VI JORNADAS DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E NUTRIÇÃO DE AVEIRO III SIMPÓSIO DE NUTRIÇÃO OBESIDADE TRATAMENTO MÉDICO – COMO? Joana Saraiva Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do CHUC Dir.: Dr Francisco Carrilho Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra SUMÁRIO • Introdução • Definição • Etiopatogenia e fisiopatologia • Tratamento da obesidade: abordagem geral • Tratamento médico: indicações • Fármacos aprovados • Fármacos que causam ganho ponderal e alternativas • Considerações finais INTRODUÇÃO • O tratamento adequado da obesidade envolve uma abordagem multidisciplinar • Mesmo com alterações significativas do estilo de vida a perda ponderal é difícil • A manutenção a longo prazo da perda ponderal também é difícil • Os fármacos aprovados para o tratamento crónico da obesidade podem ser um complemento às alterações do estilo de vida • Outros fármacos usados no tratamento de outras patologias podem contribuir para (ou exacerbar) o ganho ponderal em pessoas suscetíveis • Existem ainda múltiplas barreiras ao início do tratamento farmacológico e adesão a longo prazo DEFINIÇÃO • Doença em que o excesso de gordura corporal acumulada pode atingir graus capazes de afetar a saúde • IMC ≥30kg/m2 “Adiposity-based Chronic Disease (ABCD)” • Novo termo diagnóstico • Doença crónica • Mecanismos fisiopatológicos • Abordagem centrada nas complicações Obesidade Mechanic JI. Endoc Pract 2012; 18: 642-648 Mechanick JI. Endoc Pract. Published online 14, 2016 ETIOPATOGENIA • Fatores GENÉTICOS ▫ Doença poligénica ▫ A sua influência na obesidade é cerca de 25 – 40% (em função do IMC) ▫ A sua influência na distribuição da gordura corporal é cerca de 50 – 60% • Fatores NEUROENDÓCRINOS ▫ Neuropeptídeo Y, serotonina, leptina, POMC, Ghrelina... • Fatores AMBIENTAIS ▫ Dietas ricas em açúcares simples e gorduras ▫ Sedentarismo ▫ Estes fatores atenuam ou exacerbam a influência genética no fenótipo da obesidade FISIOPATOLOGIA LEPTINA – sintetizada ++ pelo tecido adiposo, circula em quantidades ARC – NÚCLEO ARQUEADO DO HIPOTÁLAMO – Regulação do apetite Integra múltiplos sinais periféricos controlando a ingestão alimentar Neuropeptídeo Y (NPY) / agouti- related protein (AgRP) – INGESTÃO ALIMENTAR Cocaine amphetamine related transcript (CART) / proopiomelanocortin (POMC) – INIBE INGESTÃO ALIMENTAR proporcionais às reservas de gordura, informando o hipotálamo das reservas de gordura corporais • Reduz a produção de NPY • Activa os neurónios POMC – anorexígenos INSULINA – efeito anorexiante – activa neurónios POMC GRELINA – produzida no estômago, antes da refeição, estimula a ingestão de alimentos – activa NPY Apovian et al. JCEM, 2015; 100(2):342-362 OBESIDADE – Tratamento Todos Tx dietético Atividade física Tx comportamental IMC ≥ 40kg/m2 IMC ≥ 35kg/m2, com comorbilidades associadas Tx farmacológico Tx cirúrgico OBESIDADE – Alterações do estilo de vida Steven B. N Engl J Med 2017; 376; 3 TRATAMENTO MÉDICO - Indicações • IMC ≥ 30kg/m2, persistindo apesar da dieta, exercício e tratamento comportamental • IMC ≥ 27kg/m2, com comorbilidades associadas, persistindo apesar da dieta, exercício e tratamento comportamental • HTA, DM tipo 2, dislipidemia, apneia do sono… • Ausência de contra–indicações • Decisão individualizada OBJECTIVO TERAPÊUTICO Perda de 5 – 10 % do peso inicial FÁRMACOS – critérios de aprovação • Para que um fármaco seja aprovado para o tratamento da obesidade pela FDA, terá que demonstrar em estudos comparativos contra placebo uma perda significativa de peso > 5 % num ano ou 35 % dos doentes terão que perder > 5 % do peso inicial (a perda de peso terá que ser o dobro da induzida pelo placebo). • Para aprovação na Europa, a EMA requer uma perda de peso > 10 % num ano, a qual deve ultrapassar em 5 % a perda induzida pelo placebo. Esta perda de peso deve