Faculdades Integradas do Vale do Ivaí Instituto Superior de Educação - ISE Credenciado pela Portaria MEC nº. 533 de 22/02/05 – D.O.U. – 23/02/2005 FERNANDA RODRIGUES DA SILVA JAQUELINE RODRIGUES DA SILVA A VEIA CRÍTICA DA TROPICÁLIA EM CAETANO VELOSO IVAIPORÃ/PR 2013 Av. Minas Gerais, 651 – Fone/Fax (43) 3472-1414 – CEP 86.870-000 Ivaiporã / PR. Home page: www.univale.com.br FERNANDA RODRIGUES DA SILVA JAQUELINE RODRIGUES DA SILVA A VEIA CRÍTICA DA TROPICÁLIA EM CAETANO VELOSO Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção parcial do grau de licenciatura em Letras das Faculdades Integradas do Vale do Ivaí (UNIVALE). Orientadora: Prof.ª Me. Ana Paula Miqueletti Sanches IVAIPORÃ/PR 2013 FERNANDA RODRIGUES DA SILVA JAQUELINE RODRIGUES DA SILVA A VEIA CRÍTICA DA TROPICÁLIA EM CAETANO VELOSO Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção parcial do grau de licenciatura em Letras das Faculdades Integradas do Vale do Ivaí (UNIVALE). Orientadora: Prof.ª Me. Ana Paula Miqueletti Sanches Aprovado em: __/__/__ ________________________________________________ Professora Me. Ana Paula Miqueletti Sanches _________________________________________________ Professor Me. Cecília Baraldo Contani _________________________________________________ Professor Mestrando Rafael Adelino Fortes “Por entre fotos e nomes, Os olhos cheios de cores O peito cheio de amores vãos, eu vou”. (Caetano Veloso) DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho a meus pais José e Lucília, pelo apoio contínuo na sua construção, realização e conclusão. Aos meus irmãos Renato, Andrea e meu cunhado Edivaldo que me auxiliaram de forma incondicional. Aos meus primos Ricardo e Rodrigo pelo companheirismo . Dedico a Camila, uma grande pessoa que, sempre, me oportunizou momentos para que eu pudesse concluir meu trabalho. Dedico também a Jaqueline, minha querida prima, parceira e amiga pela compreensão e paciência nos momentos os quais, mais precisei. Por fim, dedico esse trabalho a professora e orientadora Ana Paula que soube orientar com total profissionalismo, encaminhando-nos do início ao término do presente trabalho. Fernanda Rodrigues da Silva DEDICATÓRIA Dedico este trabalho, primeiramente, a Deus por ter me iluminado e abençoado nessa trajetória. Aos meus pais Osmário e Sueli que, sempre, me deram força, coragem e constante apoio para seguir em busca dos meus objetivos. As minhas irmãs Bruna e Claudia pelo apoio, dedicação incentivo nos momentos de dificuldades. Aos meus primos, Andrea e Rodrigo, por serem exemplo de amizade e carinho, sendo fundamentais na construção do meu caráter. Por fim, dedico a minha amiga Fernanda que esteve junto comigo na realização deste trabalho, por tudo que podemos compartilhar a convivência, as alegrias, as frustrações, as descobertas, enfim pelo o que aprendemos. Jaqueline Rodrigues da Silva AGRADECIMENTOS Quero agradecer, primeiramente, a Deus por ter me dado disposição, paciência e discernimento nos momento em que mais necessitei. Aos meus pais, que, sempre, me apoiaram, me ouviram e me incentivaram, principalmente nos momentos mais difíceis que até pensei em desistir. Sou grata a eles por não me deixarem fraquejar e esmorecer diante das dificuldades que surgiram ao longo do caminho, pois, sem o auxilio deles, jamais teria chegado até aqui. Fernanda Rodrigues da Silva AGRADECIMENTOS Dirijo minha gratidão ao meu bom Deus, por ter me dado o dom da vida e a capacidade de poder alcançar tudo que almejo em minha vida. Agradeço a minha família que é a base da minha vida, sinônimo de amor, compreensão e dedicação. A todos os meus professores que contribuíram e enriqueceram meu conhecimento em toda a minha vida acadêmica. Em especial, a minha orientadora; professora Ana Paula Miqueletti Sanches, por me ajudar com seus ensinamentos, paciência e por, sempre, me mostrar que conseguiria vencer esta etapa de minha vida. Por fim, aos colegas de sala, por todo o ensinamento e motivação que me deram e pela amizade de todos esses anos. Jaqueline Rodrigues da Silva SILVA. Fernanda Rodrigues da. SILVA. Jaqueline Rodrigues da. A veia crítica da Tropicália em Caetano Veloso. Faculdades Integradas do Vale do Ivaí – UNIVALE. Monografia de curso de Letras. Ivaiporã, 2013. RESUMO Caetano Veloso é um dos ícones da música brasileira e em um ambiente de total efervescência social e cultural, Caetano Veloso começou a repensar a música popular brasileira. À medida que os anos 60 avançaram, a revolução da juventude avançou nos Estados Unidos e na Europa, mas no Brasil o que avançou foi uma ditadura militar que assumiu o poder em 1964 e que usou de censura e repressão para conter as reivindicações consideradas progressistas. Em 1966, Caetano recupera a ideia dos modernistas ao afirmar que era necessário uma retomada da linha evolutiva da música popular brasileira, a partir do exemplo dado pela bossa nova. Isso significava que a modernidade das guitarras elétricas e da canção pop internacional poderia ser muito bem aproveitada para a criação de uma canção popular com elementos tipicamente brasileiros. No ano seguinte, ele mostraria para o Brasil o resultado dessa ideia: a canção. Devido a isso, a proposta desse trabalho é uma análise geral acerca do tropicalismo, de sua propagação e de sua importância na afirmação da cultura brasileira. Além disso, tem o intuito de Identificar o dialogismo entre as músicas da época e analisar o formato e à estética tropicalista, enfatizando o papel de Caetano Veloso como um dos principais líderes desse movimento. Para tanto, faremos uma caracterização do movimento e do contexto histórico no qual se inseri a Tropicália. Neste contexto, pretende-se perceber as propostas de inovação que o movimento Tropicália buscou instaurar na música popular brasileira e sua vinculação nos meios de comunicação. Por fim, serão analisadas as músicas Tropicália, Alegria, Alegria e é Proibido Proibir, para que se possa constatar toda a veia crítica do movimento em questão. Palavras-Chave: Tropicalismo; Caetano Veloso; Crítica Social. SILVA . Fernanda Rodrigues . SILVA . Jaqueline Rodrigues . The vein in critical Tropicalia Caetano Veloso . Integrated College Valley Ivaí - UNIVALE . Bachelor's monograph . Ivaiporã , 2013 . ABSTRACT Caetano Veloso is one of the icons of Brazilian music and in an environment of complete social and cultural effervescence; Caetano Veloso began to rethink the Brazilian popular music. As the '60s progressed, the youth revolution has come in the United States and Europe, but in Brazil, which was moved to a military dictatorship took power in 1964, and that used censorship and repression to contain the claims considered progressive. In 1966, Caetano retrieves the modernist idea of the state that needed a revival of the evolutionary line of Brazilian popular music, from the example given by the bossa nova. This meant that modernity of electric guitars and international pop song could be very well used for the creation of a popular song with elements typically Brazilian. The following year, he would show to Brazil the result of this idea: the song. Because of this, the purpose of this study is a general analysis about tropical’s, its spread and its importance in the affirmation of Brazilian culture. Additionally, aims to identify the dialogism between songs of the time and analyze the format and appearance tropicalista, emphasizing the role of Caetano Veloso as one of the main leaders of this movement. To do so, we will characterize the movement and the historical context in which they inserted the Tropicália. In this context, we intend to realize the proposed innovation Tropicália movement that sought to bring in Brazilian popular music and its relationship to the media. Finally, we analyze the Tropicália songs, Alegria, alegria, and are forbidden to Forbid, so you can find all the critical vein of the movement in question. Key Word: Tropicália; Caetano Veloso; Criticism Social. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11 2. CONTEXTO HISTORICO ................................................................................................ 13 2.1 A DÉCADA DE 60 E O BRASIL............................................................................................... 13 3. TROPICALISMO ............................................................................................................... 16 3.1 HISTÓRIA DA TROPICÁLIA E SEUS PRINCIPAIS PARTICIPANTES.......................................... 16 3.2 CANÇÃO TROPICALISTA ...................................................................................................... 35 4. UM GRANDE NOME DA MÚSICA BRASILEIRA ..................................................... 36 4.1 CAETANO VELOSO .............................................................................................................. 37 5. ANÁLISE DAS MÚSICAS ............................................................................................... 38 5.1 TROPICÁLIA ......................................................................................................................... 39 5.2 ALEGRIA, ALEGRIA .............................................................................................................. 42 5.3 É PROIBIDO PROIBIR ........................................................................................................... 43 6. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 46 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 48 ANEXOS ................................................................................................................................. 50 ANEXO I .................................................................................................................................. 50 TROPICÁLIA (1967)-CAETANO VELOSO .................................................................................... 51 ANEXO II ................................................................................................................................. 52 ALEGRIA, ALEGRIA (1967)-CAETANO VELOSO .......................................................................... 53 ANEXO III ................................................................................................................................ 54 É PROIBIDO PROIBIR (1968) - CAETANO VELOSO .................................................................... 