Hospital do Servidor Público Municipal LINFOMA NÃO-HODGKIN OCULAR EM PACIENTE COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO MARIA CAROLINA DE CAMARGO VIEIRA São Paulo 2011 Hospital do Servidor Público Municipal LINFOMA NÃO-HODGKIN OCULAR EM PACIENTE COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO MARIA CAROLINA DE CAMARGO VIEIRA São Paulo 2011 MARIA CAROLINA DE CAMARGO VIEIRA LINFOMA NÃO-HODGKIN OCULAR EM PACIENTE COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Comissão de Residência Médica do Hospital do Servidor Público Municipal, como parte dos requisitos para obtenção do título de Residência Médica. Área de concentração: Clínica Médica Orientadora: Drª Pérola Goberstein Lerner São Paulo 2011 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUAQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE E COMUNICADO AO AUTOR A REFERÊNCIA DA CITAÇÃO SÃO PAULO, _____DE __________________DE ____________ Assinatura do autor: E-mail do autor: [email protected] MARIA CAROLINA DE CAMARGO VIEIRA LINFOMA NÃO-HODGKIN OCULAR EM PACIENTE COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Comissão de Residência Médica do Hospital do Servidor Público Municipal, para obtenção do título de Residência Médica. Área de Concentração: Clínica Médica Orientador: Drª Pérola Goberstein Lerner APROVADO EM ____/____/____ BANCA EXAMINADORA Avaliador 1 _______________________________________________________________ Avaliador 2 _______________________________________________________________ Avaliador 3 Resumo O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença crônica auto-imune, de causa desconhecida, com predomínio no sexo feminino, caracterizado pela presença de anticorpos à diversos antígenos nucleares. Seu curso apresenta períodos de remissão e recidivas, podendo evoluir com diversas manifestações clínicas, incluindo alterações hematológicas, cutâneas, neurológicas, renais e músculo-esqueléticas. Seu diagnóstico inclui critérios clínicos e/ou laboratoriais. Os linfomas são tumores sólidos que têm origem em tecido linfóide normal, classicamente divididos em não-Hodgkin ou Hodgkin, com base em achados clínicos-patológicos. Os linfomas não Hodgkin, na maioria dos casos, têm etiologia indefinida e multifatorial e sua fisiopatologia deriva de alterações nas células do sistema imune durante seus diferentes estágios de maturação. São subclassificados em diversos tipos sendo linfoma de células B da zona marginal extra nodal (MALT) um deles. Suas manifestações clínicas dependem do local acometido, sendo o olho uma localização pouco comum. O diagnóstico se dá através de biópsia. Desta forma, o objetivo do estudo foi descrever e comparar com a literatura o caso de uma paciente acompanhada pelo Serviço de Reumatologia do Hospital do Servidor Público Municipal, com diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico que desenvolveu linfoma não-Hodgkin ocular do tipo células B da zona marginal extra nodal. Ao final do trabalho pode-se verificar a relação entre doenças auto-imunes e linfoma não Hodgkin. Palavras-chave= lúpus; linfoma Abstract Systemic Lupus Erythemathosus (SLE) is a chronic autoimmune disease, with unknown cause, affecting mainly females, characterized by the presence of antibodies against some nuclear antigens. The disease’s course has periods of remission and recurrence, and it can evolve with different clinical manifestation, including hematological, skin, neurological, renal and musculoskeletal abnormalities. The diagnosis include clinical and/or laboratory criteria. Lymphomas are solid tumors that are originate in a normal lymphoid tissue, classically divided into non-Hodgkin or Hodgkin Lymphoma, based on clinicalpathologic finds. The non-Hodgkin Lymphomas, in most cases, have unknown and multifactorial etiology. The pathophysiology stems from changes in the immune cells during its different stages of maturation. They are classified into several subtypes and Extra Nodal Marginal-zone B-cell Lymphoma (of the mucosa-associated lymphoid tissue (MALT) is one of them. The clinical manifestations depend on the affected area, and the eye is an unusual place. Diagnosis is done through biopsy. Thus, the aim of this study was to describe and compare with the literature, a patient case accompanied by Department of Rheumatology at Servidor Publico Municipal Hospital, diagnosed with SLE who developed ocular Extra Nodal