Contribuições de Weber para a Compreeensão das

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38º Encontro Anual da ANPOCS
GT35 - Sociedade e Vida Econômica
Contribuições de Weber para a Compreeensão das Finanças Capitalistas na
Modernidade
Roque Ademir Favarin
Doutorando Sociologia Política – UFSC
2
CONTRIBUIÇÕES DE WEBER PARA COMPREEENSÃO DAS FINANÇAS
CAPITALISTAS NA MODERNIDADE
Roque Ademir Favarin
Doutorando Sociologia Política – UFSC (2013-2017)
RESUMO
O sistema financeiro atual continua tendo um papel preponderante na economia e na sociedade, como
demonstrou a crise nos últimos anos. Isto aponta que a economia não é um campo separado da política e da
sociedade e nem tampouco, sua única determinante. Este artigo situa-se na forma de Weber abordar as
relações entre economia e sociedade. O ponto de partida é compreender a análise da sociologia em Weber,
as distinções conceituais entre teoria econômica e sociológica; também os pontos comuns de abrangência
de ambas. Para isso, num segundo ponto, discute como o tema dinheiro e finanças são tratados em
Economia e Sociedade, seus principais conceitos e aspectos sociais e econômicos. E a terceira parte como a
interpretação weberiana é compreendida na atualidade, a partir da Nova Sociologia Econômica. Enfim,
busca-se elencar pontos fundamentais para análises sociológicas da realidade social e econômica das
finanças capitalistas na ótica deste grande autor da sociologia.
Palavras-Chave: Teoria sociológica e teoria econômica; dinheiro e finanças em Weber; ação social
econômica, Nova sociologia econômica; sociologia das finanças.
1 INTRODUÇÃO
O sistema financeiro no capitalismo passou por várias grandes crises ao longo dos
dois últimos séculos e estas não restringem-se a seu “âmbito interno”, atingem outros
setores da ‘economia real’ (produção, consumo, emprego...) e, principalmente, a
população de diferentes maneiras, implicando consequências “sociais”, não somente
econômicas, no sentido estrito do termo. É um sistema aberto e não fechado, o que
implica complexas relações e análises sociais. Nem sempre estas consequências são
analisadas e compreendidas suficientemente como fruto de relações imbricadas entre
economia, sociedade, política, cultura... No entanto, pode se dizer, inicialmente, que se
manifesta uma “constante” nestes períodos de crise: o setor finanças (moeda, crédito,
bancos...) revela-se como o “coração” do capitalismo. E o “remédio” é retirar de
“circulação” o dinheiro de determinados territórios ou países, setores econômicos, grupos
sociais, dos já empobrecidos para “irrigar” abundantemente este mesmo setor financeiro,
causador da crise. Esta “cura” coordenada ou com apoio do Estado através suas políticas
monetárias internas e externas, ou até soluções emergenciais para “salvar” o sistema.
Exemplo disto ocorreu recentemente quando foi dispendido fortunas vultosas de dinheiro
3
dos cofres públicos, aos bancos e instituições financeiras da Europa e Estados Unidos,
após a crise financeira de 2008.
Acrescente-se a isso: a partir das crises e de mudanças na “economia real”,
ocorridas nas últimas décadas, segundo várias análises, conduziram a uma crescente
“financeirização” da economia, caracterizada pelo aumento do capital especulativo, pela
globalização dos mercados e pela adoção de medidas neoliberais, baseadas em políticas
monetaristas. Este processo também foi facilitado pelas tecnologias de informação e de
informática, entre outros aspectos. (CHOSSUDOVSKI, 1999; GRÜN, 2004). Estas
mudanças entre outras culminaram na última crise financeira, no final da década passada,
iniciando no mercado imobiliário estadunidense, repercutindo na Inglaterra, e em poucos
dias espalhando-se em todo o sistema financeiro internacional. Suas consequências são
sentidas ainda hoje, em todos os países, inclusive nos países de primeiro mundo.
Também deve-se acrescentar o papel e a hegemonia crescente nestes últimos anos das
moedas internacionais o Dólar e do Euro, influenciando hegemonizando as relações
comerciais no cenário internacional e as políticas econômicas dos Estados.
(MÉSZAROS, 2009; HARVEY 2011; TETT, 2009, STIGLITZ, 2010; GRÜN, 2011 para
citar alguns estudos sobre as causas e consequências da crise do sistema financeiro de
2008).
Para a sociologia estas mudanças no setor financeiro sempre foram e são
fundamentais a serem analisadas, pois interferem diretamente nas relações sociais e
políticas, tanto nas sociedades, Estados nacionais quanto nas relações entre os próprios
países. Mais especificamente a sociologia econômica aborda tais temas. Esta teria se
debruçado durante o século XIX e as duas primeiras décadas do Século XX em discutir
social ou criticamente assuntos em relação ao mercado capitalista e seus pressupostos
econômicos, baseados na livre concorrência e no conceito de homus economicus.
Recentemente ela tem sido retomada e passou a ser denominada Nova Sociologia
Econômica-NSE1. Esta continua discorrendo sobre as teorias liberais retomadas na
década de 1980 na maioria dos países capitalistas, com políticas que incentivam o livre
mercado e a participação mínima do Estado, e ampliando seus objetos de estudo. Nesta
direção as pesquisas incluem também temática como mercado especulativo, bancos, as
instituições creditícias, enfim, todo o complexo sistema financeiro atual, com suas
1
Um artigo interessante que discorre sob a diferença entre a “antiga” Sociologia Econômica e a Nova é
feito por AZAMBUJA, 2006, p. 2-3.
4
relações de poder. Também seus efeitos sociais têm sido objeto de análise e estudos da
nova sociologia econômica (SWEDBERG, 1989, MIZRUCHI & STEARNS, 1994;
MINELLA, 2007).
Mediante estas duas áreas do conhecimento científico, dentro do espectro das
ciências humanas e sociais (sociologia e economia) levantam-se alguns questionamentos:
qual é a tarefa específica e o objeto de análise ou o quadro epistemológico específicos de
cada uma delas? Como elas podem se complementarem e não sobrepor-se uma à outra?
A primeira vista pareceria óbvio dizer que a Economia trata de “ações econômicas” como
produção, comercialização, consumo, inflação, finanças, etc. e Sociologia trata de
assuntos sociais: como fatos sociais (Durkheim), mudanças sociais (Marx), ações sociais
e racionais dos indivíduos (Weber) ou também de uma “sociologia aplicada”, após
Talcott Parsons. Desta discussão, poder-se-ia dizer que um “fenômeno X” é uma ação
“puramente” econômica ou determinada por ela exclusivamente e não teria relações com
a sociedade? E de outra parte, poder-se-ia afirmar que um “fenômeno “Y” é “puramente”
social e não teria influências ou consequências econômicas? Dito de outro modo:
governo, família, empresas privadas seriam apenas agentes econômicos ou tudo é
condicionado pelas estruturas sociais. Como Weber compreendia isto e como
compreende a sociologia atual? De que forma insere-se nisto as finanças capitalistas, a
compreensão teórica e prática do uso do dinheiro na sociedade? Estas implicâncias
sociais e políticas é de fato uma preocupação para economistas, gestores de políticas
econômicas e empresários do setor financeiro? Como Weber trata destas questões e que
contribuições têm para a atual fase do mundo capitalista, globalizado financeiramente?2
Este trabalho não pretende responder a fundo todas estas questões evidentemente,
mas intenta trazer a tona elementos para tais respostas. Pretende discorrer sobre a
perspectiva weberiana e sua contribuição para compreensão das finanças capitalistas e o
uso do dinheiro na atualidade, no campo da Nova Sociologia Econômica- NSE. Para isso
a primeira seção trata de uma visão mais ampla da sociologia econômica weberiana
principalmente por Richard Swedberg (2005) nas suas interpretações dos capítulos 1 e 2
de Economia e Sociedade (de Weber). A segunda destaca os principais conceitos
weberianos para a compreensão das temáticas finanças e dinheiro desenvolvidos no
2
Convém lembrar que Marx também tratou destes temas principalmente na Contribuição da Critica a
Economia Política e em O Capital, de modo especial o Livro III, parte 5. Também aqui não se atribui a
Marx este determinismo, mas a certas interpretações de suas obras.
5
capítulo 2 de Economia e Sociedade. Na parte seguinte, retoma-se a importância deste
debate na atualidade do capitalismo a partir da Nova Sociologia Econômica; e por último
as considerações finais.
