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ARTIGO DE REVISÃO
INOVAÇÃO NA TERAPÊUTICA ANTICOAGULANTE
Sofia Ramos
Mestrado integrado em Ciências Farmacêuticas. Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
Sofia de Oliveira Martins
Doutoramento em Farmácia – Farmacoepidemiologia. Professora auxiliar da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa,
iMed.UL – Research Institute for Medicines and Pharmaceutical Sciences.
Resumo
34
Introdução: A trombose arterial e a trombose venosa são ainda a principal causa de morbilidade e mortalidade. A terapêutica anticoagulante é fundamental para diminuir esta morbimortalidade, permitindo a não
ocorrência ou o aumento de trombos.
Objetivo: Descrever alguns dos novos fármacos anticoagulantes que surgem na tentativa de colmatar as
limitações da atual terapêutica (heparinas, varfarina e acenocumarol).
Métodos: Revisão narrativa de artigos científicos relevantes publicados entre os anos de 2006 e 2012.
Resultados: A estratégia destes novos fármacos antitrombóticos baseia-se na inibição seletiva de um fator de coagulação específico, obtendo assim inibidores seletivos com potencial para serem mais eficazes,
seguros e fáceis de usar. Esta nova classe tem como principais alvos a trombina (bivalirudina, desirudina,
lepirudina, argatrobana e dabigatrano) e o FXa (fondaparinux, rivaroxabano, o apixabano, edoxabano),
verificando-se, no entanto, também o desenvolvimento de um novo antagonista da vitamina K, a tecarfarina,
sem as limitações dos que estão atualmente comercializados, o que se deve essencialmente ao metabolismo
não ocorrer via citocromo P450.
Conclusões: A terapêutica anticoagulante está a ser alvo de uma intensa investigação, de modo a que a sua
utilização na prática clínica seja de facto inovadora e revolucionária. Atualmente, em Portugal, ainda só
estão aprovados e comercializáveis o fondaparinux sódico, o dabigatrano etexilato e o rivaroxabano.
Palavras-chave: Anticoagulante, inibidor, FXa, trombina, vitamina K.
Abstract
Introdution: Atherothrombosis and venous thromboembolism are the leading causes of morbidity and
mortality. Anticoagulant therapy is crucial to decrease these factors by preventing the clotting of blood.
Objective: Describe some of the new anticoagulant drugs, introduced in an attempt to overcome the
limitations of traditional anticoagulant drugs (heparins, warfarin and acenocumarol).
Method: Narrative literature review of relevant scientific articles published between 2006 and 2012.
Results: A new strategy for the design of new antithrombotic drugs is based on selective inhibition of a
specific coagulation factor, with potential to be more effective, safe and easy to use. These include direct
thrombin inhibitors (dabigatran, bivalirudin, desirudin, lepirudin and argatroban) and factor Xa inhibitors
(otamixaban, rivaroxaban, o apixaban, edoxaban and fondaparinux). Also, a new vitamin K antagonist has
been developed, tecarfarin. This does not present the same limitations as the other, which is due essencially
to the fact that is not metabolized by CYP450 enzymes.
Conclusion: Anticoagulant therapy has been the target of an intense review so that its use in the clinical
practice becomes indeed innovative and revolutionary. Currently, in Portugal, only fondaparinux, the
dabigatran etexilate and rivaroxaban have been approved and commercialized.
Keywords: Anticoagulant, inhibitors, FXa, thrombin, vitamin K.
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ARTIGO DE REVISÃO
Introdução
A terapêutica anticoagulante tem como objetivo a
administração de um fármaco de modo a prevenir a
formação de um coágulo ou o seu aumento sem complicações hemorrágicas graves.
A anticoagulação oral surgiu em 1941. Karl Paul Link,
da Universidade de Wisconsin, conseguiu isolar cumarina a partir de dicumarol, molécula derivada de uma
planta doce chamada «erva de bisonte», que provocava
hemorragia nos bovinos que a comiam. Este composto foi denominado de warfarin (Wisconsin Alumni
Research Foundation, yarin de coumarin), exercendo o seu
efeito anticoagulante através da inibição da ativação da
vitamina K, mecanismo descrito em 1978. Este antagonista da vitamina K, inicialmente usado como raticida,
tem sido o pilar da terapêutica anticoagulante desde
1954 até aos dias de hoje. Os antagonistas da vitamina K
foram, durante muito tempo, os únicos anticoagulantes
orais em uso clínico para a prevenção e tratamento das
diferentes doenças trombóticas1-5. Estes fármacos têm
limitações, nomeadamente as interações com alimentos e medicamentos, mas a principal é a sua margem
terapêutica estreita, que implica a monitorização periódica para ajuste da dosagem, através do international
normalized ratio (INR).1 Nos últimos 30 anos surgiram
outros anticoagulantes, mas de administração endovenosa e subcutânea, a heparina não fracionada e a
heparina de baixo peso molecular4.
Com o intuito de ultrapassar as desvantagens da terapêutica anticoagulante em uso, desenvolveram-se novos
anticoagulantes com farmacocinética e farmacodinâmica mais previsíveis, maior margem terapêutica e doses
fixas, sem necessidade de monitorização periódica.
Nesse sentido, a estratégia desenvolvida para o design de
novos fármacos antitrombóticos baseou-se na inibição
seletiva de um fator específico da coagulação, nomeadamente a trombina e o fator X ativado (FXa).
Têm assim surgido vários fármacos, sendo que alguns
estão ainda em fase de ensaios clínicos, mas outros já
foram autorizados e são utilizados na prática clínica,
continuando a ser testados para outras indicações. Este
artigo tem como objetivo descrever os novos fármacos
anticoagulantes que surgiram na tentativa de colmatar
as limitações da terapêutica anticoagulante tradicional.
Métodos
A metodologia desta revisão narrativa consistiu numa
análise pormenorizada de um conjunto de artigos obtidos por pesquisa nas bases de dados Google Scholar,
Pubmed, B-on e consulta das bases de dados de medicamentos da Autoridade Nacional do Medicamento e
Produtos de Saúde, I.P. (INFARMED), da European
Medicines Agency (EMA) e da Food and Drug Administration (FDA). Os artigos analisados foram publicados entre os anos de 2006 e 2012. Os selecionados estavam escritos em inglês, castelhano, francês e português
e foram utilizados os seguintes descritores: anticoagulants, coagulation, warfarin, dabigatran, heparin, ximelagatran,
otamixaban, bivalirudin, fondaparinux, acenocoumarol, bivalirudin, desirudin, lepirudin, argatroban, rivaroxaban, apixaban,
edoxaban, idraparinux, tecarfarin. A seleção dos artigos nas
várias pesquisas efetuadas teve em consideração o ano
do artigo, nunca anterior a 2006, e o seu resumo. Após
a seleção inicial, os artigos escolhidos foram analisados
de modo a comprovar a sua relevância direta para esta
revisão. O tipo de estudo não constituiu limitação à sua
inclusão na presente análise, desde que os resultados
apresentados fossem fiáveis e relevantes – foram assim
incluídos artigos de revisão, estudos experimentais e
observacionais. Foi dada preferência a artigos relacionados com estudos efetuados em seres humanos. Apenas
se incluíram estudos realizados em animais na ausência
de informação sobre estudos em seres humanos. Foram
excluídos artigos com informação repetida, pouco relevante ou de metodologia pouco fiável.
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Resultados
Fisiologia da Coagulação
A compreensão da patogénese da trombose é essencial
para identificar potenciais alvos terapêuticos, com o
consequente desenvolvimento de novos fármacos para
prevenção e tratamento6.
A cascata da coagulação é formada por duas vias, a intrínseca ou de ativação de contacto e a extrínseca ou
do fator tecidual (FT). No entanto, não há distinção
clara entre as duas vias, uma vez que atuam de modo
altamente interativo in vivo. Estas duas vias convergem,
formando uma via comum, da qual resulta a ativação do
fator X6. O FXa interage com o seu cofator V ativado na
superfície de membranas contendo fosfolípidos aniónicos (plaquetas), formando o complexo protrombinase
e produzindo pequenas quantidades de trombina (IIa),
que atua sobre o fibrinogénio para a formação do coágulo de fibrina. Em condições fisiológicas, as reações resultam numa produção equilibrada de quantidades apropriadas de trombina e do coágulo de fibrina, em resposta
adequada e proporcional ao dano vascular existente1,7-9.
