Nós ou as galinhas?

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Quarta-feira, 20 setembro de 2006
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Nós ou as galinhas?
Fernando Reinach*
O famoso H5N1, vírus da gripe aviária, é letal para as aves e se espalha rapidamente
nos galinheiros. Para controlar sua disseminação, os países afetados pela doença têm
exterminado milhões de aves assim que detectam um foco da doença. Isso causa
enormes prejuízos para a indústria. Para estancar as perdas, os criadores pretendem
vacinar as aves com produtos que ainda estão sendo desenvolvidos. A má notícia é que
um estudo epidemiológico recente demonstrou que caso o programa não seja executado
com perfeição, vacinar as aves pode aumentar o risco de o vírus se espalhar e provocar
uma pandemia em humanos.
Hoje, o H5N1 raramente infecta seres humanos, mas, quando infecta, mata mais de
50% dos pacientes. Os cientistas acreditam que o H5N1 ainda não está adaptado para
passar de pessoa para pessoa, mas, se forem dadas muitas oportunidades para o vírus
sofrer mutação e 'testar suas habilidades' vai acabar surgindo um vírus adaptado ao
corpo humano. A partir desse momento, a chance de o H5N1 provocar uma pandemia
capaz de matar milhões aumenta significativamente. Por esse motivo, é extremamente
importante controlar a disseminação da doença nas aves.
Menos galinhas infectadas, menos chances de o vírus se deparar com seres humanos.
Parecia lógico que uma vacina que tornasse galinhas imunes ao vírus deveria ser boa
notícia tanto para elas (e seus criadores) quanto para a humanidade em geral. Como
acontece freqüentemente em ciência, uma análise cuidadosa muitas vezes joga por terra
nossa intuição. Usando modelos matemáticos e dados experimentais que descrevem a
maneira como a gripe se dissemina nos galinheiros, cientistas ingleses demonstraram
que uma vacinação imperfeita pode causar o espalhamento silencioso do vírus.
Os modelos que descrevem a epidemiologia da gripe em galinheiros são peculiares e
refletem o modo como as aves são criadas. Cerca de 10 mil pintos recém-nascidos são
colocados em um galpão onde crescem juntos por um número fixo de dias até serem
transportados ao matadouro. Como ficam muito próximos uns dos outros, é necessário
obter a imunização de mais de 90% das aves para evitar uma epidemia. Entretanto,
quando um grande número fica imunizado, a doença se espalha muito lentamente no
galinheiro e a probabilidade de a gripe passar despercebida se aproxima de 100%. Caso
a doença não seja detectada em tempo, as aves infectadas são transportadas para o
matadouro, o que tende a espalhar a doença e a aumentar a chance de o vírus infectar
humanos. Por outro lado, caso as aves não sejam vacinadas, é praticamente impossível
que a doença passe despercebida.
Esse estudo demonstra que, caso a vacinação não seja extremamente eficaz, bem
organizada e conduzida com perfeição, pode até salvar a vida de muitas galinhas e o
bolso de muitos avicultores. Mas expõe a humanidade ao risco de uma pandemia de
gripe aviária. Se levarmos em conta que, na grande maioria dos países
subdesenvolvidos, o controle sanitário das granjas é precário, fica a dúvida: devemos
ou não vacinar as galinhas? Nós ou as galinhas? Essa é uma boa discussão para uma
mesa de bar com chope e coxinhas empanadas.
Mais informações em Silent spread of H5N1 in vaccinated poultry, na Nature, volume
442, página 757, de 2006.
*[email protected]
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