2 CONCEITOS BÁSICOS DE SOCIOLOGIA ECONÔMICA EM WEBER
Um ponto de partida para análise do setor de finanças é tratar dos elementos
conceituais sobre a relação entre sociologia e economia, na ótica weberiana; também
sobre a diferenciação de ‘ação econômica’ e ‘ação social econômica’3, para uma
compreensão mais específica dos efeitos sociais do uso do dinheiro e da questão
financeira na sociedade.
Um dos trabalhos relevantes nesta perspectiva é o de Richard Swedberg (2005)
na obra “Max Weber e a Ideia de Sociologia Econômica” na qual, trabalha as várias
relações da economia com a sociologia, com a religião, a política e o Direito, a partir das
obras de Weber. Para este artigo importa a síntese que este autor faz dos conceitos
básicos weberianos em relação à sociologia e economia, principalmente suas explicações
no que se tange aos temas desenvolvidos (ou interpretados) nos capítulos 1 e 2 de
Economia e Sociedade, de Weber.
Inicialmente Richard Swedberg apresenta uma distinção entre campos de estudo
da sociologia e da economia, entre ‘teoria econômica’ e ‘teoria sociológica’ em Weber. E
à medida que desenvolve a exposição dos conceitos, aparecerá também a compreensão
weberiana de Economia4.
O que é Sociologia para Weber?
De acordo com o capítulo primeiro de
Economia e Sociedade: é “ciência que pretende compreender interpretativamente a ação
social e, assim explicá-la casualmente em seu curso e em seus efeitos” (WEBER, 2012,
p. 3, g. n.). A unidade básica da sociologia weberiana é o indivíduo e sua ação “social”.
O indivíduo é movido por interesses materiais e ideais. Também os hábitos e as emoções
desempenham um papel importante na determinação da “ação do indivíduo”. Esta “ação
3
Segundo Gabriel Cohn a tradução não parece satisfatória dos termos da Ação Econômica: Haushalt
(gestão patrimonial), pois o sufixo halt “remete a noção de ‘manutenção’ de algo doméstico (Oikos) e
patrimonial (fazenda?). Mas a noção é “gestão de um patrimônio num período dado, tendo em vista o
suprimento de necessidades, com base num orçamento”. Outro termo é Ewerbswirtschaft (gestão
aquisitiva): voltado não tanto para o aumento e incremento patrimonial, mas expansão da capacidade de
ação econômica, de ‘poder de disposição sobre bens’. Por um lado suprimento das necessidades no início
de um período e por outro, gestão orientada para busca de vantagens no final de um período. (In: WEBER,
2012, p. XV)
4
Para alguns, não muito clara e será discutida adiante, na última seção deste artigo.
6
do indivíduo” divide em quatro tipos ideais: 1) ação racional com relação a fins, 2. ação
racional com relação a valores, 3. ação afetiva e, 4. ação tradicional (Weber admite que
estas duas também têm suas racionalidades, embora diferentes e próprias). Por fim, a
“ação” do indivíduo torna-se “social” na medida em que esta implica consequências ou
efeitos ao (s) “outro (s) indivíduo” (os) e torna-se, por conseguinte, uma ação social5.
Então, Weber apresenta que o fundamento e o ponto de partida da análise social é o
indivíduo (e não a sociedade, como em Durkheim).
Segundo Carlos Eduardo Sell (2013),
no primeiro capítulo de Economia e Sociedade, Weber mostra como as ações
sociais são o ponto de partida [também] para as relações sociais que, uma vez
institucionalizadas, dão origem a diferentes tipos de ordens sociais (economia,
política, direito, religião, arte, etc.) que, por sua vez, geram diferentes tipos de
organizações formais (como o Estado, empresas, hospitais, etc.). Portanto,
partindo do particular para o geral, o esquema sociológico de Weber envolve os
seguintes passos:
Ação Social → Relação Social → Ordem Social→ Associação
Fiel aos pressupostos do “individualismo metodológico”, Weber não postula a
tese de que a "sociedade" é uma totalidade ordenada. Para ele, a vida social
consiste nas relações sociais e nas suas diferentes ordens ou estruturas sociais:
estas últimas sempre tem seu fundamento nas interações entre os indivíduos.
(g.n.)6
Nesta linha de raciocínio weberiano, quando o indivíduo move sua ação para
atender interesses materiais, torna-se objeto de estudo próprio da teoria econômica7. As
Ações Econômicas vão se transformando em relações econômicas dão base as
organizações econômicas8. (SWEDBERG, 2005, p.48)
A tarefa comum que uniria estas duas ciências, formaria a Sociologia Econômica
(ou “Economia Social”) 9 e seu objeto seria a
5
Rafael Gomes Filipe (2004) também sintetiza o contexto e as principais teses de Weber no Prefácio de A
Bolsa (In: WEBER, 2004, 9-45).
6
Síntese da aula do Prof. Carlos Eduardo Sell, da disciplina “Tópicos Especiais: Max Weber e a sociologia
contemporânea” – Semestre 2013.2 do Curso de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade
Federal de Santa Catarina (publicação interna para a ferramenta de aprendizagem virtual: Moodle Ufsc).
7
Cf. FILIPE, 2004, p. 13-2; AZAMBUJA, 2006, p. 6.
8
Partido do esquema de Richard Swedberg (2005): “Ação econômica dos indivíduos” conduzem a (a)
“relações econômicas” ou (b) ações econômicas sem orientações mútuas. As relações econômicas (a) se
subdividem em fechadas ou abertas. As relações econômicas fechadas podem ser “organizações
economicamente orientadas” ou “relações econômicas fechadas não coercitivas de uma equipe
administrativa”. As “organizações economicamente orientadas” são quatro: organizações econômicas
(firma); organizações economicamente ativas (igreja) organizações economicamente regulamentadoras; e
organizações que impõe uma ordem formal (Estado). (p.68):
9
“A nova economia social de Weber, seria muito vasta e abrangente, incluindo diversas ciências sociais...
decorre, do fato de serem ‘ciências culturais’ segundo Weber, ou seja, ciências que tratam de fenômenos
que envolvem o sentido e a sua análise” (FILIPE, 2004, p. 14, g. a.)
7
“ação social econômica” – isto é, a ação movida principalmente pelos
interesses materiais que é voltada para a utilidade [racional e econômica] e
que leva outros agentes em conta. A ação social e a ação social econômica
também podem ser movidas pelo hábito (ou tradição) e pelas emoções,
combinadas com os interesses materiais. (SWEDBERG, 2005, p. 48, g.n.)
A diferenciação epistemológica entre sociologia e economia está nos “interesses
dos indivíduos”: os materiais e a utilidade dos bens e serviços10 como tarefa da
Economia; e os demais interesses - objetos de estudo próprios da Sociologia. Neste
sentido, a sociologia econômica seria uma ciência social “plena”, pois seu objeto
englobaria a totalidade de interesses do indivíduo. Em suma, entre sociologia e
economia, estaria diferenciada pelas tarefas específicas de cada uma, qual seja a
compreensão das motivações da ação do indivíduo.
Outro elemento comum das duas ciências estaria na chamada ação racional, com
fins exclusivamente econômicos. A sociologia abordaria esta ação e as outras, até a ação
irracional, incluindo os objetivos do indivíduo não exclusivamente econômicos. Convém
destacar que em parte alguma, Weber diz que a teoria econômica não lida com o
comportamento social. “Mesmo assim, quando acontece de a teoria econômica estudar a
ação social não o faz de forma deliberada. Ambas baseiam-se na racionalidade e
também na racionalidade como método”. (SWEDBERG, 2005, p.51, g. n.).
A partir da discussão anterior, há outra distinção a ser considerada: a relação entre
sociologia econômica e a teoria econômica. Sobre isto trata especificamente o capítulo
de 2 de Economia e Sociedade. A ação racional é também social, não só econômica.
Apesar disso, a teoria econômica e a sociologia econômica realmente têm uma área de
sobreposição de interesses e afirmar que a sociologia econômica só complementa a teoria
econômica não capta a relação de conteúdos existente entre elas segundo Richard
Swedberg.
Há também outras duas distinções básicas em relação aos diferentes tipos de ação
social econômica a ser considerada:
10
A noção de utilidade marginal [desenvolvida pelos economistas “utilitaristas”] não desempenha nenhum
papel [em Weber] embora seja mencionada no contexto da ação social ‘racional com relação a fins’. A
diferença principal estaria que a teoria econômica: 1. só leva em conta o comportamento racional; 2. o
comportamento relacionado aos objetivos puramente econômicos; enquanto, a sociologia considera
exclusivamente a ação social, ou seja, ação voltada para o comportamento dos outros (SWEDBERG,
20005, p. 49).
