ORIGINAL A implantação das boas práticas nos estabelecimentos da praça de alimentação de um shopping center localizado em cidade no interior do Estado de São Paulo* The application of GMP (Good Manufacturing Practices) in restaurants at mall located in a inner city of São Paulo State Cláudia Maria Facioli Gomes 1 Graziela Pereira Pestana de Castro 2 1 2 Nutricionista. Docente da Universidade de Franca (Unifran). * Parte da monografia apresentada pela primeira autora à Unifran como Trabalho de Conclusão de Curso. RESUMO: as mudanças nos hábitos alimentares da população estão acompanhadas de uma série de fatores relacionados à qualidade e à quantidade dos alimentos consumidos. O excesso de gordura e açúcar é um desses fatores e, por outro lado, as condições higiênico-sanitárias e a mão-de-obra utilizada nem sempre são adequadas. Diante disso, há a necessidade de estabelecimentos comerciais, em especial do setor de alimentação, adaptarem-se, estabelecendo procedimentos de caráter mais profissional e adequado às Boas Práticas. O objetivo do presente trabalho foi acompanhar a implantação das Boas Práticas em bares, lanchonetes, restaurantes, pizzarias e sorveterias da praça de alimentação de um Shopping Center do interior de São Paulo, visando à oferta de alimentos seguros. Palavras-chave: hábitos alimentares; boas práticas; alimentos seguros. ABSTRACT: the changes in the population’s eating habits are followed by a series of factors related to the quality and quantity of their food consumption. Fat and sugar extreme consumption is one of these factors. On the other hand, the hygienic/sanitary practices and workmanship are inadequate. Therefore, there is a necessity of the commercial stablishments, specially the feeding sector, to adapt themselves by setting up more profissional procedures according to the Good Manufacturing Practices (GMP). The objective of the present work was to survey the application of Good Manufacturing Practices in bars, coffee shops, restaurants, pizza places and ice cream shops at a mall located in a inner city of São Paulo State, aiming the safe food supplying. Key words: eating habits; GMP (Good Manufacturing Practices); safe food. Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v.6 n. 1 p. 47–51 jan. / abr. 2006 47 INTRODUÇÃO ao modelo de desenvolvimento trilhado pelo país os processos que podem comprometer os padrões do produto: produção, equipamentos, matérias-primas, manipulação, ingredientes, embalagem, armazenamento, transporte e comercialização (ARAÚJO, 1998). nas últimas décadas, o crescimento territorial das Este trabalho tem por objetivos: a sensibilização cidades com conseqüente distanciamento dos locais dos proprietários ou responsáveis para a adoção de de residência dos locais de trabalho e, ainda, a incor- Boas Práticas operacionais na manipulação e comércio poração da mulher ao mercado formal de trabalho, dos alimentos; a implantação das Boas Práticas, que têm determinado crescente aumento da demanda têm como finalidade a oferta de alimentos seguros; por serviços de alimentação coletiva: fast-food, buffet, a capacitação dos funcionários dos estabelecimentos cozinhas industriais, restaurantes, etc. (NERVINO; em questão; a análise das condições de instalação e HIROKA, 1997). higiene dos estabelecimentos, adequando os mesmos O incremento da concentração urbana inerente O risco da ocorrência de doenças de origem ali- às exigências da legislação vigente (CVS-6/99). mentar provoca incertezas e preocupações às pessoas MATERIAL E MÉTODOS que realizam as refeições fora de casa e exigem um alimento de qualidade; portanto, atualmente é crescente A presente implantação das Boas Práticas foi rea- a preocupação do consumidor brasileiro com relação lizada nos estabelecimentos da praça de alimentação à qualidade dos alimentos e a conseqüente redução de de um Shopping Center localizado em uma cidade do riscos à sua saúde e do meio ambiente (DAMASCE- interior de São Paulo. Trata-se de uma cidade indus- NO, 1997). A relação alimento-saúde é, portanto, de trial que conta hoje com cerca de 320 mil habitantes. grande relevância, mostrando a necessidade de desen- A cidade também possui uma expressiva população volver programas que visem difundir conhecimentos universitária em torno de 15 mil pessoas que fre- que protejam a população através da orientação aos qüenta os cursos de quatro instituições de ensino profissionais do ramo de alimentos, quanto aos riscos superior existentes, possuindo, portanto, um público inerentes ao consumo alimentar. Além de difundir a consumidor com razoável poder aquisitivo e também legislação, esses programas devem