manter-se após cessação da terapêutica. • A medicação terá que mostrar evidência de melhoria das comorbilidades (FDA e EMA): TA, dislipidémia e hiperglicémia. Valvulopatias Eventos CV Ef psiq Fármacos aprovados para o tx a curto prazo Powell AG. Clinical Pharmacology & Therapeutics 2011; 90(1):40-51 FÁRMACOS APROVADOS Fármaco Nome comercial Aprovação Estudos FDA (1959) Fentermina Orlistat Xenical, Alli FDA (1999) EMA (1998/2007) XENDOS Lorcaserina Belviq FDA (2012) BLOOM, BLOSSOM, BLOOM-D Fentermina/topiramato Qsymia FDA (2012) EQUIP, CONQUER, SEQUEL Naltrexona/bupropion Contrave Mysimba FDA (2014) EMA (2015) COR, COR-BMOD, COR-Diabetes Liraglutide 3mg Saxenda FDA (2014) EMA (2015) SCALE Saunders et al. Endocrinol Metab Clin N Am 45 (2016): 521-538 Steven B. N Engl J Med 2017; 376; 3 ORLISTAT (Xenical®, Alli®) • Inibidor da Lipase Pancreática, necessária à hidrólise dos triglicerídeos • Diminui a absorção das gorduras (30%) • Posologia: 120mg às principais refeições (durante ou até 1h após) • Efeitos secundários: gastrointestinais – diarreia (15-30%), malabsorção vitaminas ADEK (multivitamínico) • Contraindicações: gravidez, malabsorção crónica, colestase ↓ PA ↓ CT, LDL-C ↑ sensibilidade insulina ↓ glicose sérica Bray G, 2016 (www.uptodate.com) Saunders et al. Endocrinol Metab Clin N Am 45 (2016): 521-538 LIRAGLUTIDE (Saxenda®) • Análogo de longa duração do GLP1 ▫ Aprovado no tratamento da DM2 nas dosagens de 0,6 e 1,8mg • Posologia: 3mg/dia, administração SC (titulação progressiva) • Efeitos secundários: diarreia/obstipação, cefaleias, diminuição apetite, dispepsia, fadiga, tonturas, dor abdominal, aumento lipase, aumento FC • Contraindicações: gravidez, história pessoal ou familiar de carcinoma medular da tiroide ou MEN 2 ↓ PA e PC ↓ marcadores inflamatórios ↓ prevalência prediabetes ↓FR cardiometabólicos Bray G, 2016 (www.uptodate.com) Saunders et al. Endocrinol Metab Clin N Am 45 (2016): 521-538 Pi-Sunyer et al. N Engl J Med 2015; 373;1 LIRAGLUTIDE (Saxenda®) Pi-Sunyer et al. N Engl J Med 2015; 373;1 LORCASERINA (Belviq®) • Agonista serotoninérgico ▫ ↓ ingestão alimentar e ↑ saciedade • Efeitos laterais: cefaleias, tonturas, fadiga, náuseas, boca seca, obstipação, hipoglicemia, tosse • Contraindicações: gravidez, valvulopatias, associação a fármacos serotoninérgicos ↓ PA e FC ↓ CT e LDL-C ↓ A1C ↓ glicose jejum e insulinemia Bray G, 2016 (www.uptodate.com) Saunders et al. Endocrinol Metab Clin N Am 45 (2016): 521-538 FENTERMINA • Agonista adrenérgico ▫ A libertação de noradrenalina provoca aumento do gasto energético e supressão do apetite • Efeitos laterais: tonturas, boca seca, distúrbios sono, irritabilidade, náuseas/vómitos, diarreia, obstipação • Contraindicações: gravidez/aleitamento, doença CV, HTA, glaucoma, alcoolismo crónico, estados de agitação… Bray G, 2016 (www.uptodate.com) Saunders et al. Endocrinol Metab Clin N Am 45 (2016): 521-538 TERAPÊUTICA COMBINADA • A ingestão alimentar é modulada por vários mecanismos que se regulam uns aos outros, funcionando em equilíbrio homeostático • Usando vários fármacos, que actuam em vários destes mecanismos, poderemos conseguir maior perda ponderal • A segurança será maior, devido ao uso de menores doses de cada fármaco em cada associação Fentermina + Topiramato Bupropiona + Naltrexona FENTERMINA + TOPIRAMATO (Qsymia®) Simpaticomimético+antidepressivo • Efeitos adversos: boca seca, obstipação, parestesias, tonturas, disgeusia, insónia • Contraindicações: gravidez, glaucoma, hipertiroidismo • Precaução especial: antecedentes de doença cardiovascular ↓ TA Melhoria da apneia do sono ↓ % massa gorda ↓ P. cintura Melhoria do perfil lipídico e glicémico Bray G, 2016 (www.uptodate.com) Saunders et al. Endocrinol Metab Clin N Am 45 (2016): 521-538 BUPROPIONA + NALTREXONA (Contrave®, Mysimba®) Antidepressivo+antag opióides • Efeitos