O início do processo de coagulação depende da exposição do sangue a componentes que, normalmente, não
estão presentes no interior dos vasos, mas que surgem
devido a danos vasculares ou alterações bioquímicas,
como por exemplo a libertação de citocinas. Qualquer
que seja o evento desencadeante, o início da coagulação ocorre mediante a expressão da sua componente
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crítica, o FT e a sua exposição ao espaço intravascular6,10. Após a exposição do FT aos fatores de coagulação
forma-se um complexo com o fator VII ativado (FVIIa).
O complexo FT-FVII é convertido num complexo enzimático ativo FT-FVIIa pelo FXa, ou autocatálise pelo
TF-FVIIa. A atividade deste complexo é influenciada
pela composição da membrana e pela atividade proteolítica que requer um aumento da concentração de
fosfolípidos aniónicos. O complexo TF-FVII/FVIIa ativa
subsequentemente o FX em FXa e o FIX em FIXa (via
extrínseca). O FXa produzido origina a conversão de
pequenas quantidades de protrombina em trombina,
quantidade suficiente para ativar o FVIII, FV e FXI. A
trombina produzida pelo FXa ativa plaquetas, expõe
fosfolípidos carregados negativamente, induzindo uma
«explosão» de trombina. O FX também pode ser ativado
por uma via diferente: o complexo de FIXa com o seu
cofator FVIIIa (complexo intrínseco Xase) em que FIX
é ativado pelo FXIa através da via intrínseca. Assim, o
FIXa e o FXa representam pontos de convergência para
as vias intrínseca e extrínseca. O FXa e o fator V ativado
(FVa) formam o complexo protrombinase, ativando a
protrombina em trombina, resultando na formação
do coágulo de fibrina. A trombina serve também para
amplificar a coagulação, pela ativação dos cofatores
FV e FVIII e FXI na via intrínseca10.
Além disto, a trombina ativa as plaquetas, ativação necessária para a formação do tampão hemostático. Resultando num equilíbrio regulado entre a formação de
coágulos normais, dissolução (hemostase) e a formação
patogénica de coágulos (trombose)10.
Em suma, pode dizer-se que a trombina tem um papel
central na produção de trombos. Isto porque a trombi-
Figura 1 – Ativação da cascata da coagulação dependente
do FT
Fibrinogen
Fibrin
FIIa
Platelet
activation
FXI
FII
FXa
FV
FX
FIXa
FXIa
FVIIIa
FIX
FVIII
FVa
FVIIa TF
FIIa
Protease
FXIa
Coativator
FX
Zymogen
Activation of
coagulation
Zymogen
activation
10
Adaptado de Ott, 2011 .
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na ativa os fatores V, VIII e XI, que estão envolvidos na
produção de mais trombina, e assim ativando também o
fator XIII. Esta proteína está envolvida no cross-linking da
fibrina e na estabilização do coágulo. A principal função
da trombina é a conversão do fibrinogénio solúvel em
fibrina insolúvel, enquanto é estimulada a ativação das
plaquetas. A trombina pode ser inibida direta ou indiretamente pela ligação de fármacos a um ou dois dos três
domínios da trombina, sendo eles o sítio ativo, o exosítio
um e dois. O exosítio um funciona como ligação para a
fibrina e o exosítio dois funciona como domínio para a
ligação da heparina11.
As reações bioquímicas da coagulação do sangue devem
ser estritamente reguladas, de modo a evitar ativação
excessiva do sistema, formação inadequada de fibrina e
oclusão vascular. Assim, a atividade das proteases que
participam na ativação da coagulação é regulada por numerosas proteínas inibitórias, que atuam como anticoagulantes naturais. Como principais inibidores fisiológicos da coagulação temos: o inibidor da via FT, a proteína
C e a proteína S e a antitrombina.
O inibidor da via do FT é um inibidor de protease que regula a via extrínseca através da inibição do
TF/FVIIa na iniciação da coagulação6.
A proteína C é uma glicoproteína plasmática ativada
pela trombina, que inativa os fatores Va e VIIIa. Esta reação é potenciada pela proteína S, que atua como cofator
não enzimático nas reações de inativação6.
A antitrombina é o inibidor primário da trombina e
exerce, também, um efeito inibitório sobre outras enzimas da coagulação, incluindo os fatores IXa, Xa, e XIa.
Adicionalmente, a antitrombina acelera a dissociação do
complexo FVIIa/FT e impede sua reassociação6.
Qualquer trombina que escapa aos efeitos inibitórios
dos anticoagulantes naturais converte o fibrinogénio
solúvel em fibrina insolúvel e ativa o fator XIII que estabiliza a fibrina do coágulo6.
A fibrinólise é a degradação da fibrina, mediada pela plasmina. O sistema fibrinolítico endógeno é ativado, de modo
a limpar a fibrina e manter a permeabilidade da circulação.
A plasmina é a protease major, que é ativada para digerir os
produtos da degradação da fibrina. A regulação fisiológica
da fibrinólise ocorre principalmente via ativador do plasminogénio e antiplasmina que inibe a plasmina6.
Patologias com Indicações para Anticoagulação
A hemostase é um processo dinâmico cujo objetivo é
a manutenção da integridade dos vasos sanguíneos e a
circulação do sangue em fase líquida. Uma ativação patológica origina uma produção excessiva de trombina,
iniciando o fenómeno de trombose1,12,13.
As principais indicações da tromboprofilaxia são tromboembolismo venoso (TEV), síndrome pós-trombró-
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tica, hipertensão pulmonar tromboembolica crónica,
fibrilação auricular (FA), síndrome coronária aguda e
portadores de válvulas cardíacas12.
Tromboembolismo venoso (TEV)
O TEV, que compreende a trombose venosa profunda
e o embolismo pulmonar, é uma das principais causas
de morbimortalidade. Nos Estados Unidos, o tromboembolismo pulmonar causa aproximadamente 250 mil
mortes por ano14. Na União Europeia, a incidência anual
de TEV é acima de um milhão, resultando em mais de
500 mil mortes por ano15, cerca de 12 por cento das mortes que ocorrem anualmente16.
A doença tromboembólica venosa constitui a principal causa de morbimortalidade prevenível em doentes
hospitalizados, podendo ocorrer complicações graves e
com risco de vida, como a embolia pulmonar1,12, e a segunda causa de morte em doentes com cancro1,17. Além
destas causas existem condições trombofílicas hereditárias, como a mutação do fator V de Leiden, o alelo
pró-trombina G20210A, bem como as deficiências em
antitrombina, proteína C e S, que aumentam o risco de
trombose, quer espontânea quer secundária1. O TEV
deve ser considerado uma doença crónica, e não uma
doença aguda3.
Os doentes com um primeiro episódio de TEV apresentam maior risco de recorrência. A incidência cumulativa
de recorrência é de aproximadamente 18 por cento após
dois anos, 25 por cento depois de cinco anos e 30 por
cento após oito anos3.
Uma trombose venosa profunda recorrente está associada ao desenvolvimento de síndrome pós-trombótica.
Esta síndrome é uma complicação a longo prazo da
trombose venosa profunda, caracterizada por dor crónica, persistente, inchaço, descoloração da pele, podendo mesmo resultar numa ulceração venosa no membro
afetado3. Na maioria dos casos, a síndrome pós-trombótica desenvolve-se um a dois anos após trombose
venosa profunda18.
A embolia pulmonar predispõe os pacientes a hipertensão pulmonar crónica19.
Fibrilação auricular (FA)
A FA, que é a arritmia cardíaca mais comum com significado clínico, aumenta o risco de enfarte e morte16,20-24.
