Qualidade de vida relacionada à saúde em um paciente com infarto agudo do miocárdio submetido a programa de reabilitação cardíaca fase IV: relato de caso Kenia Andreza Martins de Carvalho 1 Ana Cláudia Xavier Rangel 1 Dayene Cintra Couto 1 Camila Moreira Rocha 2 Jacqueline Rodrigues Freitas Vianna 3 Resumo: O Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) é uma doença na qual ocorre oclusão trombótica das artérias coronárias resultante da aterosclerose coronariana. O exercício físico após IAM restaura a condição fisiológica, prevenindo a progressão ou retardando o processo aterosclerótico, melhorando a sintomatologia, qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) e a morbimortalidade. Objetivo: Avaliar a QVRS de paciente com IAM após programa de reabilitação cardíaca não supervisionada (PRCNS). Metodologia: Relato de caso de paciente pós IAM transmural de parede inferior, classe funcional II, submetido à PRCNS, por quatro meses, frequência de duas vezes semanais, associado à caminhada não supervisionada 3 vezes na semana, com avaliação da QVRS pelo questionário MacNew QLMI. Resultados: Houve melhora significativa na percepção da QVRS principalmente nos domínios emocional e social. Conclusão: Verificou-se o impacto positivo do PRCNS na percepção da QVRS, mesmo com as limitações impostas pela sequela de AVE e Alzheimer do caso relatado. Palavras-chave: Infarto agudo do miocárdio. Qualidade de vida. Reabilitação cardíaca. 1 Graduandas do 7° semestre do curso de fisioterapia do Centro Universitário Claretiano de Batatais. E-mail: <[email protected]>. E-mail: <[email protected]>. E-mail: <[email protected]>. 2 Graduanda do 5° semestre do curso de fisioterapia do Centro Universitário Claretiano de Batatais. E-mail: <[email protected]>. 3 Professora do Centro Universitário Claretiano de Batatais. Mestre em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - FMRP - USP- SP. E-mail: <[email protected]>. Saúde, Batatais, v. 1, n. 1, p. 133-142, junho, 2012 133 1. INTRODUÇÃO O infarto agudo do miocárdio (IAM) é caracterizado por isquemia do miocárdio com morte de cardiomiócitos secundária à redução do fluxo sanguíneo coronário devido à aterosclerose coronariana com oclusão das artérias coronárias (PESARO et al, 2004, FORMIGA et al, 2005; ALCÂNTARA et al, 2007). O IAM acarreta déficits nas condições fisiológicas, sociais e laborativas, com conseqüente baixa qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS). A análise da QVRS tem sido ressaltada como uma variável importante na prática clínica, visto que essa investigação pode resultar em mudanças nas práticas assistenciais e na consolidação de novos paradigmas do processo saúde-doença (SEIDL, 2004; GONÇALVES, 2006). O programa de reabilitação cardíaca (PRC) tem como principal objetivo permitir aos cardiopatas retornar, o quanto antes, à vida produtiva e ativa, a despeito de possíveis limitações impostas pelo seu processo patológico, pelo maior período de tempo possível (SEIDL, 2004). O exercício aeróbio é o principal componente do PRC, sendo responsável pela redução dos fatores de risco para a doença arterial coronariana (DAC) e conseqüentemente melhora a qualidade de vida do indivíduo, além da aptidão cardiorrespiratória (LAZZOLI, 2000). Após o IAM o exercício restaura a condição fisiológica, prevenindo a progressão ou retardando o processo aterosclerótico, além de melhorar a sintomatologia, a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), reduzindo a ocorrência de novos eventos coronarianos e a morbimortalidade (GIL et al, 1995). A QVRS diz respeito à verificação do estado de saúde e bem estar social do indivíduo, sendo a sua percepção avaliada através de simples questionários, que tem sido utilizado para avaliar o impacto de terapêuticas na qualidade de vida de pacientes com enfermidades cardiovasculares (SEIDL 2004; VARGAS, 2005). A versão