a trajetria do educador, maestro e compositor leozrio guimares

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A TRAJETÓRIA DO EDUCADOR, MAESTRO
E COMPOSITOR LEOZÍRIO GUIMARÃES
Elias Souza dos Santos
Prof. do Curso de Extensão da Faculdade de Sergipe – FASE
[email protected]
Palavras-chave: biografia, Leozirio Guimarães, história da música.
De acordo com os trabalhos desenvolvidos por alguns autores, a respeito da
pesquisa biográfica, podemos afirmar que atualmente, tal pesquisa se constitui uma
ferramenta em potencial para os estudos em história da educação. À medida que são
elucidados
os
fatos
que
ocorreram
nas
vidas
de
alguns
atores
sociais,
concomitantemente descobrimos informações importantes que eram desconhecidas pela
historiografia tradicional.
Vavy Pacheco Borges, em seu artigo intitulado “Grandezas e misérias da
biografia” (2006), explica com muita propriedade sobre a importância da pesquisa
biográfica, fazendo assim, uma contextualização do termo, buscando informações lá na
Grécia. O termo biografia, de acordo com as elucidações da autora, tem sua origem no
grego. Bios refere-se à vida enquanto graphein é igual a escrever e inscrever.
Biografar é entrar na vida do sujeito biografado e desvelá-la, detalhando os
vários aspectos da sua trajetória, no sentido de apresentá-lo, quando possível, em vários
ângulos, ou seja, sua atuação na interação com os sujeitos durante o momento que
transitou no mundo. Dando sentido ao diálogo apresentado até o momento, é oportuno
mais uma vez fazer menção as palavras de Borges (2006) quando diz:
O biógrafo é um voyeur, um “arrombador” ou “linguarudo
profissional” (como brinca a literata americana Janet Malcolm), “uma
espécie de vagabundo permanentemente batendo na porta da cozinha
para se convidar para jantar”. [...] A biografia pode propiciar uma
espécie de espelho ético, no qual podemos ver, com uma força súbita,
a nós mesmos e nossas vidas sob diferentes ângulos. [...] Penso que as
melhores biografias são aquelas em que o autor não só se esconde,
2
mas constrói a narração de certa forma acompanhando seu percurso de
pesquisa. [...] Vai sempre visitar os lugares que estuda e descreve; no
texto final, seus sentimentos na pesquisa (de entusiasmo, de decepção
e de proximidade, entre outros (e o faz não de forma gratuita, mas
enriquecendo a narração). Coloca-se como “biógrafo romântico” ou
biógrafo experimental” (BORGES, 2006. p. 218).
A biografia de um sujeito permite-nos analisar, reanalisar, construir e reconstruir
determinadas memórias que ficaram no imaginário popular. Para Freitas,
A abordagem biográfica não favorece a generalização dos resultados
pesquisados, mas permite a percepção profunda dos processos
formativos aproximados de uma geração, ou categoria profissional.
Assim, ao reconstruir e interpretar as trajetórias são destacados
elementos comuns e distintos do processo de socialização familiar,
assim como, cada um a seu modo, de perspectiva de acesso a posições
privilegiadas, nos espaços públicos (FREITAS, 2006, p. 148-149).
Fischer (2006), em seu trabalho biográfico, cujo objeto foi o desvelar da
educadora Nilce Léa de Leone, traz uma contribuição significativa a respeito da
construção do trabalho biográfico. A autora nos mostra como construir uma biografia,
sem necessariamente se preocupar com a questão da linealidade dos fatos. Ela afirma
que “o ato de biografar carrega em si a rarefação, passei a imaginar outras formas de
contar sobre esta vida, sem necessariamente assumir a dimensão de totalidade, nem
seguir uma ordem cronológica-linear” (FISCHER, 2006. p. 266). Fischer utiliza termo
“totalidade dos fatos” e Freitas (2006) comenta sobre a questão da “generalização dos
resultados”. Analisando as representações das autoras, percebemos que o mais
importante é esmiuçar alguns trechos da vida do biografado, desmistificando-os nas
suas variadas formas, em vez de tentar embarcar tudo o que aconteceu na vida dele.
