REVISTA ACM - Vol4. 2009.pmd - Associação Catarinense de

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Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, no. 4, de 2009 43
0004-2773/09/38 - 04/43
Arquivos Catarinenses de Medicina
ARTIGO ORIGINAL
Análise da qualidade de vida em mulheres com incontinência
urinária antes e após tratamento fisioterapêutico
Gesilani Júlia da Silva Honório1, Nicolle Bez Birolo Parucker2, Janeisa Franck Virtuoso3, Ana Paula
Krüger2, Soraia Cristina Tonon4, Ricardo Ferreira5
Resumo
Objetivo: Comparar a qualidade de vida (QV) de
mulheres com incontinência urinária (IU) antes e após
tratamento fisioterapêutico.
Métodos: Foram avaliadas 10 mulheres com
sintomas de IU. Inicialmente, foram coletados dados
relativos a possíveis fatores predisponentes da IU e
realizado um exame físico. O King’s Health
Questionnaire (KHQ) foi aplicado em forma de
entrevista. O protocolo de atendimento fisioterapêutico
proposto consistiu de exercícios para o fortalecimento
do assoalho pélvico associado a eletroestimulação
endovaginal. Finalizadas 10 sessões, as pacientes foram
reavaliadas através de perguntas semelhantes as da
avaliação inicial e o KHQ foi novamente aplicado para
fins comparativos.
Resultados: Na avaliação funcional do assoalho
pélvico (AFA), realizada no início do tratamento, os
resultados foram: cinco mulheres apresentaram AFA 3;
duas apresentaram AFA 2; duas pacientes apresentaram
AFA 4 e apenas uma AFA 1. Na reavaliação, o valor de
AFA foi de 5 para 100% das pacientes. As médias, os
desvios-padrão e os níveis de significância (p) entre os
sub-escores de domínios analisados na avaliação e na
reavaliação foram: percepção geral da saúde 5,3 ± 1,64
1- Fisioterapeuta Mestre em Ciências do Movimento Humano – Universidade
do Estado de Santa Catarina (UDESC)
2- Fisioterapeuta – Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
3- Fisioterapeuta e Aluna do Mestrado em Ciências do Movimento Humano
– Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
4- Fisioterapeuta Aluna do Doutorado em Alto Rendimento Esportivo,
Universidade Pablo de Olavide, Sevilha, Espanha, professora da UDESC
5- Médico UroGinecologista e Obstetra da Maternidade Carmela Dutra
e 3,0 ± 1,05 (p=0,001); limitação no desempenho de
tarefas 5,9 (± 1,79) e 2,7 (± 1,33) p<0,001; limitação
física e social 8,5 (± 2,83) e 4,9 (± 1,10) p=0,003; relações
pessoais 3,9 (± 2,46) e 2,4 (± 0,84) p=0,096; sintomas
relatados 9,2 (± 3,61) e 2,4 (± 2,27) p<0,001; emoções
7,9 (± 2,64) e 3,8 (± 1,39) p<0,001; sono/energia 3,6 (±
1,42) e 2,4 (± 0,69) p=0,033; medidas de gravidade 11,2
(± 3,19) e 6,4 (± 2,36) p=0,001. O escore total foi de
55,5 (± 14,88) e 28 (± 8,47) p<0,001.
Conclusões: Constatou-se que a IU interferiu nos
grandes domínios da vida das participantes desse estudo
comprometendo a qualidade de vida. Ratificou-se também,
a eficiência da cinesioterapia e da eletroestimulação
endovaginal na recuperação funcional do assoalho pélvico
através da melhora dos sintomas da IU bem como pelos
escores de domínios da qualidade de vida das participantes
após o tratamento conservador realizado.
Palavras-chave:
1. Incontinência Urinária;
2. Qualidade de Vida;
3. Fisioterapia.
Abstract
Objective: To compare the quality of life (QoL) of
women with urinary incontinence (UI) before and after
physical therapy treatment.
Methods: 10 women with UI symptoms had been
evaluated. Initially, they had been collected given relative
the possible predisponent factors of the UI and carried
43
Qualidade de vida após fisioterapia
44 Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, no. 4, de 2009
through a physical examination. The King’s Health
Questionnaire (KHQ) was applied in interview form. The
protocol of considered physiotherapeutic attendance
consisted of exercises for the reinforcement of the pelvic
floor muscle associated the endovaginal
electroestimulation. Finished 10 sessions, the patients had
been reevaluated through similar questions of the initial
evaluation and the KHQ again was applied for
comparative ends.