55 11 1. INTRODUÇÃO O Tropicalismo era um movimento cultural o qual surgiu sob a influência da vanguarda e da soma da cultura pop nacional, tanto a nacional quanto a estrangeira. Misturou manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais. Seus objetivos eram comportamentais e encontraram eco em boa parte da sociedade, a qual vivia o regime militar, no final da década de 1960. O movimento manifestou-se, principalmente, na música, mas também, atingiu manifestações artísticas diversas, como as artes plásticas. Além disso, é pertinente ressaltar que o movimento sofreu influências e influenciou o Cinema novo de Gláuber Rocha e o teatro brasileiro Um momento crucial para a definição da Tropicália foi o Festival de Música Popular Brasileira, no qual Caetano Veloso interpretou "Alegria, Alegria" e Gilberto Gil, ao lado dos Mutantes, "Domingo no Parque". No ano seguinte, o festival foi integralmente, considerado tropicalista e, no mesmo ano, foi lançado o disco Tropicália ou Panis et circensis, considerado quase como um manifesto do grupo. Vale ressaltar, ainda, que movimento tropicalista trouxe várias inovações para o cenário cultural brasileiro do final da década de 60, uma vez que promoveu um rompimento com a arte, obviamente, militante, que tratava da situação política do país na época da ditadura e tinha a melodia como um sustentáculo desta mensagem. Opondo-se a essa realidade, as letras tropicalistas eram inovadoras, criavam jogos de linguagem, e se aproximavam da poesia dos concretistas. As mensagens das letras eram codificadas e exigiam certa bagagem cultural para que fossem compreendidas. Exemplo disso é "Alegria, Alegria" de Caetano Veloso. a qual não tem sentido óbvio, mas carrega em sua letra preocupações típicas da juventude da década de 60, um tormento com a violência da ditadura e um desejo de inovar, de romper barreiras. Os artistas tropicalistas caracterizavam-se pelo excesso, roupas coloridas, cabelos compridos e agregavam várias influências musicais. A intenção era chocar e, por meio de performances caracterizadas pela violência estética, protestar contra a música brasileira bem comportada. Influenciados pela contracultura, apoderaram- 12 se da linguagem da paródia e do deboche. Os tropicalistas transformaram a música popular brasileira, sendo grandes expoentes da arte brasileira de vanguarda. Devido à importância desse movimento, esse trabalho tem o intuito de estudá-lo, e, de maneira especial, conhecer melhor a obra de Caetano Veloso. Para isso, primeiramente, cita o período que antecedeu o Tropicalismo no Brasil que passava por uma grande movimentação política e cultural. No ano de 1964, ocorreu o chamado golpe militar, quando os militares tomaram o poder durante o governo de Jânio Quadros. Foi um período bastante efervescente e contraditório da história cultural brasileira. As transformações ocorridas nessa época podem ser compreendidas de várias maneiras na sociedade: no comportamento e na ética, na cultura e nas condutas de vida. O movimento abriu as portas para uma política pacífica com as culturas e as sociedades distantes. Nessa época, houve grande fertilidade da produção cultural no nosso país. Isto é responsabilidade do movimento tropicalista, que ocorreu nos anos de 1967 a 1968. Em seguida, aborda a história do Tropicalismo que constituiu um desafio à crítica cultural dessa época. Os tropicalistas, influenciados pela produção de paradigmas da mudança cultural, da transformação estética e política da época, indicam uma situação nova, no contexto dos acontecimentos da cidade de São Paulo e Rio de Janeiro. Esse movimento abrangeu um período de quatorze meses. Por fim, aborda-se um dos principais líderes do tropicalismo que foi Caetano Veloso. Também insatisfeito com o Brasil que não era compatível ao momento de ditadura militar. A música era a manifestação artística mais aceita. Duas músicas de grande importância da época foram “Tropicália” e “Alegria, alegria”, sendo que suas letras eram totalmente inovadoras para a música popular brasileira além de serem carregadas de ideologias e ideias que são contrárias as normas estabelecidas, pois Caetano vem propor um caminho oposto, quebrando paradigmas e apoiando a evolução musical. 13 2. CONTEXTO HISTORICO 2.1 A DÉCADA DE 60 E O BRASIL A década dos anos 60, no Brasil, é apontada pelos cientistas sociais como um período muito rico cultural e politicamente. O desenvolvimento progressista anunciado por Juscelino Kubitschek, posteriormente colocado em xeque pela repressão pós-golpe de 1964, e permeado pelos atos institucionais, resultaram em uma ampla contestação ideológica na época, produzida pela intelectualidade brasileira. Somados à entrada da era eletrônica e a conquista do homem à Lua forma o período mais efervescente e contraditório da história cultural brasileira contemporânea (BAIRON, 2002, p.14). Nesse período, o país passava por uma grande movimentação política. Logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961, quem assumiu foi seu vice João Goulart, chamado de (Jango). Assumiu a presidência em um clima político adverso. Seu governo foi marcado por abertura às organizações sociais. Em seus planos, incluíam as reformas de base, que tinham por objetivo reduzir as desigualdades brasileiras, dentre elas, estavam as reformas bancária, eleitoral, universitária e agrária. Uma série de decisões foram tomadas para enfraquecer o presidente, principalmente pelo fato das elites temerem uma alteração social que ameaçasse seu poder econômico, em consequência disso, os partidos de oposição, como a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD), acusavam Jango de estar planejando um golpe de esquerda e de ser o responsável pela carestia e desabastecimento que o Brasil enfrentava. A principal delas foi a doação do parlamentarismo, que, em 1961 e 1962, concedeu funções do presidente ao congresso, que até então era dominado por representantes da elite. O regime presidencialista foi reestabelecido em 1963 após o plebiscito. A insegurança política e a crise econômica multiplicavam-se pelo país. Jango sugeriu as reformas constitucionais que aceleraram a reação das classes conservadoras, como, por exemplo, os empresários, os banqueiros, igreja católica, militares e classe média, os quais temiam uma guinada do Brasil para o lado socialista criando as condições para o golpe de 64. 14 Com as reformas, Jango pretendia controlar a remessa de dinheiro para o exterior, oferecer canais de comunicação aos estudantes e permitir que os analfabetos, maioria da população, votassem. Em 1964, o comício organizado por Leonel Brizola e João Goulart, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, serviu de estopim para o golpe. Neste comício foram comunicadas as reformas que mudariam o Brasil, dentre elas, determinou a reforma agrária e a nacionalização das refinarias estrangeiras. A elite logo reagiu: a imprensa, o clero conservador, o empresariado e a direita em geral, organizaram em São Paulo, a “Marcha da família com Deus pela liberdade”, que reuniu milhares de pessoas. O repúdio a qualquer tentativa de ultraje à Constituição brasileira e à defesa dos princípios garantias e prerrogativas democráticas constituíram o assunto mais pautado de todos os discursos e mensagens. O clima de crise política e as tensões aumentavam a cada dia. No dia 31 de março de 1964, tropas de Minas Gerais saem às ruas. Para evitar uma guerra civil, Jango partiu de Brasília para Porto Alegre, dois dias depois, deixa o país para se refugiar no Uruguai. O golpe militar de 1964 foi, amplamente, apoiado à época e um pouco antes por jornais como O Globo, jornal do Brasil e Diário de Notícias. Um dos motivos que conduziram ao golpe foi uma campanha organizada pelos meios de comunicação, para convencer as pessoas de que Jango levaria o Brasil a um tipo de governo semelhante adotado por países como China e Cuba, ou seja, comunistas, algo inadmissível, naquele tempo, quando se dizia que o que era bom para os Estados Unidos, era bom para o Brasil. Os militares tomam o poder. Durante esse governo, iniciou a enxurrada de decretos, Leis, Atos Institucionais e Emendas Constitucionais. Em nove de abril, é decretado o Ato Institucional número 1 (AI-1). Que autorizava a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos parlamentares, governadores, funcionários públicos e líderes sindicais, além dos ex-presidentes Jânio Quadros, João Goulart e Juscelino Kubistchek. Determinou também a eleição indireta para a Presidência da República. No mesmo mês, o general militar Castello Branco foi empossado presidente com um mandato até vinte e quatro de janeiro de 1967. Em seu 15 pronunciamento, declarou defender a democracia, porém ao começar seu governo, assumiu uma posição autoritária. Estabeleceu as eleições indiretas para presidente, além de dissolver os partidos políticos. Vários parlamentares federais e estaduais tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos e constitucionais cancelados e os sindicatos receberam intervenção do governo militar. Em seu governo, em outubro de 1965, é decretado o Ato Institucional número 2 que dissolveu os partidos políticos existentes e criou o bipartidarismo. Surgiu um partido do governo a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e outro de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em 1965, as liberdades civis foram reduzidas, o poder do governo aumentou e foi concedida, ao congresso, a tarefa de designar o presidente e o vicepresidente da república. O governo militar impõe, em janeiro de 1967, uma nova Constituição para o país. Aprovada neste mesmo ano, a Constituição de 1967 confirma institucionaliza o regime militar e suas formas de atuação. Em nove de fevereiro de 1967, surge e Lei de Imprensa para impor restrições à liberdade dos meios de comunicação, sobretudo aos jornais e revistas, prevendo ainda o direito à censura prévia a livros, revistas e espetáculos. No mesmo ano, assume a presidência o general Arthur da Costa e Silva, após ser eleito, indiretamente, pelo Congresso Nacional. Durante seu governo, cresce no país a reação ao regime militar, mobilizando diversos setores sociais e políticos no Brasil. A oposição ao regime militar cresce e com isso, a UNE (União Nacional dos Estudantes), organiza no Rio de Janeiro a passeata dos Cem Mil, uma manifestação de protesto em consequência da morte do estudante secundarista Edson Luis. A manifestação reuniu mais de cem mil pessoas, no centro da cidade do Rio de Janeiro, na zona conhecida como Cinelândia, o que representou um dos mais significativos protestos do período ditatorial do Brasil. Em treze de dezembro de 1968, o governo decreta o Ato Institucional número 5 (AI-5). Este foi o mais duro do governo militar, pois aposentou juízes, caçou mandatos, acabou com as garantias dos habeas-corpus e aumentou a repressão militar e policial. 16 3. TROPICALISMO 3.1 HISTÓRIA DA TROPICÁLIA E SEUS PRINCIPAIS PARTICIPANTES As transformações decorrentes dos movimentos da contracultura da década de 1960 podem ser compreendidas sob a ótica de uma mudança paradigmática em diversas esferas na sociedade: na cultura, nas condutas de vida, no comportamento e na ética, assim como nas relações materiais. Nota-se que, nessa década de movimento jovens de contestação, desobediência, liberdade e novos parâmetros éticos e comportamentais, deslocamse de qualquer movimento de esquerda tradicional como os que, também, dividiam lugar nas mentes dos jovens politizados e descontentes ou qualquer outro, politicamente, instituído. A ideia de que o movimento hippie e os novos movimentos pacíficos de desobediência que daí surgiram, e que, propôs para aquele momento histórico as mudanças que percebemos hoje é a concepção de que a transformação política (e suas abrangências nos setores sociais, cultural e econômico) deveria se dar pela transformação da percepção. A única forma de ter consciência da transformação que precisamos e como devemos fazer para alcançá-la é através da transformação de nossa própria percepção, para negarmos o sistema, a instituição política artística, econômica, a desobediência civil apareciam como uma forma mais ética e pacífica de transformação política; a guerra do Vietnã e a reabertura econômica liberal dos EUA pós-depressão contribuíram para o abandono dos valores morais vigentes, ligados ao consumismo, à vida ilusória que surgiu do descobrimento dos milhares de derivados do petróleo, o conservadorismo político e a violência. O âmbito global de informação que comportava as relações da localidade com o internacional, ou até mesmo com o intercontinental agiu de forma decisiva na possibilidade de ruptura com a cultura original e local desses espaços sociais e simbólicos diferentes para uma sensibilidade ou interesse por culturas, originalmente, distantes. A comunicação, nessa década, através do rádio, televisão e jornais pôde reunir aproximadamente, meio milhão de pessoas no festival 17 Woodstock, que em 1969 comportou-se em uma fazenda de uma pequena cidade próxima a Nova Iorque. O movimento abriu as portas para uma política pacífica com as culturas e sociedades distantes; a inserção da cítara e das teosofias indianas nas músicas dos Beatles em sua fase mais psicodélica expandiu a possibilidade de uma relação social, cultural e política pacífica com a Índia que há poucas décadas ainda era colônia da Inglaterra; o interesse pelas teosofias e filosofias orientais passou a questionar a lógica racional a qual se vive no ocidente, toda a raiz do pensamento, comportamento e da forma, como o ser humano vê o mundo. Não foi, apenas, na sociedade civil que esta mudança paradigmática pôde ser percebida; cientistas de diversas áreas, como o físico austríaco Fritijof Capra, que nos anos 60 relacionou a física moderna com as filosofias e teosofias tradicionais do oriente (taoísmo, budismo, hinduísmo); ou o psicólogo americano Timothy Leary, que escreveu “a experiência psicodélica” e estudou as possibilidades psicológicas do ácido lisérgico e a relação da experiência da substância com a de morte relatada no livro” tibetano dos mortos”. O mundo todo estava atento à guerra do Vietnã e havia outros acontecimentos políticos que tomavam conta dos assuntos internacionais, com o maio de 1968, a ditadura no Brasil e em outros países da América do Sul; o momento histórico parecia contribuir para a emergência de grupos sociais que pudessem conter esse impacto sem pegar em armas, mas desobedecendo, negando o que fosse imposto e impondo o que era negado. A década de 60 foi um período de grande fertilidade da produção cultural brasileira. Parte dessa fertilidade é responsabilidade da Tropicália ou Movimento Tropicalista, cujo período incide na datação de setembro de 1967 a dezembro de 1968. Essa denominação foi atribuída a manifestações artísticas espalhadas por diferentes ramos da produção cultural, como artes plásticas, com o trabalho de Hélio Oiticica; o cinema com as obras de Glauber Rocha; ou o teatro, com as peças dirigidas por José Celso Martinez. O Movimento da Tropicália constituiu um desafio à crítica cultural dessa época. Os tropicalistas, influenciados pela produção de paradigmas da mudança cultural, da transformação estética e política da época, indicam uma situação nova, no contexto dos acontecimentos das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (FAVARETTO, 1996, p.99). 