A TRAJETÓRIA DO EDUCADOR, MAESTRO E COMPOSITOR LEOZÍRIO GUIMARÃES Elias Souza dos Santos Prof. do Curso de Extensão da Faculdade de Sergipe – FASE [email protected] Palavras-chave: biografia, Leozirio Guimarães, história da música. De acordo com os trabalhos desenvolvidos por alguns autores, a respeito da pesquisa biográfica, podemos afirmar que atualmente, tal pesquisa se constitui uma ferramenta em potencial para os estudos em história da educação. À medida que são elucidados os fatos que ocorreram nas vidas de alguns atores sociais, concomitantemente descobrimos informações importantes que eram desconhecidas pela historiografia tradicional. Vavy Pacheco Borges, em seu artigo intitulado “Grandezas e misérias da biografia” (2006), explica com muita propriedade sobre a importância da pesquisa biográfica, fazendo assim, uma contextualização do termo, buscando informações lá na Grécia. O termo biografia, de acordo com as elucidações da autora, tem sua origem no grego. Bios refere-se à vida enquanto graphein é igual a escrever e inscrever. Biografar é entrar na vida do sujeito biografado e desvelá-la, detalhando os vários aspectos da sua trajetória, no sentido de apresentá-lo, quando possível, em vários ângulos, ou seja, sua atuação na interação com os sujeitos durante o momento que transitou no mundo. Dando sentido ao diálogo apresentado até o momento, é oportuno mais uma vez fazer menção as palavras de Borges (2006) quando diz: O biógrafo é um voyeur, um “arrombador” ou “linguarudo profissional” (como brinca a literata americana Janet Malcolm), “uma espécie de vagabundo permanentemente batendo na porta da cozinha para se convidar para jantar”. [...] A biografia pode propiciar uma espécie de espelho ético, no qual podemos ver, com uma força súbita, a nós mesmos e nossas vidas sob diferentes ângulos. [...] Penso que as melhores biografias são aquelas em que o autor não só se esconde, 2 mas constrói a narração de certa forma acompanhando seu percurso de pesquisa. [...] Vai sempre visitar os lugares que estuda e descreve; no texto final, seus sentimentos na pesquisa (de entusiasmo, de decepção e de proximidade, entre outros (e o faz não de forma gratuita, mas enriquecendo a narração). Coloca-se como “biógrafo romântico” ou biógrafo experimental” (BORGES, 2006. p. 218). A biografia de um sujeito permite-nos analisar, reanalisar, construir e reconstruir determinadas memórias que ficaram no imaginário popular. Para Freitas, A abordagem biográfica não favorece a generalização dos resultados pesquisados, mas permite a percepção profunda dos processos formativos aproximados de uma geração, ou categoria profissional. Assim, ao reconstruir e interpretar as trajetórias são destacados elementos comuns e distintos do processo de socialização familiar, assim como, cada um a seu modo, de perspectiva de acesso a posições privilegiadas, nos espaços públicos (FREITAS, 2006, p. 148-149). Fischer (2006), em seu trabalho biográfico, cujo objeto foi o desvelar da educadora Nilce Léa de Leone, traz uma contribuição significativa a respeito da construção do trabalho biográfico. A autora nos mostra como construir uma biografia, sem necessariamente se preocupar com a questão da linealidade dos fatos. Ela afirma que “o ato de biografar carrega em si a rarefação, passei a imaginar outras formas de contar sobre esta vida, sem necessariamente assumir a dimensão de totalidade, nem seguir uma ordem cronológica-linear” (FISCHER, 2006. p. 266). Fischer utiliza termo “totalidade dos fatos” e Freitas (2006) comenta sobre a questão da “generalização dos resultados”. Analisando as representações das autoras, percebemos que o mais importante é esmiuçar alguns trechos da vida do biografado, desmistificando-os nas suas variadas formas, em vez de tentar embarcar tudo o que aconteceu na vida dele. Esse estudo caracteriza-se metodologicamente, como sendo uma pesquisa