8
1ª) A distinção tipológica de ação social econômica – na economia doméstica
(oikonomia) e na economia de “geração de lucros”, a empresa (chrematistike) (distinção
baseada nas ideias de Aristóteles). A Oikos foi a pioneira na história, era voltada para
objetivos de autossustento, onde somente parte do excedente é destinada a troca
comercial ou colocada no mercado. A empresa moderna é sua antítese cuja produção é
exclusiva para a troca, para o mercado11.
2ª) Outra distinção refere-se a relações comunais e associativas. As primeiras
baseiam-se no sentimento de fazer parte de um mesmo conjunto, já a segunda o
pertencimento é baseado num acordo racional, que envolve interesses (“associação”).
Assim as ações econômicas são de natureza associativa e o mercado é o caso mais puro
das relações associativas. Por outro lado, convém destacar que “num mercado aberto,
por mais frias e calculistas que sejam as relações, envolvem também valores emocionais
(sentimento), que transcendem o significado utilitário”
12
. Assim, a teoria econômica se
interessaria apenas pelas relações associativas. (SWEDBERG, 2005, p.58)
Ademais, a questão política da economia ou do poder está presente em Weber
principalmente em três tipos de relações interconectadas na economia e no mercado:
luta, concorrência e seleção: Há “luta” quando duas pessoas decidem fazer uma troca:
luta entre si (pelo preço) e luta com os concorrentes, isto é, quando uma parte quer
impor-se independente da outra parte. Concorrência: é o conflito pacífico de controlar as
oportunidades que outros se interessam também. E, seleção: quando os agentes são
antagonistas, mas não tem consciência que suas ações se dirigem contra o outro. Outro
conceito importante é o de “dominação” (Herrschaft) e seu papel na economia e está
muito próximo do significado de luta, e a “probabilidade de um grupo obedecer”.
Economia opera também como um tipo de dominação política, aí entra o papel do Estado
no interior da própria economia. No mercado há dominação através do monopólio onde
os agentes podem controlar e dispor oportunidades (SWEDBERG, 2005, p.59-60).
11
“Weber considera que introdução da moeda fez passar a economia do estágio puramente doméstico
[oikos] para o estágio chamado político. Ela transformou radicalmente a noção de aquisição, pois à simples
satisfação das necessidades ela acrescentou a noção de lucro e indiretamente a de capital, sendo este um
acúmulo de riquezas para um uso indefinido” (FREUND, 2010, p.122, g.n.)
12
Durkheim também aponta algo semelhante, no debate com Spencer, Durkheim afirma: “é bem verdade
que as relações contratuais, raras no início, ou até ausentes, se multiplicam à medida que o trabalho social
se divide. Mas o que Spencer parece não ter percebido é que as relações não contratuais se desenvolvem ao
mesmo tempo” (DURKHEIM, 2010, p.193)
9
Da racionalidade econômica separa-se a sociologia econômica da economia
contemporânea pelo: 1ª) comportamento racional como algo que evolui historicamente...
e 2ª) distinção entre racionalidade formal (cálculo) e racionalidade substantiva (em
termos de valores) Em Weber uma ação orientada pelo valor (ético) pode ser tão racional
quanto o raciocínio econômico formal. Uma das expressões maiores desta racionalidade
formal, na economia, está no cálculo econômico. (SWEDBERG, 2005, p.62)
O que é racionalidade econômica para Weber? No capítulo 2, ele distingue ação
econômica racional e tecnologia (“técnica”). Devido à escassez de meios, envolve uma
escolha prudente e racional dos agentes entre os fins. Já tecnologia é a escolha racional
de meios com um fim predeterminado. Medidas mais básicas da ação econômica racional
são: Poupança; Consumo em termos de preferencias; Produção; Comércio...
(SWEDBERG, 2005, p. 63)
Partindo destas distinções conceituais e objetos de estudo da sociologia e
economia acima (nível micro), Weber vai desenvolvendo temas a nível macro. No
capítulo 2 a Estrutura Social e as instituições econômicas estão presentes na sua análise:
propriedade13; organizações econômicas (wirtschaftlich)14; divisão do trabalho 15 ; firma
ou empresa capitalista16; o mercado17 e Dinheiro será tratado na próxima seção.
13
Instituição que faz parte de noções de apropriação e de uma relação social fechada, isto é, participando
de relação fechada as pessoas se apropriam das oportunidades e adquirem um direito. (SWEDBERG, 2005,
p.66)
14
Estão relacionadas com as relações fechadas e combinadas à uma equipe administrativa ou pessoas que
propõe regulamentações: (verband = organização). As organizações são denominadas econômicas a partir
de critérios relacionados a seus objetivos assim, são orientadas para duas formas típicas: à “satisfação de
necessidades” ou à “geração de lucros”. Outras organizações como igrejas, Estado e seus objetivos
primários são diferentes, são objetivos não-econômicos mas, economicamente orientados. O sindicato é um
exemplo de organizações reguladoras. E há as que impõem uma ordem formal, e criam condições para as
organizações agirem e existirem, nesse caso o Estado do laissez-faire. (SWEDBERG, 2005, p.67)
15
Segundo Weber há uma divisão e combinação do trabalho. Também o tipo de apropriação em jogo, os
operários são expropriados dos meios de produção. (SWEDBERG, 2005, p.67)
16
É a única revolucionária, em cuja ação econômica é racional e tem como objetivo a geração lucros, por
meio da exploração de novas oportunidades e baseia-se em avaliação sistemática constante. Há dois tipos
de pessoas que trabalham na firma: a) equipe administrativa: racional/burocrático e por motivo de grandes
salários. b) operários: que obedecem por hábito e para “matar a fome”. Os pressupostos desta visão são
questionados: os operários seriam menos racionais e seu labor não é Ação Econômica? A burocracia
praticada pela equipe administrativa leva necessariamente a eficiência (técnica, racional)? (SWEDBERG,
2005, p.69)
17
É uma estrutura de difícil de definição, pois é uma estrutura “amorfa”; porém, tem uma essência social e
um lugar específico, segundo Weber. A essência está nos atos de troca repetidos, de interação entre dois
tipos de agentes: os parceiros da troca (compradores e vendedores) ou entre os concorrentes. No fundo está
a ideia de Luta: no primeiro é uma luta pelo preço e no segundo, uma luta para vencer ou controlar as
oportunidades dos concorrentes. (SWEDBERG, 2005, p.69-70)
10
Há diversas formas de regulamentar um mercado: pela lei, pela tradição, pela
convenção ou de forma voluntária (por meio de cartéis de preços). Os interesses são
impessoais no mercado e não se leva em conta a pessoa, importa o que está sendo
trocado. Não é um ultraje aos sistemas religiosos e éticos apenas por transgredir as regras
das pessoas se relacionarem, mas, o modo como o mercado funciona dificulta ser
influenciado por Ética devido a este caráter de impessoalidade, não tem como regulá-lo
eticamente. Exemplo disto é que se para o mercado for necessário desempregar uma
quantidade de operários se fará pela própria lógica racional do mercado, de acordo com
Weber. As lutas pelo poder econômico determinam os preços, então os preços são
‘produto do conflito de interesses e de acordos’. (SWEDBERG, 2005, p.71)
Outra temática básica que relaciona-se às macroestruturas, são as diversas formas
de capitalismo descritas por Weber. Uma distinção importante aqui é da economia
natural e economia monetária. Na economia monetária quando o dinheiro tem um papel
determinante e as ações econômicas estão voltadas ao mercado com seus preços em
dinheiro. Economia natural é mais complexa e envolve vários tipos de economia. Outra
distinção é entre economia de mercado e economia planejada: na de mercado as
necessidades são satisfeitas pelas próprias trocas mercantis; e na planejada depende do
cálculo em espécie dado que sua orientação é substantiva (valores) (SWEDBERG, 2005,
p.73).
Nesta as ações econômicas são racionalmente orientadas por equipe
administrativa e de acordo com um orçamento.
Weber não acredita em esquemas evolutivos, em saltos de uma sociedade para
outra18. De acordo com o legado de Schmöller, a economia passa da economia da aldeia à
cidade (burgo), nacional e internacional. Em Weber não há leis econômicas e a evolução
ou transformação depende de outros fatores, não só econômicos. Quando apresenta as
formas de capitalismo, no § 31, Weber diz que se desenvolveram paralelamente um ao
outro, um dentro do outro, um depois do outro. Que sistema econômico vem depois do
capitalismo? Weber não especula.