Results: In the functional evaluation of the pelvic
wooden floor (AFA), carried through at the beginning of
the treatment, the results had been: five women had
presented AFA 3, two AFA 2, two AFA 4 and one AFA
1. In the reevaluation, the value of AFA was of 5 for
100% of the patients. The averages, the shunting linestandard and the levels of significance (p) sub-you prop
up between them of domains analyzed in the evaluation
and in the reevaluation they had been: general perception
of the health 5,3 (± 1,64) and 3,0 (± 1,05) p=0,001;
limitation in the performance tasks of 5,9 (± 1,79) and
2,7 (± 1,33) p<0,001; physical and social limitation 8,5 (±
2,83) and 4,9 (± 1,10) p=0,003; personal relations 3,9 (±
2,46) and 2,4 (± 0,84) p=0,096; told symptoms 9,2 (±
3,61) and 2,4 (± 2,27) p<0,001; emotions 7,9 (± 2,64)
and 3,8 (± 1,39) p<0,001; sleep/energy 3,6 (± 1,42) and
2,4 (± 0,69) p=0,033; measures of gravity 11,2 (± 3,19)
and 6,4 (± 2,36) p=0,001. It props up it total was 55,5 (±
14,88) e 28 (± 8,47) p<0,001.
Conclusions: It could be evidenced that the UI
intervened with the great domains of the life of the
participants of this study compromising the quality of life.
The efficiency of the exercises for the reinforcement of
the pelvic wooden floor and the endovaginal
electroestimulation in the functional recovery of the pelvic
floor muscle was also ratified resulting in the
improvement of the symptoms of the IU as well as of
the quality of life of the participants.
Key-words:
1. Urinary Incontinence;
2. Quality of Life;
3. Physiotherapy.
perda involuntária de urina, sendo a Incontinência Urinária
de Esforço a mais comum entre as mulheres,
representando 60% de todos os casos 1.
Alterações que comprometem o convívio social como
vergonha, depressão e isolamento, freqüentemente fazem
parte do quadro clínico, causando grande transtorno aos
pacientes e familiares 2. Dessa forma, investigar como
cada mulher incontinente percebe as repercussões da
IU permite ao profissional adequar a conduta no sentido
de atender às necessidades e expectativas individuais, o
que favorece a adesão do paciente e o sucesso da
intervenção terapêutica 3.
Utilizar um instrumento validado para analisar os
sintomas urinários e o grau de incômodo é importante
para a prática e a pesquisa clínica, uma vez que permite
avaliar o tipo de sintomas e seu impacto na qualidade de
vida (QV) do paciente antes e após o tratamento 4.
Na literatura, existem muitos questionários genéricos
ou específicos que abordam a QV e que podem ser
utilizados para condutas cirúrgicas ou conservadoras 5.
Os genéricos podem ser pouco sensíveis às alterações
clínicas que as pacientes venham a apresentar e os
questionários específicos podem estar demasiadamente
focados em determinados aspectos. No Brasil, Fonseca
et al 6 traduziram e validaram um questionário específico,
o King’s Health Questionnaire (KHQ), que avalia tanto
a presença de sintomas de IU, quanto seu impacto
relativo. A utilização deste instrumento específico é
relevante para avaliar a QV nas pesquisas clínicas
brasileiras, pois permite mensurar os resultados da
intervenção terapêutica em estudo, além de ser um guia
da terapêutica e estabelecer um bom diálogo com o
paciente. O KHQ é classificado segundo a
Internacional Continence Socity (ICS) como altamente
recomendável ou nível “A” para utilização em pesquisas
clínicas, principalmente por sua popularidade e por estar
em uso após processos de tradução e validação em outros
idiomas 7.
Este estudo teve como objetivo comparar a qualidade
de vida de mulheres incontinentes, atendidas no Projeto
de Extensão Fisioterapia Aplicada à Incontinência
Urinária, através da aplicação do questionário “King’s
Health Questionnaire” (KHQ) antes e após o tratamento
fisioterapêutico.
