UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NEIMAR FERNANDO DRÜS ROMA ANTIGA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A GÊNESE DO DIREITO INTERNACIONAL Santa Rosa (RS) 2014 NEIMAR FERNANDO DRÜS ROMA ANTIGA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A GÊNESE DO DIREITO INTERNACIONAL Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais Orientador: Dr. Gilmar Antônio Bedin Santa Rosa (RS) 2014 Dedico esse trabalho monográfico, antes de tudo, à minha mãe e ao meu pai, que, sem conhecer do direito e de suas leis, com a moral e a ética da vida, souberam sempre trilhar o bom caminho, que depois, também eu, pude compartilhar os passos. Dedico ainda a todos que, do direito buscam a justiça, e a partir da justiça, buscam o direito. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha mãe e ao meu pai, que acompanharam minha caminhada, que antes dos primeiros passos, pouco se perguntavam acerca dos possíveis sonhos, e depois do estrada vencida, puderam ver, junto comigo, que a vida é feita, senão de sonhos, que asseguram nossa existência com o mínimo de significação. Agradeço imensamente a meu orientador, primeiro, pela sua própria história, que antes das orientações, foi onde alicercei minha busca pela realização de um trabalho elevado e seminal. Agradeço ainda por sua disponibilidade, paciência, superior conhecimento e seriedade na orientação, virtudes que com certeza foram basilares na elaboração deste trabalho. Agradeço ainda a todos os professores que prestaram a docência com paixão, que foram, com certeza, inspiração à minha instigação acadêmica. Por fim, agradeço ainda a todas e todos colegas, que de um modo ou de outro, completaram o ambiente acadêmico, propiciando um espaço e um tempo que certamente deixarão boas lembranças e eternas saudades. "A História é tão pródiga, tão generosa, que não só nos dá excelentes lições sobre a actualidade de certos acontecidos outrora como também nos lega, para governo nosso, umas quantas palavras, umas quantas frases que, por esta ou aquela razão, viriam a ganhar raízes na memória dos povos.” – José Saramago RESUMO O presente trabalho busca analisar as contribuições do Direito Romano para a formação do Direito Internacional. Para tanto, é traçada, inicialmente, em breves apontamentos, a história da origem da cidade-Estado de Roma e seus três períodos históricos, a saber o período régio, republicano e imperial. Para identificar uma possível origem do Direito internacional na cultura jurídica romana, é realizado, em seguida, o estudo acerca do universalismo do Direito Romano, identificando, já nesse momento, em referências preliminares, algumas das bases do Direito Internacional reconhecidas dentro do direito romanístico. O universalismo é um ponto chave para entender como o direito existente no mundo romano da antiguidade clássica romana é determinante para a origem do Direito Internacional de nosso tempo. Nesse sentido, o universalismo do direito romano possui, basicamente, duas vertentes: o chamado ius fetiale e o chamado ius gentium. Por fim, o texto é dedicado à exposição da gênese do Direito Internacional a partir das expressões do ius fetiale e do ius gentium, mostrando que ambos se constituem em verdadeiros embriões do Direito Internacional contemporâneo. Palavras-Chave: Direito Internacional. Direito Romano. História. Universalismo. RESUMEN Este estudio tiene como objetivo analizar las contribuciones de la ley romana, a la formación del derecho internacional. Por lo tanto, se traza, en un principio, en breves notas, la historia temprana de la ciudad-estado de Roma y sus tres períodos históricos, a saber, el período real, republicano e imperial. Para identificar se lleva a cabo una posible fuente de derecho internacional en la cultura jurídica romana, a continuación, el estudio de la universalidad del derecho romano, la identificación, desde entonces, en las referencias preliminares, algunos de los fundamentos de derecho internacional reconocidos en el derecho romanístico. El universalismo es un punto clave para entender cómo la ley existente en el mundo romano de la antigüedad romana clásica es crucial para el surgimiento del derecho internacional de nuestro tiempo. En este sentido, el universalismo del derecho romano tiene básicamente dos aspectos: el chamado ius gentium y el chamdo ius fetiale. Por último, el texto está dedicado a la exposición de la génesis del derecho internacional estrictamente desde las expresiones del ius gentium fetiale y ius, demostrando que ambos constituyen verdaderos embriones del derecho internacional contemporáneo. Palabras clave: Derecho Internacional. Derecho Romano. Historia. Universalismo. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 1 A ORIGEM DA ROMA ANTIGA E SEUS GRANDES PERÍODOS POLÍTICOS ... 10 1.1 O surgimento da cidade-Estado de Roma e os seus primeiros períodos histórico-políticos ................................................................................................... 10 1.2 O Império Romano e o fim do Império Romano do Ocidente ........................ 20 2 O DIREITO ROMANO, SEU UNIVERSALISMO E AS RELAÇÕES DE ROMA COM OS OUTROS POVOS ...................................................................................... 26 2.1 A herança de Roma: o Direito Romano e o seu universalismo ..................... 26 2.2 O Direito Romano e a origem do Direito Internacional moderno e as relações da Roma Antiga com outros Povos ....................................................... 32 3 O IUS FETIALE E O IUS GENTIUM: A GÊNESE DO DIREITO INTERNACIONAL ..................................................................................................... 38 3.1 O ius fetiale ........................................................................................................ 38 3.2 O ius gentium .................................................................................................... 46 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 55 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57 8 INTRODUÇÃO O Direito Internacional possui uma longa trajetória histórica e tem ampliado a sua relevância na atualidade. Isto ocorre por que as relações internacionais tem se intensificado e o mundo tem se tornado cada vez mais complexo. Neste sentido, o direito internacional tem se renovado e novas pesquisas tem sido realizadas. Entre estas pesquisas, pode-se encontrar vários trabalhos com o objetivo resgatar a origem do direito internacional. A presente pesquisa partilha deste interesse e, portanto, reflete sobre o passado. Em outras palavras, se preocupa com as origens do Direito Internacional. Assim, o trabalho volta-se para a contribuição do Direito Romano a esse tema. O primeiro capítulo deste trabalho foi desenvolvido para dar uma noção histórica da Roma Antiga. Nesse sentido, traça um panorama da história romana relacionada ao período da antiguidade clássica. Em breves colocações são esboçados os três estágios da história da Roma Antiga, consensualmente estabelecidos pelos historiadores, o Período Monárquico, o Republicano e o Imperial. Dessa forma, poderá o leitor se posicionar historicamente e ver em que contexto o Direito Romano surgiu e se desenvolveu. Não é de se espantar que no mundo jurídico da Roma Antiga fosse possível encontrar ingredientes embrionários do direito internacional. Existem, de fato, dois ramos jurídicos que refletem noções iniciais do que poderíamos chamar de um direito internacional. Todavia, antes de falar especificamente dessas duas vertentes jurídicas, outro elemento se sobressai, sem o qual a estruturação de um direito internacional seria impossível. 9 O elemento de que se fala é o universalismo do direito romano. Antes dele, o próprio universalismo em si é investigado. A universalidade propriamente dita, e a universalidade do direito, são componentes-chaves do direito internacional. Diante disso, o segundo capítulo cuida da exposição dos estudos acerca dessa temática, demonstrando primeiro a importância em estudar o Direito Romano, em seguida sua universalidade e, por último, em breves disposições, algumas referências de estudiosos que identifiquem “relações internacionais” praticadas pela Roma Antiga e povos vizinhos. No terceiro capítulo do trabalho, são analisados os dois ramos do Direito Romano que se preocupam em regulamentar as “relações internacionais” de Roma e suas contribuições para o Direito Internacional Público da atualidade. Os dois ramos referidos são os chamados ius fetiale (mais preocupado com questões que hoje denominaríamos de direito internacional público) e o ius gentium (mais preocupado com questões que hoje denominaríamos de direito internacional privado). O trabalho destaca, por fim, as contribuições do jus fetiale e do jus gentium para o atual Direito Internacional e, em consequência, reafirma a importância do estudo do Direito Romano para a compreensão do Direito Internacional moderno e sua vocação universalista, em especial num mundo cada vez mais integrado e globalizado. 10 1 A ORIGEM DA ROMA ANTIGA E SEUS GRANDES PERÍODOS POLÍTICOS O Presente capítulo analisa, inicialmente, a origem histórica da Roma Antiga. Em seguida, destaca alguns elementos de seus ciclos políticos iniciais mais importantes. Por fim, apresenta o ciclo do Império Romano, sua expansão e seu declínio. 1.1 O surgimento da cidade-Estado de Roma e os seus primeiros períodos histórico-políticos O estudo da história de Roma cumpre um papel importante dentro da constituição da identidade ocidental. Assim também, essa identidade é construída no campo jurídico, social e cultural. Seria possível dizer que o estudo da história de Roma é o estudo de nossa própria história. Roma teve sua origem numa planície da atual Itália, conhecida como Lácio. Giordani (1998, p. 28), falando da região que foi palco do nascimento da urbs1 romana, explica que o Lácio “[...] é uma pequena planície limitada ao sul pelos montes Albanos, a leste pelos Apeninos, ao norte pelo Tibre e a oeste pelo mar.” O Lácio é, com certeza, um cenário que comportou importantes acontecimentos históricos, principalmente na Antiguidade Clássica, sendo, o principal acontecimento, o surgimento de Roma. A partir disso, vale a pena descrever um pouco mais essa região onde corre o “[...] Tibre, rio de mais de quatrocentos quilômetros de extensão, [que] atraiu, desde cedo, habitantes para o Lácio.” (GIORDANI, 1998, p. 28). Outro detalhe interessante relacionado à região do Lácio, sempre recorrente nos manuais de história sobre a antiguidade clássica, que bem descrevem o lugar de surgimento da urbs de Roma, são os montes que se levantam à margem do rio Tibre. Assim, Giordani (1998, p. 28) lembra que à margem esquerda do rio Tibre surgiram “as sete colinas cujos nomes figuram em todos os manuais de História Romana, o Quirinal, o Viminal, o Capitólio, o Esquilino, o Palatino, o Aventino e o Célio [...].” 1 Tradução do latim: cidade. Disponível em: <https://translate.google.com.br/#la/pt/urbs>. Acesso em: 14 nov. 2014. 11 Os compêndios de história reconhecem que o crescimento de Roma se deve muito à localização da construção da cidade. Burns, Lerner e Meacham (2001, p. 140) mencionam que “o caráter geográfico da península italiana prestou contribuição significativa para o rumo tomado pela história romana.” Todavia, o caráter militar que os romanos adquiriram também foi elemento chave para seu avanço. Nas palavras dos mesmos autores (2001, p. 140), “[...] os romanos absorvem-se em atividades militares quase que a partir do momento em que se estabeleceram em solo italiano, forçados que eram a defender suas próprias conquistas contra outros invasores”. As informações acerca dos povos habitantes do Lácio e da Península Itálica são de suma importância, pois essas regiões influenciaram, direta ou indiretamente, o surgimento de Roma e toda sua história seguinte. Traçando um resumo da composição dessa parte da Itália na época primitiva, Eyler (2014), expõe que “[...] a Península Itálica era originalmente habitada por povos chamados lígures e iberos de origem até hoje desconhecida, que ocupavam a parte norte-ocidental da Península Itálica.” Inúmeros eram os povos que ocupavam a Península Itálica, mas Eyler (2014) ressalta que “[...] o povoamento da Itália e da Europa era basicamente feito por povos conhecidos como indo-europeus desde o neolítico.” Como dito, a Península Itálica é povoada desde muito tempo, todavia “[...] foram os italiotas que ocuparam primeiro a região central, [da península] e eles se dividiam em úmbrios, latinos, samnitas e sabinos.” (EYLER, 2014). É evidente que a história da Península Itálica e do Lácio começa muito antes da história da própria Roma. Burns, Lerner e Meacham (2001, p. 140) esclarecem que “testemunhos arqueológicos indicam que a Itália foi habitada pelo menos desde o Paleolítico superior”. Os autores ainda explicam que “[...] provavelmente, duas outras nações de imigrantes ocuparam diferentes porções da península italiana: os etruscos e os gregos.” (BURS; LERNER; MEACHAM, 2001, p. 140). De todos os povos, aquele que mais interessa aqui estudar é o etrusco. É a partir do povo etrusco que Roma toma efetivamente forma viva. Os etruscos 12 constituem o principal fundamento da origem de Roma e segundo Cardoso (1998, p. 206) merecem destaque devido à “[...] sua enorme influência sobre a civilização romana.” Os etruscos formaram uma determinada civilização, figurando entre os povos que habitaram a Península Italiana e […] O seu núcleo geográfico inicial – a Etrúria – foi o território compreendido entre o mar Tirreno a oeste, os Apeninos a leste, o rio Arno ao norte e o rio Tibre ao sul. Em uma península como a italiana, cujos recursos eram, sobretudo, florestais, agrícolas e favoráveis à pecuária, a Etrúria destacava-se por conter ricos solos vulcânicos mas também grandes riquezas minerais (cobre, chumbo, estanho e, principalmente na ilha de Elba, o ferro). Estes recursos metalíferos atraíram o interesse de gregos e fenícios, que ao frequentarem a região influenciaram os inícios da civilização etrusca. (CARDOSO, 1998, p. 206). Apesar dessas informações “[...] o local de origem dos etruscos é uma questão que nunca foi respondida de maneira satisfatória, embora seja certo que não eram indo-europeus. A maioria dos especialistas acredita que fossem nativos da Ásia Menor.” (BURS; LERNER; MEACHAM, 2001, p. 140). Já pelas informações de Eyler (2014) podemos saber que os etruscos eram uma civilização muito sofisticada, habitavam o norte da Península Itálica, mais precisamente na região da Toscana. Outro fato, e que reafirma a existência de cidades fundadas pelos etruscos, é que eles “[...] só tiveram sua escrita decifrada nos anos 50 do século XX e por ela sabemos que existiam 12 cidades unidas em uma confederação, das quais as mais importantes eram Tarquínia e Veios.” (EYLER, 2014). Várias teses buscam explicar a origem dos etruscos, mas dentre elas possui predominância a tese oriental, sendo a mais aceita e conhecida. (GIORDANI, 1998). Essa tese explica que “os etruscos teriam vindo do Oriente, mais precisamente da Lídia, na Ásia Menor.” (GIORDANI, p. 18).2 2 “Essa teoria, proposta já por Heródoto, foi aceita na Antiguidade e possui diversos argumentos a seu favor, entre os quais podemos citar os de ordem artística, religiosa e linguística. Assim, por exemplo, encontram-se entre os etruscos técnicas e formas artísticas que apresentam estreita semelhança com 13 Como a fundação de Roma se dá a partir dos etruscos, a organização política desse povo irá refletir, também, no início, na organização política romana. A herança política deixada pelos etruscos a Roma foi um conjunto de […] cidades [que] possuíam governos autônomos em que os chefes detinham poderes políticos e religiosos. A união das cidades formava o Império Etrusco, cujo limite máximo aconteceu no século VI a. C. e abarcava ao norte a planície do Pó3 e ao sul a cidade de Nápoles. (EYLER, 2014). Roma tem sua origem reproduzida nos etruscos, e como dito, na própria organização política dos mesmos. Giordani (1998, p. 20) ressalta esse ponto ensinando que “os etruscos se dividiam em cidades-estados unidas em federação de caráter essencialmente religioso e econômico.” Todavia essas cidades-Estado não conseguiram se articular numa aliança devido ao individualismo de cada um desses entes. (GIORDANI, 1998). Em relação ao desenvolvimento da história da civilização etrusca, a mesma, em sua fase final, já é abarcada pela cultura e história romanas. Cardoso (1998, p. 206) explica que a civilização etrusca “[...] desenvolveu-se entre 720 e 300 a.C. – sendo por volta desta última data absorvida culturalmente quase todo pela romana [...]”