Então, Weber se distingue de outros conceitos do que é capitalismo, em três
fatores: pelas contas de capital (cálculo ex-ante e ex-post); pela racionalidade/cálculo;
pelas formas capitalistas anteriores a indústria ou comércio. (SWEDBERG, 2005, p.74).
18
“No centro do debate [nas obras de Weber] encontra-se o fenômeno do capitalismo. (...) Um sistema que
não se pode destruir por uma revolução, por mais profunda que seja ela, pois certos de seus aspectos
atendem as necessidades da racionalização econômica e por isso, continuarão a inspirar as estruturas
sociais novas que os homens podem implantar para si mesmos.” (FREUND, 2010, p. 110-111)
11
Assim as seis formas de capitalismo, típico do Ocidente, são: A. Capitalismo
tradicional: 1) de tipos tradicionais de comércio e transações monetárias. B. Capitalismo
Político: 2) de lucros políticos predatórios (guerras); 3) de lucro no mercado por
intermédio da força e da dominação (tributação); e 4) de lucros mediante transações não
usuais com autoridades políticas. C. Capitalismo Racional: 5) de comércio em mercados
livres, produção capitalista (empresas); e 6) de especulação capitalista e finanças
(títulos). (SWEDBERG, 2005, p.74; WEBER, 2012, p. 109 § 31)
Como percebeu-se até aqui, na lógica weberiana,
a sociologia e economia
embora em campos de estudos diferentes, têm muitos pontos em comum, na ação social
dos indivíduos: como ação social econômica, interesses materiais dos indivíduos, ação
racional referente a fins exclusivamente econômicos, ação orientada para fins de desejos
por utilidades, ação econômica racional, etc. A partir disto como o sistema de finanças, a
instituição “dinheiro” e a economia monetária são características do capitalismo moderno
ocidental? A próxima seção trata exclusivamente de como elas estão presentes no
capítulo 2 de Economia e Sociedade.
3 DINHEIRO E FINANÇAS EM WEBER
Ao longo do capítulo 2 de Economia e Sociedade Max Weber apresenta diversas
tipificações e conceitos para a compreensão da sociologia econômica (conforme tratado
anteriormente). Este, além de ser um capítulo denso e complexo para o leitor atual, para
economistas ou especialistas em economia monetária, necessita-se adentrar no contexto
econômico e político em que a obra foi escrita para compreendê-lo melhor, e também no
seu contexto intelectual: os autores e as teorias que Weber dialoga ou se baseia, os
pressupostos econômicos e filosóficos, a teoria monetária vigente, etc. que ele utiliza
para formular tais conceitos19.
3.1 Conceitos monetários em Weber
Embora Weber fala claramente que “não pretende apresentar uma teoria do
dinheiro... e o que importa é a descrição de determinadas consequências sociológicas do
uso do dinheiro”. (WEBER, 2012, p.47, g.n.); aqui pretende-se pontuar elementos
19
Como base para a compreensão dos itens adiantes do artigo sugere-se um estudo de economia monetária.
Por exemplo, os capítulos 1. “Introdução ao estudo da moeda” e 5. Política Monetária” de João do Carmo
Lopes e José Paschoal Rossetti (1992, p. 15-45;195-231). Também o capítulo 1: Moeda e o sistema
monetário” e capítulos 14: Bancos Comerciais; 15: Instituições financeira bancárias” e 16: Sistemas
Financeiros de Fernando Cardim Carvalho et al., 2000, p.1-16; 252-317)
12
julgados básicos para um debate em torno dos pressupostos da sua teoria monetária ou
seja, sua base teórica para compreensão das finanças atuais.
Primeiramente, aparecem dois autores com quem Weber discorre: Ludwig von
Mises e Georg Friedrich Knapp20. O primeiro ligado a Escola Austríaca e tem uma visão
liberal da teoria monetária. O segundo autor, “historiador e economista, numa linha
institucionalista” publicou Teoria Estatal do Dinheiro, em 1905, desenvolvendo a teoria
cartalista21 da moeda em contraposição a teoria metalista22. Knapp influenciou mais
tarde a teoria econômica de Keynes. (SOARES, 2006, p. 65-67) Não vamos discorrer
profundamente sobre estes autores e em detalhes suas teorias monetárias, mas questionar:
qual é a tendência de Weber em relação a estas duas grandes correntes? Resposta difícil
para uma obra rica em conceitos, mas que o próprio Weber não a organizou para
publicar23. Assim, buscam-se aqui alguns elementos para esta resposta e estudos
posteriores. Apresenta-se aqui primeiramente uma síntese respeitando a sequência lógica
de como Weber desenvolve a temática, destacando o que se refere a finanças e dinheiro
direta ou claramente e na seção seguinte, discutir-se-á as diversas interpretações no
debate atual dentro da nova sociologia econômica.
Segundo Weber há um nível superior de racionalidade nas economias a partir de
quando o Dinheiro é introduzido na vida econômica. “Dinheiro é a forma mais perfeita
que existe de cálculo econômico, e também o meio mais racional que existe de orientar a
ação econômica... tudo pode ser avaliado em termos de dinheiro”. O uso do dinheiro
permite o surgimento de um fenômeno especial que é a “conta capital”. O capitalismo
moderno não poderia existir sem esta forma muito especial de cálculo. Exemplos disto é
o método das partidas dobradas da Contabilidade, contribuindo para uma avaliação
contínua dos ativos... Isto esboça também as condições sociais necessárias à sua
20
A opção de Weber é clara no comentário: “Para mim a teoria material do dinheiro mais aceitável é a de
Mises... Knapp resolve de maneira excelente sua tarefa formal. No que se refere aos problemas materiais
do dinheiro, é incompleta” (2012, p.47)
21
“Designa-se por cartalismo a teoria que a moeda possuiria uma natureza política e que seu
estabelecimento e uso ocorreriam a partir de um ato de poder do Estado quando este escolhe a unidade de
conta e o meio de pagamento, referenciado nesta unidade, que será utilizado para encerrar os débitos da
economia, com principal importância os que envolvem o próprio Estado” (AGGIO e ROCHA,2009, p.155)
22
Tese de que uma mercadoria é escolhida dentre todas para ser o meio de troca geral da economia.
23
Obra póstuma organizada e publicada por Marianne Weber (Cf. Prefácio à primeira Edição In.: WEBER,
2012, s.p.). “Além do mais, ele elaborou sobre princípios muitas vezes heterogêneos, diversas tipologias
interdependentes. O resultado é que sua tipologia econômica carece da clareza e da simplicidades que se
encontra em sua sociologia política e jurídica” (FREUND, 2010, p.120)
13
existência (dinheiro e conta capital) e também as formas não econômicas de ação
racional: administração, direito, tecnologia... (Cf. SWEDBERG, 2005, p.64)
Weber analisa que uso do dinheiro leva a conflitos entre a racionalidade formal e
a racionalidade substantiva (valores). É uma luta do “homem contra o homem”. Onde
uma parte, numa relação comercial, pode estar sob coação, ou sob apelo da necessidade
ou sob poder econômico do outro. Por exemplo, o operário que vende seu trabalho por
causa do ‘chicote da fome’. O conflito aparece nas duas racionalidades: o ‘chicote da
fome’ e a desigualdade na distribuição de renda. O que importa no capitalismo é a
demanda efetiva mais do que a demanda ou as necessidades existentes (debate com
Smith) (SWEDBERG, 2005, p. 65; FILIPE, 2004, p. 36-37) Depois de apresentar estes
pressupostos iniciais, passamos a destacar pontos em onde aparecem o tema dinheiro e
finanças diretamente do capítulo 2: “Categorias Sociológicas Fundamentais da Gestão
Econômica” (ou da ação economicamente orientada)24 de Economia e Sociedade.
Nos cinco primeiros parágrafos do capítulo, Weber apresenta os conceitos
sociológicos fundamentais da ação econômica:
Denominamos ‘gestão econômica’ [ou ação] o exercício pacífico do poder de
disposição que primariamente é economicamente orientado, havendo ‘gestão
econômica racional’, quando tem um caráter racional com referência a fins e
de acordo com um plano. Denominamos ‘economia’ a gestão econômica
autocéfala e contínua, havendo ‘empresa econômica’ quando além de
continuidade, ela apresente a organização característica de uma empresa
(WEBER, 2012, p. 37, § 1 g.a.).
