FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA Curso de Medicina Síndrome de Parsonage-Turner Relato de Caso Poliana Lempk Furtado Renato Delgado Galibert Orientador: Prof. Dr. Milton Marchioli Marília 2009 1- INTRODUÇÃO A Síndrome de Parsonage-Turner, também conhecida como neuropatia do plexo braquial, neurite braquial idiopática, amiotrofia neurálgica, neurite aguda do ombro, neurite braquial aguda e neuropatia do plexo braquial idiopática, é uma desordem de etiologia desconhecida com envolvimento assimétrico do plexo braquial, descrita pela primeira vez em 1948 por Parsonage e Turner (Misamore & Lehman, 1996). Misamore e Lehman (1996) informam que a afecção dolorosa do ombro parece acometer mais homens do que mulheres, podendo a proporção variar de 11,5:1 a 2:1. Segundo Gonzales-Alegre et al. (2002) a síndrome se mostra mais comum na quarta década de vida, embora possa ser observada em crianças com poucos meses de vida e em idosos na oitava década de vida. Os mesmos autores relatam que a incidência estimada é de 1,64/100.000 por ano, mas provavelmente a baixa incidência se justifica pelos diagnósticos incorretos, e pelo não reconhecimento da patologia, a qual se mostra ainda hoje pouco estudada. De acordo com Cascante et al. (2003) a etiologia continua desconhecida até os dias de hoje. Diversas causas já foram propostas, entre elas a possível relação com intervenções cirúrgicas, fatores imunológicos, infecciosos, vacinas de hepatite B, ou antigripal, causas mecânicas, ou radioterapia associada a linfoma de Hodgkin, não sendo qualquer uma dessas comprovadas até o momento. A sintomatologia caracteriza-se por dor aguda, intensa, em queimação, no ombro e antebraço, com alteração do sono. Na maioria dos pacientes, a dor diminui nos dias ou semanas subsequentes, advindo em período de tempo variável, fraqueza no antebraço, alteração das provas de força muscular do paciente, bem como o surgimento de hipotonia muscular (Miller et al. 2000). Segundo Scalf et al. (2007) a maioria dos pacientes apresenta dor isoladamente ou fraqueza ou parestesia, eventualmente a combinação dos três sintomas. A apresentação clínica mais comum é dor associada à fraqueza, seguida de dor isolada. Apresentação de dor, fraqueza e parestesia associadas é incomum, bem como fraqueza apenas. Os achados das ressonâncias magnéticas realizadas por Scalf et al (2007) em 26 indivíduos identificaram os músculos supraespinhal e infraespinhal como os mais afetados, e que a maioria dos pacientes (88%) apresentou envolvimento de mais de um grupo muscular. Três ou mais músculos foram afetados em 17 indivíduos (65%), dois músculos acometidos em seis indivíduos (23%), e somente um músculo em três indivíduos (12%). Outros músculos acometidos, foram: subescapular, redondo menor, deltoide, latíssimo dorsal, peitoral e rombóide. Não foram encontradas evidências de maior acometimento no dimídio dominante dos indivíduos, sendo que de acordo com Cascante et al. (2003) ocorre acometimento bilateral em até um terço dos casos. Misamore & Lehman (1996) descrevem em seu trabalho diversidade em relação ao acometimento nervoso, sendo acometidos os nervos torácico longo (ramo das raízes nervosas de C5 a C7), supra-escapular (ramo da divisão anterior do tronco superior), frênico e axilares. Quando o nervo acometido é responsável pela inervação cutânea, é freqüente queixas como redução da sensibilidade cutânea na região inervada pelo mesmo. A Síndrome de Parsonage-Turner é de difícil diagnóstico devido, entre outros fatores a sua baixa incidência, caracterizando-se por ser diagnóstico de exclusão, e dentre os possíveis diagnósticos diferenciais, estão incluídos: lesão do manguito rotador, tendinite calcificante aguda, capsulite adesiva, espondilose