brasileira do questionário Mac New QLMI (Quality of Life Miocardial Infarction) foi considerada válida, de fácil aplicação e muito segura para avaliar mudanças de qualidade de vida de pacientes com doen- 134 Saúde, Batatais, v. 1, n. 1, p. 133-142, junho, 2012 ça aterosclerótica coronariana especificamente de pacientes que sofreram IAM (BENETTI et al., 2001). Podemos considerar que estudos com este instrumento ainda são escassos no Brasil, fazendo-se necessária maior investigação deste questionário para a população brasileira. O objetivo deste estudo foi avaliar a QVRS de paciente com IAM, após quatro meses de realização de um programa de reabilitação cardíaca não supervisionada - fase IV, por meio do questionário de qualidade de vida Mac New QLMI. 2. RELATO DE CASO Estudo de caso com paciente de 69 anos, sexo masculino, 58 kg, 1,61cm de altura, índice de massa corpórea de 23 Kg/m2, com diagnóstico clínico há 8 meses de IAM transmural de parede inferior não trombolisado, com cateterismo cardíaco revelando doença arterial coronariana (DAC) triarterial e cintilografia miocárdica sem isquemia, sendo optado por tratamento clínico. Seus antecedentes pessoais são: Hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes Melitus (DM), ex-tabagista (50 anos), exetilista (43 anos), há 7 anos com hemiparesia discreta à direita, devido à Acidente Vascular Encefálico (AVE) isquêmico e Alzheimer. Antes de ser integrado ao Projeto de Reabilitação Cardiopulmonar e Metabólica do Centro Universitário Claretiano, havia realizado após 3 meses do IAM um programa de reabilitação cardíaca supervisionada (fase III) no Centro de Reabilitação Lucy Montoro da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo-Ribeirão Preto-SP, com duração total de 6 meses e frequência de 3 vezes na semana. O paciente foi previamente esclarecido sobre o objetivo e delineamento do estudo, aceitando participar no PRCPM após ter assinado um Termo de Consentimento, de acordo com a regulamentação da Comissão de Ética (nº. 67/2011) do Centro Universitário Claretiano de BatataisSP. Saúde, Batatais, v. 1, n. 1, p. 133-142, junho, 2012 135 O programa de reabilitação cardíaca não supervisionada – fase IV (PRCNS) foi iniciado após verificação de preenchimento de todos os critérios de seleção segundo Williams e cols (1981), seguindo com avaliação fisioterapêutica cardiorrespiratória e músculo esquelética. Sua Insuficiência cardíaca foi classificada como classe funcional II pela escala New York Heart Association (NYHA), foi detectado presença de desconforto respiratório com dispnéia grau zero, ou seja, “falta de ar” para exercícios intensos pela escala de dispnéia do Medical Research Council (MRC), força dos músculos inspiratórios e expiratórios preservadas pela manovacuômetria, assim como a capacidade inspiratória medida por um inspirômetro de incentivo (Coach DHD Healthcare®) e do pico de fluxo expiratório máximo por um medidor de pico portátil (Peak Flow Meter Assess ®). A percepção de QVRS foi avaliada pré e pós PRCNS pelo MacNew QLMI, desenvolvido por Oldridge e cols. (1998) e validado na língua portuguesa por Benetti e cols. (2001). Questionário composto por 27 questões, subdividido em 3 itens, sendo o escore emocional e o físico calculados pela soma de 14 itens e o social pela soma de 13 itens. Cada item é composto por 7 opções de respostas, então a menor nota para cada questão é 1,0 e a maior é 7,0, com escore total máximo de 189 e o mínimo de 27 (LIM et al,1993; OLDRIDGE et al, 1998, BENETTI et al, 2010). O protocolo aplicado, como demonstrado na Tabela 1 foi realizado por um período de quatro meses, com freqüência de duas vezes por semana, associado à caminhada não supervisionada 3 vezes na semana. O consumo metabólico (MET) inicialmente era de 4,17, medido no limiar aeróbio (consumo de oxigênio) [VO2max] pela ergonoespirometria. As sessões de exercício