São também conceituados os termos utilidades; orientação econômica; gestão
econômica racional e os tipos de associação econômica orientadas. Estes parágrafos
anteriores constituem uma base para compreender o paragrafo 6º onde começa a
desenvolver conceitos diretos sobre do dinheiro, da moeda25 e finanças. Neste ponto
trata sobre a moeda e a diferencia em dois aspectos:
Denominamos meio de troca um objeto material de troca, na medida que sua
aceitação esteja orientada... por determinada expectativa do aceitante, que
consiste na probabilidade duradoura, isto é considerando-se o futuro – de
trocá-lo numa proporção correspondente a seu interesse por outros bens... É
24
“Gestão” é pela tradução brasileira de Economia e Sociedade de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa
(Cf WEBER, 2012) Conferir Nota n. 03 (acima) onde Gabriel Cohn esclarece a dificuldade. Já a tradução
deste conceito em Swedberg (2005) foi por ação econômica.
25
Weber é claro aqui em sua opção: “Para mim a teoria material do dinheiro mais aceitável é a de Mises...
Knapp, - obra mais notável nesta especialidade- resolve de maneira excelente sua tarefa formal. No que se
refere aos problemas materiais é incompleta.” (2012, p.47)
14
meio de pagamento um objeto típico, na medida em que a validade de sua
entrega, como cumprimento de determinada obrigações, pactuadas ou
impostas, é convencional ou juridicamente garantida (validade formal).
(WEBER, 2012, p.45, g.a.)
No comentário sua distinção é mais clara: “A partir da necessidade de
regulamentos do Estado meio de pagamento passou a ser o conceito jurídico e maio de
troca o econômico” (WEBER, 2012, p.47, n.1). A partir destes dois aspectos acrescenta
outra distinção entre “meios cartais e naturais”:
Meios de troca ou pagamento cartais aqueles artefatos, que em virtude da
forma que receberam tem determinada vigência formal – convencional,
jurídica pactuada ou imposta – dentro de determinado domínio pessoal ou
regional que pode dividir-se em parcelas representam determinado valor
nominal... de modo que é possível um cálculo puramente mecânico.
(WEBER, 2012, p.46 § 6)
Assim, “denominamos dinheiro um meio de pagamento cartal que serve de meio
de troca”. O que brevemente explica adiante que uma associação destes meios depende
de uma aceitação formal jurídica numa ordem26.
Já os meios de troca ou pagamentos naturais são todos os que não são cartais.
Neste há uma diferenciação técnica e econômica. Na técnica há dois modos: o bem que
representam como roupas, instrumentos (mercadorias27) e conforme seu peso. Do ponto
de vista econômico: conforme seu emprego: a) para fins de troca ou para fins
estamentais (prestígio de posse). Aqui Weber coloca uma questão interessante para a
sociologia, pois o dinheiro gera e está ligado profundamente ao poder, a posse, aos
estamentos sociais. b) Como meio de troca e pagamento, tanto interno e externo.
Também apresenta um ponto fundamental para a sociologia econômica: que o dinheiro
tem um caráter “simbólico, na medida... em que não goza mais de um valor próprio. Seu
valor material pode estar influenciado pela avaliação de sua aplicabilidade como bens de
uso” (WEBER, 2012, p.46)28.
26
A economia, a política, o Direito, etc.
Esclarece no comentário 2, que a relação entre mercadoria e meios de troca parecem fluidos mas
determinados objetos costumam monopolizar a função de maios de troca de forma tão exclusiva que sua
posição é inequívoca” (p.47)
28
Termo baseado em Charta: “Perhaps the Latin word ‘Charta’ can bear the sense of ticket or token, and
we can form a new but intelligible adjective – ‘Chartal.’ Our means of payment have this token, or
Chartal, form” (Knapp, 1905, p. 32. Apud: AGGIO; ROCHA, 2009, p.154). No comentário 6 Weber
explicita o conceito cartalista de Knapp “todas as espécies de dinheiro: divididas, cunhadas, carimbadas,
metálicas ou não, providas de validade pela ordem jurídica ou por acordo (p.48)
27
15
Em seguida, faz uma distinção conceitual importante para a sociologia: entre
dinheiro e moeda. Afirma que o dinheiro tem a forma de moeda (divisão em parcelas ou
valor nominal) ou forma de nota: título. Em forma de moeda, o dinheiro constitui: a)
“dinheiro livre ou de tráfico”. Onde a instituição encarregada da emissão cartal, atende a
demanda para atender as necessidades de meios de pagamento do possuidor de dinheiro.
b) Dinheiro bloqueado ou administrativo: que depende da disposição da direção
administrativa de uma associação em atender as necessidades de meios de pagamentos. c)
Dinheiro regulado: quando apesar dos limites da sua transformação (em moedas) a
emissão regula-se eficazmente pelas normas.
Outro conceito fundamental de moeda como Meio de circulação: “é um título
com a função de dinheiro em forma de nota, quando sua aceitação como dinheiro
‘provisório’ se orienta para a probabilidade de que esteja assegurada sua conversão em
dinheiro ‘definitivo’(moedas ou meios de troca metálicos)”. Chama-o de certificado
quando essa “probabilidade se apoia em regulações que fixam a armazenagem de fundos
em moedas para sua cobertura plena.” Em outras palavras, um lastro completo. Também
fala de escalas dos meios de troca dentro de uma associação. Segue a explicação entre
dinheiro corrente (de “validade ilimitada”) e meio de pagamento intercambiário (“serve
para compensação do saldo de pagamento entre associação diversas”). (Cf. WEBER,
2012, p.47)
Weber descreve oito consequências primárias do uso típico do dinheiro: troca
indireta para satisfazer as necessidades dos consumidores (ampliando as possibilidades
de trocas); cálculo em dinheiro do valor das prestações prorrogadas (sua relação com
dívidas); “reserva de valor” isto é o entesouramento como futuro poder; transformação
de oportunidades econômicas em oportunidades de dinheiro; ampliação das necessidades
por parte das pessoas que têm dinheiro; utilidade do dinheiro para um dirigente dispor no
futuro sob orientação das atividades lucrativas; e estimar em dinheiro os bens e serviços
para a troca: cálculo monetário. Também descreve o crédito como oportunidades de
trocas vantajosas, uma troca de poder para o futuro, com a orientação desta possibilidade
desta transferência se efetivar. (WEBER, 2012, P.49,§ 7)
Nos parágrafos seguintes o dinheiro cria as condições de troca de um objeto
favorecendo-o para uma situação de mercado favorável, na luta de preços e concorrência.
(§ 8) A racionalidade formas e material da ação economicamente orientada (§ 9).
Neste
sentido o dinheiro é “o meio mais formalmente racional da ação econômica” (§10). Neste
16
a economia aquisitiva é uma forma peculiar de calculo em dinheiro: o calculo de capital
(§11. Abordados na seção anterior.)
Weber continua sua tipificação distinguindo economia natural (sem o uso do
dinheiro) de monetária (com dinheiro). Segue uma longa discussão sobre as relaç~eos
entre ambas e o papel do dinheiro ou cálculo em espécie em cada uma. Lembra que a
economia Oikos também usa o cálculo em espécie. (WEBER, 2012, § 12). Continua: que
“a racionalidade formal do cálculo em dinheiro está vinculada a condições materiais
muito específicas que interessam sociologicamente. São três: a) a luta no mercado de
economias autônomas: onde “os preços são produtos de lutas e de compromissos,
portanto de constelações de poder”; b) O cálculo em dinheiro na forma de cálculo de
capital, na luta pela concorrência. “O cálculo de capital está vinculado a ‘disciplina de
empresa’ e apropriação dos meios materiais, isto é, uma relação de dominação”. c) É a
demanda com poder aquisitivo de utilidades que regula materialmente por meio do
cálculo de capital a produção de bens pelas empresas aquisitivas”. (§ 13) Os demais
parágrafos abordam outros pontos relacionados a ação econômica em geral (por ora não
referem-se diretamente ao assunto deste trabalho)
3.2 As instituições monetárias mediante o Estado e o capitalismo moderno
Weber vai adentrando à medida que se desenvolve o capítulo, em temas
macroeconômicos e sociais: ao descrever os tipos de comércio aponta para uma
característica própria de mercado capitalista: “compra atual na espera de uma venda
lucrativa, tanto no livre mercado ou no materialmente regulado” (2012, p.103). E é
“dentro” deste comércio aquisitivo, numa economia de mercado que situa os bancos:
“aquelas classes de empreendimentos aquisitivos comerciais que profissionalmente
administram dinheiro ou proporcionam dinheiro” Continua: “na realidade a gestão
aquisitiva dos bancos costuma funcionar de modo que obtêm seu lucro concedendo
créditos a partir de meios que eles mesmos receberam emprestados” A grande
preocupação dos bancos é cuidar de sua ‘solvência’, isto é, “capacidade de cumprir com
as exigências de pagamento, por meio da cobertura, tendo uma grande quantidade de
dinheiro para as obrigações de credito que ele mesmo concede” (2012, p.106).