. Desta forma, podemos concluir, a partir desse estudo, que não se pode falar na origem de Roma sem levar em consideração os etruscos, pois “[...] o Estado romano nasceu com o domínio etrusco. Só então, Roma adquiriu a unidade política as empregadas entre as civilizações da Ásia Menor; certas doutrinas e práticas religiosas, tais como a crença em demônios e o exame de entranhas das vítimas, lembram imediatamente, as religiões orientais; finalmente, as afinidades linguísticas entre o idioma etrusco e o idioma falado na ilha de Lemnos anteriormente à sua ocupação pelos atenienses, o qual nos é conhecido por uma inscrição encontrada em 1885, bem como o grande número de elementos comuns à onomástica etrusca e à dos lídios e lícios parecem comprovar a tese oriental.” (GIORDANI, p. 18). 3 É o nome porque é mais conhecida a planície do rio Pó, o maior da Itália, passando por muitas cidades importantes, incluindo Turim, e ainda nas proximidades de Milão – nesta última cidade o rio penetra em uma rede de canais chamados navigli. Perto do fim do seu curso, o rio dá lugar a um grande delta, com centenas de pequenos canais e cinco cursos fluviais principais, chamados Po di Maestra, Po della Pila, Po e Gália Transpadana (ao norte do Pó). Em italiano, o vale é chamado de Pianura Padana (planície Padana). Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Geografia_da_It%C3%A1lia>. Acesso em: 13 nov. 2014. 14 indispensável para o longo e glorioso percurso através dos séculos vindouros.” (GIORDANI, p. 30). Mas uma questão que surge, no entanto, é de que modo Roma recebe efetivamente forma de cidade-Estado. O historiador alemão Theodor Mommsen (2012, grifo do autor) revela que [...] La división administrativa de la antigua Roma indica que esta provino de la fusión de tres tribus, quizás independientes en su origen: la de los ramnes, la de los ticios y la de los lúceres. Se verifico allí un fenómeno de sinecismo4 parecido al que dio nacimiento a Atenas. A história da fundação de Roma é tanto contada pela tradição e suas lendas, como também pelos resultados do profundo estudo dos historiadores, que estabelecem a fundação de Roma por meio de critérios racionais, deixando a criação lendária de Roma para um segundo momento. No entanto, não se pode excluir totalmente as considerações da lenda da origem de Roma, inspiradas na história de Rômulo e Remo. É possível analisar e estabelecer os pontos de ligação da tradição com a construção racional da história. Por isso Giordani (1998, p. 30, grifo do autor) é conclusivo em dizer que A tradição literária relata-nos, com minúcias, o cerimonial da fundação que coincide perfeitamente com o solene ritual etrusco […]. Em vez do lendário Rômulo e da tradicional data (metade do século VIII) devemos, apenas, colocar os etruscos em uma época mais tardia (metade do século VII). Todavia, muito importante a menção que López (2012), historiador romano, faz acerca da conjuntura da época da fundação de Roma e seu processo de formação. O autor ensina que “[...] se ha demostrado que Roma fue el resultado de un proceso de unificación y no la consecuencia de una fundación predeterminada en un momento concreto.” (LÓPEZ, 2012). 4 “Sinecismo (do grego synoikismós), coabitação. Fusão, por motivos defensivos, de pequenas comunidades numa maior que totalmente as substitui; processo que na Grécia antiga levou à formação da pólis.” Disponível em; <http://pt.wikipedia.org/wiki/Sinecismo>. Acesso em: 14 nov. 2014. 15 Como dito, Roma não foi uma escolha determinada com antecedência por parte de governantes ou do povo, mas um encadeamento de fatos, que sedimentados, deram origem à Roma. Em decorrência disso é possível afirmar “[...] que Rómulo, el presunto fundador de Roma, no existió, que Roma no fue fundada como sostiene la tradición el 21 de abril del año 753 a. C., que la propia ciudad como tal no pudo haber existido antes del 600 a. C. […].” (LÓPEZ, 2012). Esse detalhe presente na origem de Roma produz alguma implicações também no tradicional elenco dos primeiros reis romanos. Com efeito, os reis lendários não existiram, sendo possível apenas enumerar reis históricos, dentre eles, Tarquínio Prisco, aquele que verdadeiramente esteve à frente da fundação de Roma. (LÓPEZ, 2012). A partir disso fica demonstrado que a história merece um olhar mais crítico e profundo. Do mesmo modo, a história do surgimento de Roma não pode ficar entregue apenas às explicações lendárias, ou atrelada às interpretações, apesar do seu grande brilhantismo, dos historiadores da antiguidade, que em muitos casos não investigavam a fundo a real conjuntura da origem de Roma – devido até à falta de meios para tanto –, mas davam à história um forte tom de heroísmo, sem muito se preocupar com a autenticidade das suas narrativas. Por isso, com muita categoria, López (2012) afirma que […] De esta manera, la Roma que muchos historiadores han situado como una ciudad naciente en el siglo VIII a. C. no fue más que una Roma preurbana, esto es, previa al momento en que las comunidades integrantes decidieron desplazarse de las colinas al valle del futuro Foro para situar en ese paradero el núcleo de la ciudad, realidad que viene contrastada por la arqueología, cuyos resultados han demostrado que los trabajos de desecación y pavimentación precisamente de Foro se realizaron en torno al 600 a. C., por lo que antes de esa fecha difícilmente pudo existir una ciudad. Assim, Roma nasce oficialmente pelas contribuições do etrusco Tarquínio Prisco, que atua na convergência de tribos ou cidades para fundar a urbs romana propriamente dita. Diante disso vale destacar que 16 El mejor ejemplo de todo esto que estamos diciendo es el mestizaje cultural (etrusco-romano) llevado a cabo en el propio ejercicio del poder del primer rey romano, Tarquino Prisco. Fue el verdadero fundador y organizador de la ciudad. A él se le atribuyen hoy los supuestos logros de los monarcas legendarios, tales como las primeras reformas de la religión, o las antiguas guerras de expansión por el Lacio. Organizó, además, las primeras tres tribus romanas, así como las que serían cruciales instituciones del Senado y el Ejército. Y fue quien, desde el primer momento, puso de relieve las miras expansionistas de Roma con unas iniciales guerras de anexión por aquella región lacial. Llegó a controlar políticamente un tercio de su territorio, merced al dominio político sobre nueve pueblos vencidos como los etruscos, los ecuos e los sabinos. (HERNÁN, 2013). O que se depreende da origem de Roma com sua consolidação na urbs, por meio do rei Tarquínio Prisco, é que a primeira fase de sua história compreende um período de realeza ou monarquia. A tradição nos remete à existência de sete reis desde a fundação de Roma. Todavia, apenas três dos reis lendários se constituem em reis históricos. Este primeiro estágio da história política de Roma é comumente definido como período régio ou monárquico5. Nesse período, havia o domínio de reis etruscos sobre o que viria a ser a futura cidade-Estado de Roma. Na sua organização interna “[…] o regime dominante nas cidades etruscas foi o monárquico: os reis distribuíam a justiça, comandavam o exército e presidiam os serviços religiosos; eram, pois, simultaneamente juízes, generais e sumos sacerdotes.” (GIORDANI, 1998, p. 20). A tradição enumera sete reis no período inicial da história de Roma. Todavia, “[...] de los reyes legendarios de Roma […] únicamente los tres últimos se pueden considerar como verdaderamente históricos.” (HERNÁN, 2013). Assim, podemos considerar como reis históricos os etruscos Tarquínio Prisco, Sérvio Túlio e Tarquínio o Soberbo. Portanto, Roma se funda pelas mãos dos etruscos a partir do final do século VI a.C. e vive sob o arquétipo de uma constituição de proveniência etrusca. (EYLER, 2014). Neste sentido, Roma inicia sua trajetória histórica organizada em um sistema 5 Este período “estende-se da fundação de Roma, no ano 753 a.C., até o ano 510 a.C., com a expulsão do rei Tarquínio Prisco.” (DAL RI, 2009, p. 47). 17 monárquico, caracterizando o denominado período da realeza ou da monarquia. Apesar da tradição ainda informar muito sobre a história da Roma Antiga, é possível verificar a necessidade de realizar uma releitura das fontes tradicionais, não excluindo as mesmas do estabelecimento da gênesis romana, indicando, dessa forma, o tempo e as circunstâncias da origem da Roma Antiga com base em estudos arqueológicos e demais estudos históricos mais recentes, críticos e aprofundados. Superado o período monárquico, Roma entra em uma nova fase de sua história: o chamado período republicano.6 Apesar da designação desse novo período indicar uma evolução dentro da estrutura política romana – o que não deixa de ser –, não foram experimentadas grandes mudanças no início da República romana, uma vez que a repartição do poder não ocorreu efetivamente, como sugere o republicanismo, ficando concentrada nas mãos dos patrícios. O início7 do período republicando é comumente relacionado ao resultado das ações da realeza etrusca ligada ao rei Tarquínio o Soberbo8, ainda no período monárquico. Todavia “[…] la política de afirmación del poder real y el apoyo a los estratos sociales excluidos de la organización gentilicia desencadenaron la revuelta del patriciado que en el año 509 a. C. […] consiguió expulsar al último rey de Roma [...]” (LÓPEZ, 2012). A concepção de republicanismo é intimamente ligada com a participação popular, alternância de poder e, consequentemente, maior distribuição de poder, em 6 “O período republicano inicia-se com a instituição do consulado no ano 510 a.C. e estende-se até o ano 31 a.C., quando Augusto voltou a Roma após ter vencido Marco Antonio e lançou as bases para o novo regime político.” (DAL RI, 2009, p. 47). 7 “La tradición literaria ha situado el nacimiento de la República romana […] entre el 509 y el 508 a. C. Si bien la mayoría de los historiadores y arqueólogos modernos se inclinan por aceptar el valor de la tradición literaria situando dicho origen en los últimos años del siglo VI a. C., por otro lado existe un sector de historiadores y arqueólogos que aceptan como fechas más factibles para ello el año 475 o los años centrales del siglo V antes de Cristo.” (LÓPEZ, 2012). 8 “Según la tradición, la caída del régimen monárquico fue resultado de un motín de la nobleza al sentirse ultrajada por el rapto y la violación de Lucrecia, mujer del noble y guerrero Tarquinio Collatino, por Sexto, hijo de Tarquinio el Soberbio. Al no poder soportar tal deshonra, Lucrecia se suicidó. Como consecuencia, Sexto huyó a Gabii, donde murió, mientras que el resto de la família real no tuvo más remedio que huir y refugiarse en la ciudad etrusca de Caere. Porsenna, miembro de la realeza de Clusium, habría llegado en su ayuda, pero no restableció al rey en su trono ni lo ocupó él mismo ante las ejemplares actuaciones de algunos nobles romanos.” (LÓPEZ, 2012). 18 contraposição à monarquia, em que o poder é concentrado e não há alternância. Mas a República romana não tinha exatamente essas características. De fato, República […] designa en Roma un régimen aristocrático en el cual el pueblo tenia derechos, pero bastante limitados. Roma representó una excepción en el mundo mediterráneo: sus habitantes no conocieron nunca ni siquiera la tentación de la democracia. (BOHEC, 2013). Uma marca dessa concentração de poder é o surgimento do clientelismo no período republicano. Nesse arranjo social, a parcela mais pobre do povo entrava para a rede clientelar dos mais ricos em que “[...] el cliente apoyaba a su patrón en sus empresas políticas; a cambio, recibía una sportula, una cesta de provisiones o una suma de dinero que le permitía sobrevivir.” (BOHEC, 2013, grifo do autor). No entanto, a principal mudança entre o regime monárquico e a república é, de fato, a inserção de um novo atributo na organização política de Roma, a res publica9. A nova forma de governo de Roma dá […] lugar al gobierno de dos cónsules, jefes anuales del Estado y del Ejército, como representantes del conjunto de los ciudadanos. A partir de entonces, la aristocracia patricia pasó a dominar la política, la religión y el derecho, debido a que sólo sus miembros podían acceder a las más altas magistraturas, al Senado y a los cargos sacerdotales.” (LÓPEZ, 2012). No decorrer da república romana, o poder foi concentrado nas mãos daqueles que expulsaram os etruscos de Roma. “Pelo fim do século VI, a monarquia primitiva cede lugar à República em que domina uma oligarquia.” (GIORDANI, 1998, p. 20). Além disso, é importante registrar que “é consensual que a expulsão da dinastia etrusca foi feita por uma aristocracia que elegeu dois cônsules com amplos poderes civis, militares e religiosos e com mandatos de um ano.” (EYLER, 2014). Com a expulsão dos etruscos a organização social do período republicano se caracterizou principalmente por duas classes sociais: os patrícios e os plebeus. 