sensibilizar o pro- exigente e consciente dos seus direitos. Diante de um fissional para a adoção de Boas Práticas operacionais grupo potencial de consumidores que vive em um na manipulação, preparo e comércio de alimentos, vi- centro urbano em crescente processo de demanda sando à produção de alimentos mais seguros. Os pro- por serviços, há a necessidade de estabelecimentos cedimentos preconizados para garantir um alimento comerciais, em especial do setor de alimentação, de boa qualidade higiênico-sanitária difundidos atra- adaptarem-se a essa nova realidade, estabelecendo vés de programas de educação, são aplicáveis tanto procedimentos de caráter mais profissional e adequa- no preparo profissional quanto no domiciliar, contri- do às Boas Práticas. buindo para a promoção da saúde e para a melhoria A amostra desta pesquisa foi constituída por ba- da qualidade de vida do indivíduo e da coletividade res, pizzarias, restaurantes e sor veterias que estão (SOUZA, 2003). localizados na praça de alimentação de um Shopping Silva Jr. (1995) informa que as principais causas de Center do interior paulista, em número de dez estabe- surtos de doenças de origem alimentar no município lecimentos comerciais. Inicialmente foram realizadas de São Paulo em 1991, foram em ordem decrescente a visitas aos locais para conhecer as instalações e pre- conservação deficiente (70%), manipuladores (25%), encher o check-list inicial de consultoria técnica, que matéria-prima inadequada (14%), tratamento térmi- é um instrumento de avaliação tipo questionário que co impróprio (12%), acondicionamento inadequado utiliza como critério a legislação específica, no caso, a (11%), higiene deficiente nas instalações, equipamen- CVS-6/99. Uma vez verificadas as não conformidades tos e utensílios e contaminação cruzada (5%). No setor de alimentos, a qualidade se refere a todos ou conformidades, foi realizado treinamento inten- Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca 48 Franca (SP) sivo para os funcionários dos respectivos estabeleciv. 6 n. 1 p. 47–51 jan. / abr. 2006 mentos, tendo como objetivo implantar as Boas Práticas de manipulação e conservação dos alimentos, além da adequação do espaço físico. Esse treinamento foi realizado por uma equipe de alunos e professores do curso de Nutrição da Universidade de Franca entre os meses de março, abril e maio de 2004. na auditoria; NO para quesitos não observados na auditoria. Após o trabalho de treinamento e de conscientiza- Práticas ou não haviam providenciado o registro de ção dos funcionários, foram feitas novas visitas para treinamento dos funcionários; 90% apresentavam visualizar as mudanças ocorridas, bem como checar problemas com o controle de recepção dos alimentos os efeitos da aplicação dos conhecimentos adquiridos e de mecanismos de controle da temperatura do free- ao longo do treinamento, principalmente as Boas Prá- zer e da geladeira; 80% dos estabelecimentos apresen- ticas, utilizando também o check-list e fazendo as com- tavam deficiências na parte de organização e limpeza, parações entre “o antes e o depois” do treinamento. como lixeiras sem tampa ou pedal, armazenamento Nas primeiras visitas, realizadas nos meses de fevereiro e março de 2004, os itens que não estavam em conformidade com as Boas Práticas foram: 90% dos locais visitados não possuíam manual de Boas inadequado do lixo, produtos de limpeza juntamenRESULTADOS E DISCUSSÃO te com produtos descartáveis etc.; 80% dos locais Atualmente, ser vir e comercializar alimentos pesquisados possuíam falhas no armazenamento de seguros passou a ser um elemento fundamental na produtos; em 100% dos casos encontramos caixas de opinião do consumidor ao selecionar e comprar um papelão no interior do freezer. Além disso, existiam alimento. Na era da globalização e do aumento cada outros agravantes: visores de temperatura danificados, vez maior da concorrência, as empresas devem adap- produtos sem data de validade e identificação adequa- tar-se às novas exigências do mercado, que procura da, falta de termômetros; 70% dos estabelecimentos preço e qualidade daquilo que é consumido. No pre- estavam com dificuldades nas áreas de processamento paro e na manipulação de alimentos, principalmente e no próprio processamento dos alimentos: como em bares e restaurantes de fast-food que vêm crescendo falta de ventilação e ausência de exaustores, higiene devido aos novos hábitos alimentares da população, dos hortifrutigranjeiros, falta de monitoramento das há possibilidade de contaminação de origens biológi- temperaturas nos procedimentos de reaquecimento, ca, física ou química, daí a importância na elaboração