Apresenta uma prevalência de aproximadamente 1 por
cento para a população em geral e 10 por cento na população com mais de 80 anos16,23. É um problema crescente
de saúde pública associado a morbidade e mortalidade
significativas24.
A presença de FA é um importante fator de risco para
acidente vascular cerebral (AVC) isquémico e outros
eventos tromboembólicos24. A FA é o principal fator de
risco de AVC cardioembólico16,23 e o risco de AVC isquémico aumenta entre quatro e cinco vezes nos pacientes com FA1,3, e está associado ao embolismo sistémico
e morte1,25. A terapêutica anticoagulante a longo prazo
pode reduzir o risco de AVC em cerca de 60 por cento
dos pacientes com FA não valvular21,24,25 e em mais de
90 por cento o risco de enfarte em indivíduos com FA21.
Fármacos Anticoagulantes Tradicionais
A terapêutica anticoagulante tradicional inclui a heparina não fracionada e a heparina de baixo peso molecular,
anticoagulantes parentéricos e os antagonistas da vitamina K, de administração oral. Estes fármacos atuam em
vários fatores de coagulação.
Apesar de alcançar reduções significativas na incidência de complicações tromboembólicas, esta terapêutica
utilizada na prevenção e tratamento de TEV apresenta
inúmeras limitações26.
Heparinas
A heparina não fracionada é um anticoagulante indireto que se liga à antitrombina III, aumentando a sua capacidade para inibir o FXa, a trombina e outros fatores
de coagulação. No entanto, o coágulo ligado à trombina
está relativamente protegido da inibição por heparinaantitrombina, possivelmente porque o local de ligação à
heparina está inacessível quando a trombina se encontra
ligada à fibrina3.
A heparina não fracionada liga-se a um número de proteínas plasmáticas, que contribuem para a sua resposta
anticoagulante variável. Além disso, a heparina não fracionada está associada ao risco de desenvolvimento de
trombocitopenia induzida por heparina e osteoporose.
Consequentemente, é necessária uma monitorização rigorosa e frequente da coagulação3.
A heparina de baixo peso molecular resulta da despolimerização química ou enzimática da heparina não fracionada. Apresenta uma anticoagulação mais previsível,
podendo ser administrada em doses fixas e sem monitorização periódica da coagulação1,3. No entanto, tanto
a heparina não fracionada como a heparina de baixo
peso molecular requerem administração parentérica, o
que limita a sua utilização em ambulatório30. Contudo,
as heparinas de baixo peso molecular também podem
causar trombocitopenia induzida por heparina, apesar
de este risco ser menor em comparação com a heparina
não fracionada1,3.
Antagonistas da vitamina K
A vitamina K na sua forma reduzida (hidroquinona) é um
cofator da enzima hepática gama-glutamil-carboxilase,
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que catalisa a carboxilação de vários resíduos de glutamato a ácido gama-carboxiglutámico, nas regiões terminais NH das proteínas dependentes da vitamina K,
sendo elas os fatores II, VII, IX e X e as proteínas C e S.
A carboxilação é um passo necessário a uma alteração
conformacional dependente de cálcio, que ocorre nas
proteínas de coagulação, levando à ligação de cofatores
nas superfícies fosfolipídicas do local de lesão vascular.
Assim, o mecanismo dos resíduos Gla confere atividade biológica aos fatores dependentes da vitamina K.
O processo de carboxilação oxida a vitamina K na sua
forma epóxido, que se reduz voltando à sua forma ativa (hidroquinona) pela epoxirredutase da vitamina
K (VKORC). Como tal, a ação dos anticoagulantes
orais antagonistas da vitamina K é inibir a enzima
epoxirredutase da vitamina K1,31.
No entanto, a vitamina K exógena (proveniente da dieta, por exemplo) pode contornar o antagonismo da
varfarina, conseguindo produzir o cofator (vitamina
KH2) necessário à carboxilação das proteínas da coagulação dependentes da vitamina K, através duma via menos
sensível à varfarina (a da enzima vitamina K redutase)31.
Os inibidores da vitamina K são anticoagulantes efetivos,
com uma boa absorção e baixo custo. Existem métodos
para reverter o efeito do excesso de anticoagulantes. As
principais desvantagens são as interações com fármacos, produtos naturais e alimentos, que modificam o seu
metabolismo, podendo causar aumento ou inibição do
efeito anticoagulante, e a variabilidade dose-resposta de
pessoa para pessoa1. As doenças intercorrentes, o início
ou paragem de tratamentos com outros fármacos, mudanças na dieta ou na função intestinal podem causar
alterações no efeito anticoagulante21,24,25. Como tal, esta
terapêutica exige uma monitorização periódica através
da realização do INR, medida normalizada a nível internacional para minimizar as variações nos valores do
tempo de protrombina entre diferentes laboratórios1.
No entanto, existem situações em que estes anticoagulantes estão contraindicados ou são impraticáveis, como
na gravidez e em indivíduos que vivem em locais geograficamente inacessíveis29.
Para a manutenção de um nível de anticoagulação terapêutica adequada é necessário um bom entendimento
da farmacocinética e farmacodinâmica, dado serem imprevisíveis, tal como é fundamental uma boa comunicação médico-doente3,32,33.
A varfarina é o anticoagulante oral mais utilizado a nível mundial, quer na prática clínica quer em estudos
clínicos1. A varfarina inibe a síntese dos pró-fatores II,
VII, IX e X, tal como acontece com os anticoagulantes
endógenos, proteínas C e S31,34. Este fármaco é uma
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mistura de enantiómeros, composta pelo R-varfarina
e S-varfarina, sendo que a atividade do enantiómeroS é cinco vezes mais potente que o R, sendo por isso
o enantiómero-S o principal responsável pela atividade da varfarina. São ambos metabolizados no fígado, mas por vias diferentes. O tempo de semivida é de
35 a 45 horas1.
A metabolização da varfarina ocorre por múltiplas enzimas hepáticas do citocromo P450 (CYP450), o que
origina a sua elevada suscetibilidade a interações com
fármacos e alimentos. Esta também é influenciada pelas
variações genéticas destas enzimas. O polimorfismo da
enzima epoxirredutase da vitamina K contribui ainda
mais para esta variabilidade33,35. Como tal, as doses e os
valores de INR não são previsíveis. No entanto, estão a
ser desenvolvidos algoritmos para propor as doses indicadas a cada indivíduo28,36.
A varfarina é usada na prevenção de eventos tromboembólicos associados a várias condições médicas, como FA,
doença valvular cardíaca e trombose venosa profunda5,33.
O acenocumarol é um derivado da cumarina e apresenta
um tempo de semivida mais curto, entre oito e 24 horas, o
que pode conferir uma maior instabilidade terapêutica1.
O estabelecimento de dose terapêutica apropriada das
cumarinas é difícil, devido à sua intravariabilidade ou intervariabilidade, associada a numerosos fatores genéticos
e não genéticos, à farmacocinética, à farmacodinâmica e à
estreita janela terapêutica. Apesar de serem muito semelhantes, para a varfarina e o acenocumarol as doses recomendadas são diferentes, uma vez que a farmacocinética
e a farmacodinâmica de ambas são diferentes e também
devido à influência dos fatores genéticos. O efeito de variantes defeituosas de CYP2C9 é mais pronunciado para
a varfarina do que para o acenocumarol, podendo dizerse que a variabilidade para a varfarina é de 10 a 15 por cento e apenas de 5 por cento para o acenocumarol28,36.
A dose é inicialmente definida por critérios clínicos, sendo depois controlada pela determinação individual do
INR. Critérios a ter em conta na determinação da dose
são o género, a idade, o peso, a altura, tal como variações
nos genes VKORC (alvo cumarínico) e CYP2C9, que
expressa o citocromo P450 2C9 (enzima responsável
pelo metabolismo da cumarina). Dada a elevada taxa de
efeitos adversos (incluindo hemorragias fatais), devido
a doses incorretamente calculadas, é necessário desenvolver novas estratégias para a determinação da dose semanal apropriada de acenocumarol, tal como algoritmos
farmacogenéticos para prever uma dose de acenocumarol
apropriada foram propostos36-38. Tem sido demonstrada
a importância da pré-genotipagem dos polimorfismos
VKORC1, CYP4F2, CYP2C9*2 e *3 em doentes que necessitam de doses extremas de acenocumarol28.