17
Para atualidade, destaca a necessidade das regulações (políticas ou estatais) para
manter a ordem monetária, num determinado território em relação a outras ordens
monetárias de outros territórios. Esta
política dirigida contra as irracionalidades do sistema monetário denominamos
por ‘política lítrica’ (de Knapp). No ‘Estado de direito puro’ (do laissez-faire)
é a medida político-econômica mais importante. Em forma racional, é
absolutamente peculiar do Estado moderno. (WEBER, 2012, p.106, g.a).
Os negócios financeiros são realizados pelos bancos, mas também por outras
pessoas e
instituições
financeiras
no
sentido
da aquisição
de
lucros dos
empreendimentos, e as formas disto, até se chegar às fusões bancárias por exemplo. (§
29a). Weber destaca que
somente o Ocidente conhece empresas racionais capitalistas, com trabalho
livre e espacialização e coordenações racionais bom como distribuição pelo
princípios da economia de troca, sob a base de economias aquisitivas capitalistas
(...) [Também] somente no Ocidente conhece o crédito público em forma de
emissão de títulos rentáveis, a comercialização de títulos e o negócio de
emissão e financiamento como objetos de empreendimentos racionais, o
comércio em bolsa de mercadoria e de títulos, o ‘mercado monetário’ e o
‘mercado de capital’, as associações monopolistas como formas de organização
racional conforme os princípios da economia aquisitiva, para a produção
empresarial de bens (e não apenas para a comercialização dos mesmos)”
(WEBER, 2012, p. 110 § 31, g.n.)
Estas afirmações weberianas ainda têm relevância. Embora o sistema monetário
atual tenha mudado nas suas formas, com o avanço da tecnologia, com um aumento da
centralidade do poder do Estado, com as diversas crises, etc. ampliando a sua
complexidade, porém seus princípios e fundamentos e objetivos continuam semelhantes
ao descrito por Weber e até se tornaram mais explícitos.
Prossegue Weber discorrendo sobre o sistema monetário pontuando que
o Estado moderno mantém sempre o monopólio da organização do sistema
monetário e o monopólio da criação (emissão) de dinheiro, ao menos do
dinheiro metálico. (...) [Este monopólio] é em virtude da arrecadação de
impostos, por ser o maior recebedor de pagamentos e o maior efetuador de
pagamentos. Este ponto é decisivo que as caixas estatais, dispõem ou impõe ao
público como dinheiro legal e qual o tipo de dinheiro que aceitam ou
repudiam... (WEBER, 2012, p. 111, § 32)
Outra distinção binomial é entre dinheiro legal e regimental: o dinheiro só pode
ser definido como legal quando se trata de um ‘meio de pagamento estabelecido pela lei’
que todos estão obrigados a aceitar e dar em pagamento. Como regimental define o
18
dinheiro que as “caixas” do governo aceitam e impõem. A imposição pode ocorrer: em
virtude da autorização legal para fins de política monetária; e da insolvência em outros
meios de pagamento. O Estado tem este poder legal, e descreve em cada situação como o
Estado intervém no controle dos meios de pagamento (ou seja, o que hoje são tratados
como instrumentos de política monetária)
Segundo Weber, “sociologicamente, a definição de dinheiro como meio nde
pagamento e administração lítrica não é exaustiva. Baseia-se no fato que ‘há dívidas’: o
indivíduo é devedor com o Estado pelos impostos, mas também o Estado tem dívidas e
tem de pagar com juros de sua dívida (2012, p.112). Weber chama atenção para o aspecto
de o dinheiro ser considerado uma medida para (compreender) a renda nominal pelas
pessoas. O Estado pode (pelos instrumentos, legislações que tem a seu dispor) dominar
formalmente o sistema monetário vigente no território que governa. (WEBER, 2012,
p.113). Atualmente considerado como unidade de valor definida em cada nação e que
regula os contratos.
Segue os §§ 33 a 35 onde faz uma longa discussão e detalha cada um destes
instrumentos de controle do dinheiro por parte do Estado, partindo de seu papel de
cunhagem até a política monetária atual e suas consequências na economia. Aborda por
exemplo o custo do metal-moeda ao Estado e distingue dinheiro metálico e dinheiro em
forma de notas. Sendo metálico o dinheiro livre e também o limitado.
Retoma o tema do poder do Estado de manter o padrão-monetário, a determinação
da validade formal e regimental do dinheiro desde que mantenha sua solvência (ativo
maior que passivo) nessa espécie de dinheiro. Também chama a atenção que o Estado
também controla a produção, o consumo e os preços no território e que influenciam na
administração monetária, “embora não sejam tomadas por elas”. Sua “tendência é tomar
medidas para defender-se das moedas estrangeiras, para isso busca estabilizá-las,
conservá-las”. Cita o exemplo da demora e resistência e as razões da Inglaterra em adotar
o padrão-ouro. (WEBER, 2012, p. 120-121, § 35)
Descreve os meios típicos da política lítrica intercambiária em territórios com
ouro ou em territórios que não adotam o padrão-ouro. Também trata do tema da Inflação
como ameaça a ser evitada, ou às vezes, até ser incentivada, paradoxalmente. No fundo e,
em resumo, diz que a política monetária com sua racionalidade formal pretende “eliminar
os interesses que não estejam orientados pelo mercado ou não pretendam a conservação
das relações intercambiárias estáveis”. Esta assertiva de Weber fica clara nas soluções
19
que os Estados tomaram mediante as recentes crises do sistema financeiro, favorecendo-o
sobremaneira. Por isso, o dinheiro administrativo (controlado pelo Estado ou equipe
administrativa), como a criação do papel-moeda, é o “meio específico e por excelência
para criar dinheiro sob aspectos materialmente racionais”. (§ 36)
A partir disto podemos afirmar que Weber seria um economista liberal? Embora
adote muito dos pressupostos do liberalismo, convêm lembrar que nesta época, na teoria
econômica, não via positivamente a possibilidade de o Estado intervir na economia, no
mercado. Convém lembrar que historicamente somente na década posterior, após a morte
de Weber, com a crise de 1929, é que surgem as teses keynesianas. Elas propõem a
necessidade desta interferência do Estado, para o bom funcionamento do próprio
mercado e da economia, aumentando a liquidez na economia, ou seja, injetando mais
dinheiro em circulação para puxar o aumento do consumo e da produção.
Em seguida, apresenta maneiras diferentes e/ou alternativas do uso (social) do
dinheiro diferentemente do uso convencional pelo sistema monetário na ordem
capitalista: a “relação entre economia e as associações de orientação extraeconômicas; de
como se obtém as utilidades necessárias para a ação associativa” isto é, o
“financiamento” e este podem ser organizados em dois tipos: de modos inconstante e
constante. No primeiro caso, são serviços voluntários: como mecenato, mendicância e
doações formalmente voluntárias, não baseadas nas razões referentes a fins; e prestações
extorquidas. No segundo caso, o constante: “a) sem empreendimento econômico próprio
com contribuições em forma de bens materiais: exemplo salários ou prestação de
serviços pessoais; b) com empresas econômicas próprias: em forma de gestão patrimonial
(oikos) e em forma de economia aquisitiva, livre ou monopólica” e; c) de modo litúrgico
garantindo privilégios (isentando uns e/ou obrigando outros, as classes patrimoniais, os
monopólios. (WEBER, 2012, p.131-132 § 38)
Avançando mais Weber debate sobre o modo como “as associações políticas
proveem suas necessidades” repercute na forma que assumem as economias privadas.
Aborda também o papel do Estado no favorecimento do desenvolvimento do capitalismo
politicamente orientado e o papel do dinheiro que favorece o capitalismo, ao contrário
dos sistemas puros de fornecimento de bens por espécies ou de prestação de serviços
pessoais. Assim, o favorecimento de monopólios pelo Estado não favorece o mercado
livre e é uma ação irracional.
20
O financiamento monopólico, segundo os princípios da economia aquisitiva, o
pagamento de tributos em espécie e a satisfação de necessidades litúrgicas têm
em comum o fato de não fomentarem o capitalismo autonomamente orientado
para o mercado, mas sim reprimirem as oportunidades de aquisição no
mercado por meio de medidas fiscais; portanto são irracionais ao mercado: a
criação de privilégios e de oportunidades... Favorecem em determinadas
circunstâncias, o capitalismo politicamente orientado (WEBER, 2012, p.134, §
39, g.n.)