resfriamento e congelamento, riscos de contaminação de normas “atuando de forma concreta e irreversível, cruzada; 60% das áreas de atendimento ao público como barreiras sanitárias à livre comercialização de possuíam algum tipo de irregularidade tais como: produtos” (LOPES, 2004, p. 5). falta de proteção das luminárias, ausência de controle Para melhor avaliação das não conformidades, da temperatura da pista fria ou quente; 90% do uni- foi utilizado o check-list de auditoria técnica forneci- verso pesquisado possuía alguma deficiência no item do pelo próprio shopping, que monitorou as visitas, higienização ambiental: uso de produtos de limpeza à sendo a primeira para verificar as condições em que base de cloro sem enxágüe final, falta de instrução por se encontravam os respectivos estabelecimentos e a escrito dos procedimentos de limpeza e higienização, segunda para avaliar o impacto do programa de trei- falta de local para guardar os utensílios de limpeza, namento dos funcionários. Os locais que participa- não possuíam certificado de controle de pragas; 100% ram dessa pesquisa e treinamento podem ser assim dos locais pesquisados apontaram deficiências no descritos: 1 sor veteria (10%); 2 pizzarias (20%); 2 quesito pessoal. Eram itens relacionados à falta ou cafeterias (20%); 1 lanchonete (10%); 4 restauran- uso inadequado de uniformes e adereços, presença de tes (40%), sendo adotados os seguintes critérios de pessoas sem uniforme nas áreas de manipulação de avaliação: nota 4 para os itens que foram satisfatoria- alimentos, ausência de exames médicos periódicos, mente atendidos; nota 2 para os quesitos parcialmen- falta de instalação adequada para lavagem correta das te atendidos; nota 0 quando os quesitos não foram mãos, uso excessivo de panos, ao invés de papel toa- atendidos; NA quando o item não era considerado lha descartável. Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 6 n. 1 p. 47–51 jan. / abr. 2006 49 Verificou-se que, em quase todos os quesitos do check-list, os estabelecimentos apresentavam algum tipo de falha ou deficiência. O que mais chama a atenção é o descuido em relação ao pessoal. Em todos os estabelecimentos pesquisados, existiam problemas em relação aos funcionários, grande parte dizendo respeito à falta de exames periódicos. Dentre os aspectos mais visados pelo programa mentos diante da demanda crescente por seus serviços, sendo que, mesmo aqueles que não conseguiram sanar todas as falhas demonstraram compromisso em adaptarem-se às novas normas. O trabalho realizado foi apenas o início de um processo que poderá produzir muito mais resultados se for realizado de forma sistemática, contando com a colaboração dos funcionários e proprietários. de treinamento estavam: adequada higienização das Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, obser- mãos; uso de uniformes e proibição do uso de adere- vou-se que os estabelecimentos que mais apresenta- ços; higienização do ambiente; preparo dos alimentos vam problemas eram os bares, restaurantes e pizzarias (recebimento, manipulação, congelamento, resfria- que produziam maior variedade de pratos e possuíam mento, aquecimento, reaquecimento); identificação maior número de atendimentos diários. Por isso, a ne- dos alimentos; armazenamento de alimentos no free- cessidade de trabalhos de pesquisa com objetivos seme- zer e geladeira; controle da temperatura (frio/quente); lhantes aos aqui apresentados, uma vez que colocam o limpeza dos utensílios de cozinha; cuidados com o saber acadêmico a serviço da população, que cada vez lixo; lavagem adequada de pratos e talheres; organiza- mais utiliza esses locais devido às mudanças culturais e ção e limpeza da área de atendimento. conseqüentemente comportamentais pelas quais vem As orientações técnicas eram desenvolvidas atra- passando a sociedade brasileira contemporânea. vés de palestras, apresentação de slides e demonstrações básicas sobre os assuntos abordados. Os partici- CONCLUSÃO pantes estavam livres para fazerem questionamentos A implantação das Boas Práticas realizada junto e relatarem suas experiências, sendo que, em todas aos bares, restaurantes, lanchonetes e sorveterias da as etapas do treinamento, foram apresentados os mo- praça de alimentação do Shopping Center de uma tivos e as vantagens de se proceder dessa ou daquela cidade do interior paulista constatou a existência de maneira, procurando convencer os participantes da uma série de irregularidades, procedimentos que es- necessidade da adoção de Boas Práticas. tavam em desacordo com as determinações da CVS- No mês de junho de 2004, foi feita uma nova visita 6/99 (SÃO PAULO, 1999). Constatou-se