Métodos
Introdução
A incontinência urinária (IU) é definida pela
Internacional Continence Socity (ICS) como qualquer
44
O estudo foi desenvolvido no Ambulatório de
Fisioterapia da Maternidade Carmela Dutra de no
Qualidade de vida após fisioterapia
município de Florianópolis – Santa Catarina. Foi aprovado
pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição e todas
as participantes assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, redigido conforme a Resolução 196/
96 do Conselho Nacional de Saúde. No período de agosto
a novembro de 2008 foram entrevistas 10 (dez) mulheres
que queixa clínica de IU, segundo encaminhamento de
um médico uroginecologista.
Na abordagem inicial, buscou-se coletar dados
relativos aos possíveis fatores predisponentes da IU. Estes
dados foram coletados por meio de perguntas abertas e
fechadas, subdivididas nos seguintes tópicos: queixa
principal, antecedentes clínicos gerais, antecedentes
ginecológicos, antecedentes obstétricos e histórico da
incontinência. Também foram coletados os sinais vitais
e realizado um exame físico que incluiu: observação do
padrão respiratório predominante, presença de diástase
dos retos abdominais, distância ano-vulvar, presença de
irritação cutânea na região vaginal, tonicidade do núcleo
tendíneo do períneo, contração ciente do períneo, uso de
musculatura parasita durante a contração e verificação
do AFA (Avaliação Funcional do Assoalho Pélvico).
Finalizada a avaliação inicial, as pacientes foram
submetidas ao King’s Health Questionare (KHQ). Esse
questionário é composto por 30 (trinta) perguntas
arranjadas em oito domínios: percepção geral da saúde,
limitações nos desempenhos das tarefas, limitação física
e social, impacto da incontinência, relacionamento
pessoal, emoções, sono/energia e medidas de gravidade.
Possui uma escala de sintomas que é composta pelos
seguintes itens: freqüência urinária, noctúria, urgência,
bexiga hiperativa, incontinência urinária de esforço,
enurese noturna, incontinência no intercurso sexual,
infecções urinárias e dor na bexiga. Além disso, há um
espaço para que a paciente possa relatar qualquer outro
problema relacionado a esta condição. Para todas as
respostas são atribuídos valores numéricos, somados e
avaliados por domínios. As respostas foram baseadas
numa escala numérica crescente e proporcional à
intensidade da queixa (0 = não/não se aplica; 1 = um
pouco/às vezes; 2 = mais ou menos/várias vezes; 3 =
muito/sempre). O domínio percepção geral de saúde é
uma exceção apresentando cinco opções de resposta:
muito boa = 1, boa = 2, regular = 3, ruim = 4, muito ruim
= 5. Os escores variam de zero a 100 e, quanto maior a
pontuação obtida, pior é a qualidade de vida relacionada
àquele domínio. O questionário foi aplicado na forma de
entrevista e foram excluídas deste estudo pacientes
usuárias de Dispositivo Intra Uterino (DIU), com
Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, no. 4, de 2009 45
dignóstico de miomatose uterina ou história de neoplasia
do trato genitourinário.
As pacientes foram individualmente submetidas a 10
sessões de tratamento fisioterapêutico, realizadas duas
vezes por semana com duração média de 50 minutos. O
protocolo de atendimento fisioterapêutico consistiu de
exercícios para o fortalecimento do assoalho pélvico
(exercícios de Kegel para fibras rápidas e lentas),
realizados em decúbito dorsal, na posição sentada e
ortostática, além da aplicação de eletroestimulação
endovaginal através de um equipamento composto por
uma sonda endovaginal, com controle dos parâmetros
manuais.
Finalizadas as 10 sessões, as pacientes foram
reavaliadas através de perguntas semelhantes as da
avaliação inicial e o KHQ foi novamente aplicado para
fins comparativos.
Para a análise dos dados foi utilizada estatística
por valores de média, desvio padrão e significância.
Para a comparação das médias dos sub-escores foi
utilizado o teste t de Student, com nível de significância
de 5%.
Resultados
As mulheres que participaram desse estudo
apresentavam idade média de 49,4 anos (DP = 9,4
variando entre 34 e 64 anos) sendo que metade delas já
estava na menopausa. A mediana de gestações foi de 4,
de partos normais 3 e de cesáreas 1. A grande maioria
(9) realizou pelo menos uma vez a episiotomia e metade
delas já havia buscado tratamento anterior, seja com uso
de medicamentos (2) ou através de cirurgia (3).
Metade das pacientes faziam uso de algum protetor
para manterem-se secas com uma mediana de trocas
de 2 vezes ao dia. As atividades de perda mais
prevalentes foram: espirrar (10), tossir (9), correr (7) e
rir (7). O tempo médio que as pacientes do estudo
demoraram na procura de tratamento foi de 3,85anos
(DP = 2,7 variando de 6 meses a 8 anos).
A função dos músculos do assoalho pélvico foi
avaliada através do AFA (Avaliação Funcional do
Assoalho Pélvico) de acordo com a Tabela 1. Observouse que cinco mulheres apresentaram AFA 3; duas
apresentaram AFA 2; duas pacientes apresentaram AFA
4 e apenas uma AFA 1.
A respeito da qualidade de vida, observa-se na Tabela
2, as médias, os desvio-padrão e os níveis de
significância (p)
45
Qualidade de vida após fisioterapia
46 Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, no. 4, de 2009
Figura 1: Avaliação do assoalho pélvico (AFA) das
pacientes do estudo com IUE
FONTE: dados da pesquisadora
das diferenças entre os sub-escores obtidos em cada
domínio analisado. Os resultados antes e após a aplicação
do tratamento fisioterapêutico foram: na percepção geral
da saúde 5,3 (± 1,64) e 3,0 (± 1,05) e p=0,001; na
limitação no desempenho de tarefas 5,9 (± 1,79) e 2,7
(± 1,33) e p<0,001; na limitação física e social 8,5 (±
2,83) e 4,9 (± 1,10) e p=0,003; nas relações pessoais 3,9
(± 2,46) e 2,4 (± 0,84) e p=0,096; nos sintomas relatados
9,2 (± 3,61) e 2,4 (± 2,27) e p<0,001; nas emoções 7,9 (±
2,64) e 3,8 (± 1,39) e p<0,001; no sono/energia 3,6 (±
1,42) e 2,4 (± 0,69) e p=0,033; nas medidas de gravidade
11,2 (± 3,19) e 6,4 (± 2,36) p=0,001. O escore total na
avaliação foi de 55,5 (± 14,88) e na reavaliação foi de 28
(± 8,47) com p < 0,001.
Após 10 sessões, as pacientes foram reavaliadas e o
valor de AFA passou a ser 5 para todas as pacientes. As
atividades de perda apresentaram declínio (Gráfico 1)
bem como o uso de proteção diária que passou de 50%
para 10%.
Discussão
Segundo Fonseca et al, o conceito de Qualidade de
Vida (QV) está relacionado à percepção do indivíduo
sobre grandes domínios ou dimensões de sua vida, entre
eles, as condições de saúde física 6.
Há evidências de que pessoas incontinentes
experimentam sentimentos de solidão, tristeza e depressão
mais expressivos do que as continentes e que a influência
da IU na QV varia de acordo com o tipo de incontinência
e com a percepção individual do problema 3.
Exames como o pad test e o estudo urodinâmico são
comumente utilizados no diagnóstico da IU. No entanto,
médicos e pacientes diferem em suas percepções dos
sintomas e acabam existindo discrepâncias entre os
sintomas mensurados pelo médico e a percepção subjetiva
46
do paciente quanto a sua condição 8.
Para a avaliação da qualidade de vida das mulheres
desse estudo foi utilizado um questionário já validado, o
“King´s Health Questionnaire” (KHQ) pois se trata de
um instrumento abrangente que permitiu avaliar os
sintomas do trato urinário baixo bem como o impacto da
IU na qualidade de vida das pacientes antes e após a
aplicação do tratamento fisioterapêutico.
A cinesioterapia para fortalecimento do assoalho
pélvico e a eletroestimulação endovaginal, realizadas
nesse estudo, têm apresentado resultados expressivos
para a melhora dos sintomas e na qualidade de vida de
mulheres com IU 1,9,10. Um dos principais objetivos do
tratamento fisioterapêutico é o aumento da resistência
uretral e o restabelecimento da função dos elementos
de sustentação dos órgãos pélvicos. Busca-se o
fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico, pois a
melhora da força e da função dessa musculatura favorece
uma contração consciente e efetiva, evitando assim as
perdas urinárias 5.
Após o tratamento fisioterapêutico proposto,
observou-se melhora na avaliação do assoalho funcional
pélvico (AFA) tendo em vista que todas as pacientes
evoluíram para o grau 5, além da diminuição dos relatos
de perdas urinárias.
Essa melhora se refletiu na análise dos domínios
enfocados no questionário de qualidade de vida aplicado.
Observou-se redução significativa nas médias dos subescores da avaliação versus reavaliação de acordo com
o demonstrado na Tabela 2.
Quando questionadas a respeito da sua percepção
geral da saúde, 9 pacientes responderam que o seu
“problema de bexiga” atrapalhava muito sua vida. Na
reavaliação, 6 dessas pacientes responderam que a IU
não as atrapalhava em nada, enquanto 3 ainda se sentiam
“um pouco” afetadas pelo problema. Em relação à
percepção da própria saúde, apenas uma paciente a
conceituava ruim, enquanto na reavaliação, este escore
deixa de existir passando para uma percepção boa ou
muito boa (50% e 50% respectivamente). De acordo
com esses dados, observou-se que a condição de perdas
urinárias foi um sintoma “pouco valorizado” pelas
mulheres tanto na avaliação quanto na reavaliação
justificando a demora de 3,85 anos para a procura de
tratamento. Trata-se, portanto, de uma questão cultural
em que problemas urinários são subestimados e
interpretados como parte natural do envelhecimento 6,12.
Acredita-se que entre 30 e 50% das pessoas que sofrem
de incontinência urinária não relatam espontaneamente
Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, no. 4, de 2009 47
Qualidade de vida após fisioterapia
esse fato ao profissional de saúde e só procuram ajuda
após o primeiro ano do início dos sintomas.
Certamente houve uma diferença significativa entre
os escores obtidos na avaliação e na reavaliação da
percepção geral da saúde devido ao grande desconforto
que a IU provocava nas pacientes, ainda que elas não a
considerassem como uma doença. Além disso, outros
fatores, como gênero, idade, condição sócio-econômica
e a quantidade de perda urinária, também podem ser
responsáveis pelas diferenças do comportamento pessoal
frente à IU 5.
No domínio de realização de tarefas, no primeiro
momento, 6 pacientes apresentavam muitas limitações
nas tarefas domésticas. Já na reavaliação, 7 pacientes
responderam que a IU não estava “atrapalhando-as”
mais. Observou-se também que para 70% das pacientes
a IU não afetava a prática de atividade física nem as
atividades sociais.
Segundo Davila & Neimark 13, pacientes que têm
perda urinária desenvolvem modificações
comportamentais para se adaptar à inconveniência e
reduzir o impacto dos sintomas como limitação da
atividade física e, nos casos mais graves, limitação das
atividades sociais.
Segundo Lopes & Higa 14, em um estudo realizado
com 164 mulheres, a restrição social foi referida por
33,5%. Elas relataram que deixavam de sair de casa por
medo ou vergonha de perder urina em público. Nesse
mesmo estudo, em relação ao serviço doméstico, 18,9%
referiram restrições nessas atividades. Essas
modificações de comportamento também foram
verificadas no presente estudo e significantemente
minimizadas com o tratamento fisioterapêutico (p<0,003).
No domínio das relações pessoais relacionado às
atividades sexuais, verificou-se que na avaliação que 5
mulheres sentiam-se prejudicadas pela IU. Já na
reavaliação, 3 não estavam mais mencionando o
problema. Um resultado semelhante foi encontrado por
Lopes & Higa 14 em que a interferência da IU na vida
sexual foi citada por 40,9% das mulheres incontinentes.
Apesar da melhora observada no domínio das
relações pessoais após o tratamento fisioterapêutico, não
houve diferença significante entre os escores,
possivelmente por tratar-se de questão mais complexa,
cujas respostas não são unilaterais, isto é, não dependem
apenas das pacientes e uma mudança mensurável
demandará um tempo maior para ser observada.
Resultados semelhantes fora encontrados por Rett et al
5
, em que não houve diferença entre os sub-escores da
avaliação e reavaliação para este domínio.
Segundo Fonseca et al 6, existe correlação de
moderada a forte, entre os domínios específicos para
incontinência urinária e as manifestações clínicas que,
sabidamente, afetam a qualidade de vida das pacientes
com incontinência urinária (freqüência, urgência, noctúria
e bexiga hiperativa). Ainda segundo essa autora, quanto
maior o número de sintomas relatados pelas pacientes,
pior a sua qualidade de vida. No presente estudo, os
sintomas mais prejudiciais às pacientes foram a
incontinência urinária de esforço (6), seguida da
freqüência urinária (4), noctúria (4), urgência miccional
(3) e bexiga hiperativa (3). Esses dados são semelhantes
aos encontrados por Rett et al 5 em que os sintomas
relatados seguem a mesma ordem decrescente de
importância e são considerados fatores negativos para
a realização de atividade física, doméstica, sono e
disposição.