Marginal-zone B-cell non-Hodgkin lymphoma. At the end of the work, we can verify the relationship between autoimmune diseases and non-Hodgkin lymphoma. Keywords = lupus, lymphoma Sumário Introdução...............................................................................................pág. 09 Relato de caso .......................................................................................pág. 11 Discussão...............................................................................................pág. 14 Conclusão...............................................................................................pág. 17 Referências bibliográficas.......................................................................pág. 18 INTRODUÇÃO O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença de causa desconhecida que pode produzir combinações variáveis de febre, eritema, perda de cabelo, artrite, pleurite, pericardite, nefrite, anemia, leucopenia, trombocitopenia e doença do sistema nervoso central. O curso clínico é caracterizado por períodos de remissões e de recaídas, agudas ou crônicas. Anormalidades imunes características, especialmente anticorpos a vários antígenos nucleares, desenvolvem-se em pacientes com LES. O diagnóstico é feito através de critérios clínicos e/ou laboratoriais (1). Linfomas são tumores sólidos com origem no tecido linfoide normal, geralmente nos linfonodos, classicamente divididos em Hodgkin e não-Hodgkin, conforme os achados clínicos-patológicos.. O linfoma não-Hodgkin (LNH) caracteriza-se por proliferações clonais das células imunológicas (linfócitos B, T e células reticulares) em diferentes estágios de maturação e em qualquer parte do corpo onde estas células sejam encontradas. Os linfomas orbitais geralmente são de linfócitos B pequenos do tipo MALT (1). Independente dos esforços em pesquisas nos últimos anos, as causas de linfoma não- Hodgkin (LNH) ainda são pouco compreendidas (2), embora houve um aumento dramático na sua incidência pelo mundo todo nas últimas décadas (3). Deficiência do sistema imunológico, hereditária ou adquirida, é o fator de risco mais conhecido, como a infecção pelo HIV ou diversas doenças auto-imunes como artrite reumatoide (AR), Síndrome de Sjogren (SS) e lúpus eritematoso sistêmico (4,5,6). Entretanto, embora de forma menos consistente, está crescendo a evidencia do surgimento de subtipos específicos de LNH em algumas doenças infecciosas ( 7) e em outras doenças e condições inflamatórias como Diabetes Mellitus (8,9), psoríase (10,11), sarcoidose(12) , anemia hemolítica auto-imune (13), tireoidite de Hashimoto (14),doenças inflamatórias intestinais como doença de Crohn e retocolite ulcerativa (15,16,17), esclerose sistêmica(18) e granulomatose de Wegener (19), as quais também cursam com fenômenos auto-imunes. Na maioria dos casos, o desenvolvimento destas doenças precede o do linfoma(20). Estudos investigando associações entre doenças auto-imunes e LNH são limitados devido a baixa prevalência destas doenças e a raridade dos subtipos de alguns linfomas ( 21,22,14) . Entre os subtipos de LNH, a maioria das associações feitas com doenças autoimunes foram observadas para o linfoma de células B tipo amplo difuso, da zona marginal e subtipos de LNH de células T (22,23). Este estudo, do tipo relato de caso, desenvolvido em conjunto no Hospital do Servidor Público Municipal em São Paulo, pelas equipes de Reumatologia, Hematologia e Oftalmologia, descreve um caso raro de associação entre Linfoma não-Hodgkin de órbita do tipo células B marginal extra-nodal (MALT) e Lúpus Eritematoso Sistêmico e o correlaciona com a literatura. RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, em outubro de 1999, aos 33 anos, apresentou quadro de Acidente Vascular Cerebral Isquêmico em topografia de artéria cerebral média esquerda. Foi submetida à investigação etiológica e o único diagnóstico constatado foi de Lúpus Eritematoso Sistêmico. Através de revisão de prontuário, só foram encontrados acompanhamentos da paciente em nosso hospital a partir de julho de 2003. Nesta ocasião, constava como critérios para a doença auto-imune citada fotossensibilidade, artrite, comprometimento hematológico (leucopenia e linfopenia), comprometimento imunológico( Antifosfolípide Ig G e IgM positivos) e FAN positivo. Durante a evolução, paciente também apresentou úlcera isquêmica em pé (janeiro de 2004), vasculite