ISV)
pode ser caracterizada como a alteração da ordem de constituintes resultante de uma
operação de movimento que desloca da sua posição de base ou o sujeito ou o verbo de uma
estrutura frásica, convertendo a ordem básica de uma língua SVO (sujeito-verbo-objeto),
numa ordem em que o verbo precede o sujeito, i.e., numa ordem VSO (verbo-sujeitoobjeto), VOS (verbo-objeto-sujeito) ou OVS (objeto-verbo-sujeito).
Assumindo como ordem básica do PE a ordem SVO, a autora propõe duas hipóteses
possíveis para o fenômeno ISV: ou o sujeito se desloca para a direita do verbo ou o verbo
se desloca para a esquerda do sujeito. Consideremos as frases2 (1), (2), (3) e (4) bem como
1
Âmbar, M. M. (1992) Para uma sintaxe da inversão sujeito-verbo em Português. In: Coleção Estudos
Lingüísticos. Edições Colibri, Lisboa.
2
Todas as frases utilizadas como exemplos nesta resenha foram extraídas do trabalho de Âmbar (1992). As
frases utilizadas por Âmbar (1992) não constam de nenhum corpus previamente definido, mas são o resultado
de uma introspecção lingüística legitimada pela intuição de alguns falantes do PE que, de forma idealizada, a
autora assume corresponder a uma competência gramatical do PE no que respeita a seu objeto de estudo.
suas respectivas análises, ambas (frases e análises) apresentadas por Âmbar (1992:5), como
ilustração do exposto:
(1) Que comprou o Pedro?
(2) Colheu os morangos, o Diogo.
(3) O Diogo colheu os morangos.
(4) Colheu o Diogo os morangos.
Segundo a análise de Âmbar (1992), levando em conta a ordem SVO assumida para
PE, para a frase (1), as duas hipóteses acima relacionadas poderiam ser admitidas, já para as
demais frases, a autora considera (3) como estrutura subjacente de (2) e (4) e estas sendo
derivadas de (3) respectivamente pelos processos de posposição do sujeito e anteposição do
verbo (tratar-se-á mais detalhadamente destas questões na seção 5 da presente resenha). A
autora ainda acrescenta que, tendo em conta o caráter [ obrigatório] da inversão, constatase que a frase (1) se distingue das frases (2) e (4): naquela, mas não nestas, a inversão é
obrigatória.
Levando em conta as considerações acima feitas, o trabalho de Âmbar (1992) é
guiado pelas seguintes questões postas pela mesma autora:
(i)
(ii)
(iii)
(iv)
(v)
(vi)
(vii)
Será o Português uma língua SVO? Da resposta depende naturalmente a pertinência de
considerar ou não que, numa estrutura em que o sujeito segue o verbo, houve ISV;
Será ISV sempre igualmente possível? Ou será nalguns casos facultativa, noutros obrigatória e
noutros impossível?
Quais os contextos de ocorrência de ISV?
Quais os processos sintáticos envolvidos em ISV – anteposição do verbo ou posposição do
sujeito?
Que ordens derivadas são possíveis?
Qual a tipologia de ISV em Português, de acordo com os parâmetros referidos em (i) – (v)?
Por que existem inversões nas línguas naturais? Por que são elas obrigatórias, facultativas ou
impossíveis em umas línguas e não em outras?
2. A ‘ordem básica’ não marcada em PE
Tomando o PE como língua objeto, verificam-se seis ordens possíveis resultantes das
diferentes combinações dos termos sujeito (S), verbo (V) e objeto (O): SVO, SOV, VSO,
OSV, OVS e VOS. Respectivamente:
(53) 3
3
a. A Joana comeu a sopa. (SVO)
b. A Joana, a sopa, comeu. (SOV)
Nas frases extraídas do trabalho de Âmbar (1992), as vírgulas representam pausas prosódicas, enquanto as
palavras em letras maiúsculas são palavras nas quais recai o acento contrastivo.
c. Ontem comeu a Joana a sopa. (VSO)
d. A sopa, a JOANA comeu. (OSV)
e. A sopa, comeu a Joana. (OVS)
f. Comeu a sopa, a JOANA. (VOS)
Conforme a autora, com exceção de (a), todas as frases acima relacionadas exigem
que se verifiquem determinadas condições. (a) é a única frase que não requer pausa e/ou
acento contrastivo num dos seus constituintes. Observa-se que em (c) surge, em posição
inicial da frase, um constituinte “ontem” que não ocorre nas outras construções, mas que,
do ponto de vista da legitimação da ordem VSO, desempenha na frase referida a mesma
função que os elementos pausa e acento contrastivo desempenham nas demais construções
de (53).
De um ponto de vista empírico Âmbar (1992) admite, por convenção, que, como
ponto de partida para o estudo das ordens derivadas, a ordem básica de uma língua é aquela
que ocorre de forma menos marcada. Por ‘marcada’, entenda-se, segundo a mesma autora,
a ordem que se encontra associada a uma condição (de caráter sintático, semântico,
prosódico ou pragmático) específica (grifo meu). Nas frases de (53) a ordenação SVO em
(a) não exige pausa, acento contrastivo, advérbio em posição inicial, elemento QU interrogativo ou qualquer outro requisito estrutural deste tipo, logo, SVO é a ordem básica
de PE admitida pela autora.
Âmbar (1992:45) ainda acrescenta que ordem não marcada é a ordem resultante da
combinação nua dos elementos S, V e O, mas não é a ordem que pode sempre ocorrer –
uma língua pode ter uma ordem básica SVO e não permitir essa ordem se determinados
elementos estiverem presentes. Como exemplo cita o caso das interrogativas – QU em PE,
nas quais a presença do elemento QU impede a produção da ordem básica SVO como
ordem gramaticalmente aceita na estrutura superficial:
(5) a. Que comprou a Maria?
b. * Que a Maria comprou?
(6) a. Onde foi a Maria?
b. * Onde a Maria foi?
3. Conceitualização de Inversão Sujeito Verbo obrigatória versus Inversão
Sujeito Verbo facultativa
Âmbar (1992) define como inversão sujeito verbo obrigatória o processo sintático
de alteração da ordem Sujeito verbo em Verbo Sujeito que, se não verificada, resulta em
uma frase agramatical. Ex.:
(3) a. * Que o Pedro fez?
b. * Que o PEDRO fez?
c. Que fez o Pedro?