Esse estudo caracteriza-se metodologicamente, como sendo uma pesquisa
biográfica em andamento e está respaldado nos pressupostos da História Cultural. As
informações colocadas neste artigo constituem-se o primeiro apanhado encontrado na
pesquisa de campo e entrevistas realizadas. Encontramos um trabalho biográfico sobre o
professor Leozírio Fontes Guimarães, de autoria da Professora Drª. Maria Olga
Andrade1, contendo informações relevantes sobre a trajetória do compositor sergipano.
Acredito que essa fonte, mais as demais informações coletadas nas entrevistas
3
realizadas até o presente momento, nos ajudarão a conhecer melhor o compositor
sergipano. Por conta do tempo, não foi possível realizar três análises importantes: a das
representações produzidas pelos jornais sergipanos, a das fotos encontradas e a das
composições e letras das obras do músico.
1. SUA TRAJETÓRIA NA CIDADE DE CAPELA
O Professor Leozírio Fontes Guimarães nasceu no dia 26 de fevereiro de 1916,
na cidade de Capela/SE. Seu pai era comerciante e chamava-se Aquilino Dias
Guimarães e sua mãe Amália Fontes Guimarães. Iniciou seus estudos na cidade aonde
nascera no Grupo Escolar Coelho e Campos. Aos 11 anos de idade foi morar na cidade
de Penedo/AL., com sua família, mas retornou à Capela dois anos depois para morar
com sua avó, Dona Antônia Oliveira Fontes, por conta da morte de seu pai.
Seu primeiro professor de música foi o Maestro Francisco de Carvalho Júnior,
Mestre de Banda da cidade de Capela. Ensinou música e regia a “Banda Sagrado
Coração de Jesus”. Era conhecido como “Mestre Francisquinho”. “O Mestre que lhe
ensinava as primeiras notas musicais era um velho carrancudo, alto, magro e
competente. Costumava dizer que ‘o menino’ um dia seria melhor do que o mestre”
(ANDRADE, 200, p. 10).
O jovem tinha um talento natural para o aprendizado da música, pois dominava
alguns instrumentos musicais com muita facilidade. Na Banda do Mestre
Francisquinho, o rapaz tocava Trompete, mas ele era polivalente, pois executva a Caixa,
o Bumbo, a Trompa, o Trombone, o Bombardino, o Piano dentre outros. Assim, “em
Capela, além dos estudos com o Mestre Francisquinho, Leozírio tomou aulas de Piano
com a Irª. Canísia do Colégio imaculada conceição, Harmonia, Regência e contraponto
com Frei Elias O. S. B. e em Aracaju fez curso de Canto Orfeônico2 com o Prof. Genaro
Plech3” (ANDRADE, 2007, p. 11). Percebeu-se que o compositor teve uma boa
formação musical.
Para reforçar o que foi exposto acima, é oportuno citar um excerto de um
episódio que aconteceu no ano de 1931. O músico tinha 16 anos de idade, quando
recebeu o convite para tocar na cidade de Maruim, na Banda Euterpe Maruinense.
4
Aceitou o convite e ao chegar, lá estava o mestre na estação à sua
espera, e perguntando a alguém: “O rapaz veio”? Ao que ele mesmo
respondeu: “Sou eu”. “Você”? Retrucou o mestre que olhou para
aquele rapazinho com ares de descrença. Disse-lhe: vá lá para a
filarmônica. Entregou-lhe as partituras difíceis de autores clássicos
para estudar. Como estava quase em cima da hora, mal teve o mestre
tempo de ouvir a sua execução. Na hora da festa, “o menino” fez um
solo magistral, que o mestre saiu do seu lugar e lhe beijou a testa. Isso
não era comum! Recebeu ali mesmo, honroso convite para
permanecer na Euterpe (ANDRADE, 2007, p. 10).
No ano de 1938, aos 23 anos de idade, o músico contraiu matrimônio com Aidil
Guimarães (tocava Bandolim) e dessa união nasceram seis filhos. Em 1942, Leozírio,
juntamente com outros músicos, apoiados pelo Prefeito, reabriram os trabalhos da
banda. Desta feita denominaram-na “Lira União Capelense”. Embora tivesse sido uma
Banda de porte pequeno, sua atuação foi importante, pois contribuiu para várias
solenidades da cidade, a exemplo da festa da Padroeira, festas natalinas e novenas.