em mãos, palato e orelhas (novembro de 2006), sendo submetida a pulsoterapia. Com a baixa da imunidade, foi internada por Herpes-Zolster, principalmente em região de nádegas, em março de 2008. Não teve acometimento de nenhum outro órgão ou sistema, exceto, ao final deste mesmo ano, quando começou a relatar nas consultas dor e hiperemia ocular. Em março de 2009 passou pela oftalmologia pois apresentava também edema ocular bilateral, pior a esquerda, diplopia e lacrimejamento (Imagem 1). Tomografia de órbita evidenciou uma massa extra e intra conal à esquerda, a qual podia corresponder a um pseudotumor de órbita idiopático (massa inflamatória) ou a um processo linfoproliferativo (Imagem 2). Realizada biópsia da lesão cuja imunohistoquímica identificou estrutura folicular associada à lise folicular intensa, extensão difusa de linfócitos B com moderada atividade proliferativa, componente plasmocitário com evidências de monoclonalidade para a cadeia Lambda e expressão difusa de Bcl-2, aspectos estes que ao serem comparados com a clínica eram consistentes com Linfoma não- Hodgkin de células B da zona marginal extra-nodal (MALT). Foi submetida à radioterapia conformacional em dois campos da órbita esquerda, com dose escalonada total de 3060 Gy (frações diárias de 180 cGy), no período de dezessete de fevereiro a vinte e cinco de março de 2010. Evoluiu com resolução do quadro mas em agosto de 2010 iniciou com novo edema palpebral, agora à direita. Nova tomografia evidenciou proptose bilateral, predominando a direita, massa de tecidos moles extra-conal, envolvendo o músculo reto-lateral, sem plano de clivagem e também o globo ocular parcialmente em sua margem lateral, além de espessamento palpebral bilateral, maior à direita. Feita biópsia ocular direita, condizente apenas com processo inflamatório crônico, sem neoplasias. Restante da investigação de linfoma em outros sítios sempre negativa. Paciente sem condições psicológicas de ser submetida à nova biópsia. Pelo quadro clínico e pelos antecedentes, teve novo ciclo de radioterapia indicado, pelo alto risco e pelos mesmos aspectos anteriores de linfoma, independente do resultado do último anatomopatológico. Figura 1 Figura 2 DISCUSSÃO Embora os mecanismos que sustentem as associações entre condições autoimunes e o desenvolvimento de linfomas sejam desconhecidos, estudos recentes indicam que doenças crônicas inflamatórias auto-imunes como síndrome de Sjögren, lúpus e artrite reumatoide estão associadas à desregulação e hiper-atividade de células B, representando fatores de risco para o desenvolvimento de linfomas derivados destas células(24). Os linfócitos B apresentam funções regulatórias complexas dentro do sistema imune, além de serem precursores das células secretoras de anticorpos (25,26). Células tronco linfoides são produzidas pela medula óssea. Elas amadurecem em células B e T indiferenciadas e se direcionam para os linfonodos onde são submetidas à exposição antigênica no centro germinativo dos folículos. As células B se proliferam e sofrem transformações neste centro, o qual é envolto por uma zona de manto e uma zona marginal. As células B antígeno específico geradas nestes folículos seguem para regiões mais periféricas do linfonodo, onde consequentemente ficam as células plasmocíticas produtoras de imunoglobulinas. A proliferação das células T ocorre na região paracortical do linfonodo (1). Mediante a proeminente atividade celular, molecular e genética que ocorre no centro germinativo, reações neste local são um grande fator de risco para a ocorrência ou iniciação de transformação maligna da célula B, tanto que a maioria dos linfomas associados às doenças auto-imunes parece se desenvolver durante a ativação antigênica ou no estágio subsequente a esta exposição. Durante as reações no centro germinativo, translocações cromossomais e/ou mutações de genes regulatórios não-imunoglobulina podem ocorrer ou se tornar evidentes, levando a desregulação do ciclo celular e/ou inibindo a apoptose, necessária para a manutenção da homeostasia das células B (24, 27,28). Notavelmente, em casos de linfoma não-Hodgkin com origem pós-centro germinativo, como no linfoma de células B da zona marginal ou no linfoma de células B amplo difuso não-centro germinativo, a lesão genética primária pode ter se iniciado durante uma reação no centro germinativo ou reação centro germinativo-like, levando à expressão de