Voltemos nossa atenção agora para o exemplo (4):
(4) a.* Em Paris, o Pedro esteve.
b. Em Paris, o PEDRO esteve.
c. Em Paris esteve o Pedro.
Conforme a autora, a inversão de (4c) é facultativa na medida em que para a
produção legítima da frase ela pode alternar com outro processo gramatical, como exemplo
(4b), mesmo sendo este outro processo gramatical do âmbito de uma componente da
gramática diferente da sintática (no exemplo 4b, a componente é a fonética). Acrescenta-se
que no exemplo 3a, mesmo que se apliquem estratégias prosódicas, como o acento
contrastivo, ainda é obtida uma frase agramatical como resultado (3b). Apenas a aplicação
de processos sintáticos, como a ISV ou o uso da estrutura é que: (O) que
É QUE
o Pedro
fez?, legitima a produção de frases deste tipo (cf. exemplo 3c).
Portanto, segundo assunção de Âmbar (1992:57), inversões Sujeito Verbo
obrigatórias seriam aquelas que só poderiam ser substituídas por processos sintáticos de
licenciamento e inversões Sujeito Verbo facultativas seriam aquelas em que processos
não sintáticos podem alternar com processos sintáticos para o licenciamento das frases.
É necessário adicionarmos que a referida autora defende serem tanto as inversões
obrigatórias como as inversões facultativas fenômenos gramaticais. Assim sendo, para
Âmbar (1992), as inversões facultativas, assim como as inversões obrigatórias, são
consideradas fenômenos gramaticais e não estilísticos.
4. Os contextos de ocorrência de inversão Sujeito Verbo (ISV) e inversão Sujeito
Verbo Auxiliar (ISAux) em PE
Nesta seção apresentaremos brevemente os contextos típicos4, determinados por
Âmbar (1992), de ocorrência de ISV e ISAux em PE.
4.1. ISV e ISAux em interrogativas QU- diretas e indiretas:
A inversão em interrogativas QU- diretas é obrigatória (6a) sempre que o constituinte
interrogativo não integra um N foneticamente realizado; quando isso acontece (21), a
inversão se torna facultativa. Neste caso, se ausente a inversão, deve, segundo a intuição
lingüística de um grande número de falantes de PE, para uma maior aceitabilidade das
frases, recair sobre o sujeito ou sobre o constituinte QU- um acento de intensidade (21b e
21b’). Exemplos:
(6) a. (O) Que ofereceu o Pedro à Joana?
b. * (O) Que o Pedro ofereceu à Joana?
(21) a. ? Que disco o Pedro ofereceu à Joana?
b. Que disco O PEDRO ofereceu à Joana?
b'. QUE DISCO o Pedro ofereceu à Joana?
Já a inversão em interrogativas indiretas é facultativa (28) integrando ou não, essas
interrogativas, um N foneticamente realizado (36) – excetua-se o que acontece com os
elementos QU- interrogativos que (26) e porque (31):
(28) a. Não sei quem encontrou o João no cinema.
b. Não sei quem o João encontrou no cinema.
(26) a. Não sei que ofereceu o Pedro à Joana.
b. * Não sei que o Pedro ofereceu à Joana.
(31) a. Não sei porque saiu a Rita.
b. ?* Não sei porque a Rita saiu.
(36) a. Não sei que disco o Pedro ofereceu à Maria.
b. Não sei que disco ofereceu o Pedro à Maria.
Faz-se necessário notar que a ocorrência de é que tanto nas interrogativas diretas
como nas indiretas permite em todos os casos a ordem S_V e, se coexistentes é que e
inversão, as frases se tornam marcadas em termos de aceitabilidade.
4
Âmbar (1992:53) explicita que construções imperativas e exclamativas não farão parte de seu objeto de
estudo no que concerne aos contextos em que ocorrem ISV e ISAux em PE.
Quanto à posição do sujeito nas estruturas de inversão em interrogativas diretas e
indiretas, ele ocorre em posição pós-verbal (16a e 39b) ou no final da frase (16b, 16b’ e
39b). Tratando-se de um pronome, a posição final de frase é marginal (44b e 46c). Na
presença de um verbo auxiliar e de uma inversão, o sujeito pode ocorrer em posição pósverbo auxiliar (44a e 46a), pós-verbo principal (46b) e em posição final de frase (44b e
46c), contudo, é menor a aceitabilidade nesta última posição do que nas outras. Exemplos:
(16) a. (O) que ofereceu o Pedro à Joana?
b. ? (O) que ofereceu à Joana o Pedro?
b'. (O) que ofereceu à Joana O PEDRO? 5
(39) a. Não sei por que razão a Rita saiu.
b. Não sei por que razão saiu a Rita.
(44) a. Onde tem ele posto os livros?
b. *? Onde tem posto os livros ele?
(46) a. Não sei onde tem ele posto os livros.
b. ? Não sei onde tem posto ele os livros.
c. ?* Não sei onde tem posto os livros ele.
4.2. ISV em interrogativas totais e focalizadas em orações principais e em
subordinadas
No geral, as interrogativas totais ou focalizadas não são estruturas típicas de inversão:
(48) a. A Joana come a sopa?
b. ?? Come a Joana a sopa?
Todavia, ISV pode ocorrer nestas construções quando está associada a elas uma
modalidade de dúvida6 (70, 72 e 47’) e não um pedido de informação.
(70) a. Comprará a Joana o livro?
b. ?? Comprará o livro a Joana?
b'. ?? Comprará o livro A JOANA?
(72) a. Terá o Pedro ido ao cinema?
b. ? Terá ido o Pedro ao cinema?
c. ?? Terá ido ao cinema o Pedro/ O PEDRO?
(47’) a. ?? Achas que vai o Pedro ao cinema?
b. ? Sabes se vai o Pedro ao cinema?
5
Note que embora as três frases sejam consideradas gramaticais, o exemplo 16b só se torna gramaticalmente
tão aceitável quanto 16a se naquele recai um acento contrastivo no sujeito, resultando em 16b’.
6
Nestes casos, os tempos gramaticais requeridos são o Futuro ou o Condicional, tanto com verbos principais
como com auxiliares, modais ou copulativos.