9 “Res publica é uma expressão latina que significa literalmente ‘coisa do povo’, ‘coisa pública’. É a origem da palavra república. O termo normalmente se refere a uma coisa que não é considerada propriedade privada, mas a qual é, em vez disso, mantida em conjunto por muitas pessoas.” Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Res_publica>. Acesso em: 15 nov. 2014. 19 […] Los patricios poseían el poder, tal vez porque lo habían conquistado en el 509 [a.C.] a los Etruscos, y los plebeyos estaban excluidos. Los patricios, como su nombre indica, formaban el consejo de los patres, los padres e jefes de familia. Los plebeyos agrupaban quizá antiguos aliados de los Etruscos, sin duda también, extranjeros y libertos que no querían verse excluidos del poder. (BOHEC, 2013). O que chama a atenção é que “[...] até aqui, há poucas alterações entre o esquema de partilha do poder entre a realeza romana e a república. A maior novidade é que, no lugar do rei, quem assume doravante as prerrogativas do pode é a res pública. (EYLER, 2014). Isso significa que Por lo demás, todas las cosas siguieron en la nueva República el mismo camino en cuanto fue posible. La revolución fue completamente conservadora; no repudió ningún elemento esencial de la anterior máquina política, y este es su carácter más notable. (MOMMSEN, 2012). A expansão de Roma inicia neste período. De fato, como lembra Eyler (2014), foi em 497 a.C. que teve início “a expansão territorial romana com o domínio do Lácio.” Isso representa também o princípio de latinização das regiões adjacentes a Roma. 10 Ademais, logo após a instauração do regime republicano “[...] el expansionismo que practicó Roma a lo largo del siglo V a. C. transformó radicalmente las bases políticosociales del Estado romano”. (LÓPEZ, 2012). De fato, o período republicano de Roma é marcado pela enorme expansão territorial. Nesse momento histórico, Roma experimenta uma extraordinária 10 “Las más antiguas fronteras de la confederación que tenía a Roma por cabeza, o, para hablar más exactamente, de la nueva Italia, tocaban por el oeste el litoral del mar Tirreno, no lejos del lugar que ocupa actualmente Livorno, más abajo del Arno, y por el este llegaban hasta el Esis (Ensino), más arriba de Ancona. En cuanto a las colonias pobladas por italiotas y no comprendidas dentro de estos límites, tales como Sena Gálica y Ariminum, al otro lado del Apenino, o Mesina, en Sicilia, eran consideradas como geográficamente colocadas fuera de Italia, aun cuando formasen parte de la confederación y sus habitantes tuviesen derecho de ciudad, como era el caso de Ariminum y Sena. Menos aún se podía considerar a los cantones celtas más allá del Apenino como pertenecientes al país de los togati, aun cuando algunos de ellos hubiesen caído bajo la clientela de la República. La nueva Italia había llegado a la nueva unidad política, y marchaba rápidamente a la unidad nacional. Los latinos ya se sobreponen; se han asimilado a los sabinos y los volscos, y se van fundando ciudades latinas por todas partes en el suelo itálico. Las semillas esparcidas se desarrollan en todos los sentidos; y, así como han tomado la toga todos los habitantes de esta vasta región, llegará un día en que no tengan más que una misma lengua, la lengua latina. Los romanos tienen el presentimiento de sus altos destinos, y, para ellos, todos los contingentes suministrados por los confederados itálicos son, de aquí en adelante, contingentes latinos (latini nominis).” (MOMMSEN, 2012). 20 ampliação de seus limites territoriais. A propagação romana foi tão grande que “[...] en el asombroso periodo de tan sólo tres generaciones, prácticamente todos los países ribereños del Mediterráneo llegaron a estar bajo el poder de Roma.” (HERNÁN, 2013). Após a grande expansão, a República romana entra em uma fase decadente até culminar na decomposição do regime republicano e dar início ao Império romano. “En 133 estalló una crisis que se incubaba desde hacía tiempo y que duró hasta 31 antes de Jesucristo. Esa crisis puso término a la República aristocrática y abrió la puerta a la monarquía imperial.” (BOHEC, 2013). A República romana vê seu fim, contraditoriamente, de algum modo, na própria riqueza gerada pelo seu expansionismo. No entanto, apenas os ricos aproveitavam os frutos das conquistas, enquanto os pobres ficavam cada vez mais miseráveis. (BOHEC, 2013). Desse modo, [...] El ambiente social y político se irá emponzoñando progresivamente, hasta llegar a la denominada época tardía de la República. La guerra civil, la violencia generalizada, y las transgresiones de la ley se generalizan, y los conflictos internos, en última instancia, llevarán a un nuevo régimen, el Principado, dentro ya del llamado Imperio Romano. (HERNÁN, 2013). Portanto, o ocaso da República romana não se deve diretamente ao simples fato de Roma ter enriquecido devido à conquista de território. A ruína republicana é resultado, pois, dos conflitos internos entre aqueles que tinham acesso às “glórias” e aqueles cujos quais restava a escassez. 1.2 O Império Romano e o fim do Império Romano do Ocidente Traçada a origem de Roma, expostos os elementos constitutivos de sua formação e analisados os seus primeiros ciclos políticos, cabe agora analisar o período político de maior destaque de sua história: o período do império. Este período [...] nasceu oficialmente em 27 a.C. e terminou – dependendo do ponto de vista – com a conquista de Roma pelos godos, chefiados por Alarico, em 410 d.C., ou em 476 d.C., data da queda do último imperador do Ocidente, em consequência dos repetidos assaltos dos povos germânicos. (ROUX, 2013). 21 No entanto, a transição do regime republicano para o regime imperial não ocorreu diretamente, passando anteriormente por um período ditatorial e, em seguida, pela fase denominada de principado (inserindo-se normalmente dentro do período conhecido como Alto Império romano). De fato, como lembra Pastor (2008) […] El antiguo régimen republicano se mantenía en apariencia, pero el poder del Estado estaba en manos del vencedor. Así, la antigua república basada en la igualdad aristocrática había llegado a su fin. Pero el nuevo régimen no se organizó hasta año 27. Los últimos años de la guerra civil fueron decisivos; a la dictadura siguió el principado. El gobierno estaba en manos de un solo jefe, la política cedió paso a la administración y a la burocracia. Desapareció la lucha abierta entre las facciones. En principado salió de la guerra civil y descansaba en la fuerza del ejército, pero logró encuadrarse adecuadamente en el marco constitucional. O significado de império na Roma Antiga possuía um significado especial e estava vinculado, em boa medida, ao exercício do poder militar. Isso significa dizer que originalmente “[...] imperium comprendía la capacidad de mando militar […], es decir, definía el poder de dirigir el Ejército en la guerra y, por extensión, se empleó, para designar a los territorios sobre los que se ejercía este poder.” (LÓPEZ, 2012, grifo nosso). Desse modo, […] El imperator, era, por consiguiente, el magistrado dotado de imperium, ensalzado con este por sus hombres después de una campaña victoriosa. Empero, el Imperium como ‘Imperio’ y el imperator como ‘emperador’ tuvieron un significado muy concreto y fueron empleados por la historiografía para referirse al nuevo régimen que confirmó en Roma una vez que Cayo Julio César Octaviano, Augusto, se consolidó en el poder. Así, frente a la organización republicana, donde el poder era colegiado, con el régimen imperial era un único hombre quien detentaba el poder y tomaba las decisiones. (LÓPEZ, 2012, grifo nosso). Como inferido, a característica mais marcante dessa nova fase história de Roma, e que a diferencia da República, é a concentração de poder nas mãos do imperador. “[...] Aunque el princeps, por supuesto, hubiera ido acumulando una auténtica catarata de cargos que le hacían, con mucho, el hombre más poderoso del mundo.” (HERNÁN, 2013, grifo do autor). 22 A figura principal dentro do Império é o próprio imperador, o chefe supremo de toda Roma. Por ocupar uma posição tão elevada em relação aos demais detentores de poder, é importante que se faça algumas considerações acerca do mesmo. Em relação ao poder detido pelo imperador, Bohec (2013, grifo do autor) esclarece que […] El emperador, jefe del Estado, de los ejércitos y de la religión, poseía por tanto poderes civiles (potestas), militares (imperium) y sobre todo religiosos. Podía imponer su punto de vista en el Senado, en sus provincias y también en las provincias llamadas senatoriales.11 No período imperial, Roma ocupava um vasto território, herança das conquistas da república. Neste sentido, o Império Romano era claramente o verdadeiro centro do mundo da antiguidade clássica e isto assim pode ser considerado seja pelo regime de governo adotado como pela vastidão territorial ocupada. Nesse sentido, deve-se lembrar que Quando Roma caíra nas mãos de Augusto, o Império se estendia de Gibraltar às margens do Mar Negro, do Pas-de-Calais até o deserto da Síria. Augusto acrescentara o Egito; sem anexá-lo oficialmente, transformara-o num vasto domínio privado do qual ele era o único proprietário. Depois dele, os imperadores romanos continuarão a ser os “reis” do Egito, que conservará sua administração tradicional na qual nenhum senador poderá entrar sem uma autorização expressa, dificilmente concedida. (GRIMAL, 2011, p. 135). O período do Império romano é consensualmente dividido pelos historiadores entre o chamado período do Alto Império e o período do Baixo Império. O Alto Império se inicia em meados de 31 a.C. e vai aproximadamente até a metade do terceiro século depois de Cristo. Essa fase história também envolve “[...] um período de relativa paz interna que durou 250 anos (31 a.C.-235 d.C.). Este período ficou conhecido como o momento da ‘Paz Romana.’” (FUNARI, 2002, p. 89). 11 “El nuevo sistema imperial se fundamentó sobre la base territorial legada por el sistema republicano, vinculada a una nueva superestructura jurídico-política. El Imperio no se definiría como un conjunto de provincias, sino también como un sistema centralizado de poder, en el que el poder político simbolizado en la figura del prínceps, hombre guiado por la moderación y En el Imperio, el poder supremo lo ejercía el emperador, y los órganos de gobierno republicano quedaron subordinados a él. Las bases institucionales del antiguo poder monárquico recayeron en el Ejército, el Senado y el pueblo por medio de imperium maius et infinitum y la tribunitia potestas, que marcaban el ámbito de competencia militar y civil del poder imperial.” (LÓPEZ, 2012, grifo do autor). 23 Já o Baixo Império Romano, é considerado o período [...] final do Império Romano do Ocidente caracterizado por sua decadência e queda, em 453, em meio às invasões dos povos germânicos. A origem mais remota dessa crise está diretamente ligada à combinação entre a estrutura econômica do império e sua incapacidade de dar sequência à saga de conquistas, única forma de manter os domínios de Roma. (EYLER, 2014). Concluídos estes dois ciclos políticos do Império Romano, o mesmo vai entrar em crise e se dividir em duas estruturas políticas autônomas: o Império Romano do Ocidente e o Império Romano do Oriente. A história do Império Romano do Ocidente nasce no meio de uma crise relacionada a vários fatores. Os primeiros sinais da divisão em dois impérios ocorrem no século IV com a transferência da capital de Roma para Bizâncio. A capital do império, na parte ocidental, estava fragilizada e se encontrava em meio a dificuldades, sendo isso um empecilho ao governo do imperador. Eyler (2014) lembra que No início do século IV, o Imperador Constantino reunificou o Império. Entretanto, como o risco de invasão fosse maior na parte ocidental, ele transferiu a capital para Bizâncio, mais protegida e, na época, mais rica. Ali ele ergueu uma cidadela para servir de sede ao governo, dando a ela o nome de Constantinopla, nome que, durante séculos, acabou designando toda a cidade. O império manteve-se unificado, com sua sede em Constantinopla. No final do século, o Imperador Teodósio estabeleceu, em 395, a divisão definitiva: Império Romano do Ocidente, com capital em Roma, e Império Romano do Oriente, também chamado de Império Bizantino, com capital em Constantinopla. O que determinou a derrocada do Império Romano do Ocidente foi a crise militar que se instaurou já no Século III. Bohec (2013), expressa a concordância entre os historiadores quando afirmam que a crise do Império é de origem militar. Neste sentido, é digno de nota que os romanos passaram a enfrentar “con notable frecuencia, enemigos más numerosos, mejor organizados y más agresivos” e isto fez com que sofressem “duras derrotas, perecieron en combate algunos emperadores 24 (Gordiano III quizá y, con seguridad, Decio) o fueron capturados (Valeriano).” (BOHEC, 2013). O fim do Império Romano do Ocidente ocorre definitivamente com a invasão dos povos germânicos, conhecidos entre os romanos principalmente como bárbaros.12 Antes disso, Burns, Lerner e Meacham (2001, p. 167) enumeram outras causas do declínio do Império Romano do Ocidente, que [...] ao tempo do Principado, a mais óbvia deficiência política da constituição romana era a falta de uma clara lei de sucessão [...] e em geral o resultado era a guerra civil [...] também alimentada pela ausência de meios constitucionais para reforma [...] Além desses problemas, a maior debilidade política da Roma imperial talvez tenha sido, em última análise, o fato de não haver um número suficiente de pessoas envolvidas na atividade de governo. Considera-se costumeiramente como sendo a data da queda do Império Romano do Ocidente o ano de 476. No entanto Los historiadores se han preguntado si el Imperio fue asesinado o si murió de muerte natural. Nunca abrieron un debate para determinar en qué momento acaba la historia de Roma, incluso si se puede hablar de su fin en momento preciso. Pero basta abrir los manuales para darse cuenta de que las respuestas dependen del humor de los autores. Hace años, se admitía una ruptura brutal, en 476, cuando el Hérulo Odoacro depuso al último emperador, el mal llamado Rómulo Augústulo, y envió a Constantinopla las insignias imperiales. Desde unos decenios a esta parte, admiten muchos autores que sectores tan importantes de la vida como la economía sufrieron una lenta evolución, es decir, no cambiaron del todo; como se ha escrito a veces refiriéndose a la nación de “largo tiempo”, tal como la ha definido Fernand Braudel. (BOHEC, 2013). O fato é que o Império Romano do Ocidente caiu sob a pressão de vários fatores, desde internos como externos. Por fim, as culturas germânicas e bárbaras mesclaram-se, o que por alguns é considerado apenas mais uma fase da história de Roma, uma vez que muito da cultura romana como um todo foi incorporada pelos povos invasores, o que possibilitou que a mesma chegasse até nós. De fato, deve-se registrar que 12 “[…] se generaliza la expresión 'bárbaro', derivada del sonido 'bar, bar bar' con el que parecía que monótonamente hablaban los extranjeros invasores.” (HERNÁN, 2013). López (2012) também explica que o termo “bárbaro” tem origem grega e era empregado para designar a todos os estrangeiros ao longo das fronteiras romanas. 