fenótipo maligno no subsequente estágio de diferenciação após a aquisição de alterações oncogênicas adicionais. Danos no controle das células T também podem levar ao desenvolvimento de LNH de células B (29). Processos afetados se tornam clinicamente aparentes através da presença de hipergamaglobulinemia, auto-anticorpos circulantes ou locais, complexos imunes circulantes, formação de tecido linfoide ectópico, linfoproliferação benigna (30-35) e, eventualmente um risco aumentado dos pacientes desenvolverem linfomas de células B quando comparado à população geral (5). Devido aos distintos subtipos de linfoma não-Hodgkin se desenvolverem a partir de diferentes estágios da diferenciação linfoide e/ou através de diferentes vias (7,36), vários estudos buscam melhorar o entendimento tanto da base da desregulação imune da doença quanto da linfogênese. Em um estudo escandinavo realizado por Smedby et al, Síndrome de Sjögren primária, lúpus eritematoso sistêmico, doença celíaca e artrite reumatoide foram apresentadas por serem associadas com linfoma de células B amplo difuso , o tipo mais comum de linfoma não-Hodgkin na população adulta em geral, responsável por mais de 40% de todos os tumores linfoides (21). Lesley et al observaram que as neoplasias de células B mais agressivas como o amplo difuso estão mais frequentemente associados às doenças auto-imunes em relação aos linfomas mais indolentes. Observou também que o linfoma da zona marginal e subtipos de linfomas de células T também estavam associados a estas doenças (23). O InterLymph Consortium também investigou a relação entre linfomas e doenças auto-imunes e observou um aumento do linfoma de células B tipo amplo difuso e linfoma da zona marginal em pacientes com LES(22). Smedby et al também notaram algumas evidencias de que os riscos eram mais altos em indivíduos com inflamação severa (EX: AR) e com longa data de inflamação (ex: doença celíaca), mas haviam poucas evidências que sustentassem noções prévias de que o aumento nos riscos de LNH são associados com os tratamentos médicos nestas condições. Observaram que o tratamento com drogas anti-inflamatórias não esteroidais , corticoides sistêmicos ou imunossupressores selecionados foi associado com aumento do risco de LNH em sujeitos com AR, mas não em sujeitos sem AR (21), mantendo o questionamento se a relação entre o risco de desenvolvimento de LNH é devido à atividade e o tempo da doença auto-imune ou ao tratamento dessa. Hansen et al não puderam descartar o risco do desenvolvimento de malignidades em virtude do tratamento com inibidores do fator de necrose tumoral pois não comprovaram se estes agentes constituem fator potencial para o surgimento de neoplasias ou apenas sejam indicativos de doença severa e com risco próprio para os linfomas (29). Adicionalmente, medicações imunossupressoras usadas no tratamento de algumas doenças auto-imunes(como por exemplo Metotrexato na AR) podem causar reativação do vírus Epstein Barr, o qual pode levar ao desenvolvimento de linfoma, especialmente do tipo célula B amplo difuso Epstein Barr positivo, o qual assemelha-se a linfomas pós transplante (37), embora alguns estudos recentes causem dúvida sobre esta hipótese (38,39). CONCLUSÃO Muitas condições auto-imunes , especialmente aquelas associadas com manifestações sistêmicas, foram associadas ao risco de desenvolvimento de LNH subtipo específico. Os tipos mais associados ao LES foram o linfoma de células B amplo difuso e o marginal. Estes riscos estão relacionados à severidade da doença auto-imune, ao estágio no processo de diferenciação da célula B que foi afetado e talvez também ao tratamento da doença de base. De qualquer modo, mais estudos que correlacionem o risco de desenvolvimento de linfoma em pacientes com doenças auto-imunes são necessários para que a linfogênese destes subtipos de linfoma assim como a relação com o sistema imune seja melhor compreendida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1- Tratado de Medicina Interna- Cecil. 2005; 2:1937-1947 2- Chiu BC, Weisenburger DD. Na update of epidemiology of Non-Hodgkin’s lymphoma. Clin Lymphoma 2003; 4:161-8 3- Jaffe ES HN, Stein H, Vardiman JW, eds. Pathology and Genetics of Tumours of Hematopoietic and Lymphoid Tissues. Lyon, France: IARC Press; 2001 4- Engels EA, Pfeiffer RM, Goedert JJ, Virgo P, McNeel TS, Scoppa SM, Biggar RJ. 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