ARTIGO DE REVISÃO
O acenocumarol é altamente eficaz no tratamento de
doenças tromboembólicas, como tromboembolismo venoso profundo e embolia profunda, na FA e portadores
de válvulas cardíacas artificiais36.
Novos Fármacos Anticoagulantes
O desenvolvimento dos novos fármacos anticoagulantes
tem como objetivo a seleção de um fármaco que reúna o
máximo das características possíveis do anticoagulante
ideal. Essas características são: eficácia no tratamento
da doença arterial e venosa; segurança; risco mínimo
de efeitos adversos; reversibilidade fácil com ou sem
antídoto; propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas, como rápido início de ação, dose-resposta e
farmacocinética previsível, ampla margem terapêutica
com variabilidade intra e interindividual mínima, administração oral e sem ajuste de dose, ausência de interação com alimentos e fármacos e a não necessidade de
monitorização de rotina15,39.
Inibidores diretos da trombina
Os inibidores diretos da trombina ligam-se diretamente à trombina, sem a necessidade de um cofator como a
antitrombina para exercerem o seu efeito. Estes inibem
tanto a trombina solúvel como a trombina ligada à fibrina. Outra das vantagens deste grupo farmacológico é o
facto de permitir um efeito anticoagulante mais previsível que as heparinas, devido à sua não ligação a outras
proteínas plasmáticas, um efeito antiplaquetário e a ausência de trombocitopenia11.
Tanto os inibidores diretos da trombina orais como os parentéricos têm sido investigados para a profilaxia e o tratamento de tromboembolismo venoso, prevenção de complicações tromboembólicas em doentes com trombocitopenia
induzida por heparina ou em risco de desenvolver trombocitopenia induzida por heparina ou sujeitos a intervenção
coronária percutânea, síndrome coronária aguda, com
ou sem angioplastia coronária transluminal percutânea
(PTCA), prevenção secundária de eventos coronários após
síndromes coronárias agudas e FA não valvular11.
Inibidores diretos da trombina orais
Estes inibidores podem ligar-se de modo reversível ou
irreversível ao sítio ativo do fator IIa4. Os inibidores FIIa
orais representam a nova era da anticoagulação na prevenção e tratamento de tromboembolismo venoso e arterial seletivo. O primeiro a ser desenvolvido e aprovado na
Europa, nunca tendo sido aprovado nos Estados Unidos,
foi o ximelagatrano, pró-fármaco do melagatrano. No entanto, foi retirado 20 meses após a sua aprovação devido
ao risco de hepatoxicidade demonstrada em tratamentos
superiores a 35 dias11,22,40.
Estes são antagonistas competitivos da trombina, capazes de inibir a sua função tanto na fração solúvel como
unida à fibrina. Esta propriedade de inibir a trombina
unida à fibrina diferencia-os das heparinas. Além disto,
estes novos fármacos atuam na ativação por trombina
dos fatores V, VIII e XI e a sua propriedade de agonista plaquetário. Como principais vantagens apresentam
o seu uso em dose fixa e sem necessidade de monitorização dos níveis de anticoagulação, devido ao seu perfil
farmacocinético previsível1,41.
O dabigatrano etexilato é um pró-fármaco do dabigatrano,
conversão que ocorre rapidamente, via hidrólise39. O
dabigatrano é um pequeno peptidomimético, molécula
de baixo peso molecular, que inibe diretamente a trombina através ligação ao sítio ativo da trombina por interações iónicas4,11. É um inibidor reversível, competitivo
e direto da trombina42. Inibe rápida e reversivelmente
quer a fração livre quer a ligada ao coágulo, dependente da concentração com uma constante de inibição (Ki)
de 4,5nmol-14,11. Apresenta uma elevada especificidade
para a trombina sob outras proteases da serina. Como
molécula carregada e altamente polar, o dabigatrano
apresenta uma baixa absorção intestinal e deixa de estar
biodisponível após absorção oral. A conversão do grupo carboxilato do dabigatrano num grupo éster e do grupo
fortemente básico da benzamidina num éster carbamato
lipofílico levou ao desenvolvimento do dabigatrano
etexilato, um pró-fármaco altamente lipofílico e absorvido pelo sistema gastrointestinal. Após a absorção,
o dabigatrano etexilato é rapidamente convertido no
dabigatrano activo e em dois intermédios, o BIBR 951 e
BIBR 1087, após clivagem de ambos os grupos lipofílicos
pelas esterases da serina11,42,43.
Para que haja absorção é necessário um pH ácido,
pelo que se recomendava que a sua toma não fosse
concomitante com um inibidor da bomba de protões1. No entanto, a nova formulação do dabigatrano
etexilato foi desenvolvida de modo a obter o ambiente ácido ideal para a sua absorção, conseguido através
de cápsulas com pequenos pellets contendo um núcleo
de ácido tartárico revestido. Assim, as variações de
pH gástrico intrínseco não afetam significativamente
a absorção deste, mesmo na presença de inibidores da
bomba de protões11. A conversão deste pró-fármaco
na sua forma ativa ocorre a nível hepático, sem utilizar o citocromo P4501, mas estando as esterases ubiquitárias presentes no plasma envolvidas nesta conversão. Sendo por isso as suas principais vantagens o
rápido início de ação e a não interação com o citocromo P450, fazendo com que a interação com alimentos e fármacos seja mínima; apresenta um excelente
perfil de segurança, não necessita de monitorização
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ARTIGO DE REVISÃO
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de rotina, tem uma ampla janela terapêutica e a uma
dose de administração fixa11,42.
Após a absorção do dabigatrano etexilato, a bioconversão a dabigatrano ocorre nos enterócitos, hepatócitos e
na veia portal. O correspondente a cerca de 20 por cento do dabigatrano é conjugado com ácido glucurónico
para produzir conjugados de glucuronido farmacologicamente ativos. Uma vez metabolizado em dabigatrano,
o pró-fármaco e os seus metabolitos intermediários são
detetáveis no plasma de indivíduos saudáveis aproximadamente duas horas após a ingestão. Os resultados
de vários estudos demonstram que a insuficiência hepática moderada não afeta a eficácia ou o perfil de segurança do dabigatrano, não sendo necessário o ajuste de
dose em situações de insuficiência hepática11.
Este fármaco apresenta uma baixa ligação às proteínas
plasmáticas: aproximadamente 35 por cento. Em situações de overdose ou hemorragia severa, em que seja
necessário um efeito anticoagulante reversivo rápido, a
hemodiálise pode ser efetiva ao acelerar a clearance plasmática do dabigatrano, especialmente em doentes com
falha renal4. Apresenta uma biodisponibilidade de 7,2
por cento, atingindo a concentração plasmática máxima entre uma hora e meia e três horas e uma semivida
de 12 a 17 horas1. Após a absorção ocorre uma fase rápida
de distribuição, à qual se segue um tempo de eliminação
prolongado. O volume de distribuição do dabigatrano
é moderado (60-70L)11. A sua excreção é maioritariamente renal (80 por cento), pelo que doentes com insuficiência renal têm sido excluídos desta terapêutica1. A
restante excreção ocorre através da bílis4. Os alimentos
podem prolongar o tempo para a concentração plasmática em duas horas, mas sem efeito na extensão da absorção do dabigatrano11.
As principais interações do dabigatrano com outros fármacos, tal como algumas considerações clínicas, resumem-se na Tabela I.
Tanto o tempo trombina como o tempo de coagulação
do ecarin são testes altamente sensíveis para quantificar
os efeitos anticoagulantes do dabigatrano. O INR, prolongado pelo dabigatrano, e o tempo trombina não são
sensíveis para avaliação do efeito anticoagulante deste
fármaco41. O tempo de tromboplastina parcial ativado
(TTPa) é igualmente prolongado, mas não de uma forma dose-dependente. Assim, este teste pode ser usado
como teste qualitativo, dado que é menos sensível a
concentrações subterapêuticas do dabigatrano4.