A freqüência de micções diurnas, a noctúria e as
perdas urinárias correlacionam-se com os domínios
presentes no questionário. Desse modo, a paciente que
relatar muitos sintomas de IU terá sua qualidade de vida
afetada em todos os domínios.
Segundo Papanicolaou et al 15, a incontinência
urinária e seus sintomas podem, em maior ou menor grau,
repercutir negativamente em aspectos emocionais e
psicológicos dos portadores desse problema. No presente
estudo, no domínio emoção, 9 pacientes apresentavam
algum grau de depressão, ansiedade ou
descontentamento quando foram avaliadas. Após 10
sessões, 7 não mais os relatavam.
Para Rangins et al 16 e Auge et al 2, mulheres
depressivas apresentam graus mais severos de IU
amplificando o impacto negativo sobre a qualidade de
vida. Stoffel 17, ao avaliar a qualidade vida em 437
mulheres submetidas a cirurgia para IU, verificou forte
associação com sintomas moderados a severos de
depressão justificando essa resultado a expectativa de
cura gerada pela cirurgia que nem sempre é verdadeira.
Segundo Fonseca et al 6 e Badia et al 18, o número
de micções noturnas pode alterar o sono, a energia e as
emoções das mulheres incontinentes. Os resultados do
presente estudo demonstraram, que das 4 pacientes que
apresentavam noctúria, 3 relatavam prejuízo do sono na
avaliação. Já na reavaliação, apenas uma paciente referiu
noctúria e como conseqüência, permaneceu com
alteração no sono.
A necessidade de protetor higiênico, controle da
ingestão de líquidos, a trocar de roupa íntima com
47
48 Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, no. 4, de 2009
Qualidade de vida após fisioterapia
freqüência e incômodo com o odor de urina refletem a
intensidade com que a IUE afeta a paciente segundo
Fonseca et al 6. A preocupação de estar sempre
“cheirando a urina” foi a mais referida entre as pacientes
do estudo (9).
No estudo realizado com mulheres brasileiras,
profissionais de enfermagem, 33% faziam uso de algum
recurso, 25% utilizavam forro ou absorvente higiênico,
9,3% faziam restrição hídrica, 5,3% esvaziavam a bexiga
em intervalos programados e 1,3% usavam perfumes
ou desodorantes íntimos 14.
Embora a IU não coloque diretamente a vida das
pessoas em risco, é uma condição que pode trazer sérias
implicações médicas, sociais, psicológicas e, inclusive
econômicas 5
O envolvimento do próprio paciente no seu
tratamento e a necessidade de avaliação de como e
quanto a IU atinge a qualidade de vida são fundamentais,
visto que o maior volume e número de escapes de urina
são relacionados com pior qualidade de vida 19. Uma
vez que as mulheres passam a ter mais controle urinário
e se sentem menos preocupadas com eventuais episódios
de incontinência, sentem-se menos restritas nas
realizações de suas atividades, proporcionando maior
sociabilização e conseqüente melhora da qualidade de
vida 5.
Pôde-se constatar que a IU interferiu nos grandes
domínios ou dimensões da vida das mulheres que
participaram deste estudo, assim como, foi possível
corroborar a eficiência da cinesioterapia e da eletroterapia
endovaginal na recuperação funcional do assoalho pélvico
e conseqüentemente, na melhora da qualidade de vida.
O KHQ demonstrou repetibilidade, razão pela qual
considera-se importante a sua inclusão nos estudos de
incontinência urinária e no acompanhamento das
pacientes na prática clínica.
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Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, no. 4, de 2009 49
Gráfico 1: Atividades de Perda Urinária Antes e Após o
Tratamento Fisioterapêutico
Fonte: Entrevista Inicial
Tabela 2 - Média, desvio-padrão e nível de significância
dos sub-escores dos domínios de qualidade de vida.
p* significância < 0,05
Fonte: King´s Health Questionnair aplicado em forma de entrevista
Endereço para correspondência:
Janeisa Franck Virtuoso
R: Desembargador Pedro Silva, 2034 Bloco 08 Apto 14
Coqueiros – Florianópolis – SC
CEP 88080-700
E-mail: [email protected]
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