No ano de 1945, Leozírio Guimarães criou a Sociedade Lítero Musical. Nesta
época fundou o Coral Genaro Plech. Este grupo tinha como finalidade formar músicos e
exercia também atividades de entretenimento como bailes, matinês dançantes e
reuniões. Apresentava-se, além disso, concertos e recitais. Mantinha uma orquestra de
baile, um coral e uma pequena banda de música “a Lira União Capelense”. O Maestro
Valdelírio Santos4, em uma entrevista concedida, confirmou o que foi comentado acima.
“Cantei no Coral Genaro Plech e toquei Clarineta na Banda de Música Filarmônica de
Capela, ‘Sagrado Coração de Jesus’. Em uma nova época do professor Leozírio era
denominada ‘União Capelense’. Cantávamos canções pátrias e folclóricas. Eu me sentia
realizado porque era música5”.
Nas eleições de 1954, é eleito para Governador do Estado o Sr. Leandro Marciel.
Por conta disso, Leozírio passou a sofrer perseguições, vindo a ficar desempregado. No
ano de 1956, resolveu fixar residência na capital, transferindo-se com toda sua família
para Aracaju “onde passa a negociar com tecidos” (ANDRADE, 2007, p. 14).
2. SUA TRAJETÓRIA NA CIDADE DE ARACAJU
Em Aracaju, a vida do referido professor ganha outro rumo. Abrem-se as portas
do emprego. Começa a trabalhar como professor de Canto Orfeônico nas escolas
5
particulares e posteriormente nas escolas públicas. Era praticamente um autodidata, o
dom para compor, reger e lecionar estava dentro dele. O Professor José Maria do
Nascimento6, disse que “ele não tinha uma cultura geral, mas tinha facilidade de
transcrever para a partitura tudo o que ouvia7”.
No ano de 1960, no mês de janeiro, o professor Leozírio viajou para Recife, com
o intuito de fazer um Curso de Suficiência para Professores de Música e Canto
Orfeônico, ministrado por profissionais do Ministério da Educação. Após o curso,
obteve licença do MEC para ministrar no primário e colegial. Provavelmente, ainda na
década de 1960, Leozírio cria, no Bairro Siqueira Campos, a Escola de Música “Nossa
Senhora da Purificação”. De acordo com Andrade (2007), a referida escola foi quem
deu origem a instituição que funcionou durante muitos anos na Rua de Laranjeira, no
centro da cidade. Nesse novo endereço, segundo Andrade (2007, p. 16), o compositor
“teve sua fase áurea. Realizou vários concertos, formou músicos e organizou uma
orquestra e um coral”.
Lecionou na Escola Normal, na gestão da professora Maria das Graças Melo e
no Instituto Lourival Fontes. Na Escola Normal ministrou aulas de Teoria da Música,
formou um Orfeão e uma Banda de Música, composta pelas normalistas. Vale ressaltar
sobre um dado importante obtido através do Maestro Valdelíro, a respeito da Banda de
Música da Escola Normal. Ele comentou que na década de 1970, o Maestro e Capitão
Bevenuto, regente da Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiros da cidade do Rio de
Janeiro, foi designado para fazer uma fiscalização nas bandas de música da região
nordeste e quando regressou ao Rio disse que:
[...] o trabalho mais significativo que ele encontrou, foi o de uma
banda de moças da Escola Normal de Aracaju, fundada e dirigida pelo
competentíssimo Maestro Leozírio. Essa parte me gratificou. Eu disse:
“Capitão, ele foi meu professor!” Ele falou: “por isso que você toca
bem!”. Não estava morando aqui, em Aracaju, mas sei que o trabalho
foi muito bom porque agradou ao Capitão Benvenuto8.
No Instituto Lourival Fontes, o Maestro Leozírio ministrou aulas de música e
formou uma banda composta por meninos carentes, denominada “Banda Hildete
Falção”. Segundo a Professora Maria Olga Andrade:
A Dona Hildete, esposa do governador era a diretora do Instituto e
com carinho mantinha a banda. Era na ocasião, uma das bandas mais
afinadas do Estado. Há um CD dos dobrados do Prof. Leozírio que
6
foi gravado por ela a pedido de Jairo Guimarães, filho do professor
sob a coordenação do clarinetista Valdelírio Santos e prosseguiu
mais tarde pela SOFISE. Muitos Jovens dessa banda seguram a
profissão de músico e participam hoje da Orquestra Sinfônica ou de
Bandas Militares (ANDRADE, 2007, p. 16).