25 [...] la caída del Imperio de Occidente no estuvo acompañada de la pérdida absoluta de su recuerdo, pues su legado político, económico, social y cultural ha llegado hasta nuestros días como la base fundamental de nuestra propia cultura. (LÓPEZ, 2012). Enquanto o ocidente romano sofre um choque de “barbarização”13, o oriente experimenta um enxerto cultural romano. Nesse sentido, Bohec (2014), lembra que “[...] durante el siglo V, el Occidente romano se transformó lentamente en Occidente bárbaro, mientras el Oriente romano se convertía en Oriente Bizantino.” Tecnicamente não se pode falar que Roma morreu com a queda do Império Romano do Ocidente, visto que o Império Oriental continuou sua história por um longo período, mas seguindo com uma guinada ao oriente. Nesse sentido, “a fundação de Constantinopla – a nova Roma – materializou a inclinação do mundo romano para o Oriente. A separação entre Oriente e Ocidente já estava inscrita nas realidades do século IV.” (EYLER, 2014). O Império Romano do Oriente também é conhecido como Império Bizantino, que nas palavras de Georges Ostrogorsky, citado por Hernán (2013), é a “estructura estatal romana, de cultura griega y de religión Cristiana.” Justamente são esses os fundamentos sobre os quais a nova Roma se apoia. [...] tales son las bases sobre las que descansa esta longeva construcción histórica – que podríamos datar entre la fundación de Constantinopla en 330 y la caída de la misma a manos de los turcos en 1453 – que será testigo impertérrito, y también protagonista, de toda Edad Media europea. (HERNÁN, 2013). Desta forma, o Império Romano ainda continuou sua história por muito tempo, mas passou a ser “o Oriente que, definitivamente, adquiriu supremacia. O Ocidente, para renascer, deverá passar pela prova da dominação dos bárbaros.” (GRIMAL, 2011). 13 O termo indica apenas o choque cultural ocasionado pela invasão dos estrangeiros (germânicos) que dominam o Império Romano do Ocidente, produzindo a miscigenação romano-germânica, não devendo ser interpretado com pejoratividade. 26 2 O DIREITO ROMANO, SEU UNIVERSALISMO E AS RELAÇÕES DE ROMA COM OS OUTROS POVOS O presente capítulo analisa, inicialmente, a principal herança da Roma Antiga (o direito). Em seguida, destaca a vocação universalista do Direito Romano. Em terceiro lugar, destaca as contribuições do Direito Romano para o Direito Internacional moderno e, por fim, reforça a existência de fortes relações de Roma com os seus vizinhos. 2.1 A herança de Roma: o Direito Romano e o seu universalismo De todas as heranças deixadas pela Roma Antiga, uma delas se faz ainda muito visível na atualidade é o direito romano. Esse é o conjunto de normas e institutos produzido pelo trabalho jurídico realizado dentro da conjuntura romana antiga e é, sem dúvida, o grande legado deixado pela cultura romana. Ainda que tal direito tenha sofrido grande influência pela invasão de povos estrangeiros, chamados pelos romanos, principalmente no Período Imperial, de bárbaros, o Direito Romano fundamenta grande parte dos institutos jurídicos contemporâneos. Além disso, o direito atual também recebeu uma herança estrutural, referindo-se ao modo de organizar e sistematizar as normas jurídicas. O historiador do direito Gilissen (2001, p. 81) estabelece, com base na forma de governo, uma periodização do direito romano, enumerando a época antiga, clássica e do Baixo Império. A época antiga refere-se ao tempo da origem de Roma, do período pré-urbano. Já a época clássica abarca parte do período da República e o Alto Império. Por fim, o direito da época do Baixo Império, “[...] nascido da tripla crise do século III, política, económica e religiosa, direito dominado pelo absolutismo imperial, pela atividade legislativa dos imperadores, pelo Cristianismo.” (GILISSEN, 2001, p. 81). Não se pode deixar de considerar a importância que o direito romano possui para o mundo jurídico e toda história jurídica. Alves (1998, p. 2) em referência ao autor francês Huvelin, revela a importância do Direito Romano no seguinte trecho: 27 Ora, nenhum direito do passado reúne, para esse fim, as condições que o direito romano apresenta. Abarcando mais de 12 séculos de evolução - documentada com certa abundância de fontes -, nele desfilam, diante do estudioso, os problemas de construção, expansão, decadência e extinção do mais poderoso império que o mundo antigo conheceu. É assim o direito romano notável campo de observação do fenômeno jurídico em todos os seus aspectos. Todavia, é propícia a explicação melhorada do que o termo “direito romano” representa. Fiorindo David Grassi, (apud NETO, 2005, p. 89) informa que o direito romano é um “conjunto de normas jurídicas [sic] regeram o povo romano nas várias épocas de sua História, desde as origens de Roma até a morte de Justiniano, Imperador do Oriente, ocorrida em 565 da era cristã.” Visto de um modo um pouco mais específico e restrito, o Direito Romano é, em muitas vezes, ligado aos textos jurídicos da Roma Antiga. Nessa linha, o Corpus Juris Civilis é uma das expressões da lei romana com mais destaque. Buscando definir o que é o direito romano, Cretella Júnior (1998, p. 9) lembra que A expressão direito romano é empregada ainda para designar as regras jurídicas consubstanciadas no Corpus Juris Civilis, conjunto ordenado de leis e princípios jurídicos reduzidos a um corpo único, sistemático, harmônico, mas formado de várias partes, planejado e levado a efeito no VI século de nossa era por ordem do imperador Justiniano, de Constantinopla, monumento jurídico da maior importância, que atravessou séculos e chegou até nossos dias. Roma foi um dos maiores impérios da história da humanidade, conquistando um vasto território. De acordo com Bedin (2008) “estas conquistas foram desenvolvidas de uma forma muito acentuada com a criação da Cidade-Estado de Roma e com a construção e consolidação do Império Romano”, como demonstrado no capítulo anterior. Essa expressão agigantada de Roma no mundo antigo clássico é refletida também na relevância dada ao direito. Mas sendo o direito romano fundamento para institutos jurídicos que possuem respaldo e prestígio ainda hoje e tendo Roma conquistado enorme território, tornandose um verdadeiro centro da Antiguidade Clássica, é de se indagar qual foi a influência romana também na gênese do direito internacional, uma vez que a estrutura do Estado romano no mundo antigo acaba por se defrontar com inúmeras situações que o 28 colocam em um paradigma de “relações internacionais” devendo, para tanto, criar um arcabouço jurídico para conduzir essas relações. É possível encontrar dentro do Direito Romano elementos que efetivamente contribuíram para a composição do direito internacional contemporâneo, sem que isso signifique dizer que tenha existido um ramo do direito na antiguidade clássica categorizado como direito internacional. Esses traços de ligação não podem ser apagados e esquecidos, em razão de que constituem por vezes a base da expressão do direito internacional de hoje. O direito internacional possui seu principal fundamento no universalismo, de modo que não se pode pensar em um direito efetivamente internacional sem características universais. O Direito Romano possui duas vertentes principais que denotam sua universalidade: o ius fetiale e o ius gentium. Assim, se buscará, com base no universalismo encontrado dentro do direito romano e em algumas considerações iniciais mais específicas, estabelecer os pontos de ligação do universo romano e o que entendemos por direito internacional na contemporaneidade. O universalismo é um ponto essencial para o entendimento da contribuição do Direto Romano para o surgimento do Direito Internacional como o entendemos hoje. A ideia de universalidade é algo adjacente ao Direito Romano, que se constitui praticamente na alma do direito, como condição para sua perpetuação. Mas antes de tecer considerações acerca da universalidade do Direito Romano, é importante revelar a ideia particularizada de universalismo, que é estudada por Badiou. O autor traz a ideia de universalismo na seguinte passagem, ao afirmar que […] o processo de uma verdade é tal, que não comporta graus. Ou dela participamos, declaramos o acontecimento fundador e tiramos suas consequências, ou dela permanecemos fora. Essa distinção sem intermediário nem mediação é inteiramente subjetiva. Os traços distintivos externos e os ritos não podem servir para fundamentá-la, nem sequer para matizá-la. É o preço do estatuto da verdade como singularidade universal. O processo de uma verdade somente é universal se um reconhecimento subjetivo imediato de sua singularidade o sustenta como seu ponto real. Caso contrário, é preciso retomar observâncias ou símbolos particulares, o que 29 possibilita apenas fixar a Nova no espaço comunitário e bloquear seu desenvolvimento universal. (BADIOU, 2009, p. 31, grifo do autor). A terminologia à qual se deve mais prestar atenção é a que se refere à singularidade universal. O universalismo só se sustentará se antes dele se constituir uma singularidade universalizada. Ou seja, a não distinção entre os que compõem os povos. Essa não distinção se refere à condição de todos são iguais perante a (única) “lei”, ou dito de outro modo, a “lei” é a mesma para todos, é a verdade a que todos se submetem. Portanto, “[…] soa claro o enunciado de Paulo, enunciado realmente impressionante quando se conhecem as regras do mundo antigo: 'Não há mais judeu nem grego, não há mais escravo nem livre, não mais homem nem mulher'.” (BADIOU, 2009, p. 16). O universalismo possui sua questão central naquilo que se refere a todos, mas não nos moldes como se poderia sugerir em relação ao direito natural. A universalidade, aqui, é antes de tudo, uma ideia de inclusão de seres humanos dentro de um sistema universal. No entanto, o universalismo só pode ser entendido e sustentado a partir da ideia de unicidade, isto é, da concepção de que esse sistema é o único, e justamente por isso, é para todos. Badiou (2009, p. 90, grifo nosso) explica a dimensão universalista mencionando que A questão fundamental é saber o que significa exatamente que haja um único Deus. O que quer dizer “mono” no “monoteísmo”? Paulo enfrenta, renovando os termos, a temerosa questão do Um. Sua convicção, propriamente revolucionária, é que o signo do Um é o “para todos” ou o “sem exceção”. Que haja um só Deus deve ser compreendido não como uma especulação filosófica sobre a substância, ou sobre o ser supremo, mas a partir de uma estrutura de destinação. O Um é o que não inscreve nenhuma diferença nos sujeitos aos quais ele se dirige. Esta é a máxima da universalidade, quando sua raiz é pertinente ao acontecimento: somente há Um, assim como ele é para todos. O monoteísmo somente é compreendido quando se leva em consideração toda a humanidade. Não dirigido a todos, o Um se decompõe e se ausenta. De modo semelhante o Direito Romano possui um viés universalista que deve ser abordado para a compreensão da sua contribuição para a formação da ideia de Direito Internacional, ao passo que Roma trabalha, mais num primeiro momento, para 30 constituir o “cidadão romano” e não para dificultar a sua constituição enquanto membro genuíno de Roma. Esse viés universalista a ser estudado é o estudo da universalização de uma consciência jurídica, ou dito de outro modo, da internacionalização de um espírito jurídico. O universalismo é, dessa forma, olhar para o direito não mais como normatizações restritas à uma determinada sociedade, mas entendê-lo, sobretudo, como um verdadeiro corpo ético e moral de todas as gentes para todas as gentes. Anteriormente ao universalismo podemos posicionar o supranacionalismo que “já era percebido pelos romanos, que distinguiam seu próprio direito daquele comum a todos povos.” (BÖTTCHER, 2013, p. 163). Além disso, a ideia de universalismo do Direito Romano aparece na caracterização do cidadão14 romano, daquele apenas considerado como latino e ainda aquele concebido como peregrino. Essa ceara oferece grande subsídio de estudo do comportamento universalista de Roma no que concerne a sua juridicidade. 14 “Toda pessoa que não seja escrava é livre. Mas há diferenças muito importantes na condição das pessoas livres. Podemos subdividi-las em cidadãos e não cidadãos, em ingênuos e libertos. […] A divisão de pessoas em cidadãos e não cidadãos tem por base a posse ou a privação do direito de cidadania romana. Inicialmente apresentava um grande interesse em sua origem quando o cidadão somente possuía gozo do Direito Civil romano. Mas as condições políticas e financeiras fizeram outorgar, a pouco e pouco, a qualidade de cidadão a todos os habitantes do Império; assim, em princípios do século III de nossa era, essa distinção perdeu maior parte de sua importância. […] O cidadão romano que não tenha sido incapacitado por alguma causa particular goza de todas as prerrogativas que constituem o jus civitatis, ou seja, participa de todas as instituições do Direito Civil romano, Público e Privado. Entre as vantagens que resultam, as que caracterizam a condição de cidadão na ordem privada são: o connubium e o commercium. […]. A essas vantagens essenciais em Direito Privado, o cidadão unia na ordem política: a) o jus suffragii, direito a votar nos comícios para fazer a lei e proceder à eleição dos magistrados; b) o jus honorum, o direito para exercer as funções públicas ou religiosas. […] Os não cidadãos ou estrangeiros, em princípio, eram privados das vantagens que confere o direito da cidade romana e apenas participavam das instituições derivadas do jus gentium. […] há os mais favorecidos, que ocupam uma faixa intermediária entre os cidadãos e o comum dos peregrinos: são os latinos. Mas há que se distinguir os peregrini propriamente dito e os latini. 1. Peregrini. Os peregrinos são os habitantes dos países que fizeram tratados de aliança com Roma, ou que mais tarde tenham se submetido à dominação romana, reduzindo-se ao estado de província. Havia muitos peregrinos que chegavam e fixavam sua residência em Roma; essa afluência tornou necessária a criação do praetor peregrinus. A condição dos peregrinos é o direito comum para os não cidadãos. Não desfrutam do connubium, do commercium nem dos direitos políticos, embora sejam suscetíveis de adquiri-los, seja pela concessão completa do jus civitatis, seja por concessão especial de algum de seus elementos (Ulpiano, V., § 4º, XIX, § 4º) [...]. De todo modo, gozam do jus gentium e do direito de suas respectivas províncias (Gaio, III, §§ 96 e 120). […]. 2. Latini. Os latinos eram peregrinos tratados com mais proteção, e para os quais haviam acordado certas vantagens compreendidas no direito de cidadania romana. Foram de três classes: os latini veteres, os latini coloniarii e os latini juniani.” (PETIT, 2013, grifo do autor). 31 Outro fato que revela o universalismo do Direito Romano, conforme sustenta Pierangelo Catalano (apud DAL RI; DAL RI JR., 2013), o povo de Roma não se compunha estritamente de cidadãos, mas também de pessoas que viviam conforme as regras do Direito Romano. Como consequência dessa concepção o direito romano não é feito para os cidadãos romanos, mas para os homens, evidenciando o seu universalismo. Em contrapartida constata o autor uma forte política de concessão da cidadania que concebe o “ser romano” por meio do viver de acordo com os costumes e a cultura romana (DAL RI; DAL RI JR., 2013, grifo nosso). Evidenciando ainda mais a concepção universalista do Direito Romano, Böttcher (2013), analisando a obra filosófica de Cícero, extrai a ideia de que um Direito único é que mantém uma sociedade humana unida e como dito antes, é o único que constituiu o universal. Por isso o autor menciona que [...] A hominum societas15 deve ser entendida como a comunidade humana universal, à medida que Cícero ressalta a necessidade de respeito não apenas aos cidadãos, mas também aos estrangeiros, sob pena de ser destruída a sociedade comum do gênero humano. Também podemos antever a existência da noção de interesse comum a todos homens. (BÖTTCHER, 2013, p. 163). Assim, a partir da ideia de unicidade, ou dito de outro modo, de unidade como pressuposto constitutivo do universalismo, começa a se formar, então, a comunidade latina, sobre a qual Roma se desenvolve. Dessa maneira, cada vez é menor a distinção entre os romanos e não romanos, resultado de uma integração da cultura do ius romano. (DAL RI; DAL RI JR., 2013). Ainda, um fator que contribui para a [...] compreensão da relação entre romanos e latinos reflete-se na expansão de Roma e no aumento da civitas, concebida como potencialmente universal. Essa experiência de ius civitatis denota uma diferente concepção de cidadania em relação àquela proposta pelo modelo do Estado-nação [...]. (DAL RI, DAL RI JR., 2013, p. 312). Por fim, é notório que o universalismo do Direito Romano se mantém e se amplia, inclusive devido à sua relação com o ius gentium, devendo “[...] ser encontrado 15 Tradução do latim: sociedade. Disponível <https://translate.google.com.br/#la/pt/hominum%20societas>. Acesso em: 15 nov. 2014. em: 32 no próprio caráter universal do pensamento jurídico romano, visto que baseado na natureza, entendida essa como realidade humana.” (BÖTTCHER, 2013, p. 166). A partir do universalismo romano é possível concluir, então, que o Direito Romano é influente na constituição de bases para origem da ideia de Direito Internacional na contemporaneidade, isso devido ao fato de que mais do que estabelecer institutos jurídicos para tutela de questões “internacionais”, o Direito Romano traz em seu âmago o espírito universal de assimilação e aplicação do direito. 2.2 O Direito Romano e a origem do Direito Internacional moderno e as relações da Roma Antiga com outros Povos O fato de Roma Antiga possuir tradição jurídica não nos é nem um pouco estranho, tampouco representa novidade. A base do nosso Direito é, em boa medida, romana. Mas a dúvida que se pretende responder é se perante toda essa base jurídica com um viés mais tradicional, o direito romano também possui elementos que o identificam e lançam bases com o Direito Internacional. Nesse sentido, é preciso que se saiba, entre outras informações, qual era a relação que Roma tinha com os povos vizinhos. Quanto a isso, Nascimento (2002, p. 117) explica que Em Roma, primitivamente os estrangeiros eram vistos como inimigos e, por isso mesmo, tratados com hostilidade. Repetindo velha concepção romana, os estrangeiros não integravam a comunidade, eram indivíduos sem pactus legis, portanto, não merecedores da proteção da lei. Continua dizendo, o mesmo autor que “pouco a pouco, porém, puderam os estrangeiros ir adquirindo direitos em Roma, e de hostes, que eram, passaram a peregrini”. (NASCIMENTO, 2002, p. 117, grifo do autor). A partir das guerras empreendidas por Roma e seu alastramento territorial, cada vez mais os estrangeiros eram afetados pelas ações de Roma. Para regular as situações enfrentadas a partir daí 33 [...] ao lado do Ius Civile, foi-se formando um Ius Gentium, estabelecendo-se a distinção entre o direito do cidadão romano e o direito do estrangeiro, embora não se pudesse distinguir no segundo qualquer manifestação de Direito Internacional Privado. Isso porque os direitos reconhecidos ao estrangeiro eram os que se conferiam mediante tratados ou concessões unilaterais. E foi assim que se pôde dar ao Ius Gentium um conceito mais amplo para o desenvolvimento de um Direito Internacional Público. (NASCIMENTO, 2002, p. 117-118, grifo do autor). Já no entendimento de Bedin (2008) o Ius Gentium se situa dentro da esfera privada internacional de Roma. A partir disso o autor explica que um [...] ramo importante do direito romano era o chamado jus gentium. Este ramo se preocupava com os conflitos entre os estrangeiros ou entre estes e os cidadãos romanos. A preocupação central deste ramo do direito era facilitar as relações comerciais com o estrangeiro e, por isso, pode ser denominado de direito internacional privado de Roma. (BEDIN, 2008, grifo do autor). Uma questão que não pode passar despercebida é como o ius gentium contém, de fato, elementos que permitem sua expressão como base para o direito internacional, ainda que alguns o entendam como um reflexo do direito natural. É o que coloca Macedo (2010) quando diz que “o jus gentium encerra consigo a exigência de um direito universal, de um direito que deveria ser, em princípio, aceito por todos os homens, deveria ser um ramo não nacional, mas aberto à diferença”. O fato é que expressando um direito público externo havia o ius fetiale, um “[...] misto de normas religiosas e jurídicas, que orientava as relações de Roma com o mundo exterior, principalmente no tocante à guerra e à política de extradição.” (NASCIMENTO, 2002, p. 118). Continuando a explicação acerca do ius fetiale, Gilmar Antônio Bedin (2008, grifo do autor), referenciando Mattos (1979), ensina que De fato, o povo romano, com um acentuado caráter prático e conquistador, logo elaborou um ramo de seu direito que se preocupava com a regulamentação das relações internacionais de Roma. Este ramo do direito foi designado de jus feciale ou jus sacrale. 34 Trazendo alguns detalhes do ius fetiale o professor e pesquisador Gilmar Antônio Bedin ressalta um ponto de destaque dentro dessa ramificação jurídica da Roma Antiga. Entre as preocupações deste ramo do direito romano estava a de estabelecer em que situações a declaração de guerra de Roma era legítima. A declaração de guerra a uma Cidade-Estado vizinha seria possível, segundo os preceitos do jus feciale, em quatro casos específicos: a) violação do território romano; b) ofensa à pessoa e imunidades dos embaixadores; c) violação dos tratados; e d) auxílio por parte de uma Cidade-Estado aos inimigos de Roma. (BEDIN, 2008, grifo do autor). Ao buscar definir as bases que formam o direito internacional contemporâneo, são justamente pertinentes os institutos do ius fetiale e do ius gentium, justamente porque O estudo do ius fetiale, como conjunto de normas, pode ser considerado um dos principais aspectos para a compreensão das relações da Roma antiga com outros povos e reis. A importância da atividade externa romana regida pelo ius fetiale durante o período régio (753-509 a.C.) e aquele republicano (509-27 a.C.) ganha particular importância com a expansão romana dentro da comunidade latina e posteriormente itálica, sendo sempre ponto de referência normativo na formação do imperium dos romanos. (DAL RI, 2010). Alguém poderá se indagar sobre a existência ou não de relações internacionais entre a Roma antiga e os povos vizinhos. O fato é que não se pode negar a existência de relações internacionais (ou então relações exteriores), ainda que primitivamente, entre a Roma Antiga e os povos e reis estrangeiros. Isso porque, segundo Bedin (2008), […] desde os primeiros contatos entre os homens, que foram em um primeiro momento basicamente atos de desconfiança e de hostilidade, existe uma espécie de sociedade internacional e de disposições jurídicas que disciplinam essas relações. Os posicionamentos divergem acerca da ligação que o ius fetiale e o ius gentium possuem com o direito internacional. A questão é que ambos fornecem elementos de constituição de um direito internacional primitivo e servem de base para o direito internacional contemporâneo. Assim, Dal Ri (2010) coloca que 35 O direito supranacional romano liga-se à realidade moderna e contemporânea como uma diferente forma de conceber e disciplinar as relações entre os homens e os povos, repassando ao Direito internacional moderno alguns princípios graças às reflexões e adaptações de filósofos e juristas às suas diferentes realidades. Desde já, pelas informações colhidas, é possível afirmar que o mundo jurídico romano da antiguidade exerceu influência para o impulso de um Direito Internacional. Isso fica revelado através das expressões jurídicas do ius fetiale16 e do ius gentium.17 Todavia é preciso entender que “os romanos não criaram uma ciência do Direito Internacional.” (SODER, 1998, p. 69). Tanto é que Soder (1998, p. 71) afirma, que “[...] os juristas romanos como os do período clássico […] não foram muito além de certas noções fundamentais em assuntos de Direito Internacional.” Todavia, não se pode negar, frente às evidências, que esses dois, podemos assim chamar, ramos do Direito Romano, o ius gentium e ius fetiale, estabeleceram as normas e procedimentos que Roma Antiga cumpriu na sua expressão para além das suas fronteiras e com aqueles que vinham do mundo existente fora do território romano. Tais normas e procedimentos são elementos de parte da base para o futuro desenvolvimento do direito internacional no seu conceito atual. Como a Roma Antiga possuía um arcabouço jurídico destinado a regular as suas relações exteriores, ou, dito de outro modo, “internacionais”, é de se esperar que o Estado Romano tivesse relações “internacionais” numa escala até intensa com as nações vizinhas, justificando, inclusive, a existência do ius fetiale e do ius gentium. Partindo desse pressuposto, se buscará evidenciar a existência de relações internacionais, ou algo que seja equivalente às mesmas, a partir da exposição e interpretação de passagens de estudiosos acerca dessa temática. 16 Conforme o autor a ser utilizado o termo poderá vir redigido tanto como ius fetiale, ius feciale, jus fetiale ou jus feciale. Nesta monografia, no entanto, será usada, sempre que possível, a expressão ius fetiale, quando a mesma não estiver vinculada a nenhum autor(a). 17 Conforme o autor a ser utilizado o termo poderá vir redigido tanto como ius gentiumi ou jus gentium. Nesta monografia, no entanto, será usada, sempre que possível, a expressão ius gentium, quando a mesma não estiver vinculada a nenhum autor(a). 36 As relações internacionais de Roma podem ser demonstradas a partir da existência de tratados, acordos, convenções, ajustes, alianças, pactos, enfim, quaisquer tratativas com nações estrangeiras. Assim, uma primeira evidência de relações internacionais da Roma Antiga trazida ao estudo, refere que “Roma manteve relações de direito internacional com muitos dos estados, nações e tribos além dos limites do limes a linha de fortificações que marcava o limite do Império Romano.” (CASELLA; ACCIOLY; SILVA, 2012, grifo do autor). Além disso, “o princípio jurídico básico – pacta sunt servanda – tinha aplicação não somente nos contratos civis, mas também nos tratados. (CASELLA; ACCIOLY; SILVA, 2012, grifo do autor). Roma possuía uma expressividade internacional bastante intensa, firmando várias espécies de tratados. Com parceiros considerados iguais eram celebrados tratados de amizade ou neutralidade (amicitia) e alianças defensivas (foedus). Alguns tratados constituíam formas variadas de dependência (deditio in fidem, clientela), mais ou menos correspondentes aos pactos de vassalagem e protetorado do direito internacional moderno, ou constituíam submissão à autoridade de Roma (deditio). (CASELLA; ACCIOLY; SILVA, 2012, grifo do autor). Já não há dúvida de que Roma tinha estabelecido um intenso quadro de relações internacionais. Roma era, inclusive, influente no estabelecimento dessas relações, de modo que [...] havia concorrido para o conhecimento mútuo dos povos e para que esses se habituassem a relações pacíficas normais, de maneira que, após o desmembramento do império romano, era natural que pudessem surgir e desenvolver-se relações internacionais e, concomitantemente, um direito internacional. (CASELLA; ACCIOLY; SILVA, 2012). No entanto, as relações exteriores de Roma variam de grau conforme o momento histórico vivido. Obviamente que Roma possuía uma expressividade internacional mais elevada quando da ocupação de um maior território, o que ocorre principalmente no período do Império Romano. As relações de Roma com os povos vizinhos, que chegaram a ser mais frequentes depois da conquista da Itália, tornaram necessária, em 507, a criação de um novo pretor para as disputas ou assuntos entre 37 estrangeiros, ou entre cidadãos e estrangeiros: este foi o praetor peregrinus. (PETIT, 2013). Portanto, como demonstrado, é convincente a ideia de que Roma praticava em grau elevado relações internacionais com povos vizinhos. Essas relações de cunho exterior, ou internacional, são esboçadas a partir da conclusão de tratados, pactos e demais tratativas entre as autoridades de cada nação. Todas essas relações existentes entre Roma e nações vizinhas culminam e justificam a criação do ius fetiale e do ius gentium, que passam a regulamentar as relações de Roma com o mundo exterior. 