cervical, compressão de nervo periférico, neurinoma, poliomielite aguda e esclerose lateral amiotrofica (Misamore & Lehman, 1996). A eletroneuromiografia consiste no padrão-ouro para o diagnóstico do distúrbio, sendo útil também na determinação do acometimento muscular, bem como do nervo afetado, e ainda revela potenciais de fibrilação e ondas positivas sugestivas de denervação muscular, excluindo, dessa forma, causas ortopédicas. Estudos de condução nervosa dos nervos ulnar e mediano geralmente apresentam-se dentro da normalidade (Miller et al., 2000). A ressonancia magnética revela informações específicas da doença, e na fase aguda, na qual ocorre denervação, a intensidade dos sinais dos músculos pode ser normal. Scalf et al. (2007) afirmam que a alteração mais precoce detectável em músculos denervados é um aumento difuso do sinal T2, pelo edema presente, o qual pode ocorrer sem alteração do sinal T1. Na fase subaguda e ou crônica da denervação, as anormalidades do sinal T2 persistem e a atrofia muscular pode se desenvolver. As alterações atróficas em músculos refletem-se por massa muscular diminuída e aumento intramuscular, linear, do sinal T1 devido à infiltração gordurosa . As alterações na ressonancia magnética e os sintomas clínicos revertem para a normalidade em alguns meses após a fase aguda, configurando-se um exame de significância relativa caso seja realizado em momentos tardios na avaliação diagnóstica. Cascante et al. (2003) mencionam em seu trabalho que, quando realizada em momento apropriado, os achados da ressonância magnética são úteis para descartar outras patologias, como radiculopatias e tumores medulares. Kolev (2004) enfatiza que o tratamento de pacientes acometidos pela Síndrome de Parsonage-Turner consiste no uso de analgésicos comuns e morfina nos casos em que a dor é muito intensa. O uso de corticosteróides, embora muito frequente, é controverso e geralmente não demonstra benefícios significativos. Recomenda-se repouso e imobilização do membro acometido para amenizar a dor e evitar estiramento muscular. Miller et al. (2000) apontam que a fisioterapia é indicada após a resolução do quadro doloroso por três a oito semanas, e a resposta ao tratamento é lenta e gradual. Kolev (2004) enfatiza que a Síndrome de Parsonage-Turner apresenta bom prognóstico, influenciada pelo tempo de aparecimento da sintomatologia antes do diagnóstico. A recuperação da força muscular e sensibilidade no membro superior acometido ocorre espontaneamente, aproximadamente um mês após o início dos sintomas, sendo que há aproximadamente 75% de recuperação completa até dois anos. No entanto, o período de tempo necessário para remissão total dos sintomas e recuperação pode ser bastante variável, de seis meses a cinco anos, e o atraso na recuperação da força muscular parece estar associado a gravidade e duração da dor, fraqueza ou ambos, enquanto Gonzales-Alegre et al. (2002) afirmam que pode haver fraqueza residual, mas as recorrências são raras. 2- RELATO DE CASO ANAMNESE A.A.G., sexo masculino, branco, 57 anos, natural de Marília, procedente de MaríliaSP, Brasil, casado, ensino fundamental completo, auxiliar técnico de dentista, compareceu ao Ambulatório de Dor do Ambulatório Mário Covas da Faculdade de Medicina de Marília (Famema), em 12/08/2009, com queixas de dor intensa em membro superior direito há um mês, tipo queimação, irradiada para região axilar e ombro direito, paroxística, 10 episódios/dia, duração de duas horas, sem fatores de melhora e piora e sono interrompido. Negava trauma, mas referia atividades laborais com esforços repetitivos e peso. Negava outras queixas ou alterações nos diversos aparelhos e sistemas. Nos antecedentes pessoais informou episódio de AVCI há um