Não há agentes específicos para reverter o efeito
do dabigatrano4.
Este fármaco foi aprovado no Canadá e na Europa em
2008 para a prevenção de tromboembolismo venoso
após cirurgia de substituição da anca ou joelho, senRev Port Farmacoter | 2013;5:194-207
Tabela 1 – Interações do dabigatrano com outros fármacos
Interação
Considerações clínicas
Inibidores P-glicoproteína
concentração dabigatrano
Amiodarona
Verapamil
Quinidina
Dabigatrano deve ser
administrado pelo
menos duas horas antes
destes fármacos.
Inibidores CYP3A4
e P-glicoproteína
concentração dabigatrano
Digoxina
Cetoconazol
Claritromicina
Sem ajuste de dose,
apenas precaução.
Indutores CYP3A4
e P-glicoproteína
concentração dabigatrano
Rifampicina
Evitar o usoconcomitante.
Caso não seja possível,
monitorização rigorosa.
Agentes antiplaquetários
efeito anticoagulante
Aspirina
Clopidogrel
Precaução devido ao
efeito aditivo do efeito
anticoagulante.
Heparina de baixo peso
molecular
efeito anticoagulante
Enoxaparina
Precaução.
Anti-inflamatórios
não-esteroides
concentração dabigatrano
Diclofenac
Monitorizar para
hemorragias excessivas,
devido ao efeito aditivo
antiplaquetar.
44
Adaptado de Nutescu et al. (2011)
do também uma das opções farmacológicas indicadas para esta situação na Norma da Direção-Geral da
Saúde 026/2012, relativa à profilaxia do tromboembolismo venoso em ortopedia, com nível de evidência A,
grau de recomendação I, estando referido que o fármaco
deve ser iniciado apenas após a cirurgia.
Foi também aprovado em 2010 pela FDA na prevenção
de enfarte em indivíduos com FA11. Foram desenvolvidos inúmeros estudos para demonstrar a eficácia clínica do dabigatrano nas seguintes situações: prevenção
de tromboembolismo em cirurgias de substituição da
anca e joelho – alguns dos ensaios clínicos realizados
nesta indicação foram: RE-NOVATE, RE-MOBILIZE e
RE-MODEL39; tratamento e prevenção secundária de
tromboembolismo venoso (RE-MEDY, RE-COVER,
RE-SONATE); prevenção de enfarte em indivíduos
com FA sem prótese valvular (RE-LY)39. Potenciais
indicações para o uso de dabigatrano são: prevenção secundária de eventos coronários após síndrome
coronária aguda; prevenção de trombose em intervenção coronária percutânea eletiva e prevenção de trombos nas válvulas mecânicas cardíacas5,11.
Inibidores diretos da trombina parentéricos
Nos Estados Unidos, quatro inibidores diretos da
trombina parentéricos estão aprovados para serem usados como anticoagulantes: a bivalirudina, a
desirudina, a lepirudina e o argatrobano11. Em Portugal, apenas a argatrobana não está autorizada pelo
ARTIGO DE REVISÃO
INFARMED, apesar de a lepirudina ser a única comercializada.
A lepirudina e a desirudina são derivados da
hirudina, um péptido originalmente isolado a partir das glândulas salivares de sanguessugas medicinais desenvolvidas por tecnologia recombinante em
Saccharomyces cerevisiae. Ambas as hirudinas recombinantes são inibidores diretos da trombina bivalentes que se ligam simultaneamente ao sítio da enzima
ativa e ao exosítio domínio um da trombina, uma
característica que aumenta a sua especificidade. Estes também apresentam uma elevada afinidade para
a trombina, formando rapidamente complexos irreversíveis. Comparativamente às hirudinas, a afinidade destes dois fármacos para a trombina é dez vezes
mais fraca; no entanto, eles são considerados os inibidores da trombina mais potentes11.
A lepirudina tem como indicação a profilaxia ou
tratamento de complicações trombóticas causadas
por trombocitopenia induzida por heparina45. A sua
afinidade para a trombina é elevada (Ki=0,23 pM),
formando um complexo irreversível. A sua via de
administração pode ser endovenosa ou subcutânea
e a dose depende do peso. A semivida plasmática é
de aproximadamente 80 minutos. A excreção deste
fármaco é renal; como tal, é necessário um ajuste de
dose em indivíduos com insuficiência renal. As principais desvantagens da lepirudina são a estreita janela terapêutica e o potencial aumento de eventos hemorrágicos. Além disto, há a formação de anticorpos
anti-hirudina após o tratamento de trombocitopenia
induzida por heparina em 40 por cento dos indivíduos. Estes complexos imunogénicos podem atrasar a excreção renal da lepirudina, provocando a sua
acumulação. Por isso, é necessário um ajustamento
da dose baseado no TTPa durante o tratamento11,45.
Embora suceda raramente, pode ocorrer choque anafilático em indivíduos com anticorpos anti-hirudina
quando re-expostos à hirudina. Atualmente, não
existe antídoto específico para reverter os efeitos das
hirudinas recombinantes ou qualquer outro inibidor
direto da trombina11.
A desirudina é o único inibidor direto da trombina
administrado subcutaneamente com dose fixa aprovado pela FDA para a prevenção pós-operatória de
tromboembolismo venoso sujeito a cirurgia eletiva de
substituição da anca, e encontra-se disponível desde
2010 nos Estados Unidos11. A sua afinidade para a
trombina é elevada (Ki=0,26 pM) e a via de administração pode ser endovenosa ou subcutânea, apresentando uma semivida plasmática de 60 minutos para
administração endovenosa e de 120 minutos para a
administração subcutânea. O metabolismo e a clearance
são renais, e como tal é necessário ajuste de doses
nos casos de insuficiência renal severa, tal como o seu
controlo por TTPa. Tal é, no entanto, desnecessário
na insuficiência renal moderada, de acordo com estudos farmacocinéticos mais recentes. As vantagens
deste fármaco são o facto de não precisar de cálculos
de dose tendo em conta o peso e de não precisar de
monitorização periódica11.
Nos ensaios HELVETICA e GUSTO-IIb, comparando as heparinas com a desirudina, concluiu-se que
o efeito anticoagulante da desirudina é superior e
que o perfil de segurança é semelhante. Atualmente,
está a decorrer um estudo PREVENT-HIT sobre a
potencialidade deste anticoagulante em indivíduos
com trombocitopenia induzida por heparina, com ou
sem trombose11.
A bivalirudina é um aminoácido sintético, bivalente
análogo da hirudina, com uma atividade inibidora da
trombina, aproximadamente 800 vezes mais fraco
que a hirudina. Ao contrário das hirudinas recombinantes, a ligação da bivalirudina à trombina é reversível, pois uma vez formada a ligação, esta é clivada
pela trombina. Como tal, a atividade da trombina é
inibida apenas transitoriamente e a atividade enzimática da trombina é restaurada. Esta reversibilidade na ligação entre a bivalirudina e a trombina pode
contribuir para diminuir o risco de hemorragia e melhorar o perfil de segurança, quando comparada com
as hirudinas recombinantes11. A sua afinidade para a
trombina é intermédia, apresentando um Ki=1,9 nM. A
bivalirudina é essencialmente eliminada por clivagem
proteolítica e metabolismo hepático, apresentando
no entanto uma excreção renal de 20 por cento, sendo
assim necessário um ajuste de dose em insuficientes
renais moderados e contraindicado na insuficiência
renal severa11.
A bivalirudina é administrada por via endovenosa e
tem um início de ação rápido, aproximadamente cinco minutos, e uma semivida plasmática de aproximadamente 25 minutos. A via de administração pode ser
uma das suas desvantagens, pois é incómoda para ser
utilizada num tratamento crónico11,26.
Este inibidor parentérico da trombina, tem-se mostrado
eficaz e seguro em pacientes com síndrome coronária aguda que têm um stent implantado26, sendo também indicado em indivíduos com angina instável sujeitos a PTCA, em
intervenções coronárias percutâneas com uso provisório
de inibidor de glicoproteína, em indivíduos com ou em risco de trombocitopenia induzida por heparina ou trombocitopenia induzida por heparina com síndrome trombótica sujeitos a intervenção coronária percutânea11.