biográfica em andamento e está respaldado nos pressupostos da História Cultural. As informações colocadas neste artigo constituem-se o primeiro apanhado encontrado na pesquisa de campo e entrevistas realizadas. Encontramos um trabalho biográfico sobre o professor Leozírio Fontes Guimarães, de autoria da Professora Drª. Maria Olga Andrade1, contendo informações relevantes sobre a trajetória do compositor sergipano. Acredito que essa fonte, mais as demais informações coletadas nas entrevistas 3 realizadas até o presente momento, nos ajudarão a conhecer melhor o compositor sergipano. Por conta do tempo, não foi possível realizar três análises importantes: a das representações produzidas pelos jornais sergipanos, a das fotos encontradas e a das composições e letras das obras do músico. 1. SUA TRAJETÓRIA NA CIDADE DE CAPELA O Professor Leozírio Fontes Guimarães nasceu no dia 26 de fevereiro de 1916, na cidade de Capela/SE. Seu pai era comerciante e chamava-se Aquilino Dias Guimarães e sua mãe Amália Fontes Guimarães. Iniciou seus estudos na cidade aonde nascera no Grupo Escolar Coelho e Campos. Aos 11 anos de idade foi morar na cidade de Penedo/AL., com sua família, mas retornou à Capela dois anos depois para morar com sua avó, Dona Antônia Oliveira Fontes, por conta da morte de seu pai. Seu primeiro professor de música foi o Maestro Francisco de Carvalho Júnior, Mestre de Banda da cidade de Capela. Ensinou música e regia a “Banda Sagrado Coração de Jesus”. Era conhecido como “Mestre Francisquinho”. “O Mestre que lhe ensinava as primeiras notas musicais era um velho carrancudo, alto, magro e competente. Costumava dizer que ‘o menino’ um dia seria melhor do que o mestre” (ANDRADE, 200, p. 10). O jovem tinha um talento natural para o aprendizado da música, pois dominava alguns instrumentos musicais com muita facilidade. Na Banda do Mestre Francisquinho, o rapaz tocava Trompete, mas ele era polivalente, pois executva a Caixa, o Bumbo, a Trompa, o Trombone, o Bombardino, o Piano dentre outros. Assim, “em Capela, além dos estudos com o Mestre Francisquinho, Leozírio tomou aulas de Piano com a Irª. Canísia do Colégio imaculada conceição, Harmonia, Regência e contraponto com Frei Elias O. S. B. e em Aracaju fez curso de Canto Orfeônico2 com o Prof. Genaro Plech3” (ANDRADE, 2007, p. 11). Percebeu-se que o compositor teve uma boa formação musical. Para reforçar o que foi exposto acima, é oportuno citar um excerto de um episódio que aconteceu no ano de 1931. O músico tinha 16 anos de idade, quando recebeu o convite para tocar na cidade de Maruim, na Banda Euterpe Maruinense. 4 Aceitou o convite e ao chegar, lá estava o mestre na estação à sua espera, e perguntando a alguém: “O rapaz veio”? Ao que ele mesmo respondeu: “Sou eu”. “Você”? Retrucou o mestre que olhou para aquele rapazinho com ares de descrença. Disse-lhe: vá lá para a filarmônica. Entregou-lhe as partituras difíceis de autores clássicos para estudar. Como estava quase em cima da hora, mal teve o mestre tempo de ouvir a sua execução. Na hora da festa, “o menino” fez um solo magistral, que o mestre saiu do seu lugar e lhe beijou a testa. Isso não era comum! Recebeu ali mesmo, honroso convite para permanecer na Euterpe (ANDRADE, 2007, p. 10). No ano de 1938, aos 23 anos de idade, o músico contraiu matrimônio com Aidil Guimarães (tocava Bandolim) e dessa união nasceram seis filhos. Em 1942, Leozírio, juntamente com outros músicos, apoiados pelo Prefeito, reabriram os trabalhos da banda. Desta feita denominaram-na “Lira União Capelense”. Embora tivesse sido uma Banda de porte pequeno, sua atuação foi importante, pois contribuiu para várias solenidades da cidade, a exemplo da festa da Padroeira, festas natalinas e novenas. No ano de 1945, Leozírio Guimarães criou a Sociedade Lítero Musical. Nesta época fundou o Coral Genaro Plech. Este grupo tinha como finalidade formar músicos e exercia