18 Essa influência é feita por meio do dialogismo que o tropicalismo faz com as diversas fontes, fundamentando-se, em especial, nos princípios teóricometodológicos esboçados por Mikhail Bakhtin, em que homem e a vida são caracterizados pelo princípio dialógico. A alteridade marca o ser humano, pois o outro é imprescindível para sua constituição, isto é, a vida é dialógica por natureza. Assim, a dialogia é o confronto das entoações e dos sistemas de valores que posicionam as mais variadas visões do mundo: o permanente diálogo entre os diversos discursos que configuram uma sociedade, uma comunidade, uma cultura (BAKHTIN, 2002, p.5). O Movimento Tropicalista abrangeu um período de quatorze meses, entretanto não pode ser estudado, somente, nessa fase, pois buscou fontes em todas as épocas anteriores, deixou marcas culturais, até hoje, como o movimento do Mangue-beat, grupo musical do Recife. Revela-se uma aparente contradição, pois de um lado havia o desejo de ruptura com a tradição, e de outro, a reinvenção crítica e cultural dessa mesma tradição. Metaforicamente, nada melhor para expressar esse princípio do que a conhecida imagem dos movimentos de sístoles e diástoles: havia uma vontade de abertura para o mundo internacionalização cultural e, ao mesmo tempo, e um retorno em busca de uma identidade nacional e cultural brasileira. De acordo com Favaretto, o disco manifesto Tropicália é dialógico: cada música parodia certas imagens do Brasil, deixando entrever todas as outras em um sistema de interferência e revelações, em que cada música é um efeito de linguagem. Por ser polifônico, o disco opera a passagem da diacronia (as séries culturais, por meio das citações) para a sincronia das musicas, tendo também a fala de um sujeito que se dirige a outro (o ouvinte). Realiza-se, assim a interação de diversos níveis: o da música, o das paródias e o do contexto sócio-cultural. Favaretto aponta o fato de que a matiz antropofágico-tropicalista trouxe a tona uma revisão cultural, que já se iniciara desde o começo da década. Os temas dessa revisão eram a (re) descoberta do Brasil, o retorno às origens nacionais, a internalização da cultura, a dependência econômica e o consumo (FAVARETTO, 1996, p.23). As telenovelas já haviam surgido através das emissoras de televisão como a Excelsior e a Tupi. Logo seguidas pelos shows musicais como Fino da 19 Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues, a Jovem Guarda, com Roberto Carlos e os festivais de musica popular brasileira na TV Record. A contradição perdura: de um lado, compositores como Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo, Edu Lobo encontram intérpretes com Elis Regina, com matizes estético musicais que harmonizam o poético e o militante. De outro, aflora Caetano Veloso, rompendo as barreiras tradicionais da música popular brasileira estabelecida desde 1958, com a Bossa Nova de João Gilberto, com a música Chega de Saudade, abrindo caminho para o Tropicalismo. E a partir de 1967, após o sucesso da canção Alegria, Alegria, o cenário cultural e musical começa a modificar-se. Nesse mesmo ano, aconteceu em São Paulo a “passeata contra as guitarras elétricas” que representava a negação do público da música popular e brasileira às criações populares estrangeiras devido à necessidade que se fazia presente de valorizar o caráter nacional através da cultura, de forma que nossa música não se impregnasse de culturas imperativas distantes. Pode-se dizer que a música popular começou a despertar a atenção redobrada dos intelectuais, sobretudo a partir da Bossa Nova. Em 1960 o musicólogo Brasil Rocha Brito escreveu um balanço intitulado Bossa Nova, que procurou abordar a concepção musical do movimento por meio de uma “apreciação técnica”, mas já identificando que “nunca antes um acontecimento ocorrido no âmbito da nossa música popular trouxera tal acirramento de controvérsias e polêmicas, motivando mesas redondas, artigos, reportagens e entrevistas, mobilizando enfim os meios de divulgação mais variados” (CAMPOS, 1993, p.17). O riso traz sempre um incomodante: torna-se a expressão regeneradora, criadora de uma consciência nova, livre, crítica de uma época. Aliados a essa alegria, ao caráter ambíguo, às performances e aos mineirismos corporais, os tropicalistas eram vistos pelos chamados conservadores como agentes de provocação. (Backtin, 2002, p.61). O moderno convivia com o arcaico da mesma forma que o ideologismo com o esteticismo na produção artística dessa época. Isto é, de um lado aspirava-se à assimilação cultural, de outro, a explicitação dos conflitos e contradições. Segundo Bairon, a ideologia é importante para se repensar questões sobre a História da Cultura, e que com isso, o poder ideológico torna-se um controlador da produção cultural. Acrescenta que, em todos os momentos históricos nos quais o mundo cultural (costumes, religião, leis, literatura, festas etc.) se liberta 20 das grades políticas, vê-se a liberação de tudo o que há de melhor no homem. A tropicália, também, é marcada por essas mesmas características. Não se pode compreender o Brasil dos anos subsequentes, desconhecendo que as atividades lúdicas, o culto do prazer criou a estética tropicalista, uma estratégia inteligente e atenta as estruturas sócio-culturais do Brasil. No ano de 1967 no qual a Tropicália se apresentou pela primeira vez no programa “Frente única: uma noite da música popular brasileira”, os artistas que frequentavam esse palco consideravam a música popular brasileira, não apenas em suas estéticas que eram explicitas e, necessariamente, distantes da imposição da cultura norte-americana, mas visavam elevar a música sua capacidade política transformadora, instigando sentimentos de reprova à ditadura militar que, nesse período, era representada pelo Castello Branco, e seguidamente por Costa e Silva. De acordo com Calado, Caetano Veloso e Gilberto Gil, sempre, foram ligados à música, mas não profissionalmente. Era comum se encontrarem num bar para cantar e trocar ideias. Conheceram Maria das Graças (Gal Costa), e tinham afinidades pelos cantores da Bossa Nova (199 p.45-47). Caetano Veloso, em sua maneira individual de cantar como o tom baixo, recebeu influencias de João Gilberto e seu primeiro sucesso é coma música Alegria, alegria. Gilberto Gil, antes administrador de empresas, que tinha como ídolo Luiz Gonzaga, o seu baião e o som de percussão da banda de pífaros de Pernambuco. A primeira música de sucesso de Gilberto Gil foi “Domingo no parque”, com arranjo de Rogério Duprat. A polifonia do arranjo, a tensão melódica que sugere primeiro um repouso, e depois uma tensão crescente, se dirigindo à tragédia final, é coberta por personagens populares, vivendo situações do cotidiano. Essas duas músicas são de 1967, apresentadas no III Festival de Música Popular da televisão Record, em São Paulo. Ambas contrariavam a tendência antiamericana ou anti-inglesa estagnada na música nacional, seguindo tais composições com arranjos elétricos estilizados pela banda Os Mutantes e ainda pelos arranjos eruditos de maestros dispostos a inovar, como Rogério Duprat, Julio Medaglia e Damiano Cozzela. Esses elementos eram misturados e somados às letras de influência concretista, da qual o movimento ainda contava com poetas como Torquato e José Carlos Capinam. As primeiras representações resultaram na reprovação da interpretação dos tropicalistas sobre a interação entre os elementos culturais que, embora bem 21 estruturados não agradavam a percepção vigente, ou ainda a visão de mundo impregnada na MPB e no seu caráter de protesto e valorização de uma cultura nacional. O público vaiou a apresentação de Caetano Veloso em “é proibido proibir”, na qual o artista expõe sua opinião contrária à desclassificação de Gilberto Gil do concurso: (...) Eu quero dizer ao júri: me desclassifique. Eu não tenho nada a ver com isso. Gilberto Gil, está comigo, para acabarmos com o festival e com toda imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Nós só entramos no festival para isso. Não é Gil? Não fingimos. Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Entendeu? Eu só queria dizer isso baby. Assim, como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? Se vocês forem ... em política como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês... O júri é muito simpático, mas é incompetente. (VELOSO, Caetano, 1968), discurso da música “É Proibido Proibir”. A contracultura que acontecia nos EUA e no mundo não era algo que sensibilizava esse grupo da MPB da época formado pelos artistas de protesto; o foco político desses músicos limitava-se à localidade e negava-se a explorar interpretações do país que remetessem ao nosso subdesenvolvimento, ao relacionamento do Brasil com as culturas de fora, demonstrando resistência às guitarras elétricas e articulando formas de expressar mensagens contra a ditadura para circularem nas rádios, televisão e concursos através de seu veículo de protesto – a música. De outro lado, havia ainda a jovem guarda, formada por Erasmo e Roberto Carlos, um espaço para o rock antigo, que fala de romance e não está tão preocupada em combater a ditadura com todas as suas unhas a velha guarda do samba já estava a muito adormecida na música de disco e o lamento de Lúcio Alves deu lugar a música pop, que surgiu e veio a ser chamada Bossa Nova. A juventude de classe média carioca dos anos 1950 necessitava de um novo estilo brasileiro que pudesse sintetizar o sentimento angustiante que distanciava tanto o jazz americano – que aparecia como o sonho noturno desses jovens e músicos do rio – com aquele lamento modesto do sambista Lúcio Alves. O eixo Rio-São Paulo de produção cultural da época recebeu, então, no final dos anos 50, o artista nordestino João Gilberto, que soube como sintetizar as relações do jazz com o samba, criando uma nova síncope em um complexo harmônico-ritmíco que, explorado por ele, unicamente, no violão, estendia a beleza 22 da simplicidade do samba com a sofisticação do jazz, como uma homenagem romântica ao primeiro. A Bossa Nova virou pop e foi conhecida, amada, exportada e explorada pelos artistas brasileiros, internacionais e pelos jovens cariocas sedentos de novidade. A ruptura com o eixo Rio-São Paulo aconteceu mais um a vez e a novidade tropical parecia ir um pouco além das conquistas da Bossa Nova, abertamente, sua grande inspiração. Assim como a Bossa Nova soube encontrar um diálogo na música entre o jazz e o samba, tirando-os de seus territórios originais e transformando-os em um novo estilo que tem outros sentidos e grupos de apreciação, a Tropicália pretendia uma tarefa um tanto quanto intrigante: a popularização, ou