Rev Port Farmacoter | 2013;5:194-207
41
ARTIGO DE REVISÃO
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A bivalirudina está a ser extensamente investigada em
vários ensaios clínicos sobre a sua eficácia na redução
da morte, enfarte do miocárdio ou revascularizações em
doentes com síndrome coronária aguda que realizem
intervenções coronárias percutâneas. Os estudos como
o REPLACE-2 mostram uma melhor ou igual eficácia
deste fármaco comparado com as heparinas e uma significativa redução da hemorragia, tendo sido por isso
aprovado pela FDA em 2000 como alternativa à heparina em doentes sujeitos a PTCA. Foi alargado em 2005
para o uso concomitante de glicoproteína IIb/inibidor
IIIa para doentes sujeitos a PCI eletiva ou urgente11.
O argatrobano é um derivado sintético da arginina. Este
inibidor direto da trombina é pequeno e univalente, ligando-se de forma não-covalente e reversível ao sítio ativo da trombina. A sua afinidade para a trombina é baixa
(Ki=5-38nM). A sua via de administração é endovenosa
e apresenta uma semivida plasmática de 45 minutos. O
metabolismo é hepático e é predominantemente excretado pelo sistema biliar; como tal, é necessário ajuste de
dose em indivíduos com insuficiência hepática moderada e contraindicado em insuficiência hepática severa, o
que não acontece na insuficiência renal11,45.
O efeito anticoagulante é monitorizado pelo TTPa e
pelo tempo de coagulação ativado e a dose é ajustada de
modo a que o TTPa seja 1,5 a 3,0 vezes o valor inicial11,45.
O argatrobano prolonga o tempo de protrombina e o INR11.
Nos Estados Unidos, a sua indicação é a profilaxia ou
tratamento de trombocitopenia induzida por heparina
e indivíduos com ou sem risco de trombocitopenia
induzida por heparina sujeitos a intervenção percutânea coronária11,45.
Inibidores do fator X
O FXa é um bom alvo para novos anticoagulantes, uma
vez que tem um papel crucial na ativação da coagulação,
sendo capaz de ativar a protrombina após a sua ligação
ao FVa, e está demonstrado que quando ativada uma
molécula de FXa pode originar mais de mil moléculas
de trombina. Os fármacos podem inibir o FXa de modo
direto ou indireto via antitrombina. A via indireta precisa
que se verifique a formação de um complexo fármaco-antitrombina, complexo de elevado peso molecular capaz
de inibir o FXa em circulação mas incapaz de bloquear a
atividade do coágulo. Por outro lado, os fármacos capazes de inibir diretamente o FXa são moléculas pequenas
com a capacidade de entrar no trombo e de inibir tanto o
FXa em circulação como o FXa ligado ao trombo46.
Inibidores diretos do fator X ativado
Os inibidores diretos do FXa atuam numa etapa inicial
da cascata da coagulação. Inibem o FXa livre, unido ao
Rev Port Farmacoter | 2013;5:194-207
complexo trombinase (junto ao cofator V), e o FXa associado à trombina. A sua dose terapêutica é fixa e não requer uma monitorização dos níveis de anticoagulação1.
Os inibidores diretos do FXa podem ser de administração parentérica, o otamixabano, ou de administração oral, como o rivaroxabano, o apixabano
e o edoxabano. Os inibidores diretos do FXa orais
são inibidores pequenos, moléculas ativas oralmente, capazes de se ligar reversivelmente ao sítio ativo do FXa. O único autorizado e comercializado em
Portugal é o rivaroxabano, aprovado em 2008 na
Europa e no Canadá39.
O otamixabano é um inibidor direto e reversível do
FXa47. Este inibidor parentérico tem um início de
ação rápido, uma semivida curta, de apenas 30 minutos48 e uma excreção renal inferior a 25 por cento. Apresenta um efeito anticoagulante previsível, o
que dispensa uma monitorização da coagulação de
rotina. Ao contrário da heparina não fracionada e da
heparina de baixo peso molecular, este fármaco não
causa trombocitopenia induzida por heparina. Nos estudos SEPIA-PCI e SEPIA-ACS, este inibidor seletivo
mostrou ser eficaz e seguro48. Como tal, o otamixabano
é um bom candidato a substituir a heparina não fracionada e a heparina de baixo peso molecular em indivíduos com síndrome coronária aguda46. As vantagens
do otamixabano são a sua simplicidade de uso e a fácil transição em intervenção coronária percutânea de
emergência, com uma redução significativa de morte e
eventos isquémicos49.
O rivaroxabano é um inibidor altamente seletivo, reversível e direto do FXa. Este fármaco tem um início
de ação rápido e é absorvido através do sistema gastrointestinal, com uma biodisponibilidade de 80 por
cento46,50. A concentração plasmática máxima ocorre entre as duas e as quatro horas1,3,50. A ligação às
proteínas plasmáticas é de 92 a 95 por cento, sendo
a albumina sérica a principal3, e o seu volume de distribuição é de 50 litros39. A semivida é de três a nove
horas. Três aspetos relevantes da farmacodinâmica do
rivaroxabano são: a inibição dependente da concentração do FXa com elevada potência e seletividade, a
inibição da trombina a partir da protrombina e uma
inibição dose-dependente do FT4.
O rivaroxabano é excretado por várias vias: um terço
é excretado de forma inalterada via renal, um terço
é metabolizado no fígado, via oxidativa CYP3A4 e
CYP2J2 no citocromo P4504, e eliminado pelas fezes
e outro terço é metabolizado no fígado em metabolitos inativos, sendo depois eliminados via renal50.
Este fármaco é um substrato para o transporte da
P-glicoproteína.
ARTIGO DE REVISÃO
As principais interações do rivaroxabano com outros
fármacos, tal como algumas considerações clínicas,
resumem-se na Tabela II.
Tabela 2 – Interações do rivaroxabano com outros fármacos
Interação
Absorção
Antiácidos
Antagonistas
recetor H2
Considerações clínicas
Sem efeito significativo.
Inibidores CYP3A4
Cetoconazol
e P-glicoproteína
Itraconazol
concentração rivaroxabano Ritonavir
Claritromicina
Contraindicado o uso
concomitante.
Precaução.
Contraindicado.
Precaução.
Indutores CYP3A4
Rifampicina
e P-glicoproteína
Fenitoina
concentração rivaroxabano Carbamazepina
Fenobarbital
Evitar o uso concomitante.
Caso não seja possível
monitorização rigorosa.
Precaução.
Agentes antiplaquetários
efeito antitrombótico
Aspirina
Clopidogrel
Precaução devido à
potenciação do efeito
antitrombótico.
Anticoagulantes
efeito antitrombótico
Enoxaparina
Precaução.
Anti-inflamatórios nãoesteroides
efeito antiplaquetar
Naproxeno
Precaução.
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Adaptado de Nutescu et al. (2011)
O perfil farmacológico deste fármaco não se mostrou
afetado pelo excesso de peso corporal, idade ou sexo4.
O ribaroxano prolonga o INR com sensibilidade do
reagente utilizado4. Não existe agente específico para
reverter os efeitos deste fármaco4. O rivaroxabano está
indicado para a profilaxia e tratamento de tromboembolismo venoso40, prevenção de enfarte na FA e no tratamento de síndromes coronárias agudas46.
O rivaroxabano está indicado para a profilaxia e tratamento de tromboembolismo venoso40, sendo uma das
opções farmacológicas para a profilaxia da cirurgia eletiva da artroplastia da anca e joelho constantes da Norma da Direção-Geral da Saúde 026/2012 – Profilaxia do
Tromboembolismo Venoso em Ortopedia com nível de
evidência A, grau de recomendação I. Com o mesmo nível de evidência e grau de recomendação, é indicado
que a terapêutica só deve ser iniciada depois da cirurgia. É indicado, igualmente, na prevenção de enfarte
na FA e no tratamento de síndromes coronárias agudas46.