38 3 O IUS FETIALE E O IUS GENTIUM: A GÊNESE DO DIREITO INTERNACIONAL O presente capítulo analisa a contribuição do Direito Romano para a origem do Direito Internacional Público moderno. Em primeiro lugar, se ocupa do chamado ius fetiale (que se importava com questões que hoje seriam caracterizadas como típicas do Direito Internacional Público) e, em segundo lugar, com o ius gentium (que se preocupava com questões que hoje seriam caracterizadas como típicas do Direito Internacional Privado). 3.1 O ius fetiale Roma nasce em meio de uma relação constante com outros povos, “Estados” e reis. Não se poderia imaginar que fosse diferente, inclusive pelo fato da existência de inúmeros povos que habitavam a Península Itálica. Essa relação, obviamente, não se deu de forma desregulamentada, tenha ela sido conduzida por rituais religiosos ou por disposições jurídicas propriamente ditas. Existia em Roma um arranjo jurídico (e ao mesmo tempo religioso) que cuidava de reger as relações de Roma com outras nações. Esse arranjo tem o nome de ius fetiale e em alguns casos é derivado […] de fides, siguiendo a Varrone otros de foedus siguiendo a Servio: algunos prefieren citar a Festo haciéndola derivar de ferir, otros como Conradi que cita a Plutarco, y le da origen a faciendo. Fusinato nos menciona que fetialis deriva de fetis, un sustantivo anticuado que tendría relación con fateri y fari; y ésta derivación encuentra sustento en la existencia de un verbo osco fatium (el cual corresponde al latin fari). Según ésta derivación de Fusinato fetialis podría correctamente traducirse como oradores (oratores). (OYARCE YUZZELLI, 2013, p. 56). O ius fetiale era elaborado, enfim, “realizado” pelos feciais, sacerdotes romanos que possuíam responsabilidades na condução de rituais nas relações de Roma com outras nações.18 Esses rituais referiam-se, em grande parte, a preliminares de guerra e realização de “tratados”. Muitos autores antigos e recentes descreveram os sacerdotes feciais buscando evidenciar que os romanos possuíam uma base jurídica 18 Devido a esse fato, o ius fetiale é muitas vezes considerado um ramo do direito público externo. 39 que sustentasse o implemento de relações internacionais. Contudo, é difícil estabelecer com minúcias as atividades dos feciais frente à carência de provas históricas (RICH, 2011)19, de modo que os estudos são conduzidos através de fragmentos dos documentos dos feciais. (DAL RI, 2011).20 Os sacerdotes feciais de fato praticavam atividades de cunho jurídico religioso que podem ser vistas como a manifestação de um direito público externo. As práticas dos sacerdotes feciais são relativas principalmente à época do período régio e ao período republicano. Através das fontes é possível evidenciar que os feciais atuavam precipuamente na “[...] regulamentação de determinadas relações jurídicas, como realização de 'tratados'; pedidos de 'ressarcimento de danos'; 'entrega' de povos, pessoas ou coisas; procedimento para a declaração de guerra e declaração de guerra.” (DAL RI, 2011, p. 24). É necessário abordar a explicação acerca do ius fetiale e sua ligação com a religião nas concepções normativas romanas. Alguns autores, como será apresentado a frente, colocam o ius fetiale no campo apenas religioso, enquanto outros dão mais ênfase ao aspecto jurídico, até que, enfim, outros estudiosos fazem a relação entre direito e religião, que é, de fato, como o ius fetiale se apresenta. As interpretações dadas ao ius fetiale a partir do século XIX possuem uma influência positivista muito forte, o que resulta na separação entre direito e religião. 19 “The fetiales – known in English as fetials – were Roman priests with ritual responsibilities for certain aspects of the Romans’ relations with other nations, namely the preliminaries of war, the swearing of treaties, and the voluntary surrender of Roman offenders. The fetials’ activities were adduced both by ancient writers and by some modern scholars as evidence of the Romans’ justice in their international dealings. Clarification of what the fetials actually did is a necessary preliminary to assessing their significance, but this enterprise is complicated by the inadequacies of our evidence, which is mostly patchy, late and distorted by the ideology of the ‘just and righteous war’ (bellum iustum piumque).” (RICH, 2011, p. 187, grifo do autor). 20 “As notícias que se tem sobre os sacerdotes feciais são provenientes de epígrafes, obras de antiquários, juristas e historiadores, gregos e latinos. Essas fontes, primária e secundárias, são provenientes em sua maior parte do período compreendido entre os séculos 2º a.C. e 4º a.C., sendo muitas vezes posteriores em séculos aos acontecimentos e informações transmitidos. Parte-se do pressuposto de que essas fontes sejam confeccionadas com base em documentos daqueles sacerdotes, em obras especializadas e no conhecimento comum sobre o tema. […] As fontes mais ricas sobre o tema são as literárias, visto que as epigráficas relatam informações bastante superficiais. Dentre as fontes literárias, Tito Lívio é o autor que transmite o maior número de informações sobre a tradição e as normas do ius fetiale e dos seus sacerdotes, revelando a particular formação do autor em relação ao tema. Fontes importantes sobre o tema são também as obras de Marcus Terentius Varro e Marcus Tullius Cicero pela precisão das informações transmitidas.” (DAL RI, 2011, p. 23, grifo do autor). 40 (DAL RI, 2011, p. 83). Todavia o direito romano era fortemente inspirado na religião da época. Uma vez que se realiza a separação entre direito e religião no estudo do ius fetiale surge um problema quanto ao conceito de direito internacional relativo ao mundo antigo, ou seja, dá-se uma interpretação imperfeita ao ius fetiale, classificandoo como direito internacional ao passo que esse instituto pode ser classificado, a priori, apenas como direito público externo. (DAL RI, 2011). O que deve ficar claro é que o ius fetiale não é um ramo de direito internacional, mas traz consigo um arcabouço jurídico arcaico de expressividade para o exterior em relação à Roma. Esse fato lança, logicamente, bases para o que no futuro pudesse ser denominado direito internacional. Isso é revelado também por Mazzuoli (2011), relativizando a ideia da existência de um ramo de direito internacional na antiguidade clássica. Seguindo essa direção o autor afirma que […] temos como correta a assertiva de que na Antiguidade Clássica não existia um Direito Internacional propriamente dito, como o concebemos hoje, mas apenas um Direito que se aplicava às relações entre cidades vizinhas, de língua comum, da mesma raça e com a mesma religião, como se dava com as anfictionias gregas (que eram ligas pacíficas de caráter religioso, cuja finalidade era evitar as guerras e julgar as infrações à santidade dos tempos) e com as confederações etruscas. (MAZZUOLI, 2011 p. 52). Sem ser considerado especificamente como uma experiência completa de um direito internacional público, mais adiante, no século XX, o ius fetiale começa a ser encarado levando tanto em conta o aspecto religioso quanto o jurídico. O ius fetiale passa a ser analisado como um direito surgido da religião. Atribui-se ao ius fetiale, portanto, conceitos tanto jurídicos como religiosos. (DAL RI, 2011). A crítica inicial que é elaborada implica dizer que não se deve dar uma interpretação estritamente religiosa ao ius fetiale, para que não se incorra nas concepções positivistas. Dal Ri (2011, p. 84) esclarece que “[...] o positivismo concebe a ciência jurídica como ciência baseada somente nos juízos de fato, e não nos de valor junto à comunidade; nesse sentido a validade do direito é proporcionada pela 41 coercitividade estatal.” Além disso, essa corrente sustenta também que não existiam relações internacionais entre os povos da antiguidade. (DAL RI, 2011). Nesse sentido, “a natureza religiosa do ius fetiale e a sua consequente limitação impedem, portanto, a sua identificação com o conceito moderno de direito internacional enquanto atividade estritamente jurídica.” (DAL RI, 2011. p. 88, grifo do autor). Mesmo que não se possa, de fato, posicionar o ius fetiale como um direito internacional público, a sua constituição permite questionamentos acerca dessa relação. Esse relacionamento, por sua vez, surge da afirmação de que […] la generación de relaciones entre dos sujetos denota la pertenencia de ambos a la misma comunidad, relativamente a los actos del pueblo romano que ponía en práctica, aplicando los institutos de derecho público externo, con pueblos extranjeros atribuyéndoles eficacia jurídica vinculante, se prospectan como posibles dos hipótesis: éstos actos se desarrollaban en el ámbito de la comunidad interna de Roma o en el campo de la comunidad internacional. (OYARCE YUZZELLI, 2013, p. 69). Ainda que não seja possível identificar o ius fetiale como um direito internacional propriamente dito, é certo também que a religião não exclui o direito, e “paralelamente à corrente positivista desenvolve-se na doutrina uma diversa concepção de ius, e consequentemente de ius fetiale, na qual o caráter divino ou sacro não exclui aquele jurídico.” (DAL RI, 2011, p. 89, grifo do autor). Seguindo essa lógica, Dal Ri (2011) ensina que ao passo que esta nova corrente se desenvolve duas tendências são formuladas. A primeira classifica o ius fetiale como um direito de contornos sagrados ou religiosos, traçando a linha comparativa com um direito público externo. Já a segunda linha evidencia o ius fetiale na sua expressão jurídica consistindo num conjunto de institutos jurídicos, mas ligados à religião da época, cotejando, em termo gerais, uma relação com o direito internacional. Todavia, se dão como razões para a não identificação do ius fetiale com o direito internacional, sendo uma nítida manifestação contrária ao universalismo do 42 direito romano, o fato de que os romanos não poderiam conhecer o direito internacional porque também não reconheciam a unidade do gênero humano. OYARCE YUZZELLI, 2013). Afirmado o aspecto indissociável da religião e da juridicidade do ius fetiale Dal Ri (2011, p. 91) esclarece que o ius fetiale é considerado, então, um direito positivo, mas com “uma formação jurídica incompleta” […], por duas razões: pelo seu conteúdo indeterminado; e pela falta de base real que o direito encontra na autoridade do “Estado”, em especial a judiciária. O que o estudo do ius fetiale revela o quanto a religião interferia nas questões jurídicas dos romanos. Religião e direito são, até certa época, em muitas ocasiões, a mesma coisa. Essa condição de quase constante relação entre direito e religião é reiterada por Mialhe (2010, p. 218) ao passo que A importância da religião é sentida na fé manifestada aos deuses pelos colégios de sacerdotes (pontífices) em sua tarefa de guardiões do antigo direito sacro (fas). Como decorrência deste direito, a custódia das regras, usos e costumes para a prática das relações internacionais foi incumbida ao colégio sacerdotal dos fetiales (collegium fetialium), composto de vinte sacerdotes. Daí a denominação jus fetiale que, posteriormente, afastando-se de sua origem sacerdotal, foi denominado jus belli ac pacis (direito da guerra e da paz). Fica evidente, desta forma, que a natureza do ius fetiale é formada tanto pela expressão da juridicidade como pela religião. O direito é visto como algo sagrado e a religião vista como norma e procedimento jurídico. “O ius fetiale apresenta-se então, na sua estrutura e juridicidade, permeado pela religião.” (DAL RI, 2011, p. 91). Mas, para os estudiosos que assim entendem, essa parte do direito romano (e como demonstrado, também dos procedimentos religiosos) vincula-se ao ius gentium, estando inserido dentro do mesmo, considerado como “[…] complexo de princípios que, presentes em outros povos e aplicados mutuamente, faziam parte também do ius gentium.” (DAL RI, 2011, p. 94). Nesse contexto o ius fetiale, mais uma vez, é entendido como uma manifestação de um direito internacional público. (DAL RI, 2011). 43 Logicamente, a saber, quando o aspecto religioso do ius fetiale é mais evidenciado, o aspecto jurídico perde importância. Existem algumas posições de defensores do ius fetiale que enfatizam mais o teor religioso. Dentre eles Dal Ri (2011) aponta que o ius fetiale ora é evidenciado como um direito sacro da religião pública, ora como um direito religioso com atuação limitada à esfera religiosa. Não resta dúvida de que o ius fetiale é permeado em quase sua totalidade pela religião. Inclusive os operadores do dessa seara jurídico-religiosa são chamados de sacerdotes. Entre suas funções estavam rituais e regras de apelo religioso muito forte. Dentre as funções exercidas pelos sacerdotes fecias, uma delas correspondia ao direito de embaixada. O direito de embaixada sempre foi considerado especialmente sagrado em Roma. Nos tempos mais antigos era da competência dos membros do colégio sacerdotal dos feciais a entrega de mensagens solenes a governos estrangeiros. Posteriormente, eram enviados cidadãos notáveis como legati. Não se conhecia nenhuma hierarquia entre tais representantes: a expressão legatus designava qualquer espécie de embaixada. (MIALHE, 2010, p. 219). Ainda no relacionamento entre direito e o sagrado, não se pode negar, mais uma vez, que o ius fetiale sofrera influência direta da religião. Tanto é que “o caráter e objetivo jurídico dos atos externos de Roma são fortemente revestidos pela religião e pelas suas formalidades, não constituindo uma relação jurídica de forma específica.” (DAL RI, 2011, p. 96, grifo nosso). Todavia há quem pense de modo diferente quanto à relação que o ius fetiale possui com o ius gentium e até mesmo o modo em que o ius fetiale se externaliza. Fazendo referência a tais autores, Dal Ri (2011, p. 97) expõe que “o caráter jurídico da atividade relativa ao ius fetiale é visto como um 'direito público externo', que regula as relações de Roma com outros povos.”21 Seguindo essa direção, 21 A autora citada faz referência principalmente à Guido Fusinato. 