também atividades de entretenimento como bailes, matinês dançantes e reuniões. Apresentava-se, além disso, concertos e recitais. Mantinha uma orquestra de baile, um coral e uma pequena banda de música “a Lira União Capelense”. O Maestro Valdelírio Santos4, em uma entrevista concedida, confirmou o que foi comentado acima. “Cantei no Coral Genaro Plech e toquei Clarineta na Banda de Música Filarmônica de Capela, ‘Sagrado Coração de Jesus’. Em uma nova época do professor Leozírio era denominada ‘União Capelense’. Cantávamos canções pátrias e folclóricas. Eu me sentia realizado porque era música5”. Nas eleições de 1954, é eleito para Governador do Estado o Sr. Leandro Marciel. Por conta disso, Leozírio passou a sofrer perseguições, vindo a ficar desempregado. No ano de 1956, resolveu fixar residência na capital, transferindo-se com toda sua família para Aracaju “onde passa a negociar com tecidos” (ANDRADE, 2007, p. 14). 2. SUA TRAJETÓRIA NA CIDADE DE ARACAJU Em Aracaju, a vida do referido professor ganha outro rumo. Abrem-se as portas do emprego. Começa a trabalhar como professor de Canto Orfeônico nas escolas 5 particulares e posteriormente nas escolas públicas. Era praticamente um autodidata, o dom para compor, reger e lecionar estava dentro dele. O Professor José Maria do Nascimento6, disse que “ele não tinha uma cultura geral, mas tinha facilidade de transcrever para a partitura tudo o que ouvia7”. No ano de 1960, no mês de janeiro, o professor Leozírio viajou para Recife, com o intuito de fazer um Curso de Suficiência para Professores de Música e Canto Orfeônico, ministrado por profissionais do Ministério da Educação. Após o curso, obteve licença do MEC para ministrar no primário e colegial. Provavelmente, ainda na década de 1960, Leozírio cria, no Bairro Siqueira Campos, a Escola de Música “Nossa Senhora da Purificação”. De acordo com Andrade (2007), a referida escola foi quem deu origem a instituição que funcionou durante muitos anos na Rua de Laranjeira, no centro da cidade. Nesse novo endereço, segundo Andrade (2007, p. 16), o compositor “teve sua fase áurea. Realizou vários concertos, formou músicos e organizou uma orquestra e um coral”. Lecionou na Escola Normal, na gestão da professora Maria das Graças Melo e no Instituto Lourival Fontes. Na Escola Normal ministrou aulas de Teoria da Música, formou um Orfeão e uma Banda de Música, composta pelas normalistas. Vale ressaltar sobre um dado importante obtido através do Maestro Valdelíro, a respeito da Banda de Música da Escola Normal. Ele comentou que na década de 1970, o Maestro e Capitão Bevenuto, regente da Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiros da cidade do Rio de Janeiro, foi designado para fazer uma fiscalização nas bandas de música da região nordeste e quando regressou ao Rio disse que: [...] o trabalho mais significativo que ele encontrou, foi o de uma banda de moças da Escola Normal de Aracaju, fundada e dirigida pelo competentíssimo Maestro Leozírio. Essa parte me gratificou. Eu disse: “Capitão, ele foi meu professor!” Ele falou: “por isso que você toca bem!”. Não estava morando aqui, em Aracaju, mas sei que o trabalho foi muito bom porque agradou ao Capitão Benvenuto8. No Instituto Lourival Fontes, o Maestro Leozírio ministrou aulas de música e formou uma banda composta por meninos carentes, denominada “Banda Hildete Falção”. Segundo a Professora Maria Olga Andrade: A Dona Hildete, esposa do governador era a diretora do Instituto e com carinho mantinha a banda. Era na ocasião, uma das bandas mais afinadas do Estado. Há um CD dos dobrados do Prof. Leozírio que 6 foi gravado por ela a pedido de Jairo Guimarães, filho do professor sob a coordenação do clarinetista Valdelírio Santos e prosseguiu mais tarde pela SOFISE. Muitos Jovens dessa banda seguram a profissão de músico e participam hoje da Orquestra Sinfônica ou de Bandas Militares (ANDRADE, 