O apixabano é outro inibidor oral, direto, altamente
seletivo e reversível do FXa51, com a capacidade de
inibir tanto o FXa em circulação como o FXa ligado
ao complexo da protrombinase33.
Este fármaco é rapidamente absorvido pelo sistema
gastrointestinal, com uma concentração plasmática
máxima, três horas após a administração1,3,46 e uma
semivida entre as oito e as 15 horas3,4. A sua ligação às
proteínas plasmáticas é de 87 por cento e o volume de
distribuição é baixo39.
O apixabano é eliminado por múltiplas vias, incluindo
o metabolismo oxidativo, excreção renal e intestinal. O
metabolismo oxidativo ocorre via CYP3A4; como tal, o
tratamento concomitante com inibidores do CYP3A4
está contraindicado nestes doentes46.
A sua excreção é maioritariamente fecal (56 por cento),
sendo apenas entre 22 e 25 por cento por via renal1,3. O
composto pai é o principal componente no plasma, urina e fezes. Existem, no entanto, outros metabolitos que
perfazem aproximadamente um terço da dose recuperada, sendo o o-dimetilsulfato de apixabano o principal
destes compostos3.
O apixabano é um substrato de transporte da proteína
P-glicoproteína que funciona como uma bomba de
efluxo para prevenir a absorção ou aumento na secreção renal de certas drogas, como os substratos de
P-glicoproteína4.
As principais interações do apixabano com outros fármacos, tal como algumas considerações clínicas, resumem-se na Tabela III.
O apixabano tem um impacto mínimo sobre o INR e
o TTPa em concentrações terapêuticas, mas o fator de
inibição Xa parece sensível para detetar a sua presença4.
Não há nenhum agente específico para reverter o efeito anticoagulante deste fármaco4. A sua indicação é na
profilaxia e tratamento de tromboembolismo venoso51,
prevenção de enfarte na FA e no tratamento de síndromes coronárias agudas46.
O edoxabano é um inibidor direto, específico e oral do
FXa. Apresenta uma elevada seletividade para o FXa.
Este fármaco ativo é rapidamente absorvido pelo sistema gastrointestinal, com a concentração máxima
plasmática a ocorrer uma a duas horas após a administração3,46, regressando aos níveis basais 12 horas
após a administração. A inibição do FXa levou a uma
redução correspondente na produção de trombina e no
prolongamento do tempo de coagulação. Num estudo
com múltiplas doses, o edoxabano prolongou o TTPa
e o tempo de protrombina de uma forma dose-dependente3. Apresenta uma semivida de nove a 11 horas46 e
a taxa de ligação às proteínas plasmáticas é de 40 a 59
por cento3. O edoxabano apresenta um mecanismo de
eliminação duplo: um terço é excretado via renal, enquanto o restante é excretado através das fezes46.
Estudos efetuados com este fármaco, como HOSUSAI e
ENGAGE, têm como alvo a profilaxia de tromboembolismo
venoso e a prevenção de enfarte em indivíduos com FA15,46.
Rev Port Farmacoter | 2013;5:194-207
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ARTIGO DE REVISÃO
Tabela 3 – Interações do apixabano com outros fármacos
Interação
Considerações clínicas
Absorção
Antiácidos
Pantoprazol
Sem efeito significativo.
Inibidores CYP3A4
e P-glicoproteína
concentração apixabano
Cetoconazol
Precaução na administração
concomitante.
Indutores CYP3A4
e P-glicoproteína
concentração apixabano
Rifampicina
Evitar o uso concomitante,
não foram efetuados
estudos específicos.
Agentes antiplaquetários
efeito antitrombótico
Aspirina
Clopidogrel
Monitorização rigorosa
devido à potenciação do
efeito antitrombótico.
Anticoagulantes
efeito antitrombótico
Enoxaparina
Heparina
Potenciação do efeito
anticoagulante, não foram
efetuados estudos.
Anti-inflamatórios
não-esteroides
efeito antiplaquetar
Ibuprofeno
Naproxeno
Efeito antiplaquetar
potenciado. Monitorizar
para excessivas
hemorragias, sem estudos
específicos.
44
Adaptado de Nutescu et al. (2011)
44
Inibidores indiretos do fator X ativado
Tal como a heparina não fracionada e a heparina de baixo peso molecular, esta classe de fármacos precisa da
antitrombina, de modo a exercer a sua ação farmacológica, que consiste na inibição da actividade do FXa e
consequentemente na produção de trombina46.
Nesta classe incluem-se o fondaparinux sódico, o
idraparinux e idrabioparinux. No entanto, apenas o primeiro está autorizado e comercializado em Portugal.
O fondaparinux sódico foi o primeiro agente sintético
da nova classe de antitrombóticos inibidores do FXa. É
um análogo sintético da antitrombina de ligação. Este
pentassacarídeo é idêntico à sequência presente na molécula nativa de heparina, que se liga à antitrombina
com elevada afinidade. Apresenta uma estrutura demasiado curta para permitir a ponte entre a antitrombina e a trombina, sendo este o mecanismo de inibição
específico para o FXa46. Assim, o fondaparinux potencia seletivamente a atividade do antifator Xa da antitrombina e não tem nenhum efeito sobre a trombina. O
fondaparinux produz uma resposta anticoagulante previsível que dispensa a monitorização de coagulação de
rotina, o ajuste de dose e não causa trombocitopenia induzida por heparina. A sua biodisponibilidade é de 100
por cento e a semivida de 17 horas30.
Este pentassacárideo liga-se à antitrombina, inibindo assim indireta e seletivamente o FXa. A administração ocorre por via subcutânea3 e não existe
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antídoto para reverter o seu efeito30. No entanto, o
fondaparinux está contraindicado em pacientes com
insuficiência renal (clearance da creatinina menor que
30 mL/min), porque a sua excreção é renal30. O
fondaparinux tem demonstrado a sua maior eficácia em
relação à heparina de baixo peso molecular em ensaios
clínicos randomizados. Está aprovado pela FDA para
o tratamento e prevenção de tromboembolismo venoso em indivíduos sujeitos a cirurgias ortopédicas ou
gerais45. Este fármaco é considerado uma das opções
farmacológicas, a iniciar após a cirurgia, para a profilaxia da cirurgia eletiva da artroplastia da anca e
joelho e da cirurgia de fratura da extremidade proximal do fémur, segundo a Norma da Direção-Geral da
Saúde 026/2012 já referida, com nível de evidência A,
grau de recomendação I.
Está também licenciado no tratamento de indivíduos com tromboembolismo venoso com síndrome
coronária aguda com ou sem elevação do segmento
ST. Vários estudos – EPHESUS, PENTATHLON,
PENTHIFRA e PENTAMAKS – demonstraram que o
fondaparinux é superior à enoxaparina em cirurgias
ortopédicas de alto risco como fratura da anca, substituição anca e do joelho46.
Idraparinux e idrabiotaparinux
O idraparinux pertence à segunda geração de pentassacarídeos sintéticos, derivando de uma hipermetilação do
fondaparinux com elevada afinidade para a antitrombina. Este fármaco é eliminado via renal e apresenta uma
semivida plasmática longa de 80 a 130 horas, o que permite uma única administração subcutânea semanal. O
principal problema do idraparinux é a eliminação retardada após prolongada administração, o que pode explicar a elevada incidência de complicações hemorrágicas
observadas nos ensaios clínicos13,46. Por este motivo,
foi desenvolvido o idrabiotaparinux, pentassacarídeo
reversível de longa ação30, de modo a obter uma rápida
inibição da atividade anticoagulante. A diferença entre o
idrabiotaparinux e o idraparinux é que o primeiro tem
na sua estrutura uma fração de biotina, conferindo-lhe a
capacidade de reverter o efeito anticoagulante com uma
administração endovenosa de avidina. A avidina é uma
proteína da clara do ovo, que se liga à fração de biotina
com elevada afinidade, formando um complexo que é
rapidamente excretado pelo rim46. A sua biodisponibilidade é de 100 por cento e a semivida de 80 horas. A excreção é renal e não apresenta a desvantagem de causar
trombocitopenia induzida por heparina30.