No ano de 1965, o Professor Leozírio assumiu a direção do Instituto de Música
de Sergipe. Enquanto gestor da referida instituição, criou a Orquestra Sinfônica (1966)
construiu o atual Prédio do Conservatório de Música de Sergipe (1970). A esse respeito,
é oportuno observarmos o depoimento do Professor Antônio Alvino9:
Ele conseguiu com suas amizades políticas, construir o Conservatório
de Música de Sergipe e não deram a ele o direito de inaugurá-lo.
Houve uma conspiração maldita, maligna, que se transformou no
estigma do Conservatório de música do Estado de Sergipe. Ali não
nasce nada, não floresce absolutamente nada. Eu sugiro que seja posto
abaixo, pelo bem da música10.
A década de 1970 constituiu-se um período de muito sofrimento para o Professor
Leozírio Guimarães: foi exonerado do Cargo de Diretor do Conservatório de Música e
rompeu com o seu primeiro casamento. A falta da família causou-lhe sofrimentos, mas
no ano 1981, casou-se com a Professsora Lindinalva Cardoso Dantas. Agora, mais
animado, conseguiu compor a missa “Nossa Senhora da Purificação” “que foi cantada
em Capela na Igreja Matriz dedicada a Nossa Senhora da Purificação, pelo coral da
Sociedade Filarmônica de Sergipe – SOFISE, em homenagem especial na passagem dos
anos 80” (ANDRADE, 2007, p. 18).
Professor Leozírio Guimarães foi o primeiro Presidente da Ordem dos Músicos do
Brasil – Seção Sergipe. Segundo o Professor José Maria do Nascimento, “o Leozírio
chegou a ser Presidente da Ordem dos Músicos do Brasil, em Sergipe e “procurou fazer
um trabalho dentro das suas condições11”.
O compositor, no sentido de preencher o vazio que ficou na sua vida, depois de
seu afastamento do Conservatório de Música, com a ajuda de amigos e amantes da
música, fundou, no ano de 1971, a Sociedade Filarmônica de Sergipe –SOFISE, uma
instituição sem fins lucrativos, que tem como finalidade promover, divulgar e apoiar o
crescimento da cultura musical no Estado. Nessa casa, o compositor produziu bastante:
formou uma Orquestra, um Coral, escreveu composições e arranjos para orquestra. Por
7
conta da idade avançada e dos problemas de saúde, no ano de 1989, afastou-se do Cargo
de Presidente da SOFISE, entregando-o a Professora Maria Olga Andrade.
No final outubro do ano de 2002, a Professora Lindinalva veio a falecer e nove
dias depois do falecimento dela, no dia 03 de novembro de 2002, ele se despediu desse
mundo e seguiu o caminho da esposa. Seu funeral foi realizado na SOFISE e nessa
oportunidade, os amigos, a família e os ex-alunos prestaram-lhe várias homenagens. O
professor Leozírio formou vários músicos no Estado e o Maestro Valdelírio é um dos
resultados do trabalho desenvolvido pelo Compositor. Em seu relato ele comentou o
seguinte:
Eu hoje sou um 1º Sargento Músico, aposentado da Banda Sinfônica
do Corpo de Bombeiros da cidade do Rio. Agora estou na reserva
remunerada. Sou um clarinetista concertista e nada teria acontecido
comigo, se não fosse através do Professor Leozírio Guimarães. Eu
nada sou, mas o que sou devo a ele. Quando eu soube que ele tinha
falecido, pensei logo em arrumar uma maneira para retribuir o que ele
fez por mim. Fui ao cemitério e executei a música de autoria dele
“Luar de Capela”. Na minha concepção foi a música que mais o
identificou12.
O Maestro Valdelírio, ao ser entrevistado, manifestou uma emoção muito forte, ao
falar do ex-professor. Seus olhos brilhavam de satisfação e felicidade. Isso é o reflexo
da marca que o bom educador imprime em seus discípulos. Ele se referiu ao seu mestre,
externando uma tamanha gratidão.
3. METODOLOGIA DE ENSINO E RELAÇÃO COM OS ALUNOS
Para entendermos melhor a trajetória do Professor Leozírio, se faz necessário
expor alguns aspectos da sua metodologia de ensino, como também a sua relação com
os alunos. A seguir, veremos alguns depoimentos de ex-alunos do compositor. As
representações produzidas por eles são de fundamental importância, pois a partir delas
passei a delinear o caráter e perfil do educador.
A Professora Maria Olga Andrade (2006), disse que mesmo em processo de
iniciação da leitura das notas musicais, ainda nas “notas brancas”, o aluno já era
inserido na banda. Entende-se por notas brancas, aquelas que têm uma duração de tempo
mais prolongada, a exemplo da semibreve, da mínima e da mínima pontuada, que no
8
compasso quaternário simples valem quatro (semibreve), dois (mínima) e três (mínima
pontuada) tempos. Para Valdelírio:
Tudo em Leozírio era grotesco, não tinha finura. Tinha um poder tão
grande de ensinar música que parecia que abria a cabeça da gente e
colocava a música. A relação com os alunos era de pai para filho, mas
era próprio dele a rudeza, ele ensinava xingando a gente, e a gente não
ficava com raiva. Ele era único. Dentro do seu contexto, ele era assim.
Ele xingava com carinho. Ele dizia: “quem será que vai ser a vítima
hoje? Quem vai ser xingado?”. Quando veio morar em Aracaju, ele
modificou-se13.
O Professor Antônio Alvino Argolo, também confirmou o que foi informado no
depoimento acima. Segundo ele, na década de 1960, quando tinha quinze anos de idade,
estudou divisão rítmica, na escola da Rua de Laranjeira.
Era um tipo de professor que não se encontra nos dias de hoje. Era
essencialmente professor. Ele montava bandas, orquestras e fazia
composições e arranjos para as bandas que regia. Os músicos não
chegavam pronto, ele fazia os músicos. Se o músico quisesse tocar
flauta, ele ia explicar todo o processo. O método dele era bem
parecido com o Método Suzuki. Neste método, o aluno “aprende a
fazer fazendo”, ou seja, o aluno aprende mais de ouvido, depois vai se
aprofundando nos signos musicais14.
Perguntado sobre como poderia avaliar o nível musical e como poderia
classificar as composições do Professor Leozírio, o Violonista Argolo (2008) respondeu
que o Professor Guimarães procurava fazer um trabalho rápido e prático, o que é
característico em quase todas as bandas do interior. O primeiro passo é aprender a
divisão rítmica e no tempo de dois a quatro meses o aprendiz já começa a tocar na
banda. Em relação à formação musical e características das composições do Professor
Guimarães, Argolo (2008) ressaltou que a formação musical do compositor deu-se aos
pés dos mestres de Bandas. E como tal, dentro dessa categoria, soube utilizar-se dos
conhecimentos adquiridos para ensinar, compor e formar bandas. Sobre a escola que
pertencia e aspectos das suas composições. O Professor Argolo afirmou que:
As orquestrações dele são boas. Suas composições têm um caráter
tradicional. Às músicas dele não têm arrobas, ou seja, não compôs
músicas com característica contemporânea. Preferiu enveredar-se por
um caminho mais conhecido15.
9
No excerto abaixo, podemos observar alguns aspectos da personalidade e da
postura do professor Leozírio enquanto educador e Diretor do Conservatório de Música
de Sergipe.
Como Diretor, foi muito austero. Não tinha muita paciência com os
professores. Ele tinha uma rigidez militar. Levou isso para o
Conservatório de Música. A banda de música sempre foi uma
instituição para-militar, cuja característica é conhecida como sendo
rígida. Ele era assim mesmo em todas as instituições. Na Escola
Normal era mais tolerante, por conta da Dona Maria Augusta, mas
mesmo assim, a gente via algumas instrumentistas tocando e
chorando. O Professor Alfeu Menezes (discutia muito com o Leozírio
por causa dessa postura rígida. Existiram alguns embates entre os dos
educadores, Leozírio e Alfeu. Este era liberal até demais, pois
trabalhava com coral. Coral é uma mãe. Já o Professor Leozírio era
especialista em bandas, que pressupõe rigidez e disciplina16.
Percebemos
que
conforme
vão
sendo
expostos
os
depoimentos,
concomitantemente vamos formando o perfil do Professor Leozírio. Rígido, tradicional
em sua metodologia e composições, temperamental, austero, introspectivo e sisudo,
“mas quando ele gostava, gostava mesmo. Ele não se considerava um supermúsico, mas
era competente17”.