que o maior para a realização de um novo check-list, a fim de verifi- número de quesitos não atendidos na avaliação ini- car os resultados do programa de treinamento. Entre cial e final referia-se aos bares e restaurantes. Nesses as mudanças, observou-se que: 70% dos estabeleci- locais houve maior índice de notificações, tendo sido mentos pesquisados estavam providenciando o ma- percebido que, de uma maneira geral, todos os itens nual de Boas Práticas; 90% melhoraram os serviços de referentes às Boas Práticas apresentavam algum tipo inspeção dos alimentos, com a identificação e segre- com acomodação adequada dos produtos de limpeza de problema. O trabalho de treinamento dos funcionários em serviço permitiu amenizar alguns dos problemas mais graves e estabelecer o compromisso dos responsáveis longe dos alimentos; 80% dos locais adotaram proce- em tomar medidas para corrigir as irregularidades. gação dos produtos não conformes; 70% foram mais bem avaliados nos quesitos organização e limpeza, dimentos mais adequados na área de processamento Apesar da boa vontade da maioria dos estabeleci- dos alimentos e higiene dos hortifrutigranjeiros; 80% mentos que participaram da consultoria, percebeu-se que os proprietários e funcionários ainda não estão plenamente conscientizados dos riscos a que estão expondo os seus clientes. Ainda falta compreender melhor a idéia de que um estabelecimento limpo e que prima pelas Boas Práticas atrai novos clientes e tomaram providências em relação ao uniforme dos funcionários e 100% se comprometeram a regularizar os exames periódicos dos trabalhadores. Na realidade, foram sensíveis mudanças que podem significar uma nova postura desses estabeleciInvestigação – Revista Científica da Universidade de Franca 50 Franca (SP) v. 6 n. 1 p. 47–51 jan. / abr. 2006 conseqüentemente proporciona maior lucratividade. Verificou-se que ainda falta um maior profissionalismo por parte dos proprietários e funcionários, prevalecendo, em muitas situações, atitudes improvisadas que comprometem diretamente a qualidade dos serviços prestados ao público. É preciso considerar também que o treinamento envolveu apenas os funcionários, o que resolve apenas uma parte da questão. O proprietário deve estar consciente da sua responsabilidade e fornecer uniformes, instrumentos de trabalho e condições adequadas para que o seu empregado possa exercer com eficácia e eficiência as suas funções. Essa tarefa de despertar nos proprietários de estabelecimentos comerciais que manipulam alimentos a consciência da importância das Boas Práticas deve ser uma política do próprio Shopping Center, incentivando seus colaboradores a implantarem convenientemente as determinações da CVS-6/99 (SÃO PAULO, 1999). Além do que, os bares, restaurantes, pizzarias e sorveterias que seguem à risca as normas de higiênico-sanitárias são os preferidos dos clientes mais exigentes e com maior poder aquisitivo. É preciso convencer os proprietários de que as Boas Práticas, além de garantirem alimentos seguros aos consumidores, são também a melhor estratégia de marketing. chonetes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1997. 54 f. Monografia (Especialização em Controle de Qualidade de Alimentos, Nutrição e Saúde Pública) – Departamento de Nutrição e Saúde coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. LOPES, E. A. Guia para elaboração dos procedimentos operacionais padronizados exigidos pela RDC n˚ 275 da Anvisa. São Paulo: Livraria Varela, 2004. NERVINO, C. V.; HIROKA, E. Y. Fatores que afetam a incidência de patógenos causadores de doenças de origem alimentar. Higiene Alimentar, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 197-206, 1997. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Saúde. CUS – Portaria CVS n. 6 de 10/03/1999. SILVA JUNIOR, E. A. Manual de controle higiênico-sanitário em alimentos. 2. ed. São Paulo: Varela, 1995. 384 p. SOUZA, S. S.; PELICIONI, M. C. F.; PEREIR A, I. M. T. B. A vigilância sanitária de alimentos como instrumento de promoção de saúde. Higiene Alimentar, São Paulo, v. 17, n. 113, p. 33-37, out. 2003. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA REFERÊNCIAS ARAÚJO, W. M. C. Boas práticas na produção de refeições. Caderno técnico, Instituto de Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, Brasília, 1998. Cláudia Maria Facioli Gomes Avenida Paulo VI, 722 Bairro: Residencial Paraíso Franca - SP DAMASCENO, K. S. F. S. C. Controle de qualidade de “sanduíches naturais” comercializados em Natal nas lan- Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) CEP: 14.403-433 E-mail: [email protected] v. 6 n. 1 p. 47–51 jan. / abr. 2006 51