Em relação à colocação do sujeito nessas estruturas de inversão, são observadas as
mesmas normas referidas para o caso das interrogativas QU- diretas e indiretas, ou seja: (i)
a posição preferencial é aquela em que o sujeito segue imediatamente o verbo ou o primeiro
constituinte verbal auxiliar (70a, 72a e 47’) e (ii) o sujeito pode ocorrer depois do verbo
principal em estruturas com auxiliar (72b) e em posição final (72c), se não se tratar de um
pronome.
4.3. ISV e ISAux em pergunta-resposta e em parentéticas
As duas estruturas pergunta-resposta (ex. 78 e 88) e parentéticas (ex. 92) são
agrupadas por Âmbar (1992) em uma mesma seção para o tratamento de contextos de
ocorrência de ISV e ISAux, pois compartilham das mesmas propriedades: (i) presença de
um elemento cognitivo novo – o foco (respectivamente nos exemplos abaixo: o Pedro, a
Joana e o António); (ii) uma unidade discursiva anterior que é assumida como informação
partilhada pelo emissor e pelo receptor – o tópico (respectivamente nos exemplos abaixo: O
JOÃO foi ontem ao cinema?, Quem comeu o chocolate?, Que tens tu?) ; (iii) o elemento
Foco é encontrado em posição pós-verbal e o elemento Tópico é encontrado em posição
inicial.
(78) O JOÃO foi ontem ao cinema?
- Não, (o João não foi ontem ao cinema,) (ontem) (ao cinema) foi o Pedro.
(88) – Quem comeu o chocolate?
a. Comeu a Joana.
a'. * A Joana comeu.
a". ?* A JOANA comeu.
(...)
(92) a. – Que tens tu? – perguntou o António.
b. * - Que tens tu? – o António perguntou.
4.3.1. ISV em respostas a interrogativas totais ou focalizadas
As respostas possíveis a interrogativas totais seguem o padrão de ordem básica SVO
do PE, quando a interrogativa não incide sobre um constituinte específico, mas sobre toda a
proposição:
(77) O João foi ontem ao cinema?
- Foi (, o João foi ontem ao cinema).
- Não (, não foi) (, o João não foi ontem ao cinema).
Porém, se por outro lado, através de uma marca prosódica como o acento contrastivo,
a interrogativa se restringe a um dos constituintes, surge ISV na resposta, sendo o
constituinte interrogado o sujeito e sendo a informação veiculada pela resposta nova em
relação ao elemento cognitivo já conhecido. Se a interrogação incidir sobre um constituinte
diferente do sujeito, não se verifica a alteração da ordem básica SVO. Exemplos:
(78) O JOÃO foi ontem ao cinema?
- Não, (o João não foi ontem ao cinema,) (ontem) (ao cinema) foi o Pedro.
(79) O João foi ONTEM ao cinema?
- Não, (o João não foi ONTEM ao cinema) (ao cinema) (, o João) foi hoje.
(80) O João foi ontem AO CINEMA?
- Não, (o João não foi ontem ao cinema,) (ontem) (o João) foi ao teatro.
4.3.2. ISV em respostas a interrogativas QUAssim como nas respostas a interrogativas totais ou focalizadas, também nas
respostas a interrogativas QU-, ISV só ocorre quando o constituinte instanciado pela
pergunta é o sujeito (88a). Ver exemplos (88) e (89) logo abaixo para constatação do
exposto.
Nota-se, entretanto, que diferentemente do que ocorre nas respostas a interrogativas
totais ou focalizadas, nas respostas a interrogativas QU-, a resposta é sempre um Foco,
nunca é possível apenas afirmar ou negar a informação já contida na pergunta e,
marginalmente, o foco pode ser legitimado por um acento de intensidade sobre o sujeito.
(88) – Quem comeu o chocolate?
a. Comeu a Joana.
a'. * A Joana comeu.
a". ?* A JOANA comeu.
(...)
(89) – Que comeu a Joana?
a. A Joana comeu o chocolate.
a'. * Comeu a Joana o chocolate.
4.3.3. ISV em parentéticas
Em parentéticas a inversão sujeito verbo é obrigatória:
(91) a. Vou-me embora – anunciou o Gonçalo.
b. * Vou-me embora – o Gonçalo anunciou.
(92) a. – Que tens tu? – perguntou o António.
b.* - Que tens tu? – o António perguntou.
Como nas construções pergunta-resposta, a frase que antecede a parentética é, do
ponto de vista informacional, um tópico enquanto o sujeito, um foco.
Além dos pontos levantados no início da seção 4.3., outros pontos que devemos
destacar de semelhantes entre as estruturas respostas a interrogativas totais ou focalizadas,
respostas a perguntas QU- e parentéticas são os pontos relacionados especificamente ao
fenômeno ISV:
a) na presença de um operador Foco, a ISV é marginalmente dispensada;
b) de forma marcada, o Foco pode ser legitimado por um acento de intensidade sobre o
sujeito, em alternativa à ISV ou a outro processo sintático de legitimação de Foco
(por operador). Porém, neste caso, a interpretação é [-definida] em oposição à
interpretação [+definida] dada pela ISV.
4.4. ISV e ISAux no contexto de constituintes antepostos
No contexto de anteposição de constituintes, as inversões são obrigatórias quando,
depois da anteposição do constituinte, o verbo surge sem qualquer outro constituinte a sua
direita e se caracteriza por ser um verbo semanticamente fraco. Cf. Âmbar (1992: 85), por
verbo semanticamente fraco entenda-se o verbo que, uma vez localmente desprovido do
constituinte que lhe servia de argumento (o constituinte anteposto), não tem incorporado
um argumento implícito. Exemplo:
(110) a. O Pedro mora em Lisboa.
b. * Em Lisboa, o Pedro mora.
c. * EM LISBOA, o Pedro mora.
d. * Em Lisboa, O PEDRO mora.
e. Em Lisboa mora o Pedro.
A posição ocupada pelo sujeito nas ISV em contexto de constituintes antepostos
segue a norma das inversões descritas nas seções precedentes, ou seja: (i) a posição
preferencial é aquela em que o sujeito segue imediatamente o verbo ou o primeiro
constituinte verbal auxiliar e (ii) o sujeito pode ocorrer depois do verbo principal em
estruturas com auxiliar e em posição final, se não se tratar de um pronome.