Após a análise do depoimento de Raquel Rodrigues Gouveia Leite18, percebeuse outros detalhes do comportamento e da personalidade do referido Professor. Ela nos
revelou um Leozírio amável, bondoso, preocupado com o aprendizado do aluno e que
tinha necessidade de ser ouvido, um homem carente. “Nos momentos de tristeza
conversava bastante comigo porque eu sabia escutá-lo. Após a conversa, ele agradecia e
dizia até a próxima aula19!”. Segundo Raquel, ele ensinava música também para alunos
que não podiam pagar embora a escola fosse particular. “Levei cinco alunos que
queriam aprender música. O tratamento era igual para todos20”. Vejamos o excerto
abaixo:
O Professor Leozírio era rígido na sua metodologia, porém, amável e
carinhoso com seus alunos. Amava ensinar música, seus olhos
brilhavam quando acertávamos as lições do dia (teórica e prática) e até
mesmo abraçava quando era criança, dando parabéns. E quando aluno
errava pela segunda ou terceira vez, ele ficava irritado batendo forte a
mão do aluno sobre a mesa de madeira quando a lição era teórica e
quando a lição era prática saía nervoso, dizendo: “vá estudar e só me
chame quando souber!” Fazia questão que o aluno passasse toda à
10
tarde somente estudando. Não aceitava que o mesmo desviasse o foco
para outras atividades a não ser a música exclusivamente21.
O mais interessante disso tudo é que por trás desse homem tão duro, tão
introspectivo e tão temperamental, havia também uma pessoa muito humana, que
ensinou de forma extremada, lançando sementes que germinaram, cresceram, deram e
continuam dando bastante frutos.
4. SUAS OBRAS
Acreditamos que o Professor Leozírio, tenha sido o músico sergipano que mais
produziu música no XX. Suas composições, como já foi mencionado acima, no
depoimento do Professor Antônio Alvino Argolo, têm um caráter tradicional, religioso
(alguns), nacionalista e romantismo. Algo o impulsionara a compor. Suas obras retratam
temam locais e estão repletas de características que o contexto sócio-cultural brasileiro
estava vivenciando.
Embora tivesse se dedicado ao ensino da música, o Maestro Leozírio produziu
muito. Somando todas as composições, temos um total de 37 produções. Ele é autor de
seis Dobrados: “Homenagem a Capela (Capela, 1957), “Os Filhos Meus (1957),
“Memória do Passado” (Capela. 1957), “Dr. Manuel Cabral Machado (1960),
“Ariovaldo Barreto” (1950), “Raio de Sol” (1969) e “Sonho de Criança” (1967).
Compôs nove Valsas, são elas: “Volúpia do Viver” (Aracaju, 1960), “Soluços do
Poente” (s.a.), “Despetalando Rosas” (s.a.), “Anita Vieira” (s. d.), “Anir” (s.a.), “Dalila
(Capela, s. a.),”Sorriso de Criança” (s.a.), “Luar de Capela” (s.a.) e “Destino” (s.a.).
Seguem oito Marchas: “Sesquicentenário da Independência” (Aracaju, 1955),
“Exaltação à Pátria” (Capela, 1940), “Abafei em Madri”, (s.a.), “São Pedro” (s.a.), “A
Capela” (s.a.), “Eterna Despedida” (s.a.), “Marcha do PSD” (s.a.) e “Noite de São
João”. Compôs um Samba–Canção, denominado “Rosa de Cecília (Capela, s.a.), Um
Baião, “Devaneio” (Aracaju, s.a,), um Samba, “Aracaju” (Belo Horizonte, 1950), um
Bolero, “Maria Paletó” (Capela, s.a.) e uma Canção, “Boêmio de Aldeia” (Capela, s.a.).
Compôs músicas religiosas, são elas: “Jesus em Casa de Pilatos” (s.a.),
“Prelúdio” (s.a.), “Jesus” (s.a.), “Judas”, (s.a.), “Jesus em Casa de Caifá” (s.a e uma
Missa intitulada “ Nossa Senhora da Purificação” (1981). Por fim, produziu dois CDs.:
“Luar de Capela”. (Contendo doze composições, s.a.) e “Composições Para Bandas de
11
Música” (s.a).
Mesmo com Cds gravados, suas composições ainda não são tão
conhecidas pelos sergipanos.