2007, p. 16). No ano de 1965, o Professor Leozírio assumiu a direção do Instituto de Música de Sergipe. Enquanto gestor da referida instituição, criou a Orquestra Sinfônica (1966) construiu o atual Prédio do Conservatório de Música de Sergipe (1970). A esse respeito, é oportuno observarmos o depoimento do Professor Antônio Alvino9: Ele conseguiu com suas amizades políticas, construir o Conservatório de Música de Sergipe e não deram a ele o direito de inaugurá-lo. Houve uma conspiração maldita, maligna, que se transformou no estigma do Conservatório de música do Estado de Sergipe. Ali não nasce nada, não floresce absolutamente nada. Eu sugiro que seja posto abaixo, pelo bem da música10. A década de 1970 constituiu-se um período de muito sofrimento para o Professor Leozírio Guimarães: foi exonerado do Cargo de Diretor do Conservatório de Música e rompeu com o seu primeiro casamento. A falta da família causou-lhe sofrimentos, mas no ano 1981, casou-se com a Professsora Lindinalva Cardoso Dantas. Agora, mais animado, conseguiu compor a missa “Nossa Senhora da Purificação” “que foi cantada em Capela na Igreja Matriz dedicada a Nossa Senhora da Purificação, pelo coral da Sociedade Filarmônica de Sergipe – SOFISE, em homenagem especial na passagem dos anos 80” (ANDRADE, 2007, p. 18). Professor Leozírio Guimarães foi o primeiro Presidente da Ordem dos Músicos do Brasil – Seção Sergipe. Segundo o Professor José Maria do Nascimento, “o Leozírio chegou a ser Presidente da Ordem dos Músicos do Brasil, em Sergipe e “procurou fazer um trabalho dentro das suas condições11”. O compositor, no sentido de preencher o vazio que ficou na sua vida, depois de seu afastamento do Conservatório de Música, com a ajuda de amigos e amantes da música, fundou, no ano de 1971, a Sociedade Filarmônica de Sergipe –SOFISE, uma instituição sem fins lucrativos, que tem como finalidade promover, divulgar e apoiar o crescimento da cultura musical no Estado. Nessa casa, o compositor produziu bastante: formou uma Orquestra, um Coral, escreveu composições e arranjos para orquestra. Por 7 conta da idade avançada e dos problemas de saúde, no ano de 1989, afastou-se do Cargo de Presidente da SOFISE, entregando-o a Professora Maria Olga Andrade. No final outubro do ano de 2002, a Professora Lindinalva veio a falecer e nove dias depois do falecimento dela, no dia 03 de novembro de 2002, ele se despediu desse mundo e seguiu o caminho da esposa. Seu funeral foi realizado na SOFISE e nessa oportunidade, os amigos, a família e os ex-alunos prestaram-lhe várias homenagens. O professor Leozírio formou vários músicos no Estado e o Maestro Valdelírio é um dos resultados do trabalho desenvolvido pelo Compositor. Em seu relato ele comentou o seguinte: Eu hoje sou um 1º Sargento Músico, aposentado da Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiros da cidade do Rio. Agora estou na reserva remunerada. Sou um clarinetista concertista e nada teria acontecido comigo, se não fosse através do Professor Leozírio Guimarães. Eu nada sou, mas o que sou devo a ele. Quando eu soube que ele tinha falecido, pensei logo em arrumar uma maneira para retribuir o que ele fez por mim. Fui ao cemitério e executei a música de autoria dele “Luar de Capela”. Na minha concepção foi a música que mais o identificou12. O Maestro Valdelírio, ao ser entrevistado, manifestou uma emoção muito forte, ao falar do ex-professor. Seus olhos brilhavam de satisfação e felicidade. Isso é o reflexo da marca que o bom educador imprime em seus discípulos. Ele se referiu ao seu mestre, externando uma tamanha gratidão. 