foram subdivididas em aquecimento com caminhada leve e alongamento dinâmico de membros superiores (MMSS): cervical, peitorais, grande dorsal, bíceps, tríceps e de membros inferiores (MMII): quadríceps, isquiotibiais, adutores, abdutores, gastrocnêmio e sóleo e, condicionamento com treinamento aérobio em esteira rolante (Moviment Technology RT 250 Pro®) inicialmente por 20’ evoluindo para 30’, com velocidade de 4,5 km/h e 6% de inclinação, seguido de treinamento resistido por 15’ de MMSS (1 vez na semana) com os mesmos músculos 136 Saúde, Batatais, v. 1, n. 1, p. 133-142, junho, 2012 alongados e de MMII (1 vez na semana) com os mesmos músculos, inicialmente com 30% e evoluindo para 50% da carga de 1RM e desaquecimento de 15’ com alongamentos de MMSS e MMII com os mesmos músculos já citados, finalizando com relaxamento induzido. Tabela1 - Tipos de exercícios das sessões de treinamento A comparação entre a QVRS no pré PRCNS e pós PRCNS revelou melhora na percepção da qualidade de vida, principalmente nos domínios emocional e social (Figura1), assim como, não foram observados novos eventos coronários agudos, arritmias, síncope entre outras complicações durante a realização do PRCNS ou nas primeiras horas após as sessões de reabilitação que pudessem estar relacionadas ao exercício. Saúde, Batatais, v. 1, n. 1, p. 133-142, junho, 2012 137 Figura 1 - Valores dos resultados nos aspectos físicos, emocional e social 3. DISCUSSÃO Segundo Siviero (2007) após IAM, a QV sofre modificações para pior, de acordo com a escala de valores de vida de cada paciente, por isso a análise da qualidade de vida tem se tornado uma variável tão importante, pois através da investigação dela podemos modificar as práticas assistenciais e concretização de novos modelos no processo saúde-doença. Segundo Caetano & Soares (2007) o que se mede com os instrumentos de avaliação da QV de pacientes cardiopatas é quanto à insuficiência cardíaca impede ou dificulta a vida do paciente, pois esses portadores desenvolvem mecanismos para tentar diminuir os desconfortos que o tratamento lhes ocasiona e, dependendo da intensidade, acabam por afetar o seu estilo de vida. Silva Júnior et al (2006) observaram que os questionários de qualidade de vida têm se tornado bons indicadores para determinar as limitações dos pacientes frente a um determinado agravo ou como se sentem quando estão praticando determinada atividade proposta pelo profissional da área de saúde, principalmente quando estes são específicos. E que a melhoria da percepção da qualidade de vida para indivíduos infartados se 138 Saúde, Batatais, v. 1, n. 1, p. 133-142, junho, 2012 associa a mudanças no estilo de vida, que minimizam os fatores de risco para síndromes coronarianas. Vargas et al (2005) estudando a auto estima de 97 pacientes ambulatoriais submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio correlacionada com variáveis sociodemográficas e clínicas, verificaram apenas correlação estatisticamente significante da auto estima com o sexo e, que o tempo de cirurgia e o número de enxertos não influenciavam a autoestima dos participantes, assim como a avaliação do procedimento cirúrgico sobre a qualidade de suas vidas. Segundo esses autores intervenções que enfatizem a auto-estima irão contribuir para facilitar as mudanças de comportamentos tão necessárias no processo de reabilitação cardíaca. Benetti et al (2010) avaliaram 87 homens que haviam sofrido IAM nos últimos 12 meses após 12 semanas de treinamento físico, subdivididos homogeneamente em um grupo com exercício de alta intensidade a 85% da freqüência cardíaca máxima e outro com intensidade moderada a 75% da freqüência cardíaca máxima e um controle que recebeu acompanhamento clínico. O exercício aeróbio foi realizado cinco vezes por semana com 45 minutos de duração, além de exercícios de resistência muscular e alongamentos. Verificaram