No que se refere à produção bibliográfica, encontrou-se no trabalho monográfico
da Professora Maria Olga Andrade (2006), um artigo que o Professor Leozírio escreveu
para servir como base de uma palestra que proferiu no dia 24 de maio de 1970, no I
Seminário de Música, promovido pela JOVREU – Editora Jovem Runidos. A
Professora Olga, o transformou em artigo, digitou a palestra e a colocou como sendo um
dos capítulos da sua monografia. No artigo intitulado “Panorama da Música em
Sergipe” (1970), o Professor Leozírio faz realmente uma exposição extraordinária da
História da música em Sergipe. Ele inicia, comentando sobre o ano de 1900, como
sendo um período de desenvolvimento no Brasil, discorrendo sobre o êxodo rural,
dando informações sobre a vida das cidades sergipanas e as dificuldades econômicas,
sociais e culturais, sofridas pela região nordeste.
Comenta sobre a vida musical das cidades interioranas, citando nomes de
Bandas, de Mestres de Bandas e de compositores Sergipanos, discorrendo sobre as
contribuições deixadas por esses músicos, mencionando as obras dos músicos que
viveram em Sergipe, informando-nos que alguns compositores chegaram a publicar suas
composições na cidade do Rio de Janeiro. Refere-se ao movimento de Canto Orfeônico
e sua contribuição para a formação da identidade do povo brasileiro, citando nomes de
educadores e educadoras. Faz referências as Bandas de música do Estado de Sergipe,
destacando a atuação de duas Bandas Femininas: a da Escola Normal e a da Igreja
Evangélica Assembléia de Deus, além de comentar sobre as instituições que promoviam
o ensino de música. Trata-se de um estudo bem produzido, pois descreveu com muita
propriedade, embora de forma resumida, alguns aspectos da história da música em
Sergipe.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Silveira (2008), o processo da construção de uma biografia pode ser
considerado como um ato de compaixão, de empatia, de sedução e de irritação. Mas ao
se envolver com esse processo, o pesquisador vai incorporando representações que
possibilitam a construção de uma história pessoal (micro) e que evidencia aspectos do
social, do coletivo e do contexto em que viveu o biografado. Ao desvelarmos alguns
aspectos da vida do Professor Leozírio Guimarães, passamos a conhecê-lo melhor, hora
12
gostando e hora detestando-o. Mesmo sendo uma pessoa de personalidade forte,
observou-se que o seu amor pela música e pela docência, levava-o a transcender, ou
seja, ele se lançou de tal maneira no campo da educação musical que não sabia fazer
outra coisa, a não ser ensinar, compor, formar bandas e corais.
O trabalho social com meninos carentes do Instituto Lourival Fontes é um
exemplo da sua conduta enquanto educador. Ele acreditava que a música transforma,
eleva o espírito e disciplina a vida dos homens. Utilizou uma metodologia inclusiva,
uma vez que ainda nas notas brancas, o educando já podia ser inserido na banda. Em
todos os lugares que passou, o compositor deixou sua marca, sua influência e sua
contribuição. Formou vários músicos, nos quais atualmente atuam em bandas do serviço
público municipal, estadual e federal. Alguns se destacam como professores de música e
Maestro. Criou bandas de homens e de mulheres, fundou escolas de música, Orquestras
Sinfônicas, orfeões (dentro e fora das escolas) e ampliou as matrículas de alunos no
Conservatório de Música de Sergipe. Seu trabalho (Banda de Música) com as
normalistas marcou a história da música em Sergipe e no Brasil. Suas obras são de
fundamental importância para a sociedade sergipana e brasileira.
Os títulos das suas composições denunciam-no e nos dão alguns sinais de como
era o perfil do músico, do professor, do educador, do compositor e do maestro Leozírio.
Encontrei vários vestígios que me ajudaram a montar as peças do quebra-cabeça de sua
vida. Neste estudo, partes desse quebra-cabeça foi montada, mas ainda existem peças
que precisam ser encontradas. Tentamos adentrar na vida do compositor e desvelá-la,
mas reconhecemos que existem várias lacunas da sua trajetória que precisam ser
preenchidas. Porém, acreditamos que só pelo fato de escrevermos sobre este educador,
já é um avanço, pois são poucos os estudos que versam sobre história da música em
Sergipe. “Assim trabalhou, assim viveu os sonhos que sonhou na sua caminhada de 83
anos”. (ANDRADE, 2006, p. 51).