3. METODOLOGIA DE ENSINO E RELAÇÃO COM OS ALUNOS Para entendermos melhor a trajetória do Professor Leozírio, se faz necessário expor alguns aspectos da sua metodologia de ensino, como também a sua relação com os alunos. A seguir, veremos alguns depoimentos de ex-alunos do compositor. As representações produzidas por eles são de fundamental importância, pois a partir delas passei a delinear o caráter e perfil do educador. A Professora Maria Olga Andrade (2006), disse que mesmo em processo de iniciação da leitura das notas musicais, ainda nas “notas brancas”, o aluno já era inserido na banda. Entende-se por notas brancas, aquelas que têm uma duração de tempo mais prolongada, a exemplo da semibreve, da mínima e da mínima pontuada, que no 8 compasso quaternário simples valem quatro (semibreve), dois (mínima) e três (mínima pontuada) tempos. Para Valdelírio: Tudo em Leozírio era grotesco, não tinha finura. Tinha um poder tão grande de ensinar música que parecia que abria a cabeça da gente e colocava a música. A relação com os alunos era de pai para filho, mas era próprio dele a rudeza, ele ensinava xingando a gente, e a gente não ficava com raiva. Ele era único. Dentro do seu contexto, ele era assim. Ele xingava com carinho. Ele dizia: “quem será que vai ser a vítima hoje? Quem vai ser xingado?”. Quando veio morar em Aracaju, ele modificou-se13. O Professor Antônio Alvino Argolo, também confirmou o que foi informado no depoimento acima. Segundo ele, na década de 1960, quando tinha quinze anos de idade, estudou divisão rítmica, na escola da Rua de Laranjeira. Era um tipo de professor que não se encontra nos dias de hoje. Era essencialmente professor. Ele montava bandas, orquestras e fazia composições e arranjos para as bandas que regia. Os músicos não chegavam pronto, ele fazia os músicos. Se o músico quisesse tocar flauta, ele ia explicar todo o processo. O método dele era bem parecido com o Método Suzuki. Neste método, o aluno “aprende a fazer fazendo”, ou seja, o aluno aprende mais de ouvido, depois vai se aprofundando nos signos musicais14. Perguntado sobre como poderia avaliar o nível musical e como poderia classificar as composições do Professor Leozírio, o Violonista Argolo (2008) respondeu que o Professor Guimarães procurava fazer um trabalho rápido e prático, o que é característico em quase todas as bandas do interior. O primeiro passo é aprender a divisão rítmica e no tempo de dois a quatro meses o aprendiz já começa a tocar na banda. Em relação à formação musical e características das composições do Professor Guimarães, Argolo (2008) ressaltou que a formação musical do compositor deu-se aos pés dos mestres de Bandas. E como tal, dentro dessa categoria, soube utilizar-se dos conhecimentos adquiridos para ensinar, compor e formar bandas. Sobre a escola que pertencia e aspectos das suas composições. O Professor Argolo afirmou que: As orquestrações dele são boas. Suas composições têm um caráter tradicional. Às músicas dele não têm arrobas, ou seja, não compôs músicas com característica contemporânea. Preferiu enveredar-se por um caminho mais conhecido15. 9 No excerto abaixo, podemos observar alguns aspectos da personalidade e da postura do professor Leozírio enquanto educador e Diretor do Conservatório de Música de Sergipe. Como Diretor, foi muito austero. Não tinha muita paciência com os professores. Ele tinha uma rigidez militar. Levou isso para o Conservatório de Música. A banda de música sempre foi uma instituição para-militar, cuja característica é conhecida como sendo rígida. Ele era assim mesmo em todas as instituições. Na Escola Normal era mais tolerante, por conta da Dona Maria Augusta, mas mesmo assim, a gente via algumas instrumentistas tocando e chorando. O Professor Alfeu Menezes (discutia muito com o Leozírio por causa dessa postura rígida. Existiram alguns embates entre os dos educadores, Leozírio e Alfeu. Este era liberal até demais, pois trabalhava com coral. Coral é uma mãe. Já o Professor Leozírio era especialista em bandas, que pressupõe rigidez e disciplina16. Percebemos que conforme vão sendo expostos os depoimentos, concomitantemente vamos formando o perfil do Professor Leozírio. Rígido, tradicional