Os motivos determinantes da gestão econômica e, que a ação econômica é feito
por indivíduos e por interesses materiais e ideias, dentro da economia de troca/mercado.
Na economia socialista não seria diferente, onde a “gerência pertenceria à direção da
associação e os indivíduos estariam limitados, dentro da obtenção de bens, a serviços
“técnicos’: ‘trabalho’. Os indivíduos são administrados de forma ditatorial, sem ser
consultados. Assim, todo direito de cogestão possibilitaria lutas por interesses opostos.
Mais decisivo é que o indivíduo movido por interesses compararia onde haveria melhores
vantagens. Isto resultaria em lutas intensas para melhorar as condições de trabalho no
interior da associação 29. Estas lutas, baseadas nos interesses do indivíduo também seriam
normais dentro desta economia.
Numa economia planificada, totalmente socialista somente haveria lugar para:
uma distribuição de bens em espécie segundo um plano racionado de
necessidade; e uma produção desses bens segundo um plano de produção. A
categoria renda como na economia monetária não existiria. Seriam possíveis
rendimentos racionados. Numa economia de troca o esforço para obter renda é
inevitavelmente a força motriz última de toda ação econômica. (...) Numa
economia regulada, a preocupação da ordem reguladora é normalmente a
forma de distribuição da renda. (2012, p.137)
Em seguida faz uma descrição tipológica: A) de rendas e rendimentos por
serviços: I. Salários e II Lucros. B) Rendas e rendimentos de propriedade (vinculados ao
exercício de poder): Rendas líquidas, depois da dedução dos custos; e sem dedução dos
custos. Similares hoje a aluguéis, rendas de terra, juros de empréstimos, rendimentos
bancários, etc. Destaca o lucro de empresário ou rendimento de trabalho livre como a
mais revolucionária e dinâmico; e conservadoras as rendas escalonadas, salários por
tempo ganhos dos cargos públicos e dos rentistas (WEBER, 2012, p.137, § 41).
29
Nas palavras de Julien Freund, “se a economia de mercado comporta um risco para o trabalhador e o
produtor, a economia planificada suprime a autonomia de um e de outro. Quando se poderia crer que a
divergência central entre estas duas formas seria a da previsão no sentido de uma irracionalidade maior,
inerente a economia de mercado e de uma racionalidade maior à do plano, a diferença é antes política,
pelos escritos de Lênin. Em suma é a irracionalidade do político que pode prejudicar as previsões racionais
do plano. (2010, p.123)
21
Esta foi uma breve síntese dos principais pontos referentes ao tema dinheiro,
finanças e o papel do Estado... abordados por Weber no capítulo 2 de Economia e
Sociedade. A seguir, pretende tratar dos ressignificados destes conceitos, como são
retomados nos estudos weberianos mais recentes. Aqui entra a interpretação da nova
sociologia econômica, com suas contribuições e seus limites para uma compreensão
sociológica weberiana do dinheiro e do sistema de finanças capitalistas atuais.
4 WEBER E A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA
Em Weber a ciência socioeconômica como ele a chamava, deveria ser uma
ciência abrangente e compreender uma série de campos diferentes e bem definidos
principalmente teoria econômica, a história econômica e a sociologia econômica. Weber
fez uma sociologia econômica inovadora, de maneira muito sistemática, examinou a
economia propriamente dita e suas relações com a política, o direito e a religião.
(SWEDBERG, 2005, p.267)
Somente a partir da década de 1970 surge uma retomada dos estudos e temas
envolvendo economia e sociedade com a “Nova Sociologia Econômica” - NSE30.
Fernanda Wanderley (2002) aponta que a nova sociologia econômica na primeira fase fez
um “rompimento com o pacto parsoniano, de convívio pacífico com a teoria neoclássica
e firmou sua identidade em contraposição aos pressupostos do individualismo
metodológico” (p.15). Segundo esta autora as quatro formas estruturais de mercado
serviram de referência (negativa) para a análise sociológica nas últimas três décadas. São
elas: a da concorrência perfeita, da concorrência monopólica, do oligopólio e do
monopólio. A partir disto, os estudos sociológicos do mercado podem ser divididos em
quatro grupos ou enfoques: estrutural; cultural; cognitivo; e político.
Já para Richard Swedberg (2004) a NSE ganhou destaque com Mark Granovetter
com sua “teoria do enraizamento” em que as atividades econômicas não estavam apenas
assentadas em relações sociais, mas, também em redes (p.18). Neste artigo Swedberg
apresenta o “estado da arte” da NSE, de sua influencia em alguns países principalmente
30
“O termo “nova sociologia econômica” foi cunhado por Mark Granovetter numa conferência
pronunciada na Associação Norte-Americana de Sociologia, em Washington, D.C., em 1985. A mensagem
básica era a de que a moderna sociologia econômica, contrastada com a “velha sociologia econômica” dos
anos de 1960 (Parsons, Moore etc.), deveria focalizar as instituições econômicas chaves.” (SWEDBERG,
2004, p.10)
22
nos EUA e na França, também descreve seus principais autores e emáticas que foram ou
estão sendo trabalhadas. (SWEDBERG, 2004, p.8)
No tema de finanças na NSE ganha destaque a obra The Social Meaning Of
Money, de Viviane Zelizer (1994) e mostra que o dinheiro não só tem um impacto sobre
as relações sociais e os significados simbólicos, mas também como os valores e as
relações sociais transformam o dinheiro ao imputar significados e padrões sociais. Nesse
trabalho, a autora documentou as diferentes maneiras como as pessoas identificam,
classificam, organizam, usam, segregam e guardam “os dinheiros”, até mesmo no
processo de viver suas relações sociais. (WANDERLEY, 2002, p.23)
Também os bancos e as finanças capitalistas são temas abordados em R.
Swedberg (1989) e Mizruchi & Stearns (1994), onde estes autores, influenciados por
Mark Granovetter, apresentam um sistema de poder que passa pelo sistema financeiro e
bancário, de relações intrínsecas entre política, mercado e relações sociais, utilizando da
análise de redes.
Roberto Grün diz que a área de finanças esteve na preocupação de Weber desde
os primórdios de sua pesquisa. “Um interessante opúsculo de Weber (1898) sobre o
funcionamento das bolsas de valores, mostrando contra os críticos anti-financeiros de seu
tempo, sua utilidade para economias capitalistas que queriam se desenvolver” (2004, p.
151. Cf. também WEBER, 2004 e 2010). Roberto Grün diz que nos últimos anos houve
um desenvolvimento da sociologia das finanças, uma nova especialidade dentro da
também nova sociologia econômica. A partir da “governança corporativa” ele apresenta,
comparações sobre o desenvolvimento [da sociologia das finanças] no espaço
de interlocução anglo-saxão com as peculiaridades do seu caminho francês,
para depois tentar aplicar alguns desses insights na análise da cena social
brasileira contemporânea. Especial atenção é dada à análise da criação
simultânea de novos produtos financeiros e novos atores sociais dotados de
agendas próprias, não só na esfera econômica, mas também na esfera mais
geral de regulação da sociedade. (2004, p.175)
Olhando para as diversas maneiras de interpretação sobre Weber, apresentada
pela nova sociologia econômica, Carlos Eduardo Sell (2013) afirma que ela pode incorrer
numa leitura economicista da obra de Weber, “bastante comum e reducionista”. Esta
interpretação se baseia em duas variantes: 1ª. de ordem epistemológica, como a teoria da
escolha racional; 2ª. de caráter substantivo, para os estudos econômicos (sociologia
econômica). Em comum estas interpretações compartilham dimensão econômico-
23
utilitária em Weber. Zenona Norkus explica que Weber recebeu influência da Escola
Marginalista, refletida em sua teoria da ação social; na distinção racionalidade objetiva e
subjetiva, e nas tipologias da Ação. Também este autor vê a influência da Escola
Histórica Alemã - EHA onde combina com a racionalidade (marginalistas), a ação
relacionada a fins, a “abordagem do indivíduo social enquanto homo economicus”. As
pesquisas da NSE tendem a apresentar os estudos econômicos como os mais importantes
em Weber. (SELL, 2013, p. 45-46).