ano. Negou ser portador de outras doenças. Negou atopias, tabagismo e etilismo. Orientado pelo Serviço de Neurologia do Ambulatório Mario Covas: Ácido Acetilsalicílico, Fenobarbital, Carbamazepina e Endofolin inicialmente sem melhora da sintomalogia EXAME FÍSICO Bom estado geral, afebril (36,6°C), pressão arterial de 130/86mmHg, pulso radial de 64bpm, e frequência respiratória de 20 ipm. Não apresentava assimetria, deformidades ou atrofias evidentes em membro superior direito, porém apresentava hiperemia, edema, alodínea e dor à palpação das articulações gleno-umeral e acrômio-clavicular e em face lateral do ombro, além de força muscular em grau 1 (escala 0 a 5) e hiporreflexia +/4 (+ a ++++). Apresentava limitação dolorosa dos movimentos da cintura escapular (flexão, extensão, abdução, adução, rotação interna e externa), porém os sinais de apreensão anterior e posterior no ombro direito eram negativos. Foi observada discreta redução da sensibilidade dolorosa e térmica no membro superior direito. Provas cerebelares, marcha e nervos cranianos não demonstraram alterações. Sem outras alterações nos demais sistemas. INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA Solicitadas eletroneuromiografia e ressonância magnética de coluna cervical e torácica. CONDUTA TERAPÊUTICA Suspenso o uso de Carbamazepina, e mantidos Ácido Acetil-Salicílico, Fenobarbital, Endofolin. Prescritos Sertralina, Amplictil, Metadona e Topiramato. Paciente foi orientado a retornar após 15 dias. EVOLUÇÃO No retorno, em 21/08/2009, apresentava melhora do quadro clínico. A Eletroneuromiografia demonstrou, no estudo de condução nervosa motora (nervos mediano e ulnar), redução discreta das amplitudes dos potenciais de ação musculares. O estudo da condução nervosa sensitiva demonstrou normalidade. A eletromiografia mostrou-se normal nos músculos do ombro e membro superior direito. A ressonância magnética demonstrou alterações degenerativas em coluna cervical - espondiloartrose, discopatias degenerativas, protusões discais C3-C4, C4-C5, C5-C6 e C6-C7 - e na coluna torácica evidenciou acentuação da cifose dorsal, discopatia degenerativa nos interespaços D1-D2, D2-D3, D3-D4, D4-D5, D5-D6, D6-D7 e D7-D8 e mínima protusão discal em D7-D8. Suspenso o Topiramato, introduzidos Prednisona e mantidos Ácido Acetil-Salicílico, Fenobarbital, Endofolin, Sertralina, Amplictil e Metadona. Proteção gástrica iniciada com omeprazol. Em consultas subseqüentes, o paciente apresentou melhora progressiva do quadro álgico, com redução da intensidade e freqüência do mesmo, além de recuperação gradual da mobilidade, força muscular, reflexos profundos e sensibilidade no membro superior direito. Em sua última consulta, realizada em 06/11/09, o paciente apresentava melhoras significativas em seu quadro clínico. Suspenso Ácido Acetilsalicílico, Amplictil e Sertralina, e prescrito Gabapentina, Amitriptilina, Haloperidol, e mantidos Prednisona, Fenobarbital, Metadona e, além da orientação de realizar sessões semanais de fisioterapia. 3- DISCUSSÃO A Síndrome de Parsonage-Turner, também conhecida como neuralgia amiotrófica da cintura escapular ou neurite braquial é uma neurite aguda incomum que afeta o plexo braquial e/ou nervos isolados ou ramos de nervos. A sua primeira descrição data de 1897 e, em 1948, Parsonage & Turner publicaram artigo sobre esta enfermidade (Rachid et al., 2005). O relato de caso é de um paciente do Ambulatório Mario Covas, sexo masculino, 57 anos de idade, o que condiz com o trabalho escrito por Hussey et al. (2007), que menciona que a Síndrome de Parsonage-Turner ocorre em homens em maior incidência, especialmente entre as terceira a sétima décadas de vida. Rachid et al. (2005) afirmam que a síndrome caracteriza-se por quadro