em sua metodologia e composições, temperamental, austero, introspectivo e sisudo, “mas quando ele gostava, gostava mesmo. Ele não se considerava um supermúsico, mas era competente17”. Após a análise do depoimento de Raquel Rodrigues Gouveia Leite18, percebeuse outros detalhes do comportamento e da personalidade do referido Professor. Ela nos revelou um Leozírio amável, bondoso, preocupado com o aprendizado do aluno e que tinha necessidade de ser ouvido, um homem carente. “Nos momentos de tristeza conversava bastante comigo porque eu sabia escutá-lo. Após a conversa, ele agradecia e dizia até a próxima aula19!”. Segundo Raquel, ele ensinava música também para alunos que não podiam pagar embora a escola fosse particular. “Levei cinco alunos que queriam aprender música. O tratamento era igual para todos20”. Vejamos o excerto abaixo: O Professor Leozírio era rígido na sua metodologia, porém, amável e carinhoso com seus alunos. Amava ensinar música, seus olhos brilhavam quando acertávamos as lições do dia (teórica e prática) e até mesmo abraçava quando era criança, dando parabéns. E quando aluno errava pela segunda ou terceira vez, ele ficava irritado batendo forte a mão do aluno sobre a mesa de madeira quando a lição era teórica e quando a lição era prática saía nervoso, dizendo: “vá estudar e só me chame quando souber!” Fazia questão que o aluno passasse toda à 10 tarde somente estudando. Não aceitava que o mesmo desviasse o foco para outras atividades a não ser a música exclusivamente21. O mais interessante disso tudo é que por trás desse homem tão duro, tão introspectivo e tão temperamental, havia também uma pessoa muito humana, que ensinou de forma extremada, lançando sementes que germinaram, cresceram, deram e continuam dando bastante frutos. 4. SUAS OBRAS Acreditamos que o Professor Leozírio, tenha sido o músico sergipano que mais produziu música no XX. Suas composições, como já foi mencionado acima, no depoimento do Professor Antônio Alvino Argolo, têm um caráter tradicional, religioso (alguns), nacionalista e romantismo. Algo o impulsionara a compor. Suas obras retratam temam locais e estão repletas de características que o contexto sócio-cultural brasileiro estava vivenciando. Embora tivesse se dedicado ao ensino da música, o Maestro Leozírio produziu muito. Somando todas as composições, temos um total de 37 produções. Ele é autor de seis Dobrados: “Homenagem a Capela (Capela, 1957), “Os Filhos Meus (1957), “Memória do Passado” (Capela. 1957), “Dr. Manuel Cabral Machado (1960), “Ariovaldo Barreto” (1950), “Raio de Sol” (1969) e “Sonho de Criança” (1967). Compôs nove Valsas, são elas: “Volúpia do Viver” (Aracaju, 1960), “Soluços do Poente” (s.a.), “Despetalando Rosas” (s.a.), “Anita Vieira” (s. d.), “Anir” (s.a.), “Dalila (Capela, s. a.),”Sorriso de Criança” (s.a.), “Luar de Capela” (s.a.) e “Destino” (s.a.). Seguem oito Marchas: “Sesquicentenário da Independência” (Aracaju, 1955), “Exaltação à Pátria” (Capela, 1940), “Abafei em Madri”, (s.a.), “São Pedro” (s.a.), “A Capela” (s.a.), “Eterna Despedida” (s.a.), “Marcha do PSD” (s.a.) e “Noite de São João”. Compôs um Samba–Canção, denominado “Rosa de Cecília (Capela, s.a.), Um Baião, “Devaneio” (Aracaju, s.a,), um Samba, “Aracaju” (Belo Horizonte, 1950), um Bolero, “Maria Paletó” (Capela, s.a.) e uma Canção, “Boêmio de Aldeia” (Capela, s.a.). Compôs músicas religiosas, são elas: “Jesus em Casa de Pilatos” (s.a.), “Prelúdio” (s.a.), “Jesus” (s.a.), “Judas”, (s.a.), “Jesus em Casa de Caifá” (s.a e uma Missa intitulada “ Nossa Senhora da Purificação” (1981). Por fim, produziu dois CDs.: “Luar de Capela”. (Contendo doze composições, s.a.) e “Composições Para Bandas de 11 Música” (s.a). Mesmo com Cds gravados, suas composições ainda não são tão conhecidas pelos sergipanos. No que se refere à produção bibliográfica, encontrou-se no trabalho monográfico da Professora Maria Olga