a universalização da MPB. A estética tropicalista apresentava-se como um sincretismo harmônico entre produções simbólicas originais de espaços sociais e simbólicos diferentes, promovendo um diálogo que rompia com as estruturas musicais herméticas e encontrava um ponto de conciliação entre opostos como o erudito, o popular e o disco, entre o local e o global, nacional e internacional, as belezas típicas do Brasil e o subdesenvolvimento, moderno e pós-moderno. A influência da poesia concretista dos anos 60 pode ser percebida nessa nova concepção estética e política, a linguagem formada de colagem, mosaicos sincréticos, intertextualidade, entre outros recursos, assim como a visão dinâmica e multifuncional do Brasil era alvo da música tropicalista e essa visão de mundo estendia-se ao derrubamento de qualquer hierarquia artística na música que se determina a superioridade do gosto hegemônico sobre produções simbólicas marginais. O Tropicalismo aproximou os signos da indústria cultural e os emblemas da tradição brasileira de uma maneira tão forte que deslocou o debate nacional dos planos políticos para os estéticos (FAVARETTO, 1996, p19). A propulsão da indústria cultural assimilou essa controvérsia, os artistas estariam vinculados a posição “engajada” ou “alienadas” frente à “nova” realidade. E, de fato, muitos compositores e cantores tomaram para si uma missão de cultura, tornando-se intelectuais ao intervir sobre o terreno do político, compreendido no sentido de debate sobre a cité. Contudo, a situação política brasileira pós 1964 provocou ainda mais confusões sobre o papel da arte sob a sociedade de massas, e foi a penetração 23 popular da canção que a teria revelado como caminho ideal para a divulgação de determinados ideais e ideologias. Alguns artistas que vieram da Bossa Nova iniciaram um movimento que desembocou na chamada canção de protesto. Vinícius de Moraes, Carlos Lyra, Edu Lobo, Nara Leão, entre outros, começaram a tratar sobre os problemas sociais do país. Essa reversão temática, do “amor, o sorriso e a flor” para questões libertárias e participantes, nascendo e proliferando sob o debate, aprofundou o olhar crítico sobre a canção popular, enfatizando seu aspecto verbal e até mesmo sobrepujando as questões estéticas que num primeiro momento dominaram o debate sobre a Bossa Nova. O fato é que de uma maneira ou de outra a massificação cultural parecia exigir posicionamentos, e as controvérsias daí decorrentes não se restringiram ao Brasil. Os conhecidos questionamentos sobre a “cultura de massas”, como os propalados pelos teóricos de Frankfurt, ainda estavam em curso. Umberto Eco tratou, então, de esclarecer que “o universo das comunicações de massa é reconheçamo-lo ou não o nosso universo” (ECO, s/d: 11). Destarte, Eco identificou duas atitudes comuns frente à “cultura de massas”, a de aprovação e a de recusa, mas que poderiam constituir as duas faces de um mesmo problema, em que também os textos apocalípticos poderiam ser o “mais sofisticado produto oferecido ao consumo de massa” (ECO, s/d: 9). No Brasil, esse tipo de polêmica abrigou outros matizes, inicialmente, não estavam em questão somente as manifestações oriundas da Indústria Cultural, mas também, sua associação a processos culturais estrangeiros. Antes de se contrapor à “qualidade” de seus produtos, contestava-se a sua suposta ameaça às “tradições” culturais genuinamente brasileiras. Por exemplo, já em relação à Bossa Nova encontramos postura como a de José Ramos Tinhorão, visto que, apesar de seu inventário de argumentos, na base de sua recusa do movimento existia a preocupação, diante da influência do Jazz be-pop, com a “quebra de tradição” do samba, “através de uma espécie de esquematização destinada a transformar esse gênero de música popular carioca no âmbito da classe média numa pasta sonora, mole e informe” (Tinhorão, 1997:51). Essa relação com a cultura universal, sempre, foi foco de controvérsias, pois entre a recusa, assimilação ou transformação das influências externas, os intelectuais brasileiros tentavam, em verdade, refletir sobre uma inconfundível miscelânea. Sob esse aspecto, na década de 60, os intelectuais estavam se 24 voltando para as indagações dos modernistas como Mário de Andrade e Oswald de Andrade. No entanto, mesmo que essa diversidade de contraposições presentes nos discursos tenha, inevitavelmente, refletido sobre o trabalho dos artistas, a música popular não se ofereceu. Como observou José Miguel Wisnik, como um campo dócil à dominação econômica da indústria cultural que se traduz numa linguagem estandardizada, nem à repressão de censura que se traduz num controle das formas de expressão política e sexual, nem às outras expressões que se traduzem nas exigências do bom gosto acadêmico ou nas de um engajamento estreitamente concebido (WISNIK, 2004, p176-177). Assim, Wisnik conseguiu sintetizar as principais preocupações dos intelectuais entre aos anos 60/70, mas sem esquecer-se da existência da obra (música popular) em si, lembrando-nos que não se trata de um mero sintoma, de uma simples resposta ao contexto intelectual. Mas essa maleabilidade para se interpretar a música popular foi sendo conquistada aos poucos, sobretudo depois que o tema adentrou para o campo das investigações acadêmicas. Um processo de construção do conhecimento que permaneceu por muito tempo restrito ao universo da crítica, cujas indagações norteiam, até hoje, muitos trabalhos, visto que tanto intelectuais, quanto, artistas buscaram construir a “cultura brasileira”, deixando reflexões. Ademais, como constatou Daniel Pécaut,“esses intelectuais e seu público, os artistas contestadores e suas plateia formam um conjunto que tem uma presença política certa, com seus próprios modos de sociabilidade e identificação” (PÉCAUT, 1990: 2550), ou seja, essas relações e referências presentes no discurso sobre a música compõem, também, uma cultura política de ação na sociedade. Entre os artistas/intelectuais que propuseram interpretações sobre a música popular urbana no “calor da hora”, isto é, entre as décadas de 60 e 70, destacam-se Walnice Nogueira Galvão, Augusto de Campos, Júlio Medaglia, Affonso Romano de Sant’anna e Caetano Veloso. Muitos desses autores do “universo da crítica” mantinham estreitas relações com os músicos populares, exercendo profissões próximas ao cotidiano desses artistas. Situação que explica inclusive a agressividade diante das divergências ideológicas, gerando conflitos reforçados e aproveitados pela mídia, precisamente, como constatou Umberto Eco a respeito de sua fórmula “apocalípticos e integrados”. Mas a partir disso, a indústria 25 fonográfica percebeu, rapidamente, que o consumo era potencializado pelas disputas de “movimentos”, assim, estimulando os embates através das estratégias promocionais, pois “os ‘movimentos’ musicais deveriam ser bem configurados a partir de ‘rótulos’ reconhecíveis e direcionados a faixas de públicos específicas” (NAPOLITANO, 2001: 277). Aliás, muito da atração que os festivais de música exerciam sobre o público advinha dessa espécie de partidarismo formavam-se verdadeiras torcidas semelhantes ás dos clubes de futebol: MPB versus Jovem Guarda ou MPB versus Tropicália. E, de acordo com Chico Buarque, a disputa, também, se estendia aos músicos: “havia rivalidade entre nós, mas era uma rivalidade saudável, porque escancarada” (apud CHEDIAK, 1999: 12). Caetano Veloso, apesar de sua revolta diante da caricatural disputa que se criou entre ele e Chico, também, admitiu ,que na época, “havia uma agressividade necessária contra o culto unânime a Chico em nossas atitudes” (VELOSO, 1997: 233). Tudo isso acabava refletindo nas interpretações sobre a música, redundando em comprometimentos involuntários, mas em determinados casos se era parcial de uma maneira declarada e proposital. Evidentemente, que os estudos e pesquisas sobre a música popular urbana não se restringiu às polêmicas. Mas são com estas generalizações que começamos a identificar algumas motivações subjetivas para as reflexões artísticas e teórico-metodológicas. Se Augusto de Campos propôs uma abordagem baseada na Teoria da Informação e Affonso Romano de Sant’anna nas conexões com a literatura; os compositores, também, fizeram suas intervenções não só por meio de entrevistas e artigos, mas sobretudo pelas canções, as quais, eram interpretadas pelos críticos e passavam pelo debate. Entre os diversos debates, optamos por abordar mais detidamente aquele sobre o movimento tropicalista, justamente por abarcar a cumplicidade entre os artistas e críticos. A problemática começou a se configurar em 1965/66, quando Caetano Veloso se manifestou por meio do artigo Primeira feira de balanço, destacando que era preciso rever o legado de João Gilberto, o qual teria conseguido combinar inovação e tradição dando “um passo à frente”, sendo preciso retomar essa” linha evolutiva”. Tal ideia acabou norteando os rumos da obra de Caetano e do movimento Tropicalista, cujo marco foi o lançamento do LP Tropicália em 1968. Envolvendo diversos artistas (Caetano, Gil, Mutantes, Tom Zé, Gal Costa, Rogério Duprat e por associação, Zé Celso, Hélio Oiticica, Augusto de Campos, 26 Nelson Motta, entre outros) esse movimento realizou uma espécie de revisão crítica da cultura brasileira no âmbito da linguagem da informação e do consumo, despertando como se esperava, reações de oposição. Através dessa revisão, esse grupo legitimou sua atuação, pois estabeleceu antagonismos com outro movimento ou ideologia considerada dominante, realizando releituras de suas problemáticas mostrando suas inconsistências. Por isso, “a singularidade do tropicalismo se revela na situação em que apareceu, quando comparada com a ideologia de protesto” (FAVARETTO, 1996: 127). A estratégia básica usada para atrair as atenções foi o emprego do imprevisto, do choque e da ruptura extrema com o status quo adquirido pelo adversário, colidindo, por conseguinte, com o próprio público, do qual também se visava uma parcela. Certamente, tratava de uma atitude de risco, nem sempre atraindo olhares positivos, dependendo da validade conjuntural (ou histórica) da nova proposta. Assim, o tropicalismo realizou a crítica através da invenção e do estranhamento, trabalhando a consonância entre música, poesia, dança, canto e roupa, ao adotar, inclusive, materiais da Indústria Cultural sob a forma das propostas das vanguardas artísticas. Construindo assim uma alegorização da realidade, que provavelmente, não despertaria polêmicas na década seguinte, pois os ruídos, as guitarras, as roupas exóticas e coloridas estavam assimilados, dado que difundidos pela Indústria Cultural. Entretanto, nessas condições, não ocorreria a decodificação do sentido crítico de um movimento como o tropicalismo, a ambiguidade decorrente da colagem ou da “enumeração caótica” não seria facilmente perceptível. Pelo contrário, essas “técnicas” poderiam ser traduzidas como inserção à crítica na chamada cultura de massas, um voltar-se para si na contemplação do individual. No entanto, esse movimento surgiu em 1968 quando o ato da apropriação na arte contemporânea ainda era encarado em suas ambiguidades, exigindo reflexão. Portanto, identificar o lugar histórico do movimento é fundamental, só assim faz sentido a justificativa do Augusto de Campos: “naquele tempo, você era a favor ou contra”, ao colocar-se na linha de frente da “fuzilaria” a favor da Tropicália. A proposta ganhava a legitimidade do momento, pois se partimos do discurso de Walnice Nogueira Galvão, a MMPB (moderna música popular brasileira) estaria presa à mitologia do dia que virá, em canções de Geraldo Vandré, Edu Lobo, entre outros. Por exemplo: “certo dia que sei por inteiro/eu espero não vá 27 demorar/este dia estou certo que vem...” Ponteio Edu Lobo e Capinam (GALVÃO, 1976). Enquanto isso o Tropicalismo contemporâneo já “começa a sugerir uma preocupação com o aqui e agora, a pensar a necessidade de revolucionar o corpo e o comportamento, rompendo com o tom grave e a falta de flexibilidade da prática política vigente”. Por exemplo: “eis que eles sabem o dia de amanhã/ eles sempre falam num dia de amanhã.../ todo o seu passado no dia de amanhã...”. Eles – Caetano e Gilberto Gil (HOLLANDA, 1992:61). A partir disso, Augusto de Campos, do grupo dos poetas concreto, escreveu diversos artigos acerca da música popular, publicando no início de 1968 uma coletânea de artigos “O Balanço da Bossa”, na qual defendia uma visão evolutiva da música popular, que o “grupo baiano” (Caetano, Gil, Gal, Torquato, etc.) estaria concretizando. Ora , nesse mesmo ano o movimento tropicalista se estruturou, divulgando-se através de discos, happenings, shows, da televisão; e entre seus “teorizadores” estava Augusto de Campos que explicava as músicas e atividades tropicalistas, definia conceitos e objetivos, interpretava e construía as “engrenagens”, logo adotadas pelos artistas: “afinal, não era nada que viesse desmentir ou negar a nossa condição de artista, nossa posição, pensamento, não era. Mas a gente é posta em certas engrenagens e tem que responder por elas” (apud FAVARETTO, 1996: 21) SALIENTOU Gilberto Gil. Desse modo, semelhante ao que ocorria nas artes plásticas, os críticos interpretavam para o público o sentido das atividades artísticas, por isso pode-se dizer que Augusto de Campos atuou no movimento ao se propor, por exemplo, interpretar as experimentações ao vivo (efêmeras) realizadas pelos tropicalistas, os happenings. Essa arte do precário e do passageiro exigia uma análise para materializar seus efeitos, tratando-se de uma manifestação de contexto que provoca diversas reações no público: “Não gostei. Não entendi nada”. “É a própria estética que entra em crise, para dar lugar a uma possível “lógica de preferência”, que seria a estética da sociedade de massa ou de consumo em massa” (PIGNATARI,1971:234). Por isso, foi de grande importância a atividade do crítico para o movimento, e as considerações acima esclarecem “a lógica de preferência” na qual se inseriu Campos quando escreveu o artigo “É Proibido Proibir os Baianos” publicado no Correio da Manhã em 30/10/68. Esse artigo parece-nos muito sugestivo, pois, tratando-se de uma clara tomada de posição, o autor realiza uma 28 síntese das influências e objetivos do movimento. O pretexto é um incidente com Caetano Veloso ocorrido, semanas antes, nas eliminatórias do III Festival Internacional da Canção no TUCA (Teatro da Universidade Católica), no qual Caetano ao apresentar sua canção “É proibido proibir” foi severamente repudiado com vaias pelo público, realizando um happening de protesto contra esta reação. Campo, que estava presente nesta apresentação de 15 de setembro, escreveu o artigo supracitado em favor de Caetano e repudiando a reação do público, em um texto na mesma linha do discurso proferido por Caetano na ocasião, porém com maior embasamento teórico. A Tropicália desmistifica a tradicional música brasileira ao colocar em conflito seus principais elementos a partir de novos dados obtidos com associação a música de vanguarda. Assim, Caetano e os baianos levam toda esta “implosão informativa” para o consumo, pois produzem informação ao violarem o código de convenções que o rege. Essa violação ocorre em consequência da criação de uma nova linguagem que associa diversos elementos sonoros e visuais. Caetano, Gil e os Mutantes ao atuarem dessa forma foram intensamente vaiados, mas souberam se apropriar da ocasião, inserindo tudo num happening, assim produzindo informação nova a partir do estranhamento. Contudo, diz Campos, esta mensagem não foi apreendida pelo público que estava preso a preconceitos ideológicos (conservadores, stalinistas e nacionalóides). Assim, o autor deixa claro quem é o seu interlocutor, parte da esquerda e os adeptos da canção de protesto, aqueles que ainda se pautam na oposição entre participação e alienação, dicotomia anulada pelos tropicalistas ao tentarem despertar “a consciência da sociedade repressiva que nos submete”, mas esse público estaria alienado a essa condição, negando.-lhe Campos tenta, portanto, pôr a limpo a incoerência desse público que vaiou Caetano, por meio de um argumento semiótico, justificando, destarte, seu ataque direto aos “protestistas”. Ademais, acaba justificando a vaia tanto por meio da Teoria da Informação quanto pela comparação com grandes artistas do início do século que também, em seu tempo, foram vaiados e incompreendidos (Maiakovski, Schonberg e Debussy, entre outros), mas que enfim eram grandes gênios inventores. O público de Caetano no TUCA cometeu o erro de dispensar informação criativa, por estar preso à redundância cultural e integrado inconscientemente a preconceitos e ao Sistema. 29 De tal maneira, justifica-se o movimento tropicalista ao mesmo tempo em que se desatualiza qualquer oposição naquele momento, pois ao colocar o grupo como vanguarda (“É proibido proibir ficará como marco de coragem e integridade artística”) desloca-se seu julgamento para o futuro. Por isso recusa o uso do sufixo “ismo” que historicista o movimento, daí a preferência pelo termo “protestistas” em referência aos ditos adversários, encerrando esse grupo dentro do chamado Sistema, ou seja, nos limites do previsível. Por esse mesmo viés de desqualificação, remete-se ao público dos festivais, que seria, especificamente, de universitários e não o “povo”, colocando em dúvida o caráter popular do festival. Por outro lado, à “música popular de vanguarda” elaborada pelos tropicalistas, não se aplicaria mais o termo “popular” com sua definição corrente: “São eles, hoje, indiscutivelmente, cantando simples ou menos simples, com ou sem pretensão, a vanguarda viva da música popular brasileira, talvez já não tão “popular”, na acepção meramente quantitativa do termo, mas a partir deles cada vez mais inventiva (CAMPOS, 1993:292)”. Diante disso, a complementaridade entre o texto de Campos e o discurso proferido por Caetano Veloso no TUCA, reforça a nossa ideia de mão dupla entre crítica e tropicália: “o problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira”. Esta frase do discurso de Caetano foi, como vimos, reanimada por Campos, e tamanha parcialidade do crítico foi comentada, posteriormente, até pelo próprio Caetano: “na defesa ostensiva dos tropicalistas, Augusto de Campos deixara ver não apenas como se desenvolvera sua combatividade, mas também como esta mesma combatividade criara-lhe limitações” (VELOSO,1997:225). Assim, de acordo com Marcos Napolitano, a crítica de Augusto de Campos foi eficaz como contribuição para uma “visão heroica” do tropicalismo super dimensionado o ato de ruptura com um segmento, esteticamente, conservador da MPB. Portanto, o crítico tropicalista teria construído uma estratégia de confirmação para uma “vanguarda heroica”, contribuindo para criação de mitos a respeito do movimento, como se este tivesse de fato rompido com as “estruturas dos festivais”. Mas, na verdade, os tropicalistas não teriam atuado sobre códigos desconhecidos pelo público, mas ampliaram esses códigos que organizavam os critérios de avaliação julgamento estéticos, até então difusos no panorama cultural brasileiro (NAPOLITANO, 1999:275). 30 Contudo, aos olhos de muitas pessoas, o tropicalismo de fato rompeu algumas “estruturas”. Para Paulinho da Viola, por exemplo, antes havia movimentos de música popular, “algumas vezes até forçadas por festivais”, “depois do movimento tropicalista isso acabou. Foi uma coisa muito forte, crítica, que pôs por terra uma série de valores, ridicularizou bastante os valores aos quais a gente também vinha se agarrando até então”. Ou seja, promoveu uma abertura para criação “e é até errado se ficar discutindo a utilização de qualquer elemento dentro de uma música, mesmo sendo do passado ou do futuro, ou de agora” (apud CICLO, 1975:98). Por outro lado, é interessante citarmos a crítica severa, porém ponderada de Chico Buarque quando começaram a tachá-lo como “passadista” em relação aos tropicalistas: “não se trata de defender a tradição, família ou propriedade de ninguém. Mas foi com o samba que João Gilberto rompeu as estruturas da nossa canção (...) e não precisa dar muito tempo para se perceber que nem toda loucura é genial, como nem toda lucidez é velha” (Holanda, 9/12/68). A influência da estrutura literária do concretismo no tropicalismo foi importante, porque, a partir daí, houve o emprego de versos mais livres e soltos, nos quais se buscavam uma linguagem crítica em relação à sociedade de consumo, à política brasileira do período e a todos os problemas que estavam acontecendo. Para Haroldo de Campos, a Tropicália era uma visão brasileira do mundo sob uma espécie de “devoração”, para uma assimilação crítica da experiência estrangeira e sua reelaboração em termos e circunstâncias nacionais, alegorizando, nesse sentido, o canibalismo de nossos selvagens (CAMPOS, 1993,p.23). Aparecem algumas evidências na letra das canções tropicalistas com a poesia concreta, como forma não discursiva, os vocábulos concisos e sonoros, o uso da paródia e a preocupação com a síntese, a montagem, e a justaposição direta, até para evidenciar o efeito cinematográfico que eles pretendiam dar às músicas. O lirismo é deixado de lado para assumir uma linguagem culta, para mostrar que era impossível a canção ser um veículo ideológico coerente e orgânico se estiver submetida à indústria cultural. Promoveram a síntese da música e poesia, entre melodia e texto, em que a letra não da para ser analisada independente da melodia. Poe exemplo, Gilberto Gil realiza um canto falado em aquele abraço, onde Caetano Veloso recria uma nova significação totalmente oposta a Vicente Celestino, isto é, uma reinterpretação. 31 Além do experimentalismo, em que misturavam instrumentos elétricos (internacionalização), o violão (da Bossa Nova), o berimbau (instrumento regional), a diversidade de canais de gravação, sonoridades estranhas como uivos, gritos, sons desconexos, ainda exploravam aspectos visuais, como as roupas de plásticos, e corporais, como os mise-em-scénese os happenings que produziam, numa forma de provocação. Incomodavam, porque suas letras e músicas não pertenciam ao código conhecido do público. Promoviam a vinculação do texto e melodia, a materialidade do canto e da fala, o movimento do corpo na linguagem musical, sugerindo sensualidade explícita, deixando, posteriormente, um herdeiro ressaltado em tons mais fortes Ney Matogrosso. Eles enfatizavam o cafonismo e o humor, contribuindo para o impacto das construções paródico-alegóricas. O corpo era um elemento na canção e junto com a voz, a roupa, a letra, a dança, formava a dramatização. Mas é na alegoria que o tropicalismo parece ser mais lembrado, pelo antropofagismo e sua deglutição na reelaboração em circunstâncias nacionais, alegorizando, nesse sentido, o canibalismo de nossos selvagens. Na reflexão de Olson, o alegórico, em que os sentidos literais, isto é, os sentidos que, normalmente, denotam a verdade, é usado para significar o que se sabe ser falso (OLSON, 1997,p.244). Alegoria é temporal, porque significa algo, sempre, diferente do que parece. Benjamim diz que as alegorias são para o pensamento, o que são as ruínas no reino das coisas (apud FAVARETTO, 1996,p.110). E a metáfora que sugere causa um estranhamento no ouvinte, causando um conflito entre o que ouve e o que vê, que o obriga a avaliar novos códigos, a rever valores. Desde os modernistas de 1922 a passado pelos concretistas, os tropicalistas e o universo barroco na ficção das telenovelas têm-se um percurso curioso: e inversão dos valores, a mistura dos estilos da linguagem oral e escrita, a preocupação com a visualidade são instâncias permanentes na história da cultura brasileira, as quais definem o fenômeno conhecido por carnavalização. Essa atitude estética encontra as suas raízes na tradição popular. A diversidade faz a dinâmica dos traços barrocos da cultura brasileira, na qual as razões e paixões do cotidiano nacional foram sempre projetadas no domínio do saber, da arte, das religiões, da política. O tropicalismo cumpriu, assim, um papel carnavalizador no âmbito da nossa cultura, tendo sido, simultaneamente, debochado, crítico, restaurador e 32 prospectivo. Todas essas relações são misturadas no mesmo sentido de devoração de antropofagia de Oswald de Andrade. O tropicalismo, também, tenta reapropiar-se do realismo grotesco das festas carnavalescas presentes no folclore, no circo, na piada, na gíria, nos chavões. O interesse pelo programa Abelardo Barbosa, o Chacrinha, não era casual, porque o conceito do programa era o de um circo, de um parque de diversões, ou de um carnaval de rua. Segundo Burke (1991, p.222), o carnaval representa a inversão das relações entre o homem e homem, fosse inversão etária, inversão de sexo ou outra inversão de status, uma tentativa de inverter o mundo. Dessa forma, os tropicalistas enfatizavam o cafonismo e o humor, contribuindo para impacto das construções paródico-alegóricas. O homem é movido pelo desejo da quebra dos interditos, pelo verdadeiro uso de sua liberdade, pela vontade de transpor limites. Um autor que se preocupa com interdições é Bakhtin. Ao tratar da carnavalização, afirma que o carnaval é a própria vida que representa, e por certo tempo o jogo se transforma em vida real (BAKHTIN,2002,p.7). Na festa se aliviam os interditos, os espaços deixam de ser privados e as máscaras equalizam as condições das pessoas. Adota-se no tempo da festa um princípio de igualdade entre os homens. Nesse texto, é na construção das canções que se encontra internalizado o discurso do carnaval do tropicalismo: ambivalência, ausência de sujeito, integração do grotesco, riso da tragicomédia, oposição entre espaço aberto e fechado, entre tempo de espera e movimento, mistura de ritmos populares em formas cultas de música, no requinte estético de construção das letras. As manifestações artísticas, constantemente, estão à procura de novas perspectivas, buscando romper com conceitos ultrapassados na tentativa de formular uma expressividade coerente com seu tempo. Todavia, a maior parcela dos indivíduos não está preparada para linguagens transformadoras, por isso, rejeitam o que lhes espantam, o novo dessemelhante. Foi o que ocorreu com o movimento Tropicália. Conforme TOFFANO (2009), a tropicália foi um movimento artísticocultural ocorrido no Brasil e tem seus episódios instituidores centrados em 1967, ainda que o movimento tenha tomado proporções somente em 1968, a partir de um manifesto despretensioso de Nelson Motta no jornal Última Hora, intitulado “Cruzada 33 Tropicalista”. O movimento brotou sob influência de diversas correntes artísticas, dentre elas, se destacam, a vanguarda, a cultura pop nacional e a estrangeira. A tropicália atinge diferentes áreas artísticas, podendo ser considerada uma síntese do radicalismo cultural que tomou conta da sociedade, sobretudo de sua juventude. Segundo Correa (2009) o movimento executou uma espécie de análise crítica da cultura brasileira na esfera linguística, do conhecimento e o consumo, provocando, como se aguardava, reações de aversão. Por meio desta revisão, esse grupo autenticou sua ação, pois instituiu incompatibilidade com outro movimento ou ideologia avaliada como influente, fazendo releituras de suas problemáticas e apontando suas incoerências. Devido as características contidas no diagnóstico acima, “a singularidade do tropicalismo na situação em que apareceu, quando comparada com a ideologia de protesto” (FAVARETTO, 1996,p.127). A tropicália traz consigo uma nova perspectiva que contrapõe as inclinações da música brasileira do período, conforme enfatiza ZEMANOVÁ: A música brasileira pós Bossa Nova e a definição da qualidade musical no país estavam cada vez mais dominadas pelas posições tradicionais ou nacionalistas de movimentos cujas ideias foram orientadas à esquerda. Contra essas tendências, os tropicalistas procuraram universalizar à linguagem da música popular brasileira incluindo elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodélica, a guitarra elétrica. As ideias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização nos só da música, mas também da própria cultura nacional. (ZEMANOVÁ,2009 p.10). O movimento embasava-se na estética e almejava que as manifestações artísticas mudassem. No âmbito do musical, restauraram as letras das músicas e incorporaram novas alusões do seu tempo. Os tropicalistas, quebraram paradigmas no país, quando misturaram rock mais bossa nova, samba e bolero, logo, que na visão tradicionalista da temporalidade tais combinações eram impensáveis. Além da música, o movimento abarcou uma diversidade de manifestações artísticas, entre elas, estão; o teatro, a literatura, as artes plásticas, poesia e o cinema. No seio destas manifestações tropicalistas são perceptíveis fins políticos e sociais, principalmente comportamentais, que encontraram eco em boa parte da população que viva sob regime militar. Conforme Napolitano (2001), a tropicália pode ser vista como contestação a uma conjuntura das propostas de engajamento cultural, abalizada na cultura “nacional-popular” e que cada vez mais era submergida pela indústria cultural e 34 isolada do contato direto com as massas, após o golpe militar de 1964, os gêneros artísticos tinham como ponto de referência apenas a elite e as produções artísticas buscavam atender, sobretudo, esse público alvo. Sendo assim, as massas estavam vivendo a margem no que se alude à representação cultural, o movimento tropicalista vem buscar contestar esses padrões. Aos tropicalistas inversamente aos artistas nacionalistas de esquerda acreditavam que “entender a cultura de massa tinha tanta importância quanto entender as massas revolucionárias” (ZEMANOVÁ,20096,12). Contrariamente à proposta da esquerda nacionalista, que atuava no sentido da superação histórica do nosso absolutismo males de origem, sendo o subdesenvolvimento e o conservadorismo, conforme Napolitano (2001), o tropicalismo surgiu assumindo as características do país, suas relíquias. Essa nova postura dos artistas por um lado se afastava da crença da superação histórica do arcaísmo (não só estéticos, mas sobretudo, socioeconômicos) base da cultura de esquerda [...] o artista, este princípio, seria um antropófago e ao deglutir elementos estéticos, diferentes entre si aumentaria sua força criativa (NAPOLITANO, 2001,p.65 Ainda de acordo com o mesmo autor, o estilo adotado pelos tropicalistas causou estranheza por parte do público, pois o tropicalismo justapõe elementos múltiplos e fragmentados na cultura brasileira, o movimento retoma o princípio de antropofagia do poeta Oswald de Andrade. O conceito “devorar” de Oswald de Andrade esteve presente no movimento tropicália e foi essência para rediscutir a produção cultural e se torna um procedimento seguido pelos próprios tropicalistas para a conquista da finalidade de ser mais que apenas que um movimento musical, como afirma Veloso (1997) A ideia do canibalismo cultural servia-nos aos tropicalistas como uma luva. Estávamos “comendo” os Beatles e Jimmy Hendrix. Nossas argumentações contra atitude defensiva dos nacionalistas encontravam aqui uma formulação sucinta exaustiva. Claro que passamos a aplicá-la com largueza e intensidade, mas não sem cuidado, e eu procurei, a cada passo, repensar os termos em que adotamos. Procurei também e procuro agora relê-la nos termos originais tendo em mente as obras em que ela foi concebida para defender, no contexto em que tal poesia e tal poética surgiram. Nunca perdemos de vista, nem eu nem Gil as diferenças entre as experiências modernistas dos anos 20 e nossos embates televisivos e foto mecânicos dos anos 60. (VELOSO,1997,p.248). De acordo com Caetano Veloso (1997), os tropicalistas retomaram as considerações de Oswald tendo em vista promover uma reinvindicação do cenário 35 cultural brasileiro, buscando a introdução de elementos distintos de outras matrizes culturais, das raízes mais antigas as mais atuais. O movimento foi reprimido pelo governo militar pelo decreto do Ato Institucional n°5 (AI-5), em dezembro de 1968. Quando Caetano Veloso e Gilberto Gil são presos e, depois, exilam-se na Inglaterra. Porém, a cultura brasileira estava marcada por esta nova proposta que persiste até os dias atuais. 3.2 CANÇÃO TROPICALISTA A ideia de Caetano Veloso e Gilberto Gil, os líderes do movimento tropicalista, era a criação musical, permeada por uma sincronia e alinhamento comuns. Para as músicas, eles canalizavam as ideias, mensagens, motivos e intenções do movimento: a busca pelo novo de caráter estético e cultural. Isso se confirma com Celso Favaretto (1996, p.17), que “o tropicalismo surgiu mais de uma preocupação entusiasmada pela discussão do novo, do que propriamente como movimento organizado”. Assim, em declaração ao mesmo autor, Caetano Veloso (FAVARETTO, 1996, p.24) afirmava: “Eu e Gil estávamos fervilhando de novas ideias. Havíamos passado bom tempo tentando aprender a gramática da nova linguagem que usaríamos, e queríamos testar nossas ideias, junto ao público [...] Trabalhando noite adentro, juntamente com Torquato Neto, Gal, Rogério Duprat e outros. Ao mesmo tempo, mantínhamos contatos com artistas de outros campos, como Glauber Rocha, José Celso Martinez, Hélio Oiticica e Rubens Gerchman. Dessa mistura toda nasceu o tropicalismo e a tentativa de superar nosso desenvolvimento partindo exatamente do elemento “cafona” da nossa cultura, fundindo ao que houvesse de mais avançado industrialmente, como guitarras e as roupas de plásticos. Não posso negar o que já li, nem posso esquecer onde vivo”. Embora não se revestisse revolucionária ou politicamente, a multiplicidade de faceta do movimento não poderia ter como resultado o impacto menor. Na realidade, mais do que um discurso engajado, a música era um canal propício para a criação dos novos caminhos que buscavam Caetano Veloso e Gilberto Gil. Numa decomposição das músicas do movimento, buscava a estética que se privilegiava do momento, na qual a Música Popular Brasileira se encontrava. Com isso, essa foi colocada no mesmo nível do que vinha acontecendo no teatro, nas artes plásticas e na literatura. 36 O caráter antropofágico foi feito pela mistura de elementos culturais local, nacional e do exterior, com resultado desmistificador dos símbolos e ídolos do país. Isso aparece, por exemplo, na canção Alegria, alegria. Nessa música há a introdução da guitarra e sons elétricos, teve-se uma hostilidade contra os cantores, como se estivesse em discussão à integridade Música Popular Brasileira. No caso do disco manifesto foram abertas as possibilidades de experimentações vocais, principalmente com Gal Costa (na época, Maria da Graça). Diante desse cenário de música por que toda a estrutura de pensamento e criação musical desenvolvia-se sob interferências tão marcantes, nesse sentido, houve um estranhamento em, relação à estética e aos ouvidos daquela época. Isso ocorreu, porque o público estava habituado à outra forma de harmonia e estrutura poética. 4. UM GRANDE NOME DA MÚSICA BRASILEIRA 37 4.1 CAETANO VELOSO Um dos mais importantes nomes do movimento tropicalista, Caetano Veloso nasce no dia sete de agosto de 1942 na cidade de Santo Amaro da Purificação no estado da Bahia. Em 1965 o músico, cantor, compositor e escritor inseriu-se profissionalmente no meio musical, com o trabalho “Cavaleiro\ Samba em Paz”, neste período, Caetano conheceu Gil, Gal e Tom Zé. Em 1970, Caetano lança na Inglaterra seu primeiro disco concebido e gravado no exílio, “Caetano Veloso”. No ano seguinte, Caetano volta ao Brasil, e apresenta-se na TV Globo e TV Tupi. Nessa mesma década a canção “Alegria, alegria” vira tema principal de uma novela da Rede Globo, da qual o nome foi tirado de um de seus versos: “Sem Lenço Sem Documento”; verso que, por sua vez; foi tirado do livro “As Palavras”, do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre. No ano de 1981, lança seu novo álbum “Outras Palavras”. Que se torna o mais vendido da carreira do artista, 100mil cópias, o que lhe garante o primeiro Disco de Ouro. Sua carreira decolou, internacionalmente, no ano de 1988, fez shows em Paris, Nova Iorque, Itália, inseriu-se, também, no cinema, nesta mesma época. Alguns anos depois, é lançado o livro “Caetano – Esse Cara”, é publicado pela Editora Revan, contendo depoimentos dados ao longo da carreira em várias publicações, emissoras de rádio e de televisão. O desejo de comemorar os vinte e seis anos de Tropicalismo e os trinta de amizade, reúne, novamente, Caetano e Gilberto Gil, para a gravação de um novo disco. O trabalho começou a ser preparado antes e marcou a retomada da parceria dos dois. Nesta mesma época, houve o lançamento de “Tropicália 2”, de Caetano e Gil. O disco mais esperado e comentado no Brasil. Entre os destaques, o hit “Haiti”, rap social da dupla. Eles apresentaram o espetáculo no Rio de Janeiro. Em 1995, o poeta, escritor e compositor, iniciou a escrita de um longo livro de reminiscências, impressões, visões e opiniões sobre os anos 60. Dois anos depois, foram lançados um livro e um disco. No início do mês, sai “Verdade Tropical” da Companhia das Letras. O esperado livro de Caetano, em que ele abordava a mais profunda e pessoal das visões acerca dos principais aspectos e acontecimentos relacionados com o movimento tropicalista. Vale ressaltar que a publicação é amplamente debatida nos principais centros intelectuais do país. 38 No ano seguinte, recebeu várias homenagens devido aos trinta anos da Tropicália. No ano de 2000, recebeu vários prêmios, se apresentou com diversos artistas importantes, dentre eles Pavarotti. Passados três anos, recebeu o prêmio do 4º Grammy latino 2003, como melhor álbum de Música Popular Brasileira. Atualmente, continua a cantar, a compor e dirige trilhas sonoras de filmes. 5. ANÁLISE DAS MÚSICAS 39 5.1 TROPICÁLIA Conforme Celso Favaretto (1996, p.32) em Tropicália, Alegria, Alegria: “Os tropicalistas realizaram a vinculação de texto e melodia, explorando o domínio da entoação, o deslizar do corpo na linguagem, a materialidade do canto e da fala, operados na conexão da língua e sua dicção, ligados ao infracódigo dos sons que subjazem à manifestação expressiva’. Na análise da músicaTropicália o que é ressaltado em “sobre a cabeça os aviões, sob os meus pés os caminhões aponta contra os chapadões, meu nariz”, é uma construção de sincronismos de tempos que se justapõem e formam um recorte fotográfico. Isto é, as cenas descritas remetem a imagens de fragmentos obtidos pela técnica cinematográfica. Há também, uma associação do particular para o genérico, como por exemplo, falar em Brasília e Brasil, respectivamente. Ou contrapor o arcaico e o moderno pela paródia do nacionalismo sentimental, como aparece nessa parte da composição (FAVARETTO, 1996,p.64): o monumento é de papel crepom e prata os olhos verdes da mulata a cabeleira esconde atrás da verde mata do luar do sertão o monumento não tem porta a entrada é uma rua antiga estreita e torta e no joelho uma criança sorridente e morta estende a mão viva a mata-ta-ta viva a mulata-ta-ta-ta-ta Observam-se referências literárias: o Catulo da Paixão Cearense de Luar do Sertão, os termos românticos estilizados “como olhos verdes e cabeleiras negras” 40 de José de Alencar e Gonsalves Dias. Na imagem o monumento é de “papel crepom e prata” aparece a contraposição de materiais rígido e maleávele em “sorridente e morta”, a tônica de choque dos antônimos. Também aparecem signos de subdesenvolvimento dentro do desenvolvimento, por exemplo, em “ no pátio há uma piscina , com água azul da amaralina, coqueiro brisa e fala nordestina, e faróis”. Os elementos que indicam a natureza referem-se à nacionalidade, e os artificiais à modernização burguesa. O caráter de carnavalização e desmistificação da política direita é vista na manipulação dos códigos da natureza quando aparece na canção, “na mão direita tem uma roseira, autenticando eterna primavera, e nos jardins os urubus passeiam, a tarde inteira entre ao girassóis”. Em contraposição, dão sentido figurado “no pulso esquerdo um bang-bang”, “acordes dissonantes” e “olhos grandes sobre mim”. Na última estrofe, há um sentido de alívio das pressões políticas feitas pelos meios de comunicação, quando aparece na letra da música: “o monumento é bem moderno, não disse nada do modelo do meu terno, que tudo mais vá para o inferno meu bem”. Essa análise, caracterizada por Favaretto (1996, p.67) como circularidade, sofre momentos que se alternam entre a tensão crítica e a inversão de valores pela carnavalização de valores, quando se refere a “domingo é o fino da bossa, segunda-feira está na fossa, terça-feira vai à roça, porém”. Percebe-se, que embora não engajados em nenhum movimento político, grupo revolucionário ou filosófico, o tropicalismo abordou a estética e o quadro cultural, porque universalizou sua poética e o sentido de suas canções. Essa condição pressupôs questionamentos acerca desse contexto. Com isso, o público observou em sua ótica defensiva, que o tropicalismo subvertia essa estética poética e sua dimensão musical como uma nova proposta. Essa característica aparece representada na música Panis et circenses, pela sua denúncia sutil aos costumes, convenções e futilidades do ambiente familiar decadente. Caetano e Gil retratam a cômoda posição da família preocupada somente, em nascer e morrer, enquanto o mundo muda, evolui e explode em crises. Esse quadro é o de um grupo alienado da realidade, conservador e à revelia do senso comum, que ao redor da mesa simboliza a família unida e feliz. Essa inquietude marcante nos compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil produz obras que são dotadas de beleza poética, riqueza musical e criatividade 41 nos arranjos. Porém são pontuadas de humor cáustico, crítica à falsa moral, provocativas, investigadoras e estimulantes. Na música de Caetano, há intertextualidade (paródia), com a carta de Pero Vaz Caminha no descobrimento do Brasil. Episódio que aconteceu por acaso, o baterista Dirceu do RC7 (banda do Roberto Carlos), mesmo sem saber do que se tratava a letra (que foi gravada depois da música). Ouviu apenas o arranjo de percussão e os cantos de pássaros, fez uma brincadeira que foi gravada. Fato que realça o estilo cubista, e vanguardista da música: “Quando Pero Vaz Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis, escreveu uma carta ao rei: tudo o que nela se planta, cresce e floresce (e numa referência ao técnico de som Rogério Caos) e o Caos na época gravou”! Em seguida, Caetano entra com fala sobre a modernidade, velocidade e liberdade. Estão, metaforicamente, relacionadas com “ os aviões e caminhões”, que estes são meios de transporte rápidos da sociedade contemporânea. E com a felicidade da chegada descreve sua vista da paisagem baiana. Mas o conjunto da ideia pode entender-se que aeronaves e caminhões militares, levando em consideração o contexto político histórico. Uma metáfora à opressão que cerca por terra e céu, em oposição a perspectiva de futuro a sua frente, simbolizado pela imagem da geografia bahiana. A canção faz referência, também, ao filme “Viva Maria” estrelado por Brigitte Bardot, película admirada por revolucionários de esquerda da época. Também, não falta referência à África, “iá”, repetida várias vezes significa, mãe em ioruba. Esta canção quase recebeu o nome de “Mistura Fina”, porém Caetano se deu conta de que a manifestação não era mais individual, e sim coletiva. Acontecia um movimento de vanguarda na terra tupiniquim, em plena ditadura militar. Foram acontecimentos memoráveis, que renovaram a linguagem, primando pela construção, emoção e democracia artística. Em última análise, ao “participar dos períodos mais criativos da sociedade, os tropicalistas assumiram as contradições, sem escamotear as ambiguidades implícitas em qualquer tomada de posição” (FAVARETTO, 1996, p.22). Com isso, as características enunciadas neste estudo, cuja auto crítica tornam-se evidentes, mostra que o tropicalismo serviu às práticas de construção de musicalidade e estética daquela época. 42 5.2 ALEGRIA, ALEGRIA Caetano Veloso ao compor “Alegria, Alegria” pretendia que a canção fosse fácil, mas que tivesse como característica uma nova atitude na qual se esperava inaugurar. Mesmo diante dos impasses enfrentados, devido às inovações que “Alegria, alegria” trazia, a música acabou conquistando popularidade. “Alegria, alegria”, mostra invenções do conteúdo das letras e na agregação da guitarra elétrica. A letra é composta por fragmentos da realidade e as imagens evocadas como elementos visuais – pelos crimes-espaçonaves-guerrilhas-Cardinalis bonitas-bomba-Brigite Bardot remetem a uma ação cinematográfica e de caráter ambíguo, porque sugere um descompromisso com a situação política da época, observando em sem lenço, sem documento e eu quero seguir vivendo, e ao mesmo tempo evidenciando fatos da realidade consumista, como eu tomo uma “coca-cola”. Aparecem nas letras de suas canções, os elementos do discurso cinematográfico como a justaposição de imagens e da linguagem concretista, como a enunciação caótica como alguns dos traços mais observados. Sobre Alegria, Alegria, Campos (1967,p.145) destacou: “Caetano não foi o vencedor do festival. Mas venceu todos os preconceitos do publico, acabando com a discriminação musical entre MPB e jovem guarda. Ainda sendo, com Domingo no Parque, a mais original, acabou também como a mais popular das composições do festival”. A letra da canção era, totalmente, inovadora para a Música Popular brasileira. Podemos realçar dois aspectos que estão contidos na letra de Caetano, que são fundamentais para compreendermos as tendências do tropicalismo. O primeiro aspecto destacado pela letra é a crítica aos intelectuais de esquerda: “por entre fotos e nomes sem livros e sem fuzil no coração do Brasil” De acordo com ZEMANOVÁ (2009), Caetano critica às grandes palavras dos intelectuais, que não se tornaram reais. O segundo aspecto é a presença dos meios de comunicação de massa: 43 “ela nem sabe, até pensei em cantar na televisão” Caetano busca enfatizar a efervescência cultural que estava incidindo no Brasil a partir dos meios de comunicação de massa. Apesar do nome da música ser “Alegria, Alegria”, muito de seus ouvinte denominou a de “Sem lenço, sem documento”, logo abaixo, Caetano faz menção as possíveis causas deste fato ter ocorrido e explica qual significado de alguns dos versos da música. Não creio que isso se deva simplesmente ao fato de a expressão “alegria, alegria!” não constar da letra da música. É mais provável que a fenda de ironia que separa a canção de seu título tenha dissociado uma do outro na mente do ouvinte comum. De todo modo, “sem lenço sem documento” corresponde à ideia do jovem desgarrado que, mais do que a canção queria criticar, homenagear ou simplesmente apresentar, a plateia estava disposta a encontrar na canção. O verso que se segue à segunda aparição desse quase-título “Nada no bolso ou nas mãos” foi tirado diretamente da última página de “As palavras de Sartre”: numa brincadeira comigo mesmo, eu tinha enfiado uma linha do que para mim era o mais profundo dos livros numa canção de circunstância. A ambição que tinha me levado a compor tal canção, no entanto era grandiosa e profunda. (VELOSO, 1997, p.114). Sendo produzida em um período histórico em que o governo ditatorial adotava mecanismos para reforçar o poder em suas mãos, as pessoas não tinham liberdade de escolha, de expressão, Caetano vem quebrar paradigmas com a música “Alegria, alegria”, sugerindo a liberdade, o destemido nas entrelinhas da canção. “Alegria, alegria é carregada de ideologias e ideias que são contrárias as normas estabelecidas, pois Caetano vem propor um caminho oposto, esta recomendação de aversão, não pauta-se, apenas, na conduta das pessoas, mas também, na forma de produção cultural. Já que, enquanto muitos artistas combatiam a influência da música estrangeira na Música Popular Brasileira, o tropicalismo apoia a evolução musical, adotando instrumentos musicais. 