que os exercícios de maior intensidade resultaram em maior aumento na capacidade funcional e na qualidade de vida. Entretanto a prática de exercícios, independentemente da intensidade, proporcionou melhora na percepção da qualidade de vida pelo questionário Mac New QLMI. Silva & Ferreira (2011) estudaram 16 indivíduos submetidos ao questionário curto de avaliação da qualidade de vida relacionada à Saúde (SF-36), após um período de treinamento de 6 meses verificando que mesmo não tendo ocorrido diferenças estatisticamente significativas nas variáveis, foi possível constatar que os pacientes apresentaram melhor QV em todos os 8 aspectos de QV avaliado pelo SF36, mostrando que a reabilitação cardíaca é muito válida e importante, devido a redução da capacidade funcional, que deve ser combatida para melhora da qualidade de vida. Recomendam estudos adicionais sobre os efeitos da Reabilitação Cardíaca para esclarecer significâncias e apontar a direção para futuras pesquisas na área da qualidade de vida nesta população. Saúde, Batatais, v. 1, n. 1, p. 133-142, junho, 2012 139 O exercício físico aeróbico é uma importante medida profilática contra doenças coronarianas. O exercício regular conjuntamente com um programa de reabilitação do paciente, tem ótimos resultados para o IAM (BESTETTI & SANTOS 1984). Além da melhora da capacidade funcional cardiorrespiratória, proporciona uma boa integração social, facilidade de acesso às informações e a educação sobre a doença, levando a uma melhora na percepção de QV (BENETTI et al, 2010). Fatores de risco como: tabagismo, obesidade, hipertensão, insuficiência cardíaca e renal, devem ser diminuídos para uma prevenção eficaz e até mesmo evitar recidivas, necessitando de ação multiprofissional, tanto na terapêutica farmacológica quanto nas medidas preventivas (GOLDMEIER & CASTRO, 2005). 4. CONCLUSÃO No caso relatado verificou-se o impacto positivo do PRCNS na percepção da QVRS pelo questionário MacNew QLMI principalmente em relação ao domínio social e emocional, mesmo com as limitações impostas pela sequelas de AVE e Alzheimer apresentadas pelo paciente. 140 Saúde, Batatais, v. 1, n. 1, p. 133-142, junho, 2012 REFERÊNCIAS ALCÂNTARA EC; RESENDE ES; PAULA LKG; SILVEIRA LC; COSTA MD. Avaliação da qualidade de vida após infarto agudo do miocárdio e sua correlação com o fator de risco hipertensão arterial. Revista Brasileira de Hipertensão, v. 14, n. 2, p. 118-20, 2007. BENETTI M; ARAUJO CLP; SANTOS RZ. 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Authors: Kenia Andreza Martins de Carvalho; Ana Cláudia Xavier Rangel; Dayene Cintra Couto; Camila Moreira Rocha; Jacqueline Rodrigues Freitas Vianna. ABSTRACT: Acute Myocardial Infarction (AMI) is a disease which occurs in thrombotic occlusion of the coronary arteries, resulting from coronary atherosclerosis. Exercise after myocardial infarction restore the physiological condition, preventing or detain the progression of the atherosclerotic process, improving the symptoms, health-related quality of life (HRQL) and and mortality. Aim: To evaluate the HRQL of patients with AMI after unsupervised cardiac rehabilitation (UCR). Methodology: A case report of a patient after AMI, with sequel of stroke and Alzheimer who underwent, four months to UCR, twice a week associated an unsupervised walk 3 times a week, together with evaluation of the HRQL in the questionnaire MacNew QLMI (Quality of Life Miocardial Infarction). Results: There was significant improvement in perception of HRQL especially in emotional and social domains. Conclusion: There was the positive impact of the UCR by the perception of HRQL questionnaire MacNew QLMI, despite the limitations imposed by the sequel of stroke and Alzheimer reported the case. Keywords: Myocardial infarction. Quality of life. Cardiac rehabilitation. 142 Saúde, Batatais, v. 1, n. 1, p. 133-142, junho, 2012