REDUÇÃO DO EFEITO ESTUFA OU INCENTIVO AO CONSUMISMO?

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CRÉDITOS DE CARBONO: REDUÇÃO DO EFEITO ESTUFA OU INCENTIVO AO CONSUMISMO?
Wilfred Brandt*
Ultimamente fala-se de um processo de globalização, que
parece ser na verdade um processo de “aculturação”, com
absorção dos padrões da sociedade de consumo mesmo por
sociedades não capitalistas, inclusive as mais afastadas
comunidades indígenas. Curiosamente, capitalismo e
comunismo cederam a uma nova forma global de vida, o
Consumismo.
efeito ambiental provocado sobre a terra, com conseqüências
gravíssimas para as gerações futuras, procura-se uma forma
de “perdão de pecados”. Esta situação faz lembrar a venda de
indulgencias ao final da idade média. Naquela época, quem
tinha recursos comprava indulgências para compensarem os
efeitos temporais de seus pecados e ficava assim com sua
consciência tranqüila. Agora compra-se créditos de carbono.
A origem da sociedade de consumo está relacionada à
revolução industrial, a partir da qual se tornou possível a
produção em massa de todo tipo de bens de consumo. Aí
surgiu uma nova denominação para a população em busca
destes “indispensáveis” produtos: ao invés de serem pessoas,
passam a ser chamados de “consumidores”. E surgiram todos
os tipos de estratégias para fazer os consumidores
dependerem e desejarem destes produtos. Para aumentar o
consumo, um sapato ou um carro não podia ser utilizado por
toda a vida. Os produtos precisavam ter vida curta e a melhor
forma de fazer isso seria, por um lado, gerando produtos que
tenham vida útil pequena, e por outro, mudando a
característica dos produtos ano a ano, mesmo que
superficialmente, para que os consumidores desejassem
adquiri-los novamente.
Sabe-se que a compensação pelo sistema de créditos de
carbono é limitada a somente uma parte das obrigações
assumidas pelos países desenvolvidos para redução de suas
emissões. Sabe-se também que estes acordos pareciam ser
uma importante forma de transferência de recursos financeiros
e tecnológicos a países em desenvolvimento, para redução da
emissão de gases geradores do efeito estufa. Mas na prática,
se transformaram em mais um mercado especulativo, com
intermediários, aproveitadores e outras mazelas. Neste
mercado, obrigações mínimas e básicas de controle
ambiental, que de qualquer forma deveriam ser adotadas em
qualquer lugar do mundo, são vendidas como soluções para
redução do efeito estufa. Até soluções que já existiam e
vinham sendo adotadas à décadas, são agora vendidas como
“créditos de carbono”, para a tranqüilidade do consumismo.
O consumismo assumiu tamanha importância, a ponto que os
principais indicadores de evolução dos países e das
sociedades se referem ao consumo. Muitas políticas de
governo foram orientadas para incentivar o consumo e, ante a
qualquer risco de sua redução, governantes passaram a
conclamar os “consumidores” a consumirem mais. Até mesmo
o conceito de desenvolvimento de uma sociedade foi atrelado
ao seu consumo, em detrimento de outros índices, como o
conhecimento científico, a saúde, a qualidade de vida, a
cultura, a felicidade.
Mas o efeito mais nefasto deste sistema é outro: se for mais
barato compensar as emissões por meio de créditos de
carbono, por que investir em tecnologia de redução das
emissões, ou por que pagar mais por um produto menos
poluente?
Enquanto isso, a população mundial vem crescendo
exponencialmente, principalmente nos países ou nos grupos
sociais onde se verificam os maiores índices de pobreza. E o
resultado desta equação de explosão populacional e aumento
dos padrões de consumo é óbvio: não há recursos suficientes
na terra para tanta gente e tanto consumo. Não existe lugar
nem comida para todos os convidados desta festa.
Uma das conseqüências deste consumismo crescente é o
aquecimento global (“efeito estufa”). É importante ressaltar
que não se trata da única conseqüência, pois outras questões
ainda virão. Mas o aquecimento global é inevitável e
indiscutível. Alguns efeitos já são sentidos, como as
enchentes, tempestades e furacões. Problemas muito mais
graves virão daqui a 30 ou 50 anos, tais como inundações de
cidades litorâneas, desequilíbrio nas correntes de mar e no
clima global, extinção de espécies, falta de comida e de água.
Buscam-se acordos de redução de emissões de gases
geradores do efeito estufa, mas não se fala em redução do
consumo. Fala-se em ajuda aos países em desenvolvimento
para esta redução de emissão de gases. Mas a ajuda que
deveria ser espontânea, ou melhor, uma indenização pelo que
já se lançou na atmosfera desde a revolução industrial e que
resultou no “desenvolvimento” dos países ricos, vem na forma
de troca de direitos de poluir. Como não se pode (ou não se
quer) a redução das emissões dentro do país, reduz-se nos
países pobres. Assim, foi criado o mercado de créditos de
carbono: o consumista pode ter sua consciência tranqüila, pois
comprando os tais créditos de carbono, vai poder dizer que
não contribui com o aquecimento global.
Ao invés de se reduzir o consumo, paga-se pelo direito de
consumir. Ao invés de se pagar o valor real pelo tremendo
Este fato ficou bastante evidenciado na recente decisão
tomada pelo governo Norte Americano, que estabeleceu um
consumo médio mínimo de combustível para os veículos a
serem ali comercializados dentro de alguns anos. Não houve
qualquer contestação sobre a inviabilidade técnica desta
exigência. Apenas se falou sobre o aumento no preço dos
veículos. Ou seja: solução já existia, não se aplicava apenas
por uma questão de preço aos consumidores. Da mesma
forma muitas outras soluções podem ou poderiam já existir. E
por que não são aplicadas? Porque não se quer aumentar o
preço ao consumidor, porque não se quer reduzir o consumo,
e porque é mais fácil compensar com créditos de carbono,
com a “venda de indulgencias ao pecado de poluir”...
Não que a ajuda aos países pobres ou em desenvolvimento
não seja necessária, importante e urgente, seja na área de
redução de emissões de gases do efeito estufa, mas também
na saúde, na educação ou mesmo na erradicação da fome.
Mas trocar tal ajuda pelo direito de poluir é perverso,
mostrando a que ponto chegou a ânsia do consumismo.
É importante que se crie um fundo de redução das emissões
de gases de efeito estufa (e não um mercado especulativo
como atualmente), onde pessoas, empresas e governos
conscientes colaborem despretensiosamente com os países e
sociedades que necessitem de recursos para reduzir suas
emissões. Mas, em primeiro lugar, é fundamental que todos
indistintamente busquem a redução das suas emissões,
adotando tecnologias já disponíveis ou desenvolvendo novas
soluções, mesmo que isso represente um maior custo aos
consumidores.
O fundamental, entretanto, é que se busque a moderação.
Que se entenda que será necessário abrandar a ânsia
consumista, mudando conceitos e estilos de vida, buscando a
redução do consumo dos recursos naturais, em prol do
equilíbrio ambiental global. Esta é, na realidade, a questão
central, da qual não se pode fugir com soluções paliativas.
* Wilfred Brandt é engenheiro e especialista em meio ambiente, atuando a mais de 30 anos na área. Foi consultor de organismos internacionais de
meio ambiente e é presidente da Nucleus, “holding” de empresas nesta área, dentre estas a Brandt Meio Ambiente e a Verti Ecotecnologias.
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