adversos: náuseas/vómitos, obstipação, cefaleias, tonturas, insónia, boca seca, diarreia • Contraindicações: gravidez, HTA não controlada, epilepsia, bulimia ou anorexia nervosa, história de comportamentos suicidas • Segurança cardiovascular não totalmente estabelecida ↓ apetite/vontade de petiscar ↓ perímetro da cintura ↓ insulinoresistência Melhoria do perfil lipídico ↓ PCR Bray G, 2016 (www.uptodate.com) Saunders et al. Endocrinol Metab Clin N Am 45 (2016): 521-538 TRATAMENTO MÉDICO - resumo Apovian et al. JCEM, 2015; 100(2):342-362 TRATAMENTO MÉDICO - resumo • Para assegurar a manutenção da perda ponderal a longo prazo sugere-se o uso de fármacos aprovados ▫ Melhoram as comorbilidades ▫ Amplificam a adesão às alterações comportamentais • Avaliação da eficácia e segurança pelo menos mensalmente nos primeiros 3 meses, posteriormente pelo menos 3/3 meses • Se a resposta for considerada satisfatória (perda ponderal ≥5% aos 3 meses) continuar a terapêutica. Caso contrário descontinuar (eventualmente mudar para outra opção) • Iniciar com a menor dose possível, aumentar de acordo com a eficácia e tolerabilidade. Não exceder a dose máxima recomendada Apovian et al. JCEM, 2015; 100(2):342-362 FÁRMACOS QUE CAUSAM GANHO PONDERAL E ALTERNATIVAS • O aumento de peso induzido obesidade por fármacos é uma causa prevenível de • Em doentes obesos com DM2 privilegiar antidiabéticos cujo efeito adicional seja a perda ponderal (análogos GLP1, inibidores SGLT2), para além da metformina • Nos que necessitam de insulinoterapia sugere-se adicionar uma classe de fármacos (metformina, agonistas GLP1) que mitigue o aumento de peso decorrente do tratamento com insulina ▫ A insulina de 1ª linha deve ser a insulina basal • Em doentes obesos com DM2 a terapêutica de 1ª linha para a HTA deve ser IECAs, ARAs e antagonistas dos canais de cálcio (em vez dos betabloqueantes) Apovian et al. JCEM, 2015; 100(2):342-362; Bray G, 2016 (www.uptodate.com) FÁRMACOS QUE CAUSAM GANHO PONDERAL E ALTERNATIVAS • Considerar o potencial efeito no peso na escolha de antidepressivos, antipsicóticos e anticonvulsivantes ▫ Paroxetina é IRSS associado a > aumento peso ▫ Nos antidepressivos tricíclicos a amitriptilina é o > indutor de ganho ponderal ▫ Mirtazapina também se associa a aumento de peso e longo prazo ▫ A fluoxetina e a sertralina associam-se a perda ponderal na fase aguda (4-12 sem) e efeito neutro a longo prazo (> 4 meses) ▫ Bupropion causa perda ponderal consistente (↓ apetite e compulsão alimentar) Apovian et al. JCEM, 2015; 100(2):342-362; Bray G, 2016 (www.uptodate.com) FÁRMACOS OFF-LABEL • Não se recomenda o uso de fármacos aprovados para o tratamento de outras doenças com o único objetivo de promover a perda de peso ▫ Ex. topiramato, metformina, agonistas GLP-1, bupropion, metilfenidato… Apovian et al. JCEM, 2015; 100(2):342-362 CONSIDERAÇÕES FINAIS • A prevalência da obesidade é alarmante • A sua etipatogenia é complexa, resultando da interacção de factores genéticos, ambientais e neuroendócrinos • Vários fármacos foram aprovados nos últimos anos ▫ Em Portugal orlistat é o único disponível • Como múltiplos fármacos são por vezes necessários para se obter perdas ponderais clinicamente significativas o futuro provavelmente envolverá a combinação de vários agentes • O sucesso da farmacoterapia depende da individualização e do seu ajuste aos comportamentos e comorbilidades dos doentes • No tratamento de outras patologias a utilização de fármacos com efeito neutro no peso deve ser sempre considerada VI JORNADAS DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E NUTRIÇÃO DE AVEIRO III SIMPÓSIO DE NUTRIÇÃO OBESIDADE TRATAMENTO MÉDICO – COMO? Obrigada pela atenção Joana Saraiva Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do CHUC Dir.: Dr Francisco Carrilho Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra