Veja a publicação em PDF

Propaganda
Empunhaduras, afastamentos e pegadas: Bem mais simples do que parece!
Autor: Felipe Nassau - Currículo e contato
Março / 2010
Introdução
A Ciência do Treinamento é muito jovem enquanto a prática de exercícios físicos é milenar. Como as evidências
científicas ainda caminham para massificarem no senso comum, é trivial escutar no ambiente das academias: faça o
supino mais aberto para trabalhar mais os peitorais, puxadas mais abertas para treinar melhor os dorsais,
agachamentos com maior afastamento para os adutores, entre outros. Sabemos que isso não passa de mentira
(Andersen et al., 2014, Escamilla et al, 2001, Mc Caw et al, 2001). Neste texto, abordaremos uma lógica aplicável e,
acima de tudo, coerente sobre a utilização de empunhaduras (pegas) e afastamentos de pernas (pegadas).
Empunhaduras
Visto que a biomecânica é uma ciência exata, dificilmente há margem para execuções diferentes para mesmos
exercícios. O que pode ocorrer são exercícios diferentes, por exemplo: na puxada pronada pela frente, ocorre uma
adução dos ombros e na puxada pela frente supinada ocorre a extensão dos ombros, o que não quer dizer que uma
seja aberta e outra fechada. Ambas têm seus ajustes e peculiaridades únicos.
A explicação é bem simples: basta analisar quais forças atuam no sistema. Por exemplo: na puxada por trás,
o cabo transmite a força até a barra que o puxa para cima, logo, as empunhaduras devem estar ajustadas para puxar
a barra unicamente para baixo. Quando se afasta a empunhadura, em vez de trabalhar mais os dorsais, ocorre é que,
além de puxar para baixo, há uma dissipação de forças puxando para “dentro” do tronco, porém sem nenhuma força
puxando para fora, ou seja, uma tentativa de realizar movimentos horizontais contra uma resistência vertical, e
reduzindo a amplitude do movimento. O mesmo fato ocorre nos supinos ou desenvolvimentos. Ao afastar as
empunhaduras, empurramos para as laterais uma carga que tende a se mover para baixo (lembram-se da força PESO,
que é sempre vertical para baixo?).
Já nos exercícios onde utilizamos empunhaduras ditas “fechadas”, como a puxada supinada, vale lembrar que
está ocorrendo um movimento diferente. Assim como os cotovelos ficam apontados lateralmente para fora do tronco e
mãos com afastamento lateral do tronco nas empunhaduras “abertas” - caso da puxada pronada -, nas “fechadas”, os
cotovelos ficam apontados para frente e mãos à frente do tronco com afastamento igual ao das articulações dos ombros
– caso da puxada supinada. Basicamente, é o mesmo movimento em um plano diferente. (Simples, não?)
Nas leis da Física, para um sistema se manter em equilíbrio, se há uma força vetorial de ação, deverá haver
uma força vetorial de reação, no mesmo valor e mesma direção, porém, em sentidos opostos. Mas se ela não estiver
na direção da força de ação - se estiver inclinada ou oblíqua -, haverá a decomposição vetorial daquela, para que a
força vetorial decomposta esteja na direção da força de ação, porém dissipando forças vetoriais em outras direções,
algo desnecessário na musculação.
Riscos de utilizar empunhaduras inadequadas
Em movimentos como puxadas e remadas “abertas”, fora do padrão natural, pode ocorrer uma sobrecarga
desnecessária de toda a musculatura do manguito rotador e dos ligamentos anteriores do ombro, já que não há uma
força puxando para “fora”. Isto pode gerar um pinçamento dos tendões do bíceps e do manguito rotador, que passam
por dentro do ombro.
Nos supinos e desenvolvimentos, a questão torna-se mais grave, pois ocorrerá uma compressão irregular nos
ossos dos punhos, cotovelos e ombros, podendo gerar lesões por desgaste nessas articulações e, no caso do ombro,
comprometendo, também, ligamentos e tendões que o interpassam, como tendões do bíceps e do manguito rotador, o
que é conhecido como síndrome do impacto, ou, em inglês, inpingement, assim como nas puxadas e remadas abertas.
Já os exercícios de empunhaduras “fechadas” além do natural estão relacionados a compressões irregulares,
principalmente nos punhos, além, é claro, de reduzir a eficácia dos exercícios, uma regra que vale para todos os
exercícios feitos de modo inadequado.
Membros inferiores
Nos agachamentos é comum utilizar afastamento maior que o da largura dos quadris, sob a suposta afirmação
de trabalhar melhor os adutores (o qual estudos evidenciam não ocorrer), o que, partindo da mesma lógica, é
incoerente.
Neste caso, a análise é mais simples ainda: imagine-se em um local com o chão muito escorregadio. Ao
posicionar os pés mais afastados que as articulações dos quadris, além de os calcanhares tentarem empurrar o solo
para baixo (força peso), também haverá a tendência de moverem-se para as laterais. Caso o atrito do chão com os
pés não seja suficiente para mantê-los firmes, irá escorregar, com tendências a abduzir os quadris. Isto vale para o
agachamento: afastar demais os pés, em vez de empurrar o solo para baixo e, por meio da força normal com o solo,
empurrar a carga para cima, empurra-se o solo para baixo e tenta-se escorregar para a lateral (para fora). Imagine o
número de lesões que ocorreria nas academias se o piso não fosse emborrachado...
O mesmo pensamento vale para a máquina de agachamentos (Smith). Ao posicionar os pés à frente do corpo
- impossível no movimento livre, que é o natural -, empurra-se na diagonal (para trás e para cima) uma carga que se
move apenas para baixo. Isto também vale para o leg press. Na tentativa de aumentar o trabalho dos extensores do
quadril (o que é insignificante, segundo evidências), posiciona-se os pés mais altos na plataforma, empurrando-a num
ângulo maior que o da máquina - que costuma ser de 45º com o solo.
Riscos de utilizar pegadas inadequadas.
Além do risco iminente de escorregar nos agachamentos Smith e no leg press, ocorrerá uma solicitação maior
dos ligamentos do tornozelo, joelho e compressão irregular do fêmur no quadril. Estas forças descompensadas podem
gerar desgastes nas cartilagens e ossos desde o quadril até os pés.
Além disso, a incidência destas forças descompensadas pode alterar significativamente os movimentos da
coluna vertebral. Com o afastamento lateral maior que o natural, a báscula do quadril não ocorrerá nos agachamentos,
podendo causar pinçamentos nos discos e, em longo prazo, até hérnias de disco. Com os pés à frente do corpo no
Smith, a coluna irá retificar. Esses fatores geram compressões irregulares na coluna, visto que as curvaturas naturais
dissipam as forças aplicadas verticalmente a ela. Ao alterar o modo natural da coluna se movimentar, essas forças
podem concentrar-se pontualmente, gerando possíveis lesões semelhantes às citadas anteriormente.
Considerações finais
Mesmo com muitos mitos, a lógica é bastante simples. Movimente a carga sempre na mesma direção e em
sentido contrário ao movimento que a carga tenta impor.
A suposição de trabalhar mais ou menos certos grupos musculares é invalidada na ciência há algum tempo. O
que se sabe é que em esforços máximos, todas as unidades motoras dos grupos trabalhados chegam à fadiga. Isto
nos faz crer que é muito mais proveitoso executar os exercícios básicos no seu formato original e ater-se a parâmetros
qualitativos do treino como: amplitude funcional, velocidade do movimento, esforço, intervalo de descanso... Além de
ser a forma mais efetiva de obter os resultados almejados, é também uma forma segura e, principalmente, natural de
executar os movimentos, que nada mais é que respeitar as leis básicas da física.
“Actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine corporum duorum actiones in se mutuo semper esse
aequales et in partes contrarias dirigi.” (À toda ação, há sempre uma reação, oposta e de igual intensidade, ou, as
ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas.) Isaac Newton
Referências










ANDERSEN V, Fimland MS, Wiik E, Skoglund A, Saeterbakken AH. Effects of grip width on muscle strength and activation in the lat pull-down. J Strength Cond Res. 2014
Apr;28(4):1135-42
ESCAMILLA, R. F., G. S. FLEISIG, N. ZHENG, J. E. LANDER, S. W. BARRENTINE, J. R. ANDREWS, B. W. BERGEMANN, and C. T. MOORMAN, III. Effects of technique
variations on knee biomechanics during the squat and leg press. Med. Sci. Sports Exerc., Vol. 33, No. 9, pp. 1552-1566, 2001.
KAPANDJI, A.I. Fisiologia articular: coluna vertebral, cíngulo dos membros inferiores, coluna lombar, coluna torácica, coluna cervical, cabeça. Editorial Médica Panamericana,
Guanabara Koogan, 6ª edição, 2008
KAPANDJI, A.I. Fisiologia articular: Membro inferior. Editorial Médica Panamericana, Guanabara Koogan, 5ª edição, 2000.
KAPANDJI, A.I. Fisiologia articular: ombro, cotovelo, prono-supinação, punho, mão. Editorial Médica Panamericana, Guanabara Koogan, 6ª edição, 2007.
McCaw ST, Melrose DR. Stance width and bar load effects on leg muscle activity during the parallel squat. Med Sci Sports Exerc. 1999 Mar;31(3):428-36McGINNIS, Peter M.
Biomecânica do Esporte e do Exercício. Editora Armed. Porto Alegre, 2002.
RASCH, P.J. Cinesiologia e anatomia aplicada. Guanabara Koogan, 7ª edição, 2008.
ROHEN, J.W.; YOKOCHI, C.; LÜTJEN-DRECOLL, E.; KALNADER, W.A. Anatomia Humana: atlas fotográfico de anatomia sistêmica e regional. 4ª edição. Ed. Manole, 1998.
FRY A.C.; SMITH J.C.; SCHILLING B.K. Effect of Knee Position on Hip and Knee Torques During the Barbell Squat. The Journal of Strength and Conditioning Research: Vol. 17,
No. 4 pp. 629–633, 2003.
ZHENG, N.. An analytical model of the knee for estimation of internal forces during exercise JOurnal of Biomechanics, Volume 31, Issue 10, Pages 963-967
Download