Também em relação às inversões já descritas em 4.3., cabe acrescentar que as ISV em
contextos de constituintes antepostos são paralelas às primeiras nos seguintes aspectos:
a) quanto à estrutura textual (informacional), o sujeito que, como resultado de ISV,
surge em posição pós-verbal tem a interpretação de Foco e o constituinte anteposto
tem a interpretação de Tópico;
b) em alternância à ISV, o Foco é legitimado por outras estratégias – sintática
(operador de Foco: Em Lisboa, apenas o Pedro mora.) ou fonética (acento de
intensidade: Em Lisboa, o Pedro MORA).
4.5. ISV em estruturas infinitivas
Quanto às inversões sujeito-verbo no contexto de estruturas infinitivas, destacam-se
os seguintes pontos:
(i)
em estruturas de infinitivo independentes, a forma menos marcada é
aquela em que ocorre ISV, podendo, entretanto a ISV alternar com a
ordem S_V:
(160) a. Dizeres-me tu a verdade!
b. TU dizeres-me a verdade!
(ii)
a inversão é obrigatória em estruturas infinitivas complementos de
verbos epistêmicos e declarativos (174) e de verbos de “elevação” do
tipo “parecer”. Entretanto, na presença de um operador de foco e de um
auxiliar a ordem S_V pode ser mantida na subordinada infinitiva destes
verbos(186’’);
(174) a. “*Eu penso/afirmo os deputados terem trabalhado pouco.”
b. “Eu penso/afirmo terem os deputados trabalhado pouco.”
(Raposo, 1987:87 apud Âmbar, 1992:92 – grifo meu)
(186’’) a.?? Penso só os deputados votarem a proposta.
b. Penso só os deputados terem votado a proposta.
(iii)
infinitivos não flexionados complementos de verbos volitivos podem
co-ocorrer com pronomes sujeito foneticamente realizados. Neste caso,
ISV é obrigatória:
(197) a. Os meninos querem fazer eles o trabalho. (grifo meu)
(198) a. * Os meninos querem eles fazer o trabalho. (grifo meu)
(199) a. * Os meninos querem fazer o trabalho eles. (grifo meu)
Quanto à posição do sujeito neste tipo de estruturas de inversão, é atestado o que já
foi dito nas seções anteriores.
4.6. ISV em estruturas de Conjuntivo
Assim como já foi dito para os casos de estruturas infinitivas independentes, também
no caso de conjuntivos independentes, as frases mais naturais são aquelas que apresentam
ISV:
(208) a. “Chovam lírios e rosas no teu colo!”
(Antero de Quental, SC, 35, apud Âmbar, 1992: 102)
(208’) a. ? LÍRIOS E ROSAS chovam no teu colo!
Também nas estruturas de conjuntivo subordinadas, são mais naturais as frases em
que ocorre ISV (226a) e marginais, as frases em que a ISV não ocorre (227a). Já na
presença de complementador e de um verbo não ergativo, a inversão torna-se marginal
(228’). Exemplos:
(226a) Tivesse eu tempo e havias de ver como tudo corria bem.
(227a) ? EU tivesse tempo e havias de ver como tudo corria bem
(228’) ?* Se tivesse eu tempo, havias de ver como tudo corria bem.
Acrescenta-se que a posição do sujeito nestas estruturas de inversão segue as mesmas
normas observadas para a generalidade dos casos de inversão já referidos: posição pósverbo auxiliar, pós-verbo principal e final se não se tratar de um pronome. O constituinte
em posição final surge normalmente associado a um acento de intensidade.
Em relação à estrutura textual (informacional), pode-se dizer que em todos os casos, o
constituinte em posição pós-verbo auxiliar, pós-verbo principal ou final recebe uma
interpretação de Foco; esta mesma interpretação pode ser atribuída aos sujeitos que
mediante um acento de intensidade podem manter a posição pré-verbal.
4.7. ISV em estruturas participiais
Nas construções participiais são mais naturais as estruturas em que ISV está presente.
A ordem S_V torna-se possível se há a co-ocorrência com uma expressão adverbial lexical
de valor aspectual; na ausência desta expressão, a ordenação S_V, se não é impossível, é
marginal. Como ilustração do que foi exposto, atentemo-nos ao exemplo (248):
(248) a. Paga a conta, o Pedro ficou arruinado.
b. ?? A conta paga, o Pedro ficou arruinado.
c. Uma vez paga a conta, o Pedro ficou arruinado.
d. ? Uma vez a conta paga, o Pedro ficou arruinado.
Ao contrário do que acontece com as estruturas em que o predicado é um particípio,
como em (248), em que a inversão melhora a aceitabilidade das frases, nas small clauses7
com predicados adjetivais, nominais ou preposicionais, a ocorrência da inversão torna as
frases piores gramaticalmente:
(249) b. *Uma vez apresentável a Rita, o Pedro abriu a porta aos amigos.
(250) b. *Uma vez médica a Maria, os pais ficaram felizes.
(251) b. *Uma vez na praia as crianças, a Ana vai descansar.
4.8. ISV em estruturas gerundivas
Com exceção dos casos que têm um valor imperativo (Andando! - Saindo!) e que se
comportam como as estruturas independentes de infinitivo não flexionado, as construções
gerundivas surgem na sua forma não marcada em estruturas subordinadas adverbiais.
No que diz respeito à ocorrência de ISV em estruturas gerundivas, pode-se dizer que
com sujeitos disjuntos são melhores gramaticalmente as construções que exibem um
auxiliar ou que são introduzidas por um elemento em. Na ausência deste elemento, a
inversão sujeito verbo é obrigatória. Exemplos:
(278) a. *? Comprando o João o livro, abandonamos a livraria.
b. Tendo o João comprado o livro, abandonamos a livraria.
(279) a. ? Em comprando o João o livro, saímos da livraria.
b. Em o João comprando o livro, saímos da livraria.
4.9. ISV no contexto de ergativas e passivas
Âmbar (1992) reúne ergativas e passivas em uma mesma seção ao tratar dos contextos
em que ISV está presente pelo fato de essas construções, cf. a autora, partilharem um
conjunto de propriedades que definem a chamada hipótese inacusativa, na terminologia de
Perlmutter (1978) ou ergativa, na terminologia de Burzio (1981) e de Chomsky (1981).
Assim, nas palavras de Burzio (1981:45), são construções ergativas ou inacusativas
7
Por small clause entende-se, cf., entre outros, Williams (1975, 1980, 1983), Jackendoff (1977), Chomsky
(1981) e, para o Português Marrafa (1985), a estrutura oracional que se caracteriza por ter um sujeito ao qual é
atribuído o caso pelo verbo matriz e papel temático pelo seu predicado, podendo ser este da categorial
adjetival, nominal, preposicional ou participial. Um exemplo clássico é constituído por frases do tipo:
Considero [o João um gênio].
aquelas cujos verbos, não sendo capazes de atribuir Caso aos seus complementos, fazem
com que estes se desloquem para uma posição onde possam aceder a ele. Esses verbos
aparecem em estrutura profunda com um objeto direto, e com um sujeito não-temático, i.e.,
com um sujeito não referencial (geralmente vazio). Nesta perspectiva, frases passivas
(Foram entregues as cartas. – Âmbar, 1992:123) e inacusativas propriamente ditas
(Aconteceu no Rio, como acontecem tantas coisas. (grifo meu) – Carlos Drumond de
Andrade, CB, 30, apud Âmbar, 1992) se enquadrariam em um mesmo conjunto.
No que se refere especificamente a ISV, destacam-se, segundo Âmbar (1992:131132), os seguintes pontos:
(i)
em construções ergativas, o sujeito, independentemente do seu caráter [  definido], ocorre
depois do verbo se se verificarem as seguintes condições: a) não ocorrer à direita do verbo
nenhum outro constituinte por ele subcategorizado; b) ocorrer, no caso de não se verificar a
condição a), um constituinte em posição inicial de frase;
(292) c. Chegaram os delegados alemães.
(295) a. Ontem chegaram os delegados alemães a Lisboa.
(ii)
os sujeitos indefinidos podem sempre ocorrer depois do verbo, abstração feita das condições
de (i);
(292) b. ?* Chegaram os delegados alemães ontem.
(294) a. Chegaram delegados alemães ontem.
(iii)
(iv)
a posição ocupada pelos sujeitos pós-verbais nas construções ergativas segue as normas
estabelecidas para as mesmas posições noutros contextos;
nas estruturas passivas a posição pós-auxiliar ser é bastante marginal para os sujeitos
definidos e completamente excluída para os indefinidos;
(315) a. *? Foram as cartas entregues aos prisioneiros.
c. * Foram cartas entregues aos prisioneiros.
(v)
a situação descrita em (iv) altera-se se as frases forem integradas em contextos em que são
introduzidas expressões adverbiais (frásicas ou não frásicas):
(316) a. Finalmente foram as cartas entregues (aos prisioneiros)!
b. ? Finalmente foram cartas entregues (aos prisioneiros)!
5. O fenômeno Inversão Sujeito Verbo na Teoria de Regência e de Ligação
Nesta seção faremos uma breve apresentação da Teoria de Regência e de Ligação e da
interpretação dada por Âmbar (1992) ao fenômeno ISV em PE dentro desta teoria.
5.1. A Teoria de Regência e de Ligação
Na Teoria de Regência e de Ligação (do inglês: Government and Binding Theory),
apresentada em Chomsky (1981), o caráter altamente estruturado da Gramática Universal é
atualizado num sistema com arquitetura modular consistindo em vários subsistemas em
interação. Desses subsistemas podemos destacar dois subsistemas maiores: (i) o sistema de
regras – com várias subcomponentes – e (ii) o sistema de princípios – com vários
subsistemas de princípios, geralmente designados por teorias.
Segundo a versão dada em Chomsky (1981) da teoria acima referida, o sistema de
regras é constituído pelas seguintes subcomponentes: (i) léxico; (ii) sintaxe (a. componente
categorial e b. componente transformacional); (iii) Forma Fonética (FF) (do inglês:
Phonetic Form (PF)); (iv) Forma Lógica (FL) (do inglês: Logical Form (LF)). Essas
subcomponentes aparecem assim organizadas, cf. Chomsky (1981):
Léxico

Estrutura-P

Mova 

Estrutura-S
/
\
FF (iii)
FL (iv)
Por sua vez, o sistema de princípios, em interação com os diferentes níveis e
componentes apresentados logo acima, inclui na Teoria de Regência e de Ligação
(doravante TRL), como formulada em Chomsky (1981), os seguintes princípios8: a. Teoria
dos Nós-Fronteira (Bounding Theory), b. Teoria da Regência (Government Theory), c.
Teoria Temática (-Theory), d. Teoria da Ligação (Binding Theory), e. Teoria do Caso
(Case Theory) e f. Teoria do Controle (Control Theory).
5.2. A análise do fenômeno ISV em PE feita por Âmbar (1992) no âmbito da
TRL
8
Conforme a necessidade exigida pela análise que será apresentada nesta resenha, explicitaremos alguns
desses princípios nas seções posteriores.
Âmbar (1992) apresenta-nos para os dados de PE uma análise diferente do fenômeno
ISV até então apresentada por trabalhos como, por exemplo, o de Kayne & Pollock (1978)
para o Francês.
Na análise de Kayne & Pollock (1978), estruturas como em (1) são, em Francês,
resultado da aplicação de uma regra de inversão estilística que move o SN sujeito para a
direita. Essa regra atuaria tanto em interrogativas não encaixadas como em interrogativas
encaixadas e em relativas, respectivamente 1a, 1b e 1c:
(1) a. Quand partira ton ami?
b. Je me demande quand partira ton ami.
c. La Maison où habite cet homme est très jolie.
(Kayne & Pollock, 1978:595-596)
Segundo os mesmos autores, a inversão estilística ocorre nas orações introduzidas por
um elemento QU- (interrogativo ou relativo).
Já em Torrego (1984) deparamo-nos com uma proposta de análise diferente para
estruturas em Espanhol correspondentes às do tipo (1) em Francês. Segundo essa autora,
estruturas como as de (1) resultariam, em Espanhol (ex.: Qué querían esos dos?; A quién
prestó Juan el diccionario? – em Torrego, 1984:103-105), não de um movimento do sujeito
para a direita, mas de um movimento do Verbo para a esquerda do SN sujeito. Para Torrego
(1984), este movimento é considerado obrigatório sempre que o elemento QU- movido para
COMP é um argumento temático do verbo.
