Hipócrates de Kós 460 AC - 380 AC partir de 400 AC, com o advento da escrita na Grécia Antiga, notáveis filósofos, matemáticos e escritores começaram a ser identificados como grandes celebridades. Entre eles se destacou Hipócrates, pai da medicina ocidental a quem devemos o conceito da observação clínica. Filho de Heráclides e Fenareta, nasceu na ilha de Kós, em 460 AC, morrendo por volta de 380 AC, em Larissa (Tressália). Após sua morte, conservou-se um epigrama que podia ser visto em sua tumba no século II, e que sintetizava admiravelmente a vida, a doutrina e o respeito que Hipócrates mereceu de seus contemporâneos: “O tessaliano Hipócrates, de família de Kós, descansa aqui. Nascido do imortal tronco de Febo, inúmeros troféus contra as doenças erigiu com as armas de Higéia, e obteve imensa glória não pelo acaso, mas pela sua arte”. Antologia Palatina (VII, 135) A Iniciou-se na profissão com o seu pai Heráclides e seus irmãos (como era costume na época), clinicando em diversos lugares e tornando-se, posteriormente, o mais célebre médico e catedrático de medicina da sua época. Fundador da Escola Médica de Kós, era mencionado por diversos pensadores da época 24 (assim como Platão em “Fedro, Cármides e Protágoras”), que atestavam sua inigualável aptidão para a didática. Foi a importância Entalhe antigo que retrata Hipócrates praticando a medicina dada ao prognóstico na escola Hipocrática que a distinguiu entre outras escolas de medicina daquele tempo. Enquanto os médicos não-hipocráticos se limitavam a deduzir os sintomas e fazer os diagnósticos, os médicos de Kós tentavam prognosticar o quadro de seus pacientes. Sua importância é tão grande, que a exemplo da Filosofia, pode-se dividir a história da Medicina em “Pré-hipocrática” e “Hipocrática”. Grande parte de sua notoriedade advém, no entanto, dos escritos pertencentes ao “Corpus Hippocraticum”. São aproximadamente 60 tratados, de temática muito variada, distribuídos em cerca de 70 livros, reunidos em Alexandria por Boccheio no século III AC. No entanto, sabe-se hoje que apenas uma parte dessa obra foi escrita por ele, sendo o restante dos livros oriundos da escola de Knidos, Kós e Crotone, mas próximas dos seus ensinamentos. Nem mesmo o célebre “Juramento de Hipócrates”, pôde ter sua autoria a ele vinculada com qualquer grau de certeza. É possível que Hipócrates tenha sido o primeiro a aplicar os conceitos difundidos pela Coleção Hipocrática, e graças ao seu renome, os antigos acabaram considerando-o autor de toda a obra. O chamado “Corpus Hippocraticum”, é uma coleção heterogênea de escritos médicos em dialeto iônico, reunidos ao longo de quase sete séculos, e está compreendida entre as primeiras obras que abordam a medicina como ciência natural e experimental. A ele são atribuídos os seguintes escritos: O juramento, Tratado sobre o Mal Sagrado, Os Ares, as Águas e os Lugares, O Prognóstico, o primeiro e terceiro livros do Tratado sobre Epidemias, A Medicina Antiga e os Aforismos. Os “livros” da Coleção Hipocrática foram considerados textos básicos da medicina no Ocidente até fins do século XVIII, e somente as modernas descobertas da ciência, a partir do século XIX, os suplantaram em importância nas escolas médicas. O método de abordagem do doente e da doença, os princípios básicos de diagnóstico e tratamento, e as bases filosóficas e éticas estabelecidas pela Coleção continuam, todavia, tão atuantes hoje quanto há mais de 2000 anos. O juramento foi subdividido em duas grandes seções: enquanto a primeira estabelecia a obrigação dos médicos perante seus pupilos e estudantes, a segunda comprometia a prescrever somente tratamentos benéficos, abstendo-se de causar algum dano ou ferimento ao paciente. Pronunciado universalmente por todos que exercem a medicina, o “Juramento de Hipócrates” sintetiza uma fórmula antiquíssima, atribuída a Hipócrates: “Prometo que, ao exercer a medicina, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência; penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos e minha língua calará aos segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de honra; nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, gozem para sempre a minha vida e a minha arte de boa reputação entre os homens. Se o infringir, ou dele me afastar, suceda-me o contrário”. Grandiosas foram as contribuições de Hipócrates relativas ao desenvolvimento da medicina profisssional. Enfatizou a importância da observação, diagnóstico e tratamento, considerando as doenças resultantes do desequilíbrio entre o que chama de humores: o sangue, a fleuma (estado de espírito), a bílis (amarela) e a atrabílis (bílis negra). Hipócrates atribuía a causa das doenças ao ar e a resíduos da digestão, como informa o manuscrito conhecido por “Anonymus Londinensis”. Ele preferia usar recursos naturais para o tratamento das doenças e era obsessivamente honesto no trato com o doente, seus familiares e também com os outros médicos. Numa sociedade notoriamente dividida em classes, em que principalmente os escravos eram completamente desprovidos de direitos, Hipócrates fez surgir regras para o exercício da medicina que estabeleceram o respeito pela vida humana, seja a de homens livres, escravos, mulheres ou crianças. Para ele, todo corpo trazia em si os elementos para a sua recuperação. Mas o conhecimento do corpo só era possível, a partir do conhecimento do homem como um todo. Em “A Doença Sagrada”, rejeitou pela primeira vez, as concepções sobrenaturais das doenças. “Nenhuma doença é mais humana ou mais divina do que as outras. Todas têm uma causa natural”. Uma notável característica dos textos “hipocráticos” é que nenhum deles se serve da magia ou da religião para explicar a causa das doenças. Sua capacidade de observação clínica influenciou decisivamente a erradicação de diversas superstições, desenvolvendo uma nova abordagem científica para a medicina e rejeitando o conceito religioso de que os deuses poderiam explicar o sentido de algumas doenças e enfermidades. Ao separar a medicina da crendice religiosa, Hipócrates trilhou o caminho do estudo racional, desprezando os conceitos especulativos. Em outras palavras, recorreu à razão para avaliar os dados extraídos da experiência. A maior parte de seus discípulos foram obrigados a seguir um severo código ético que regia seu comportamento como médicos. Seus ensinamentos quanto à postura do médico podem ser resumidos no próprio “método hipocrático”: rigorosa observação do doente, análise racional dos fatos clínicos observados, e escrupulosa correlação de causas e efeitos. Segundo a tradição, Hipócrates impulsionou a medicina rumo ao diagnóstico, prognóstico e tratamento em bases científicas, estabelecendo um conjunto de normas de conduta, que fundamenta até hoje a Ética Médica. Por esse motivo, é que Hipócrates muito contribuiu para a formação dos médicos e do próprio conceito de Medicina. Graças a Hipócrates e aos escritos a ele atribuídos, a Medicina deixou de ser considerada não apenas como uma Ciência, mas também como uma Arte. Por Juliana Xavier 25