44 O ius fetiale não se apresentava como um direito internacional e não é identificável com o sentido moderno de ius gentium, enquanto acordo voluntário de diferentes “Estados”, mas apresenta um caráter universal assimilável ao ius belli et pacis22. Todos os 'Estados' com os quais Roma teve contato tinham então o seu próprio 'direito público externo', no qual se podia 'individualizar' um grupo de princípios comuns. Esse grupo de princípios era denominado ius gentium […]. (DAL RI, 2011, p. 97-98, grifo do autor). O ius fetiale tem, no entanto, ligação com o ius gentium, uma vez que ambos atuam na regulamentação das relações externas da Roma Antiga. Mas, segundo o que foi exposto, é apenas nesse sentido que o ius fetiale e o ius gentium se ligam, através dos princípios comuns de cada “Estado” no que concerne às “relações internacionais” de cada um dos povos da Antiguidade Clássica. Fazendo referência a Chauveau23, que faz uma interpretação do ius fetiale desde as suas origens, Dal Ri (2011, p. 98) informa que [o ius fetiale], pela sua antiguidade, pode pertencer à parte do ius sacrum24 recebido pelos romanos por meio dos demais povos habitantes da Itália. Assim, a identificação encontrada entre o ius fetiale e os procedimentos civis está em uma origem comum. Ainda em referência a Chauveau, para consolidar a ideia de que não se pode excluir a religião na determinação das relações exteriores dos povos da antiguidade clássica, Dal Ri (2011, p. 99) ensina que “o ius fetiale, de certa forma identificado com o ius gentium [como mencionado acima], apresenta então a existência de 'um princípio jurídico' e de 'um certo caráter do sagrado'.” Lembrando Heuss25, que segue a linha de Fusinato, é possível afirmar “a importância do colégio dos feciais26 em dirigir as relações 'internacionais' durante o 22 Tradução do latim: as leis da guerra e da paz. Disponível em: <https://translate.google.com.br/#la/pt/ius%20belli%20et%20pacis>. Acesso em: 15 nov. 2014. 23 Trata-se de Emile Chauveau. 24Tradução do latim: um dever sagrado. Disponível em: <https://translate.google.com.br/#la/pt/ius%20sacrum>. Acesso em: 15 nov. 2014. 25 Trata-se de Alfred Heuss (1909 – 1995), que foi um eminente historiador alemão. Disponível em: <http://de.wikipedia.org/wiki/Alfred_Heu%C3%9F>. Acesso em: 17 nov. 2014. 26 “Existia, na Roma Antiga, o colégio de sacerdotes de Júpiter, composto de 20 membros, cujo ofício consistia em supervisionar os rituais religiosos em uso nas relações internacionais. Denominavam-se feciais, em latin 'fetiales'. Ao concluir-se um tratado, suas cláusulas eram solenemente declamadas ou lidas, antes de serem confirmadas com juramento, por parte de um membro destes sacerdotes, em nome do povo romano.” (SODER, 1998, p.64). 45 período mais antigo, derivando dessa atividade alguns princípios” (DAL RI, 2011, p. 100). Desse modo, apesar da insistência em não confundir o ius fetiale com um direito internacional público, as afirmações de tais autores não deixam dúvidas que o ius fetiale possui uma carga jurídica de cunho internacional muito grande. Ainda, conforme Heuss (apud DAL RI, 2010), “[...] os romanos consideravam existentes com outros povos algumas ‘relações internacionais’ independentes da existência de tratados.” Uma concepção de essência jurídico-religiosa em relação ao ius fetiale começa a figurar no século XIX, mas “a afirmação de uma ulterior concepção jurídico-religiosa encontra-se, porém, nos trabalhos de Catalano27 e Dumézil28 […].”(DAL RI, 2011, p. 106). Assim, a historiadora do direito, Luciene Dal Ri, aqui largamente abordada, dado o seu profundo estudo acerca do ius fetiale, apresenta com propriedade o conceito de “sistema giuridico-religioso” reescrito por Catalano. Essa abordagem reelaborada da corrente que revela uma aparência religiosa e jurídica do ius não sobrepõe o religioso sobre o jurídico e nem este sobre aquele. (DAL RI, 2011, p. 108). Revela-se, assim, que neste sistema jurídico-religioso “não há diferenciação ou sobreposição de aspectos, mas uma mesma origem e natureza, que se mostram como indivisíveis. Neste sentido, dentro do período mais remoto o que é religioso também é jurídico.” (DAL RI, 2011, p. 108). Ainda, é trazido ao estudo mais uma vez a expressão da universalidade do direito romano, que, nas palavras de Dal Ri (2011, p. 108, grifo do autor) “torna-se o fundamento da 'supranacionalidade' expressa por meio do ius fetiale, colocando no mesmo plano o povo romano e os demais povos.” A autora finaliza dizendo (2011, p. 109, grifo do autor) que a ideia de universalidade do do “sistema jurídico-religioso” romano acarreta na 27 “Pierangelo Catalano – Catedrático de Direito Romano e Coordenador do Doutorado em Direito Civilromanístico na Università degli Studi di Roma – La Sapienza.” (DAL RI, 2011, p. 22). 28 “Georges Dumézil - (Paris, 4 de março de 1898 — Paris, 11 de outubro de 1986) foi um filólogo comparativo francês, mais conhecido por sua análise da soberania e poder na religião e sociedade proto-indo-européias.” Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Georges_Dum%C3%A9zil>. Acesso em: 3 nov. 2014. 46 [...] aplicação do ius, como elemento virtualmente válido, independentemente do reconhecimento ou implícito consenso dos povos estrangeiros e da sua efetividade, afirmando então princípios de ius fetiale na formação dos iura communia.29 (DAL RI, 2011, p. 109, grifo do autor). Por fim, segundo Salazar (2005), a construção de um direito internacional foi possibilitada pelo próprio direito interno de Roma, cujo ius fetiale teria sido um período de transição do direito. O autor lembra que, posteriormente, o ius gentium passa a se identificar mais com o direito internacional. Desse modo, [...] los sacerdotes fetiales, cuya opinión era necessaria para iniciar una guerra, poner fin a la paz o reclamar los daños ocasionados a Roma, constituyeron un derecho de carácter sagrado, denominado Ius Fetiale, que con posterioridad fue desplazado por la construcción del Ius Gentium. (SALAZAR, 2055, p. 18). Assim sendo, característica do universalismo do ius fetiale é um ponto determinante na consideração da influência do ius da Roma Antiga no estabelecimento de bases para a edificação de um direito internacional. Roma se mostra capaz de lidar com a tarefa de regulamentar suas relações “internacionais”, estabelecendo normas e rituais destinados a cuidar dos assuntos de Roma e o mundo além das suas fronteiras. Essa qualidade incorporada pela Roma Antiga lhe concede a conservação de um verdadeiro ponto de partida da “internacionalização” do direito. 3.2 O ius gentium Após o alastramento territorial romano é evidente que cada vez mais os cidadãos romanos entrariam em contato com povos estrangeiros. Frente à anexação de territórios passariam a circular por Roma pessoas de toda parte, de culturas e línguas diferentes. Diante disso Roma se via obrigada a regulamentar, estabelecendo os direitos de quem era e não era cidadão romano. 29 Tradução do latim: direitos comuns. Disponível em: <https://translate.google.com.br/#la/pt/iura%20communia>. Acesso em: 15 nov. 2014. 47 Provando a caráter prático do povo romano, o próprio ius gentium nasce a partir de uma necessidade, sendo solucionada pelo direito romano. O problema que existia era normatizar a situação dos estrangeiros e por isso […] El Derecho de Gentes llenó el vacío normativo que existía frente a los pueblos extranjeros. Debido a tal ausencia, los extranjeros carecían de un Derecho, y se consideraba que no podía aplicárseles el Derecho Civil. Por tal razón, el Derecho de Gentes se edificó en la medida en que el tráfico comercial con el exterior fue complicándose y así fue regulando las relaciones de aquellos pueblos no romanos. Por ello, consideramos que el Derecho Interno romano fundamentó la existencia de un Derecho Internacional. En este sentido, el Derecho de Gentes fue diferenciándose paulatinamente del Derecho Civil, puesto que tenía mayor flexibilidad en la construcción de normas que regularan la práctica cotidiana en las necesidades comunes de todos los hombres. Esto significo que el Ius Gentium se convirtiera en una suerte de Derecho Privado universal, al cual fueron incorporadas instituciones de Derecho Público[…]. (SALAZAR, 2005, p. 18). Com o fato de ter de estabelecer direitos, deveres e ritos aos estrangeiros entre si, e nas relações deles com os cidadãos romanos, Roma mostra o princípio de uma integração jurídica entre os povos (ainda que possa ser um tanto quanto forçada por parte de Roma). Nesse sentido explica Rolim (2008, p. 60-61, grifo do autor) que devido à […] expansão das fronteiras, o crescente mercado, a diversidade de línguas, usos e costumes dos povos estrangeiros conquistados, tudo isso fez com que o Direito Romano se fosse globalizando, deixando de ser um direito específico dos patrícios para se tornar num direito internacional (jus gentium = direito das gentes). O ius gentium tem a característica de se aproximar muito ao direito natural, enquanto o ius civile foi embasado nas tradições romanas, sendo por isso também o período do ius gentium conhecido como o da universalização do Direito Romano. (ROLIM, 2008). Basicamente, o ius gentium surgiu para regular o trato entre Roma (aqui entendido o próprio “Estado” romano bem como o povo romano) e os estrangeiros. A circunstância em que Roma se encontrava, de vasto território conquistado, além de ter se tornado um verdadeiro centro do mundo antigo, 48 […] apressou o surgimento de uma nova modalidade jurídica que viesse a disciplinar as relações entre os romanos e os povos conquistados e, também, o relacionamento entre os estrangeiros entre si. Surgiu, assim, o jus gentium, o direito das gentes, para tutelar o direito daqueles que, por não terem a cidadania romana, não eram amparados pelo jus civile. (ROLIM, 2008, p. 147-148, grifo do autor). Como visto, o surgimento do ius gentium está intimamente ligado com a expansão territorial da Roma Antiga. Isso denota também a preocupação do Direito Romano em tutelar as “relações internacionais” de Roma, ou então, as relações com os estrangeiros. Nesse sentido é possível dizer que Roma além de se tornar um centro do mundo antigo, foi se tornando, cada vez mais um centro internacional. A partir disso Soder (1998, p. 66, grifo do autor) explica que Tornando-se Roma, com o tempo, sempre mais um centro internacional, onde havia muitos estrangeiros, não é, de estranhar que tivessem desenvolvido, de maneira especial, o direito dos forasteiros. Estes gozavam de amparo público. Não estavam sujeitos ao direito geral dos romanos, ao “jus civile”, mas a um direito especial, ao que deram o nome de “jus gentium” […]. O ius gentium surge justamente para regulamentar as relações existentes entre os romanos e os estrangeiros, solucionando as dúvidas acerca de como se dariam tais relações. Assim, “o ius gentium – conjunto de regras recolhidas em um Édito pelo pretor peregrino – foi um produto concreto lentamente originado a partir de necessidades práticas.” (CADEMARTORI, D.; CADEMARTORI, S., 2006). Essa inclinação do Direito Romano a resolver as questões “internacionais” mostra que o ius gentium se constitui em verdadeira base do Direito Internacional contemporâneo. Existem autores que, colocam o ius gentium, como já expressado acima, no mesmo plano do direito natural. Sendo um exemplo deles, Macedo (2010) afirma que Há, portanto, duas categorias de normas: o direito civil e o direito das gentes. Aquele é próprio de cada Estado, que é também seu autor; este é comum a todos os homens e se manifesta de forma igual em todos os povos. Os povos não o criam, ele decorre de um princípio superior, a naturalis ratio30. Trata-se de um direito anterior ao direito positivo, originado num estado de inocência primitiva. Percebe-se, de maneira clara, a oposição entre o direito de um povo e aquele comum 30 Tradução do latim: sistema natural. Disponível em: <https://translate.google.com.br/#la/pt/naturalis%20ratio>. Acesso em: 15 nov. 2014. 49 a todos os povos, um direito baseado na vontade humana e outro decorrente da reta razão, um direito escrito e outro não-escrito. Não há, pois, problema algum em substituir a expressão jus gentium pela de direito natural. A ligação do ius gentium com o ius naturale (direito natural) não pode ser afastada. O entendimento romanístico de que o ius gentium era um direito de aplicação a todos os povos se relacionada com a ideia de direito natural como aquele direito inerente a todo ser humano. Nesse sentido, o ius gentium pode ser considerado uma expressão do direito natural pois Há uma estreita vinculação entre jus gentium e jus naturale. Com efeito, o jus naturale – conceito derivado da filosofia estóica – é um conjunto de normas ditadas ao homem pela sua própria natureza racional, e em conformidade com a justiça. Daí, o que caracteriza o jus naturale é a sua universalidade. Pois bem, se o jus gentium é o direito existente em todos os povos conhecidos dos romanos, e, portanto universal, isso quer dizer que é ele uma expressão do jus naturale, porquanto, em virtude de sua universalidade, é fruto da própria natureza do homem. Com base nisso, alguns juristas romanos identificaram o jus gentium com o jus naturale, e subdividiram o direito privado em dois termos apenas: o jus civile e o jus gentium. (MOREIRA ALVES apud ROLIM, 2008, p. 149, grifo do autor). Acerca da ligação entre ius gentium e ius naturale Macedo (2012) ensina que “o direito natural constitui, pois, um direito 'de nascimento', que 'nasce' junto com o homem, e não por uma convenção legislativa.” É possível, no entanto, fazer uma crítica acerca da confusão entre ius gentium e direito natural. O ius gentium, ainda que considerado um direito de alcance a todas as pessoas, depende do implemento da condição circunstancial da presença de um estrangeiro na relação então estabelecida. O ius naturale por sua vez, é presente sempre, sejam todas as partes envolvidas estrangeiros ou nenhuma delas. O romanista Petit (2013) também concorda que a definição31 do ius gentium de modo idêntico ao ius naturale não deva ocorrer, manifestando, portanto, sua contrariedade à confusão dos dois institutos. Neste sentido, insiste o autor que seria claramente 31 Ao passo que se tolera a ambiguidade entre ius gentium e ius naturale se dá lugar à formação de uma indefinição do ius gentium, o que por sua vez, tornaria o estudo do presente instituto um atividade inútil, frente a desvirtuação do conceito de ius gentium. 