doloroso súbito e intenso em cintura escapular, com predomínio unilateral, embora em um terço dos casos possa se manifestar bilateralmente e de forma assimétrica, perdurando por horas a semanas. Baseado nos dados de anamnese e exame físico do paciente do presente relato de caso - dor intensa e súbita em membro superior direito há um mês, de caráter lancinante, sem causa aparente e concomitante limitação funcional – foi levantada a hipótese diagnóstica de Síndrome de Parsonage-Turner idiopática, segundo a literatura descrita. Embora existissem alterações cervicais nos exames de ressonância magnética que poderíam sugerir origem radicular como etiologia do caso relatado, essa hipótese foi descartada, pois o paciente não apresentava acentuação do quadro doloroso à movimentação do pescoço e a eletroneuromiografia não evidenciou alterações de compressão de raízes cervicais. A eletroneuromiografia, considerada padrão-ouro para o diagnóstico da síndrome, e útil na avaliação do acometimento neuromuscular, evidenciou potenciais de fibrilação e ondas positivas sugestivas de denervação muscular, excluindo, dessa forma, causas ortopédicas (Miller et al.2000). O achado eletroneuromiográfico deste paciente, isto é, redução discreta das amplitudes dos potenciais de ação musculares (neuropatia axonal), condiz com os achados eletroneuromiográficos do presente relato de caso. Hussey et al. (2007) mencionam em seu trabalho que o uso de corticosteróides não representa benefício significativo e o tratamento fisioterápico não reduz o tempo necessário para recuperação funcional dos pacientes acometidos pela síndrome, mas Kolev (2004) e Gonzales-Alegre et al (2002), afirmam que a associação de corticosteróides, analgésicos, imobilização e fisioterapia produzem tratamento eficaz. O relato de caso em discussão apresentou evolução clínica com resposta ao uso de corticosteróides, analgésicos e fisioterapia. 4- CONCLUSÃO O relato de caso é de um paciente avaliado pelo Serviço de Neurologia do Ambulatório Mario Covas, em que foi diagnosticado dor, de início súbito, em cintura escapular direita, e discreta alteração sensitiva no membro superior direito. Após constatação pela eletroneuromiografia, na qual se evidenciou alteração do tipo axonal, e a melhora rápida do quadro clínico após instituído o tratamento medicamentoso, firmou-se o diagnóstico de Síndrome de Parsonage-Turner. 5- REFERÊNCIAS 1. CASCANTE, M. A. U.; ROMERO G. T.; VICENTE V. C. El hombro doloroso através del razonamiento clínico. Medifam, v.13, n. 3, p. 186-190, mar. 2003. 2. GONZALES-ALEGRE, P.; RECOBER A.; KELKAR P. Idiopathic brachial neuritis. The Iowa Orthoapaedic Journal, Iowa, v. 22, p. 81-85, 2002. 3. HUSSEY A. J.; O’BRIEN C. P.; REGAN P. J. Parsonage-Turner syndrome – case report and literature review. HAND, v. 2, p. 218-221, jul. 2007. 4. KOLEV I. Parsonage-Turner syndrome. Orphanet Encyclopedia, p. 1-7, dez. 2002. Disponível em: < http://www.orpha.net/data/patho/GB/uk-Turner.pdf>. Acesso em: 09 dez. 2009. 5. MILLER J. D.; PRUITT S.; MCDONALD T. J. Acute brachial plexus neuritis: an uncommon cause of shoulder pain. American Family Physician, Tubelo, v. 62, n. 9, p. 20672072, nov. 2000. 6. MISAMORE, G. W.; LEHMAN, D. E. Parsonage-Turner syndrome (acute brachial neuritis). The Journal Bone & Joint Surgery, Indianápolis, v. 78-A, n. 9, p. 1405-1408, set. 1996. 7. RACHID A.; BEM R. S.; LACERDA D. C.; SEITENFUS J. L. Síndrome de ParsonageTurner em paciente HIV positivo. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 42, n. 1, p. 39-42, jan/fev. 2005. 8. SCALF R. E.; WENGER D. E.; FRICK M. A.; MANDREKAR J. N.; ADKINS M. C. MRI findings of 26 patients with Parsonage-Turner syndrome. American Journal of Roentgenology, v. 189, p. W39-W44, jul. 2007.