Levando em consideração as propostas acima apresentadas, para o Espanhol e para o
Francês, vejamos a proposta de Âmbar (1992) para o fenômeno ISV em PE. Atentemo-nos
às seguintes frases:
(10) a. (O) Que ofereceu o Pedro à Joana?
b. *(O) Que o Pedro ofereceu à Joana?
Segundo Âmbar (1992), se admitimos que, para a derivação da ordem dada em 10a., o
sujeito se desloca para a direita, temos também que admitir como sua posição de destino
uma posição no interior do SV. Porém, as propriedades da teoria do movimento, deriváveis
de princípios gerais da gramática, referidos na seção 5.1. desta resenha, excluem tal
hipótese. Em qualquer dos dois movimentos (substituição ou adjunção) da atual versão da
teoria, o movimento para o interior de SV é impossível.
No movimento de substituição, o sujeito iria ocupar uma posição de complemento,
resultando na atribuição a mais de um argumento da função- de complemento, uma vez
que esta função já fora atribuída ao elemento “que”, o que violaria o Critério-, segundo o
qual, cf. Raposo (1992: 303), cada argumento numa representação sintática é suporte de
uma e uma só função- e cada função- numa estrutura argumental é atribuída a um e só
um argumento numa representação sintática. No movimento de adjunção, cf. Âmbar
(1992:180), o SN sujeito, uma projeção máxima, ficaria adjunto ou a uma cabeça (o verbo)
ou a uma projeção não-máxima dessa cabeça (o verbo mais o vestígio do elemento QUdeslocado para COMP), indo assim contra a idéia de que adjunções de projeções máximas
se fazem a projeções máximas, da mesma forma que substituições de projeções máximas
são feitas por projeções máximas e que cabeças só podem ocupar posições de cabeça, uma
forma de generalização da Hipótese de Preservação de Estrutura de Emonds (cf. Chomsky
(1986b)).
Dada a impossibilidade do movimento do SN sujeito para a direita do verbo, pelos
motivos explicitados acima, Âmbar sustenta a hipótese de subida do verbo para o fenômeno
ISV em PE. Todavia, sua proposta difere da proposta de Torrego (1984) para o Espanhol,
na medida em que em Âmbar (1992), a argumentação apresentada a favor da subida do
verbo não se restringe aos contextos QU- interrogativos, mas é válida para todos os
contextos apresentados na seção 4 desta resenha. Vejamos como exemplo a inversão em
interrogativas sim/não (15) e ISV em contextos pergunta-resposta (17, 17’, 17”, 17”’) ou
em parentéticas (18, 18’, 18”, 18”’):
(15) a. Comprará a Joana o livro?
b. ??Comprará o livro a Joana?
c. ?Comprará o livro A JOANA?
(17) Comeu a Joana.
(18) Vou-me embora – anunciou o Gonçalo.
(17’) Comeu a Joana os morangos.
(18’) Vou-me embora – anunciou o Gonçalo aos presentes.
(17”) Comeu ela os morangos.
(18”) Vou-me embora – anunciou ele aos presentes.
(17”’) *? Comeu os morangos ela.
(18”’) *? Vou-me embora – anunciou aos presentes ele.
Se em 15, ISV correspondesse a um movimento do SN sujeito para a direita, não
teríamos como explicar a gramaticalidade da frase 15a, levando em conta os motivos já
explicitados anteriormente quanto à impossibilidade de movimento do sujeito para dentro
de SV. Por essa razão, assume-se que a inversão em contextos como o de (15) implica a
subida do verbo, podendo esta estar acompanhada de um movimento do SN sujeito à direita
como nos casos 15b. e 15c.
A mesma situação é verificada no contexto de “pergunta-resposta” (17) e de
parentéticas (18). Em (17) e (18), não há evidência empírica para que o verbo tenha subido.
Já em (17’) e (18’), quando complementos são acrescidos a essas frases, fica claro que o
verbo subiu para a esquerda do sujeito.
O contraste (17”) - (18”) (o sujeito é um pronome) e (17”’) - (18”’) (o pronome
sujeito ocorre em final de frase), reforça a evidência empírica dada pela posição do sujeito
em (17’) e (18’). Em (17”’)-(18”’), mas não em (17”) – (18”), o pronome está numa
posição de adjunção. Para que o sujeito não esteja numa posição de adjunção como em
(17”) – (18”), o verbo tem que ter subido, ficando o sujeito, na sua posição de origem.
Assim, cf. Âmbar (1992:184), o problema do posicionamento do sujeito nas
diferentes estruturas em que a inversão atua em PE, descritas na seção 4 desta resenha,
encontra uma solução adequada na análise acima proposta.
5.3. Principais fatores de desencadeamento da subida do verbo no fenômeno ISV
em PE
O motivo pelo qual a subida do verbo é obrigatória no fenômeno ISV em PE consiste
na existência de certos elementos que provocariam a subida do verbo em uma dada
sentença para que princípios da GU não fossem violados. Nesta seção apresentaremos os
principais desencadeadores da subida do verbo obrigatória elencados por Âmbar (1992).
5.3.1. A existência de uma categoria vazia [e] no constituinte QU- interrogativo
Um dos fatos desencadeadores da subida do verbo em ISV é a existência de uma
categoria vazia no constituinte QU- interrogativo. Atentemo-nos para os exemplos (22) e
(23) apresentados por Âmbar (1992):
(22) a. Por que saiu a Rita?
b. * Por que a Rita saiu?
(23) a. * Que o Pedro ofereceu à Joana?
b. ? Que disco o Pedro ofereceu a Joana?
c. Que disco O PEDRO ofereceu à Joana?
Através da observação dos exemplos constata-se que: enquanto constituintes QUinterrogativos que não são argumentos temáticos do verbo, uma vez em COMP,
desencadeiam ISV obrigatória (exemplo 22), constituintes QU- interrogativos que são
argumentos temáticos do verbo não desencadeiam ISV obrigatória (exemplo 23).
O contraste de gramaticalidade surge sempre que o constituinte QU- interrogativo
integra um N foneticamente realizado, seja ou não esse constituinte um argumento temático
do verbo. Essa ausência versus presença de um N foneticamente realizado no constituinte
QU- interrogativo movido para Espec. motivou Âmbar (1992) a propor que à ausência
desse N corresponde a presença de uma categoria vazia. A constituintes QU- interrogativos
como “que” estaria, segundo a autora, associada a seguinte representação estrutural: [QUE
[e]]
+ QU-; onde QUE = determinante e [e] = qualquer instância de N’. Faz-se necessário
acrescentar que essa hipótese de existência de uma categoria vazia no constituinte QUinterrogativo é válida, na proposta de Âmbar (1992), para qualquer elemento QU- que não
integre um N foneticamente realizado: quem, o que, quando, onde, como, porque.