Ainda, de acordo com Carlos Eduardo Sell (2013), Richard Swedberg apresenta
Weber como “economista” mais do que um “sociólogo” (como ficou conhecido) e
também aproxima Weber da EHA31. Richard Swedberg procura elucidar: “mais do que
um tratado sistemático de sociologia; é um estudo sobre as relações entre economia e
demais esferas sociais, contrastando com o modelos dominantes”: o primeiro, derivado
de Talcott Parsons (ênfase nos fatores políticos e religiosos), e o segundo derivado da
perspectiva da escolha racional, do autor autointeressado. E o terceiro modelo de Pierre
Bourdieu, onde o ator (indivíduo) é regido por interesse em vez de normas, reconhece o
comportamento social do indivíduo. Esse seria o Weber da NSE. (SELL, 2013, p. 49)
Por fim, segundo Carlos E. Sell (2013) na “escolha racional”, em Weber há um
individualismo metodológico de matriz austríaca (escola neoclássica) enquanto
Swedberg aproxima Weber de um partidário da EHA. Em ambos os casos, a dimensão
sociológica de Weber perde substância. Propõe não uma mera aplicação, nem
complementação para esta relação entre as duas ciências, mas a superação para uma
epistemologia própria:
a ciência
sociológica.
“Qualquer
um dos caminhos:
‘economização’ do social (EHA) ou elementos sociais no econômico leva ao
‘reducionismo economicista’”. (p. 47-51)
Lucas Rodrigues Azambuja (2006) apresenta a polêmica dada neste âmbito, do
seguinte modo:
É freqüente na bibliografia da sociologia econômica contemporânea tanto a
inspiração com base nos trabalhos de Weber, quanto à crítica em relação às
principais teses deste autor [Weber]. Também é ele que tem sido o alvo de um
esforço mais sistemático no sentido de verificar se seu sistema teórico oferece
ou não uma visão diferente dos fatos econômicos daquela presente na teoria
econômica ortodoxa. Exemplos desses esforços são os trabalhos de Richard
Swedberg (2005) e Helge Peukert (2004): o primeiro sustentando que a
sociologia econômica de Weber apresenta uma visão diferenciada e mais
ampla que a teoria econômica neoclássica e o último defendendo que a visão
31
Para Julien Freund, “percebe-se que o sociólogo Weber era um economista de profissão” (2010, p.120)
24
de Weber se aproxima em aspectos importantes do ponto de vista teóricometodológico da ortodoxia econômica. (p.4)
Em que pese tantas interpretações diversas (até antagônicas) ao longo deste quase
um século da produção teórica de Weber e, também estas considerações de Carlos
Eduardo Sell em relação a interpretações reducionistas, a contribuição de Weber foi a de
abrir caminhos novos para compreender a relação entre economia e as várias ordens ou
esferas sociais; em que uma não determina a outra, nem se sobrepõe a outra. Existe uma
gama ampla de meandros que compõe a economia, por exemplo, que vai muito além da
produção, comercialização e consumo, a livre circulação de moedas e mercadorias, etc. A
contribuição da NSE, e de outras correntes de pensamento das ciências sociais e
econômicas vão na direção de desvelar que tanto o determinismo econômico em relação
às demais ordens (política e cultural) ou a visão que o mercado “autorregula-se” e
atendendo os interesses e necessidades dos indivíduos resolveria os problemas
econômicos, sociais e políticos estão longe de serem comprovados na realidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Primeiramente, este trabalho visou por elementos básicos para uma compreensão
sociológica da teoria do dinheiro e do papel das finanças no capitalismo, na teoria
weberiana. Para isto iniciou-se tratando de diferenciação de conceitos básicos das duas
ciências, como apresentado na obra de Weber, principalmente em Economia e Sociedade
(capítulo 2) que trata mais diretamente a Ação Social Econômica, da ação do indivíduo
baseado nos interesses materiais e ideais (utilidades), na ação racional ou irracional, com
fins econômicos ou extraeconômicos, como alguns dos elementos comuns de análise
entre Sociologia e Economia.
A segunda parte mostrou que a questão do dinheiro e finanças está presente em
grande medida em Weber e este (o dinheiro) apresenta uma relevância ímpar para
compreender o capitalismo moderno e a sua racionalidade. Como ele mesmo observa, o
dinheiro relaciona-se ao que há de mais moderno, à racionalidade “mais perfeita” e no
cálculo mais racional, principalmente o cálculo de capital (ainda presente a ideia do
homo economicus). Para Weber as finanças é a expressão característica deste capitalismo
moderno, que encontro lugar no Ocidente. A questão para nossos dias é se esta
racionalidade econômica, com objetivos de obter lucros explica todas as relações que
envolvem o sistema financeiro? Parece que nem Weber defende isto ao perceber que há
25
outras organizações e formas de economia não-mercantis, não-aquisitiva que lidam com
dinheiro na sua forma capitalista. Numa economia capitalista moderna, onde os fins são a
geração de lucros, o Estado, as empresas capitalistas, os bancos (incluído todas as
instituições financeiras), mas também outras organizações como sindicatos, igrejas,
associações civis são também influenciadas pelo uso (socialmente falando) do dinheiro.
Embora que este aspecto parece irreversível a formas anteriores como também parece
defender em A Bolsa publicado bem antes.
O Dinheiro permeia e está permeado de relações de poder (política), muitas vezes
ocultadas ou discretas, outras vezes muito claras e também violentas. Demonstra
claramente o poder político que exerce na sociedade, no Estado e na economia a questão
financeira, inclusive sendo causa de conflitos e guerras. Já aponta como o sistema
monetário sempre foi gerido e controlado pelo Estado, desde que este existiu ou que a
moeda existiu. Hoje um grande debate e as divergências entre neoliberais e keynesianos,
para explicar a crise de 2008 é exatamente neste ponto: O Estado ainda controla interfere
demais no sistema financeiro (versão liberal) ou o Estado desregulamentou-o tanto que
entrou em crise (keynesianos). Para os marxistas a crise é parte do processo de
acumulação, é estrutural do sistema capitalista.
Claro está que este trabalho suscita um aprofundamento ainda maior desta
temática. E este poderia dar-se em duas direções: primeira, uma contextualização do
sistema financeiro do capitalismo nas duas décadas iniciais do século XX, quando Weber
escreveu suas principais obras. Qual era o “peso” que o sistema financeiro tinha no
conjunto da economia, da Alemanha e no mundo da época, por exemplo, diante da fase
do Imperialismo e a 1ª Guerra Mundial, e também elementos para compreender a grande
crise de 1929, não muito tempo depois.
Uma segunda direção, de aprofundamento é sobre a teoria monetária na época em
que Weber escreveu. Por exemplo, o que os dois autores por eles citados, Mises e Knapp
tratam destes temas; e como é tratada a questão monetária na Escola Austríaca (utilidade
marginal) e na Escola Histórica Alemã? Também a teoria monetária, as concepções da
economia clássica (Smith, Ricardo e Mill). É claro que sobre isto Weber não explica
tudo. Mas também uma análise sociológica sem estas considerações weberianas estaria
incompleta e injusta. Além destas duas direções outro trabalho poderia fazer paralelos,
traçar pontos em comum e pontos divergentes entre as concepções sociológicas de Marx
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e Weber no que tange a uso do dinheiro no capitalismo. Também as análises de Rudolf
Hilferding (1985) em O Capital Financeiro publicado em 1910 ajudariam neste ponto.
Por fim, este trabalho pretendeu trazer a tona alguns elementos da teoria
weberiana para compreensão do sistema financeiro. O poder político dos Estados , dos
grupos econômicos, dos mercados monetários e financeiros em regular (controlar e
emitir) as moedas, são discussões estão presentes hoje no capitalismo. Por exemplo
mediante o poder que exerce o “dinheiro dólar”, no comércio internacional e o esforço de
garantir a hegemonia dos EUA perante as demais nações, bem como as medidas que o
Banco Central dos EUA influenciam na produção e comércio, com impactos ambientais e
sociais, ou influencia em guerras e conflitos políticos internos no resto do mundo. Nem
sempre as análises econômicas fazem uma relação entre as mudanças no câmbio, na
regulação da moeda, nas taxas de juros, etc. e seus impactos sociais. E como estas
relações de “institucionalizadas” interferem na ação social do individuo poderia
contribuir para estudos da nova sociologia econômica. Embora Weber trabalhe
metodologicamente mais no caminho inverso: a ação social do indivíduo, seus interesses
que formam as relações institucionalizadas. Estas questões, e outras possíveis, suscitadas
pelo breve estudo de Weber realizado até aqui, ficam em aberto, como plataforma de
futuras pesquisas.
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