1
Ex-aluna do Professor Leozírio Guimarães e Ex-professora Drª da Universidade Federal de Sergipe –
UFS. É a atual Presidente da Sociedade Filarmônica de Sergipe – SOFISE. Trata-se de uma amante da
música universal, que tem se dedicado ao trabalho de catalogação e preservação de uma boa parte das
obras produzidas pelos músicos e compositores sergipanos.
2
O Canto Orfeônico foi um movimento nacional instituído no Governo Vargas, na década de 1930,
através de Villa-Lobos. De acordo com Gilioli (2003), a idéia era nacionalizar e civilizar para os bons
13
costumes e criar através da música, uma identidade cultural no povo brasileiro. Nesse período, a música,
na modalidade do Canto Orfeônico, foi inserida no currículo da escola.
3
Genaro Plech foi o primeiro Coordenador do Canto Orfeônico no Estado de Sergipe. Fundou, no ano de
1945, o Instituto de Canto Orfeônico de Sergipe – IMCOSE. Por ter sido um excelente pianista, era
solicitado por Villa-Lobos para acompanhar os cantores que vinham da Europa.
4
Foi um dos primeiros alunos do professor Leozírio Guimarães e trabalhou como músico da Banda
Sinfônica do Corpo de Bombeiro da Cidade do Rio de Janeiro. Entrevista concedida no dia 16/04/2008.
5
Idem.
6
Ex-professor de Canto Orfeônico e amigo de profissão do Professor Leozírio Guimarães. Entrevista
concedida no dia 27/05/2008.
7
Idem.
8
Entrevista realizada no dia 16/04/2008.
9
Violonista e atual Presidente da Ordem dos Músicos de Sergipe. Foi aluno e colega de profissão do
Professor Leozírio Guimarães. Entrevista concedida no dia 14/07/2008.
10
Idem.
11
Entrevista concedida no dia 27/05/2008.
12
Entrevista concedida no dia 16/04/2008.
13
Idem.
14
Entrevista concedida no dia 14/07/2008.
15
Idem.
16
Idem.
17
Idem.
18
Pedagoga, Assistente Social, Cantora Popular e ex-aluna do Professor Leozírio.
19
Entrevista concedida no dia 01/07/2008.
20
Idem.
21
Idem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Olga Maria. Leozírio Guimarães: uma caminhada musical. Aracaju/SE.
Sociedade Filarmônica de Sergipe – SOFISE. 2007. (Monografia).
BORGES, Vavy Pacheco. Grandezas e misérias da biografia. In: PINKY, Carla
Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p. 203 -233.
FISCHER, Beztriz T. Daudt. Arquivos pessoais: incógnitas e possibilidades da
construção de uma biografia. In: Souza Elizeu Clementino (org). Tempos, narrativas e
ficções. Porto Alegre: EDIPUCRS: EDUNEB,, p. 263-267. 2006
FREITAS, Anamaria G. B. de. A produção dos estudos biográficos em Sergipe e as
principais contribuições para a história da educação. In: Souza, Elizeu Clementino
de. (org.). Autobiografias, histórias de vida e formação: pesquisa ensino. ENDNEB,
2006, p. 145-160.
GILIOLI. Renato de Souza Porto. “Civilizando” pela música: a pedagogia do canto
orfeônico na escola paulista da primeira república (1910-1930). São Paulo: PPGE/
Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, 2003. (Dissertação de Mestrado).
SILVEIRA, Jussara Maria Viana. Da medicina ao magistério: aspectos da trajetória de
João Cardoso Nascimento Júnior. São Cristóvão: NPGED/ Universidade Federal de
Sergipe, 2008. (Dissertação de Mestrado).
14
Entrevistados:
01 - Antônio Alvino Argolo – Presidente da Ordem dos Músicos do Brasil – Seção
Sergipe.
02 – José Maria do Nascimento – Organista, Maestro e Professor de Canto Orfeônico.
03 – Maria Olga de Andrade – Ex-aluna do Prof. Leozírio Guimarães.
04 - Raquel Rodrigues Goveia Leite - Ex-aluna do Prof. Leozírio Guimarães.
05 – Valdelírio Santos - Ex-aluno do Prof. Leozírio Guimarães.
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