50 […] um erro confundi-los absolutamente, pois esta razão comum não é a de uma época ou de um grau de civilização; o interesse, bem ou mal entendido, obscurece muitas vezes a noção do justo, e generaliza uma instituição contrária ao direito natural. A escravidão, admitida em todos os povos da Antiguidade, é um exemplo patente, e sendo expressamente considerada como de direito das gentes, os jurisconsultos reconhecem, sob o Império, que é contrária ao direito natural. (PETIT, 2013). O direito natural diz respeito ao próprio ser humano, à sua condição enquanto ser humano, à natureza de todas as coisas. Nesse aspecto é visível que a filosofia grega possuía grande influência sobre o Direito Romano. Por isso que Pereira (apud ROLIM, 2008, p. 148) refere que “o direito natural de inspiração aristotélica foi a alma do direito romano clássico”. O mesmo autor afirma ainda que As definições de direito, da justiça, do conjunto de estudos jurídicos (jurisprudência) e as classificações de fenômenos, instituições, conceitos jurídicos que devemos aos romanos, só adquirem plena inteligibilidade e coerência quando passamos a referi-las às significações da ciência e do direito natural aristotélico. (PEREIRA apud ROLIM, 2008, p. 148) Assim, possuem os estrangeiros, com base, podemos dizer, no ius naturale, um direito que lhes é aplicável, e para tanto “[...] havia em Roma um juiz especial, ou pretor, denominado 'praetor peregrinus', a partir de 242 a.C.. Cabia a este pretor dirimir as questões pendentes entre os estrangeiros, ou entre estes e os cidadãos romanos.” (SODER, 1998, p. 67). Os autores Daniela Cademartori e Sergio Cademartori (2006) colaboram com essa explicação mencionando que “[...] o direito estabelecido pelos Éditos desses pretores aplicava-se aos estrangeiros que habitavam o território romano regulando os atos jurídicos comerciais e familiares deles além de suas relações com os cidadãos romanos.” Apesar de ter sua base no direito natural, “o Direito Internacional Contemporâneo é, fundamentalmente, uma criação europeia cujas raízes mergulham 51 no ius gentium romano.” (GUEDES, 2006). Isso significa dizer que apesar do ius gentium estar alicerçado no direito natural, o direito internacional, por sua vez, está alicerçado no ius gentium. Como o ius gentium regulamenta precipuamente as relações entre romanos e estrangeiros, mais precisamente as relações particulares entre essas partes, não raramente o direito das gentes é considerado uma tendência de direito internacional privado. Nesse sentido Alfonso Ruiz Miguel (apud CADEMARTORI, D. M.; CADEMARTORI, S. U., 2006, p. 68) pontifica que […] o ius gentium romano, esteve mais perto, se é o caso, do Direito internacional privado, pois era também Direito interno romano, se bem que em vez de regras de conflito estabelecia regras próprias diretamente aplicáveis consideradas comuns a todos os povos. Por outro lado existem autores que consideram o ius gentium expressão do direito internacional público. É o caso de Petit (2013, grifo do autor) ao afirmar que “a expressão jus gentium ainda é empregada alguma vez para designar toda parte especial do direito público: a que regia as relações do Estado romano com os outros Estados; por exemplo, as declarações de guerra, os tratados de paz ou de aliança.”32 Deve-se tomar o cuidado para não confundir o próprio ius gentium com o Direito Internacional. Por vezes o termo se torna anfibológico no entendimento de alguns autores. Falando acerca da ambiguidade do ius gentium, Macedo (2008) explica que […] A ambigüidade permeia toda a história do conceito de jus gentium, desde a sua origem com os romanos até o seu ocaso no último quartel do século XVIII. De direito aplicado aos estrangeiros em Roma a direito positivo inter-estatal, a variação entre os significados foi tamanha – direito natural, direito comum imperial, direito comum europeu e direito positivo entre os povos –, que se pode indagar se os dois termos, direito das gentes e direito internacional, designam uma mesma realidade. Só poderia haver três formas de relação entre as duas noções: ou o divórcio total entre as denominações; ou a expressão “direito das gentes” seria mais ampla e representaria o gênero, do qual direito internacional seria uma espécie; ou, ainda, uma identidade perfeita, e os nomes distintos se devem a uma sucessão cronológica. 32 É possível que na presente consideração o autor se refira também à parcela do ius fetiale compreendida enquanto um “[…] complexo de princípios que, presentes em outros povos e aplicados mutuamente, faziam parte também do ius gentium.” (DAL RI, 2011, p. 94). 52 Nessa esteira, é possível vislumbrar que o ius gentium está inserido na gênese do direito internacional, não se podendo suprimir seu valor, sem, todavia, confundi-lo com o próprio direito internacional, como já ocorreu em alguns momentos da história jurídica, principalmente antes da concepção do termo “direito internacional”.33 É possível resumir o ius gentium nas palavras de Armando M. Marques Guedes (2006) quando o autor explica que Significando literalmente 'direito das gentes', o ius gentium era, em si, um ramo do direito interno. Compunham-no regras visando a resolução dos conflitos, positivos ou negativos, a que a coexistência de diferentes ordenamentos jurídicos locais e pessoais em vigor nos vastos territórios sob o domínio de Roma inevitavelmente dava azo. Enquadrado pelo direito romano, o conjunto formado por esses ordenamentos tinha a feição de um sistema plurilegislativo. A tudo isto, embora de modo menos frequente, acresciam os desacertos nascidos de relações com povos terceiros, exteriores ao conjunto. Pertencia a um magistrado com jurisdição especializada, o praetor peregrinus, enunciar com larga liberdade criativa e aplicar com não menor liberdade interpretativa as regras que iam formando o ius gentium. O pretor devia para o efeito guiar-se pelos princípios e exigências do direito natural (a naturalis ratio) e prescrever aquilo que, além de conforme com esses princípios e exigências, o exame comparativo dos distintos estatutos locais e pessoais em presença mostrasse ser o denominador comum a todos eles. A aceitabilidade da solução assim achada ficava, por este modo, de antemão assegurada: por ser justa a regra em que a decisão cristalizava; e por, no essencial, essa regra não divergir do imposto pelos regimes locais ou pessoais implicados. O romanista Petit (2013) também define o ius gentium com base na extensão de sua aplicabilidade, descrevendo o ius gentium em sentido estrito e em sentido amplo. […] Em sentido restrito, o direito das gentes compreende as instituições do Direito Romano, das quais podem participar tanto os estrangeiros como os cidadãos [romanos]. Mas na acepção extensa, e mais usada, é o conjunto de regras aplicadas em todos os povos sem distinção de nacionalidade. (PETIT, 2013). Mas uma questão que não se pode deixar passar, no entanto, é a discussão acerca da não confusão entre ius gentium e ius naturale. Não se deve colocar o ius 33 “[...] A expressão direito internacional surgiu em 1780, em uma obra de Bentham, por oposição ao direito nacional ou municipal. Alguns teóricos, como Georges Scelle, na primeira metade do século passado, defendiam que esse ramo do direito não deveria ser um direito entre Estados, mas um direito entre indivíduos de todo o mundo. O Estado seria apenas uma ficção jurídica que tenderia a desaparecer com o tempo. Neste caso, a expressão direito das gentes seria mais adequada.” (VARELLA, 2012). 53 gentium à mesma altura que o direito natural sem antes realizar uma análise mais crítica. É bom nunca esquecer, no entanto, que o ius gentium se expressa de modo que ele possa ser até visto como o direito natural frente a sua aplicabilidade a todos os seres humanos. Assim, se esquecem muitas vezes os estudiosos do Direito Romano, de observar que existiam juristas da antiguidade romana que buscavam discriminar o ius gentium do direito natural. Por isso, de maneira acertiva, Storck (2011, p. 17) considera [...] um erro reduzir a compreensão romana do ius gentium e do ius naturale ao mero procedimento de simplificação do direito próprio romano, como se nenhum fator especulativo tivesse desempenhado qualquer função na concepção romana de ius gentium. Esse fator especulativo é demonstrado pela concepção tripartite que o jurista romano Ulpiano34 dá ao direito, ao passo que compreende a existência da distinção entre o direito natural, dos povos e civil, sendo tais concepções preservadas pelo Corpus Iuris Civili35. (STORCK, 2011). Dessa forma, havia já dentro do próprio direito romano categorizações jurídicas que tinham a pretensão de discriminar espécies de direito. A teoria tripartite estabelece que 3. O direito natural é aquele que a natureza ensina a todos os animais. Logo, esse direito não é específico ao gênero humano, mas é comum a todos os animais que vivem na terra e no mar. Dele provém a união do homem e da mulher, que nós chamamos matrimônio, a procriação e educação da prole. Com efeito, todos os animais, mesmo os mais ferozes, parecem reconhecer esse direito. 4. O direito dos povos é aquele do qual os homens se servem. Difere do direito natural, pois esse é compartilhado por todos os animais enquanto aquele é comum apenas aos seres humanos. [...] 6. O direito civil é aquele que não se afasta completamente do direito natural ou do dos povos, sem, 34 “Eneo Domitius Ulpianus, (Tiro, 150 – Roma, 223) foi um jurista romano. Sua obra influenciou fundamentalmente a evolução dos direitos romano e bizantino.” Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ulpiano>. Acesso em: 16 nov. 2014. 35 “O Corpus Juris Civilis ou Corpus Iuris Civilis (em português Corpo de Direito Civil) é uma obra jurídica fundamental, publicada entre os anos 529 e 534 por ordens do imperador bizantino Justiniano I, que, dentro de seu projeto de unificar e expandir o Império Bizantino, viu que era indispensável criar uma legislação congruente e que tivesse capacidade de atender às demandas e litígios vivenciados à época. Por esses motivos, foi publicado o Corpus Juris Civilis, designado assim pelo romanista francês Dionísio Godofredo em 1583.” Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Corpus_Juris_Civilis>. Acesso em: 16 nov. 2014. 54 contudo, estar completamente submetido a eles. Assim, ao acrescentarmos ou retirarmos algo do direito comum, criamos um direito particular que chamamos direito civil. (ULPIANO, apud STORCK, 2011, p. 17-18). Denota-se, assim, que o ius gentium é tanto entendido como o direito natural, o direito existente para todos os povos, como também o direito aplicável aos povos estrangeiros nas suas relações entre si e com os romanos. Apesar de existir, digamos assim, um teor de arcaísmo no que concerne na diferenciação proposta por Ulpiano, deve-se entender e levar em consideração a pretensão de alguns juristas romanos em tentar separar em dois blocos o direito natural e o direito das gentes. Dessa forma, como fica demonstrado acima, o direito natural se posiciona num campo mais amplo que o ius gentium, que por sua vez afunila as concepções do ius naturale para aplicálo às situações carecedoras de resolução entre romanos e estrangeiros e estes entre si. Diante disso é possível concluir que pelo fato de apenas existir a pretensão ou a ideia de discriminar o direito das gentes de modo a impedir que o mesmo se confunda com direito natural prova que é mais adequado considerar o ius gentium como uma prévia da expressão do direito internacional moderno, sem, no entanto, confundi-lo com o mesmo. 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Roma Antiga, em sua grandiosa e rica história, lançou bases para muitas instituições que possuem expressividade ainda nos dias de hoje. A história romana deixa uma herança cultural bastante profunda, em especial na área jurídica. Com base nisso, pode ser evidenciado que no seu universo jurídico, Roma contribuiu, inclusive, para o surgimento do Direito Internacional. Outro fato que evidencia a contribuição do Direito Romano para a fundação do direito internacional diz respeito ao fato de que Roma foi um dos maiores impérios que a história do mundo conheceu. Essa condição revela que Roma teve de lidar com situações que envolvessem sempre algum ente estrangeiro. A partir disso Roma agiu e produziu corpos jurídicos correspondentes. O primeiro e mais antigo trata de questões que envolvem mais diretamente as relações entre os Estados da antiguidade. O segundo corpo jurídico, por seu turno, é uma espécie de direito civil que pode ser aplicado internacionalmente, sendo válido a qualquer povo. Roma cria em seu seio, portanto, o ius fetiale e o ius gentium, respectivamente. De fato, com a implementação das relações entre os povos na antiguidade clássica, as relações internacionais de Roma, assim consideradas para facilitar o entendimento, ganham um enorme relevo, inclusive com a transformação de Roma num dos principais centros do mundo antigo. Dado esse fato, Roma necessitou dar uma solução à circunstância que se apresentava. Seja com base na religião, sempre muito presente em atividades, seja com base no direito natural, Roma criou dois ramos do direito que se colocaram à frente da resolução das questões internacionais romanas. 56 O primeiro desses ramos, como referido, foi o ius fetiale, com uma atuação mais voltada para as questões que hoje poderíamos definir como sendo tipicamente de direito público externo. Por isso, estruturou, mesmo não podendo ser confundido com um direito internacional atual, alguns institutos fundamentais para a origem do Direito Internacional. Esta contribuição foi feita com base na ritualística e nas regras dos sacerdotes feciais. Da mesma forma, o ius gentium, com um forte apelo ao direito natural, foi o segundo dos ramos do direito romano a contribuir para a origem do Direito Internacional. Esse ramo do direito, contudo, regulava um conjunto de questões que hoje designaríamos como típicas do Direito Internacional Privado. Assim o era porque se preocupava precipuamente com a regulamentação de assuntos envolvendo a pessoa do estrangeiro e do cidadão romano. Ainda, a partir desses dois institutos jurídicos fica mais nítido o teor universalista do direito romano. O universalismo com o qual o direito romano se expressa é o ponto de encontro com o entendimento acerca da contribuição que a cultura jurídica de Roma exerceu para a fundação do direito internacional. A característica universalista do direito romano aparece, de fato, na ideia que Roma possuía de que, separadamente do direito natural, existia um campo de princípios jurídicos comuns a todos os povos, ou dito de outro modo, existiam regras muito semelhante ao direito romano tradicional, mas que poderiam ser aplicadas em qualquer parte do mundo. Em consequência da existência dos dois referidos ramos do direito romano e de seu universalismo, é possível concluir que Roma, em sua expressividade jurídica, contribuiu, de forma diferenciada, para o surgimento dos primeiros institutos do direito internacional. Isto somente foi possível devido ao grande desenvolvimento do raciocínio jurídico do povo romano com um teor universalista bastante presente e seu grande senso prático. 57 REFERÊNCIAS ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. Volume I. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. BADIOU, Alain. São Paulo: a fundação do universalismo. Tradução: Wanda Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo, 2009. BEDIN, Gilmar Antônio. Direito Internacional e sua Trajetória Histórica. In: Sidney Guerra. (Org.). Tratado de Direito Internacional. 1. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2008. BOHEC, Yann Le. Breve historia de la Roma Antigua. E-book. Madrid: RIALP, 2013. BÖTTCHER, Carlos Alexandre. O legado ético e universalista do Direito Romano. 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