Sendo [e] uma categoria vazia, está sujeita ao Princípio da Categoria Vazia que
estipula que uma categoria vazia deve ser propriamente regida, ou seja, -regida ou regida
por antecedência. Logo, a agramaticalidade da frase b. do exemplo (22) dado acima
consiste no fato de que a categoria vazia no constituinte QU-, não estando propriamente
regida, viola o Princípio da Categoria Vazia.
Com base nessa análise, encontra-se a resposta do porquê do caráter obrigatório da
ISV no contexto de interrogativas diretas: o verbo sobe porque existe em Espec. de COMP
uma categoria vazia que precisa ser regida.
Ainda segundo a mesma autora já referida, acrescenta-se que em interrogativas
encaixadas, ISV é facultativa, pois não é preciso que o verbo suba para que seja regida a
categoria [e] no elemento QU- interrogativo, uma vez que o papel da regência de [e] pode
ser desempenhado pelo verbo da matriz.
5.3.1.1. O estatuto de [e]
Levando em conta os princípios da Teoria de Ligação9 e da Teoria de Regência10 na
TRL (1981), Âmbar (1992) estipula o estatuto de [e] no constituinte QU-.
Atentemo-nos à posição de [e] na representação arbórea proposta por Âmbar (1992):
COMP’’
/
\
Espec.
COMP’
|
/
\
[QUE[e]  r] COMP FLEX”
|
V-FLEX
Pela representação admitida acima, [e] não pode ser PRO (+pronominal, +anafórico),
pois PRO não pode ser regido e [e] surge num contexto de regência. Também não pode ser
(-pronominal, +anafórica), pois uma anáfora nula (vestígio de SN) não teria antecedente
que a c-comandasse na sua categoria regente, violando o princípio A da teoria da Ligação.
[e] ainda não pode ser uma variável, pois cf. Chomsky (1981:330):  é uma variável se está
localmente A’-ligada e está numa posição A e, na representação arbórea dada, [e] não está
numa posição-A, mas numa posição-A’ – a posição de especificador-, pelo que não satisfaz
a definição de variável.
Portanto, [e] só pode ser legitimado como pro. Com efeito, com base na representação
arbórea proposta por Âmbar (1992), são satisfeitas as condições de legitimação de pro, uma
vez que não há violação do princípio B. da teoria da Ligação porque pro em Espec. está A’ligado, mas não A-ligado na sua categoria regente.
5.3.2. Operadores nulos
Nesta seção serão explicados os motivos da subida do verbo obrigatória no contexto
de resposta a interrogativas QU- ou focalizadas, no contexto de parentéticas, no contexto de
construções de
infinitivo flexionado independentes e no contexto de construções de
conjuntivo independentes.
9
A teoria de Ligação, segundo Chomsky (1981), é constituída pelos seguintes princípios: A. Uma anáfora
deve estar A-ligada na sua categoria de regência; B. um pronome não pode estar A-ligado na sua categoria
regente; e C. uma expressão-R deve ser livre.
10
Cf. Chomsky (1982:19) apud Âmbar (1992:157):  rege  sse =X,  c-comanda , e  não está
protegido por uma projeção máxima.
Comecemos pelo caso de subida do verbo obrigatória nos contextos de resposta a
interrogativas QU- ou focalizadas e de parentéticas, respectivamente ilustrados pelos
exemplos (50) e (51) de Âmbar (1992:200):
(50) – Quem comeu o chocolate?
a. Comeu a Joana.
b. * A Joana comeu.
c. *? A JOANA comeu.
(51) a. – Que tens tu? – perguntou o António (grifo meu)
b. * - Que tens tu? – o António perguntou (grifo meu)
c. *? – Que tens tu? – O ANTÓNIO perguntou (grifo meu)
Âmbar (1992) explica a subida do verbo nos contextos exemplificados por (50) e (51)
postulando que em construções pergunta-resposta e em parentéticas há um operador nulo
em Espec. de COMP”, representando na resposta a informação já dada na pergunta. Assim
frases como (50a) e (51a) teriam a seguinte representação em estrutura-S:
(50a) [COMP” Opi [COMP’ comeujk [FLEX” a Joana vjk vk vi ]]]
(51a) [COMP” Opi [COMP’ perguntoujk [FLEX” o António vjk vk vi ]]]
Dadas as respectivas configurações em estrutura-S, confirma-se a conclusão da já
referida autora de que a obrigatoriedade da subida do verbo em (50) e (51) advém da
necessidade de o operador em Espec. reger o vestígio (por antecedência, uma vez que o
vestígio não está sendo -regido pelo verbo) no interior de FLEX” para que não se viole o
Princípio da Categoria Vazia, já explicitado anteriormente.
No que diz respeito à subida do verbo obrigatória em construções de infinitivo
flexionado independentes (exemplo de Âmbar (1992): “Dizeres-me tu a verdade!”), estas
construções só seriam possíveis quando associadas a uma determinada modalidade, o que
sugere que a legitimação do infinitivo flexionado em estruturas não subordinadas
dependeria da existência de um operador nulo. Observemos a representação da frase
“Dizeres-me tu a verdade!” em estrutura-S dada por Âmbar (1992:208):
[COMP” Opi [COMP’ dizeresjk [FLEX” tu vjk vk a verdade.]]]
A legitimação de um infinitivo flexionado passa pela legitimação dos elementos
CONC e Tempo. Sendo o Tempo um elemento ‘fraco’ nas construções de infinitivo, ele
tem de ser identificado e essa identificação pode ser feita pelo operador modal em Espec.
de COMP.
Dada a representação em estrutura-S acima, o elemento Tempo (sem realização
fonética), em COMP, é regido por concordância Espec.-cabeça pelo operador em Espec. de
COMP. Uma vez o Tempo identificado, este passa agora a legitimar CONC11.
A existência de um operador modal na posição de Espec. explica a agramaticalidade
de frases como:
(75) a. * Que me dizeres tu?