Andrade (2006), um artigo que o Professor Leozírio escreveu para servir como base de uma palestra que proferiu no dia 24 de maio de 1970, no I Seminário de Música, promovido pela JOVREU – Editora Jovem Runidos. A Professora Olga, o transformou em artigo, digitou a palestra e a colocou como sendo um dos capítulos da sua monografia. No artigo intitulado “Panorama da Música em Sergipe” (1970), o Professor Leozírio faz realmente uma exposição extraordinária da História da música em Sergipe. Ele inicia, comentando sobre o ano de 1900, como sendo um período de desenvolvimento no Brasil, discorrendo sobre o êxodo rural, dando informações sobre a vida das cidades sergipanas e as dificuldades econômicas, sociais e culturais, sofridas pela região nordeste. Comenta sobre a vida musical das cidades interioranas, citando nomes de Bandas, de Mestres de Bandas e de compositores Sergipanos, discorrendo sobre as contribuições deixadas por esses músicos, mencionando as obras dos músicos que viveram em Sergipe, informando-nos que alguns compositores chegaram a publicar suas composições na cidade do Rio de Janeiro. Refere-se ao movimento de Canto Orfeônico e sua contribuição para a formação da identidade do povo brasileiro, citando nomes de educadores e educadoras. Faz referências as Bandas de música do Estado de Sergipe, destacando a atuação de duas Bandas Femininas: a da Escola Normal e a da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, além de comentar sobre as instituições que promoviam o ensino de música. Trata-se de um estudo bem produzido, pois descreveu com muita propriedade, embora de forma resumida, alguns aspectos da história da música em Sergipe. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para Silveira (2008), o processo da construção de uma biografia pode ser considerado como um ato de compaixão, de empatia, de sedução e de irritação. Mas ao se envolver com esse processo, o pesquisador vai incorporando representações que possibilitam a construção de uma história pessoal (micro) e que evidencia aspectos do social, do coletivo e do contexto em que viveu o biografado. Ao desvelarmos alguns aspectos da vida do Professor Leozírio Guimarães, passamos a conhecê-lo melhor, hora 12 gostando e hora detestando-o. Mesmo sendo uma pessoa de personalidade forte, observou-se que o seu amor pela música e pela docência, levava-o a transcender, ou seja, ele se lançou de tal maneira no campo da educação musical que não sabia fazer outra coisa, a não ser ensinar, compor, formar bandas e corais. O trabalho social com meninos carentes do Instituto Lourival Fontes é um exemplo da sua conduta enquanto educador. Ele acreditava que a música transforma, eleva o espírito e disciplina a vida dos homens. Utilizou uma metodologia inclusiva, uma vez que ainda nas notas brancas, o educando já podia ser inserido na banda. Em todos os lugares que passou, o compositor deixou sua marca, sua influência e sua contribuição. Formou vários músicos, nos quais atualmente atuam em bandas do serviço público municipal, estadual e federal. Alguns se destacam como professores de música e Maestro. Criou bandas de homens e de mulheres, fundou escolas de música, Orquestras Sinfônicas, orfeões (dentro e fora das escolas) e ampliou as matrículas de alunos no Conservatório de Música de Sergipe. Seu trabalho (Banda de Música) com as normalistas marcou a história da música em Sergipe e no Brasil. Suas obras são de fundamental importância para a sociedade sergipana e brasileira. Os títulos das suas composições denunciam-no e nos dão alguns sinais de como era o perfil do músico, do professor, do educador, do compositor e do maestro Leozírio. Encontrei vários vestígios que me ajudaram a montar as peças do quebra-cabeça de sua vida. Neste estudo, partes desse quebra-cabeça foi montada, mas ainda existem peças que precisam ser encontradas. Tentamos adentrar na vida do compositor e desvelá-la, mas reconhecemos que existem várias lacunas da sua trajetória que precisam ser preenchidas. Porém, acreditamos que só pelo fato de escrevermos sobre este educador, já é um avanço, pois são poucos os estudos que versam sobre história da música em Sergipe. “Assim trabalhou, assim viveu os sonhos que sonhou na sua caminhada de 83 anos”. (ANDRADE, 2006, p. 51). 