5.3 É PROIBIDO PROIBIR A canção “É Proibido Proibir” pode ser vista como um poema programático do Tropicalismo. O começo da audição, marcada pelo atonalismo 44 experimental, tem um clima sinistro como pesadelo, característica que bem define a arte moderna da qual a composição faz parte. Mas nos acordes seguintes quando Caetano começa a cantar, o andamento passa a ser outro: romântico e melódico fiel ao verso: “A mãe da virgem diz que não”, apesar de um riff de guitarra distorcido aqui e ali de fazer inveja as bandas de rock pesado de hoje. E segue: “e o anúncio da televisão/estava escrito no portão”, mostrando que o compositor baiano estava atento a influência da cultura de massa no cotidiano da sociedade da época. O lazer do show anunciado pela TV atrai a moça virgem, mas preocupa sua mãe. O poeta de Santo Amaro da Purificação pode estar fazendo uma alusão à revolução sexual da pílula anticoncepcional. Ou seja, agora se pode transar à vontade sem engravidar, o que impede a moça virgem de começar a chegar tarde, arrumar emprego, e ter sua independência? Um assombro para as mães repressoras da época. Ainda na mesma estrofe, Caetano canta: “E além da porta/ há o porteiro, sim!”. Permite várias leituras. Uma delas é a de que as proibições (as portas) não existem sozinhas, não têm autonomia, há sempre um proibidor (um porteiro) por trás delas. E assim cabe aos “barrados” identificar seus barradores, que podem, inclusive, existir dentro de nós internalizados. Outra leitura poderia ser a de que a Arte que, sempre, cantou o grandioso, o herói, também pode cantar o porteiro humilde, que abre as portas para os magnatas passarem. Ou seja, a temática moderna é outra: permite a voz ao sem voz, ao menor, ao sem valor, ao excluído, ao porteiro que não chamamos pelo nome, mas pelo cargo. Assim, devemos atentar que além do ônibus, há o motorista; da mesma forma que além do prédio, há o pedreiro, como bem captou a poesia de João Cabral. Em uma mesma estrofe, Caetano falou de várias coisas ao mesmo tempo, sem nexos coesivos muito fortes e sem maiores explicações, bem ao sabor da escrita moderna: descentrado, não-linear e caótica. O refrão resume toda contradição da Modernidade em negar a tradição, o estabelecido, o status quo: “Eu digo não” e depois negar a negação: “Eu digo não ao não”, mostrando que a atitude moderna é negativa, destrutiva, confusa. Como bem sentenciou o modernista Mário de Andrade: “Não sabemos o que queremos, só sabemos o que não queremos”. E fecha com o famoso bordão de Maio francês: “É proibido proibir!”, um genial paradoxo, quase oximoro, que manda a lógica pelos ares, ao taxar a proibição da proibição. Em consonância com outros bordões do 45 movimento estudantil francês: “Sejamos realistas: exijamos o impossível!”, “Sou marxista, tendência Groucho!”, “sob o calçamento a praia!”, o proibido proibir revela um descontentamento que a juventude da época tinha com a racionalidade ocidental e seus esquemas limitantes, presentes, inclusive, na esquerda ortodoxa. Uma vontade irreverente e urgente de mudar o mundo não de cima para baixo nem da esquerda para a direita, mas de todos os lados. Não só nos palanques ou no parlamento, mas na sala de aula, na rua, em casa, na cama. Ou seja, não apenas mudar o patrão ou o empregado, mas sua mãe, seu vizinho, seu cachorro, seu papagaio, numa verdadeira revolução molecular no entender de Felix Guatarri. Na estrofe seguinte, o lirismo amoroso é retomado: “Me dê um beijo meu amor” e o arranjo volta a ser melódico, quase uma balada da Jovem Guarda. E segue: “Eles estão nos esperando/ os automóveis ardem em chamas” desse modo, em meio a militância mais aguerrida, enquanto os manifestantes esperam para jogar seus coquetéis molotov nos carros da burguesia, uma pausa para o amor, recarregar as baterias. E continua: “Derrubar as prateleiras/ as estantes/ as estátuas/ as vidraças/ louças/ livros, sim!” Numa sanha iconoclasta que rompe com toda ordem dos logos ocidental, todas as classificações, rotulações, ídolos. Destruir tudo que é modelo (estátuas), tudo que é transparente, denotativo (vidraças), tudo o que é raro (louças), tudo o que é documento (livros). Desse modo, começar tudo de novo. Nessa passagem tanto se percebe os demolidores modernos: Nietzsche, Bergson, quanto à fúria do futurista Marinetti que bradava pela destruição dos museus e bibliotecas. E antes de repetir o refrão Caetano recita um introspectivo fragmento do perturbador Fernando Pessoa. Depois do refrão, o atonalismo retorna com barulhos estranhos, sons de objetos quebrados, vozes, que remetem à música erudita contemporânea, num ensurdecedor e furioso “grand finale”. Como se pode observar, com a análise dessas três canções, Caetano Veloso é um dos grandes representantes do Tropicalismo, justamente, por sua capacidade crítica, mesmo que, às vezes, essa seja uma crítica velada ocasionada pelo contexto histórico, haja vista que, como já ressaltado nesse trabalho, o país estava em plena ditadura militar e, assim, em um momento de repressão e falta de liberdade de expressão. 46 6. CONCLUSÃO Os estudos concretizados no presente trabalho demonstram que o Tropicalismo foi um marco na história da música popular brasileira, causador de 47 muita polêmica, para os defensores do purismo, para os intelectuais de esquerda e para os militares que viam o movimento como subversivo. Os meios de comunicação, sobretudo a televisão, que foi um dos principais meios de atuação do Movimento Tropicalista, tiveram papel de veículo propagador destas novas manifestações artísticas que romperam paradigmas e modificaram a configuração cultural no Brasil. Portanto, pode-se constatar que o Tropicalismo foi o movimento que teve uma visão interdisciplinar na história da música brasileira, por ter permeado em tantos campos diferentes e dialogado com diversas fontes artísticas. Quase quarenta anos após o surgimento do tropicalismo, os efeitos do próprio movimento são persistentes mais do que os próprios criadores e também aqueles que só o consideravam como um assunto temporário podiam imaginar. O objetivo deste trabalho foi esboçar a época do movimento tropicalista, concentrando-se, principalmente, na atuação de Caetano Veloso, haja vista que ele assumiu a posição principal entre os outros artistas, liderando todo o movimento. O Movimento Tropicalista foi, sem dúvida, a época marcante da carreira de Caetano Veloso e, além disso, um dos períodos mais relevantes para a evolução da música. Naquela época, Caetano estava ainda no princípio da carreira, mas conseguiu com sucesso dirigir o movimento tropicalista e instaurar assim uma nova atitude na música popular brasileira. Vale ressaltar, ainda, que o Movimento Tropicalista não possuiu como objetivo principal utilizar a música como “arma” de combate político à ditadura militar que vigorava no Brasil. Por este motivo, foi muito criticado por aqueles que defendiam as músicas de protesto. Os tropicalistas acreditavam que a inovação estética musical já era uma forma revolucionária. Outra crítica que os tropicalistas receberam foi o uso de guitarras elétricas em suas músicas. Muitos músicos tradicionais e nacionalistas acreditavam que esta era uma forte influência da cultura pop-rock americana e que prejudicava a música brasileira, denotando uma influência estrangeira não positiva, contudo esse movimento foi muito importante no sentido em que serviu para modernizar a música brasileira, incorporando e desenvolvendo novos padrões estéticos e, também, inovou em possibilitar um sincretismo entre vários estilos musicais como, por exemplo, rock, bossa nova, baião, samba, bolero, entre outros. As letras das suas 48 músicas, em especial as de Caetano Veloso, possuíam um tom poético, elaborando críticas sociais e abordando temas do cotidiano de uma forma inovadora e criativa. REFERÊNCIAS BAIRON, Sérgio. Interdisciplinaridade: educação, história da cultura e hipermídia. São Paulo: Cultura, 2002. 49 BAKHTIN, Mikkail. A cultura popular na Idade Média e no renascimento: o contexto de François Rabelais.5.ed. São Paulo: Hucitec, 2002. BURKE, Peter. A cultura popular da Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: Ed. 34, 1997. CAMPOS, Augusto de. Balanço e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1993. FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegria, alegria. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996. HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Cultura e participação dos anos 60. São Paulo: Brasiliense, 1992. GUIMARÃES, Ricardo J. R. Nos caminhos do sonho: grandes projetos e desenvolvimento industrial no Estado do Pará. In: XIMENES, Tereza (Org). Cenários da industrialização na Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 1995. p. 159-164. CORREA, Priscila Gomes. Crítica e a Tropicália. São Paulo: Contemporâneos, 2009. VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação. São Paulo: Contexto, 2001. TOFFANO, Maria Jacira. Caetano Veloso e a tropicália: a releitura da antropofagia. Textos do Brasil: São Paulo, 2009. ZEMANOVÁ, Lenka. A vida e a obra de Caetano Veloso na época do tropicalismo. São Paulo: contemporâneos, 2009. 50 ANEXOS ANEXO I 51 TROPICÁLIA (1967)-CAETANO VELOSO Sobre a cabeça os aviões sob os meus pés os caminhões aponta contra os chapadões meu nariz eu organizo o movimento eu oriento carnaval eu inauguro o monumento no planalto central do país viva a bossa-sa-sa viva a palhoça-ça-ça-ça-ça o monumento é de papel crepom e prata os olhos verdes da mulata a cabeleira esconde atrás da verde mata o luar do sertão o monumento não tem porta a entrada é uma rua antiga estreita e torta e no joelho uma criança sorridente e morta estende a mão viva a mata-ta-ta viva a mulata-ta-ta-ta-ta no pátio há uma piscina com água azul de amaralina coqueiro brisa e fala nordestina e faróis na mão direita tem uma roseira autenticando eterna primavera e nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira entre os girassóis vivamaria-ia-ia viva a Bahia-ia-ia-ia-ia no pulso esquerdo um bang-bang 52 em suas veias corre pouco sangue mas seu coração balança a um samba de tamborim emite acordes dissonantes pelos cinco mil alto-falantes senhoras e senhores ele põe os olhos grandes sobre mim viva a Iracema-ma-ma vivaIpanema-ma-ma-ma-ma domingo é o fino da bossa segunda-feira está na fossa terça-feira vai à roça porém o monumento é bem moderno não disse nada do modelo do meu terno que tudo mais vá pro inferno meu bem que tudo mais vá pro inferno meu bem viva a banda-da-da Carmen Miranda-da-da-da-da. ANEXO II 53 ALEGRIA, ALEGRIA (1967)-CAETANO VELOSO Caminhando contra o vento sem lenço sem documento no sol de quase dezembro eu vou o sol se reparte em crimes espaçonaves guerrilhas emcardinales bonitas eu vou em caras de presidentes em grandes beijos de amor e, dentes pernas bandeiras bomba Brigitte Bardot o sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça quem lê tanta notícia eu vou por entre fotos e nomes os olhos cheios de cores o peito cheio de amores vãos eu vou porque não? Por que não? ela pensa em casamento e eu nunca mais fui à escola sem lenço sem documento eu vou eu tomo uma coca-cola ela pensa em casamento uma canção me consola eu vou por entre fotos e nomes sem livros e sem fuzil 54 sem fome sem telefone no coração do Brasil ela nem sabe até pensei em cantar na televisão o sol é tão bonito eu vou sem lenço sem documento nada no bolso ou nas mãos eu quero seguir vivendo amor eu vou por que não? Por que não? ANEXO III 55 É PROIBIDO PROIBIR (1968) - CAETANO VELOSO A mãe da virgem diz que não e o anúncio da televisão e estava escrito no portão e o maestro ergueu o dedo e além da porta há o porteiro, sim... e eu digo não e eu digo não ao não eu digo: É! proibido proibir é proibido proibir é proibido proibir é proibido proibir... me dê um beijo meu amor eles estão nos esperando os automóveis ardem em chamas derrubar as prateleiras as estantes, as estátuas as vidraças, louças livros, sim... cai no areal na hora adversa que Deus concede aos seus para o intervalo em que esteja a alma imersa em sonhos que são Deus. que importa o areal, a morte, a desventura, se com Deus me guardei é o que me sonhei, que eterno dura e esse que regressarei. e eu digo sim e eu digo não ao não e eu digo: É! 56 proibido proibir é proibido proibir é proibido proibir é proibido proibir é proibido proibir... me dê um beijo meu amor eles estão nos esperando os automóveis ardem em chamas derrubar as prateleiras as estátuas, as estantes as vidraças, louças livros, sim... e eu digo sim e eu digo não ao não e eu digo: É! proibido proibir é proibido proibir é proibido proibir é proibido proibir é proibido proibir...