A agramaticalidade é causada pela violação do COMP duplamente preenchido12.
A mesma análise se aplica às construções de conjuntivo independentes e às
construções de conjuntivo complexas, respectivamente (76) e (82):
(76) b. ? ELES digam a verdade!
b'. Digam eles a verdade!
(82) a. Tivesse eu tempo e havias de ver como tudo corria bem.
b. ? Eu tivesse tempo e havias de ver como tudo corria bem.
Também as construções de conjuntivo só são possíveis se estiverem associadas a
uma dada modalidade, o que justifica a presença de um operador modal. Igualmente este
operador tem por função legitimar o Tempo, também fraco, das estruturas de Conjuntivo.
Aqui também a violação do Filtro do COMP duplamente preenchido mostra que o
operador existe na posição de Espec. de COMP:
(77) a. *Que eles digam?
b. *Que digam eles?
(83) b. ? Se tivesse eu tempo, havias de ver como tudo corria bem.
Cf. Âmbar (1992:211), concluímos que, na presença de um operador, o que força a
subida do verbo é não o operador em si mesmo, mas o facto de o operador, sendo vazio,
não poder L-marcar FLEX”, não viabilizando assim a regência por antecedente de um
elemento contido em FLEX”, diferente da sua cabeça.
11
Cf. Âmbar (1992:215), um elemento fraco, uma vez identificado, torna-se forte, capaz, portanto, de
identificar.
12
De acordo com a análise de Âmbar (1992) em relação a PE, uma posição Espec. lexicalmente preenchida
não pode co-ocorrer com uma posição COMP também lexicalmente preenchida (admitindo o
complementador como “lexical”), se as categorias que ocupam as duas posições forem da mesma categoria
[N+].
5.3.3. Identificação temática
Segundo Âmbar (1992), a subida obrigatória do verbo em certas construções de
constituintes antepostos e em construções ergativas é devida à identificação temática
exigida pelo sujeito. Atentemo-nos aos exemplos de ISV em contexto de anteposição de
constituintes e em contexto de ergativas, respectivamente (85) e (91), (92) e (93):
(85) a. O Pedro mora em Lisboa.
b. * Em Lisboa, o Pedro mora.
c. * Em LISBOA, o Pedro mora.
d. * Em Lisboa, O PEDRO mora.
e. Em Lisboa mora o Pedro.
(91) a. O Pedro chegou.
b. Chegou o Pedro.
(92) a. * O Pedro chega.
(93) a. O Pedro chega amanhã.
Levemos em consideração a seguinte proposição encontrada em Âmbar (1992:213):
Uma expressão-R plena tem de ser tematicamente identificada de forma apropriada.
Na perspectiva de Âmbar (1992), verbos como morar e, cf. também Âmbar e
Vasconcelos (1983), verbos ergativos como chegar, sem complemento a sua direita, são
considerados semanticamente fracos.
Essa maior ou menor força semântica dos verbos estaria associada à existência ou
não existência de argumentos neles incorporados. Um verbo só seria forte, e,
conseqüentemente, capaz de por si só identificar tematicamente uma expressão-R plena,
quando tivesse incorporado um argumento. Um verbo como morar ou chegar, cf. os
exemplos agramaticais dados acima, não teria incorporado nenhum argumento e, portanto,
não seria capaz de identificar tematicamente as respectivas expressões-R sujeitos:
coincidentemente, O Pedro e O Pedro.
Assumindo que um verbo fraco só pode identificar apropriadamente uma expressãoR plena enquanto mantiver com o complemento que lhe dá força semântica uma relação de
unidade (esta está associada à relação de contigüidade, como a que está presente na relação
“irmã”, entre um verbo e o seu complemento) e que um verbo semanticamente fraco, ou a
sua projeção máxima, torna-se forte, capaz, portanto, de identificar tematicamente uma
expressão se ele próprio for identificado, Âmbar (1992:215) postula que no contexto de
constituintes antepostos e no contexto de ergativas, a subida do verbo é obrigatória por
imposição de identificação temática da expressão-R sujeito. O verbo sobe para que,
restabelecendo-se a relação de contigüidade entre um verbo fraco e o seu complemento, a
identificação da expressão referencial sujeito se torne possível, na ausência de um Tempo
forte (exemplo (91)) que identifique SV.
Referências bibliográficas
ÂMBAR, M. M. (1992) Para uma sintaxe da inversão sujeito-verbo em Português. Em:
Coleção Estudos Lingüísticos. Edições Colibri, Lisboa.
ÂMBAR, M. & VASCONCELOS, M. (1983) O lugar da gramática no ensino de uma
língua. Em: Actas do Congresso sobre a Situação Actual da Língua Portuguesa no Mundo,
vol.II. Instituto de Cultura Portuguesa, Lisboa 1988, 666-679.
BURZIO, L. (1981) Italian Syntax. Dissertação de Doutoramento, MIT. Cambridge,
MASS.
CHOMSKY, N. (1981) Lectures on Government and Binding. Foris Publications,
Dordrecht.
__________ (1986b) Barriers. The MIT Press. Cambridge, Mass.
JACKENDOFF, R. S. (1977) X’ Syntax: A Study of Phrase Structure. The MIT Press.
Cambridge, Mass.
KAYNE, R. & POLLOCK, J-Y. (1978) Stylistic Inversion, Successive Cyclicity, and
Move NP in French. Em: Linguistic Inquiry 9.4, 595-621.
MARRAFA, P. (1985) A Construção Transitiva-Predicativa em Português. Dissertação de
Mestrado, FLL. Lisboa.
PERLMUTTER, D. (1978) Impersonal Passives and the Unnaccusative Hypothesis. Em: J.
Jaeger et al. (eds.) – Proceedings of the Berkeley Linguistics Society 4., 157-189.
RAPOSO, E. P. (1992) Teoria da Gramática: A Faculdade da Linguagem. Editoria
Caminho. Lisboa.
TORREGO, E. (1984) On Inversion in Spanish and Some of Its Effects. Em: Linguistic
Inquiry 15.1. Cambridge, Mass., 103-129.
WILLIAMS, E. (1980) Predication. Em: Linguistic Inquiry 11.1, 203-238.
WILLIAMS, E. (1983) Against Small Clause. Em: Linguistic Inquiry 14.2, 287-308.
Download