1 Ex-aluna do Professor Leozírio Guimarães e Ex-professora Drª da Universidade Federal de Sergipe – UFS. É a atual Presidente da Sociedade Filarmônica de Sergipe – SOFISE. Trata-se de uma amante da música universal, que tem se dedicado ao trabalho de catalogação e preservação de uma boa parte das obras produzidas pelos músicos e compositores sergipanos. 2 O Canto Orfeônico foi um movimento nacional instituído no Governo Vargas, na década de 1930, através de Villa-Lobos. De acordo com Gilioli (2003), a idéia era nacionalizar e civilizar para os bons 13 costumes e criar através da música, uma identidade cultural no povo brasileiro. Nesse período, a música, na modalidade do Canto Orfeônico, foi inserida no currículo da escola. 3 Genaro Plech foi o primeiro Coordenador do Canto Orfeônico no Estado de Sergipe. Fundou, no ano de 1945, o Instituto de Canto Orfeônico de Sergipe – IMCOSE. Por ter sido um excelente pianista, era solicitado por Villa-Lobos para acompanhar os cantores que vinham da Europa. 4 Foi um dos primeiros alunos do professor Leozírio Guimarães e trabalhou como músico da Banda Sinfônica do Corpo de Bombeiro da Cidade do Rio de Janeiro. Entrevista concedida no dia 16/04/2008. 5 Idem. 6 Ex-professor de Canto Orfeônico e amigo de profissão do Professor Leozírio Guimarães. Entrevista concedida no dia 27/05/2008. 7 Idem. 8 Entrevista realizada no dia 16/04/2008. 9 Violonista e atual Presidente da Ordem dos Músicos de Sergipe. Foi aluno e colega de profissão do Professor Leozírio Guimarães. Entrevista concedida no dia 14/07/2008. 10 Idem. 11 Entrevista concedida no dia 27/05/2008. 12 Entrevista concedida no dia 16/04/2008. 13 Idem. 14 Entrevista concedida no dia 14/07/2008. 15 Idem. 16 Idem. 17 Idem. 18 Pedagoga, Assistente Social, Cantora Popular e ex-aluna do Professor Leozírio. 19 Entrevista concedida no dia 01/07/2008. 20 Idem. 21 Idem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Olga Maria. Leozírio Guimarães: uma caminhada musical. Aracaju/SE. Sociedade Filarmônica de Sergipe – SOFISE. 2007. (Monografia). BORGES, Vavy Pacheco. Grandezas e misérias da biografia. In: PINKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p. 203 -233. FISCHER, Beztriz T. Daudt. Arquivos pessoais: incógnitas e possibilidades da construção de uma biografia. In: Souza Elizeu Clementino (org). Tempos, narrativas e ficções. Porto Alegre: EDIPUCRS: EDUNEB,, p. 263-267. 2006 FREITAS, Anamaria G. B. de. A produção dos estudos biográficos em Sergipe e as principais contribuições para a história da educação. In: Souza, Elizeu Clementino de. (org.). Autobiografias, histórias de vida e formação: pesquisa ensino. ENDNEB, 2006, p. 145-160. GILIOLI. Renato de Souza Porto. “Civilizando” pela música: a pedagogia do canto orfeônico na escola paulista da primeira república (1910-1930). São Paulo: PPGE/ Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, 2003. (Dissertação de Mestrado). SILVEIRA, Jussara Maria Viana. Da medicina ao magistério: aspectos da trajetória de João Cardoso Nascimento Júnior. São Cristóvão: NPGED/ Universidade Federal de Sergipe, 2008. (Dissertação de Mestrado). 14 Entrevistados: 01 - Antônio Alvino Argolo – Presidente da Ordem dos Músicos do Brasil – Seção Sergipe. 02 – José Maria do Nascimento – Organista, Maestro e Professor de Canto Orfeônico. 03 – Maria Olga de Andrade – Ex-aluna do Prof. Leozírio Guimarães. 04 - Raquel Rodrigues Goveia Leite - Ex-aluna do Prof. Leozírio Guimarães. 05 – Valdelírio Santos - Ex-aluno do Prof. Leozírio Guimarães.