Novos antagonistas da vitamina K
A tecarfarina é um antagonista oral da epoxirreduta-
ARTIGO DE REVISÃO
se da vitamina K que apresenta uma semivida média
de 119 horas, com um intervalo entre as 107 e as 140
horas. A sua estrutura é análoga à varfarina, com uma
ligação às proteínas plasmáticas de aproximadamente 99 por cento. A sua metabolização é efetuada pelas
carboxilesterases nos microssomas hepáticos, originando um único metabolito inativo, o ATI-5900. O mecanismo de ação é semelhante ao da varfarina. A principal
diferença com os outros antagonistas da vitamina K é o
facto de a tecarfarina ser um único enantiómero, em vez
de uma mistura, e não ser metabolizado pelo citocromo P450. Consequentemente, as possíveis interações
com outros fármacos e alimentos são mínimas1,35. Este
último aspeto foi o mais considerado na conceção deste
novo fármaco para diminuir as possíveis interações com
os inibidores ou indutores do CYP450. A biotransformação da tecarfarina é completamente independente
da NADPH, cofator necessário para o CYP45034.
A monitorização deste fármaco é efetuada pela medição
do INR, tal como os outros antagonistas da vitamina
K35. A segurança, tolerabilidade e eficácia deste fármaco
foram avaliadas num estudo open-label de fase IIA35.
No primeiro estudo, Tecarfarin-CLN-504, realizado em
indivíduos com FA, este fármaco foi bem tolerado, sem
toxicidade aparente ou clínica e sem evidência bioquímica de acumulação do fármaco ou seu metabolito35.
Dado que um anticoagulante oral com intervalo de tempo terapêutico baixo está associado a piores resultados,
e que a tecarfarina apresenta um melhor intervalo de
tempo terapêutico, tal sugere que possa resultar em
melhoria das taxas de eventos tromboembólicos ou hemorrágicos em indivíduos que necessitam de terapêutica anticoagulante35.
A tecarfarina pode proporcionar uma especial vantagem
sobre a varfarina em indivíduos com genótipos variantes
CYP2C9, devido à ausência de interações de CYP2C9
com alimentos e fármacos ou outras interações farmacogenomicas. Esta população em estudos com varfarina
apresenta um intervalo de tempo terapêutico baixo e
valores de INR supraterapêuticos elevados e uma elevada propensão para hemorragias. Relativamente aos
indivíduos com variante no polimorfismo VKORC1,
não apresenta especial vantagem sobre a varfarina, consistente com o facto de terem um mecanismo de ação
semelhante35.
Conclusões
A aterotrombose e o tromboembolismo venoso são ainda a principal causa de morbilidade e de mortalidade.
A terapêutica anticoagulante é fundamental para diminuir esta morbimortalidade dos indivíduos, pois permite a não ocorrência ou aumento de trombos. Ao longo
de mais de 40 anos, os únicos fármacos disponíveis para
uso clínico eram os antagonistas da vitamina K e a heparina não fracionada. Apesar de serem amplamente utilizados e eficazes, apresentam significativas desvantagens. A varfarina tem uma estreita margem terapêutica,
uma imprevisibilidade de dose-resposta causada pelos
fatores genéticos e inumeras interações com medicamentos e alimentos, devido ao seu metabolismo ocorrer
a nível do citocromo P450. A heparina não fracionada
tem origem animal, é administrada via endovenosa e
pode causar trombocitopenia induzida por heparina.
Ambos necessitam de monitorização laboratorial para
garantir a sua eficácia e segurança. Como tal, no sentido de ultrapassar estas limitações, surgiu a heparina de
baixo peso molecular, com uma resposta mais previsível, permitindo uma dose fixa e a dispensa de monitorização. No entanto, continua a apresentar desvantagens,
como a trombocitopenia induzida pela heparina, a administração parentérica e a excreção renal.
Nos últimos anos intensificou-se a investigação com o
intuito de desenvolver novos fármacos anticoagulantes,
que permitissem ultrapassar as limitações dos anticoagulantes tradicionais. A estratégia destes novos fármacos antitrombóticos baseia-se na inibição seletiva de
um fator de coagulação específico, obtendo assim inibidores seletivos com potencial de serem mais eficazes,
mais seguros e mais fáceis de usar. Esta nova classe tem
como principais alvos a trombina e o FXa.
Os inibidores do FIIa oferecem as seguintes vantagens: inibição direta da trombina ou da trombina
ligada ao coágulo, a não necessidade de cofatores,
previsibilidade de resposta e ausência de trombocitopenia induzida por heparina. Estes inibidores podem
ser parentéricos (bivalirudina, desirudina, lepirudina
e argatrobano) ou orais, como o dabigatrano, que apresenta como vantagens um perfil farmacocinético e farmacodinâmico previsível, ausência de interações devido
ao citocromo P450, rápido início de ação, excelente perfil de segurança, não necessitando de monitorização de
rotina, ampla janela terapêutica, dose de administração
fixa; todas estas qualidades de um anticoagulante ideal.
Quanto aos inibidores FXa, temos o fondaparinux,
pentassacárido sintético, que se liga indiretamente à
antitrombina. Outros inibidores seletivos do FXa de
administração oral são o rivaroxabano, o apixabano e o
edoxabano.
Apesar das inúmeras vantagens desta nova classe de
antitrombóticos seletivos, existem algumas limitações.
Nenhum deles, com exceção do idrabiotaparinux, tem
antídoto para a reversão do efeito anticoagulante. Outra
das limitações comum a vários destes fármacos é a sua
excreção renal, tendo a dose administrada de ser ajustaRev Port Farmacoter | 2013;5:194-207
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da ou estando mesmo contraindicado em situações severas. Ao contrário da maioria, o argatrobano tem uma
excreção hepática e, como tal, a sua contraindicação é
a insuficiência hepática grave. Relativamente aos inibidores da trombina, temos ainda a estreita margem terapêutica da lepirudina, tal como a formação de anticorpos
anti-hirudinas. Os inibidores do FXa, nomeadamente o
apixabano e o rivaroxabano, têm como principal desvantagem a sua potencial interação com inibidores
ou indutores de CYP3A4 e P-glicoproteína.
Em Portugal, estão aprovados e comercializáveis
o fondaparinux sódico, o dabigatrano etexilato e o
rivaroxabano.
Estão em investigação vários inibidores diretos orais
do FIIa, sendo o que apresenta maior potencialidade o
AZD0837, um pró-fármaco rapidamente convertido na sua
forma ativa com atividade farmacológica superior ao ximelegatrano, mas sem os seus problemas de toxicidade11.
Além dos inibidores do FXa referidos neste trabalho, existem outros em investigação, quer para administração oral quer parentérica. Entre eles, temos: a
semuloparina e o M118, heparinas de ultrabaixo peso
molecular, que funcionam como inibidores indiretos. O
betrixabano é um inibidor competitivo e direto do FXa,
capaz de bloquear tanto o FXa livre como a protrombinase
ligada ao FXa. A sua excreção é quase exclusivamente
biliar e a depuração renal baixa, o que se apresenta como
uma vantagem para doentes com insuficiência renal, e a
sua metabolização também não ocorre a nível do citocromo P450, sendo assim as interações com medicamentos
e alimentos mínimas. Outros inibidores específicos, diretos e de administração oral do FXa, são o YM150 e o
TAK-44246.
Além dos alvos já referidos, também o fator V está a ser
alvo de novos anticoagulantes. O FVa tem um papel
crucial na ativação da coagulação e produção de trombina; mais especificamente, atua como cofator do FXa
e os dois juntamente com os fosfolípidos da membrana
das plaquetas formam o complexo da protrombinase
que converte a protrombina em trombina na membrana celular. Nesta classe inclui-se a drotrecogina
alfa ativada e o ART-12346. A drotrecogina alfa ativada foi aprovada pela FDA para indivíduos com sepsis
e elevado risco de morte52.
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