Sífilis Diagnóstico Laboratorial 1. Introdução A sífilis é uma doença infecto-contagiosa, sexualmente transmissível, causada pela bactéria Treponema pallidum, que se apresenta inicialmente como uma lesão local, podendo evoluir para forma sistêmica e crônica, dependendo da resposta imunológica do portador. A incidência da sífilis tem apresentado índices crescentes, como observado nas demais infecções sexualmente transmissíveis. A partir do ano 2000 houve um grande aumento dos casos, com grande repercussão nos países desenvolvidos. O CDC (Centers for Disease Control and Prevention) relatou aumento de 81% dos casos, entre 2000 e 2004, entre homens (1). Já a sífilis congênita sofreu redução de 17,8% em 2004, refletindo a redução da transmissão nas mulheres. A probabilidade de um indivíduo infectado transmitir a doença a seu parceiro ou parceira é de 30% a 50%. No Brasil, a sífilis congênita passou a ser doença de notificação compulsória a partir de 1986 (2). A transmissão se dá por via sexual, soluções de continuidade, via transplacentária e hematogênica. A lesão primária (cancro duro) surge no local de inoculação, de 10 dias a 3 meses após o contágio sexual, em geral entre 3 e 4 semanas. Caracteriza-se por ulceração única, de bordas firmes e fundo limpo, indolor, repleta de treponemas vivos, com reação ganglionar satélite. Permanece por 2 a 6 semanas com resolução espontânea. Os anticorpos humorais demoram de 1 a 4 semanas após o surgimento do cancro para serem detectados nos testes sorológicos. A fase secundária (fase exantemática) inicia-se após 4 a 8 semanas do aparecimento do cancro. Podem ocorrer lesões cutâneas tipo roséolas, distribuídas em todo corpo, simetricamente, lesões mucosas, linfadenopatia generalizada e às vezes reação meníngea. Ocorre remissão espontânea em cerca de 2 a 8 semanas. Caso o paciente não receba o tratamento medicamentoso adequado nesta fase, ele entra na fase latente recente, e as lesões podem recorrer. A fase seguinte é chamada de latente tardia e pode durar de 5 a 20 anos, com testes sorológicos positivos, mas sem achados clínicos. Durante o período de latência, os títulos dos testes não-treponêmicos, tendem a cair. O terciarismo manifesta-se em cerca de 1/3 dos pacientes não tratados e caracteriza-se pelo surgimento de gomas, acometimento oftalmológico e auditivo, neurossífilis e sífilis cardiovascular (3). Os testes não-treponêmicos serão negativos em 30% dos casos nessa fase. O HIV e a sífilis afetam grupos de pacientes similares e a co-infecção está presente em 40% a 50% dos casos. A sífilis provavelmente aumenta o risco de transmissão do HIV, devido às úlceras genitais. A apresentação da sífilis em infectados pelo HIV geralmente é mais agressiva e com manifestações clínicas atípicas (4,5). Pacientes HIV-positivos geralmente apresentam títulos mais altos de reaginas, mas em estágios mais avançados da doença, eles podem apresentar resposta sorológica negativa (falso negativo), devido à disfunção dos linfócitos B (6). Tradicionalmente, o rastreamento para sífilis é realizado em duas etapas: testes nãotreponêmicos, seguidos dos testes treponêmicos confirmatórios (7). 2. Diagnóstico laboratorial 2.1 Detecção direta do T. pallidum Pesquisa em campo escuro O Treponema pode ser identificado somente em microscopia com campo escuro, por ser muito delgado. O exame da lâmina deve ser realizado imediatamente após a coleta, para a observação da sua motilidade característica, tipo saca-rolhas, que permite sua diferenciação das outras espiroquetas (8, 9). www.hermespardini.com.br 1 2.2 Testes sorológicos Testes não-treponêmicos VDRL (Venereal Diseases Research Laboratory) Teste inespecífico, para rastreamento e acompanhamento de resposta ao tratamento. Apresenta especificidade limitada, porém com alta sensibilidade. A presença do T. pallidum nos tecidos provoca a formação de anticorpos inespecíficos (reaginas) que aglutinam com a cardiolipina. Usase o antígeno cardiolipina-lecitina-colesterol e observa-se aglutinação / floculação com as reaginas que ocorrem nos casos positivos. Considera-se como resultado final o título após a maior diluição que apresenta reatividade (exemplo: 1:128 é mais reativo que 1:64). Quando o título de anticorpos é muito alto pode não ocorrer a aglutinação, chamado efeito prozona. Neste caso, há necessitade de maior diluição do soro para que a aglutinação ocorra (3). O efeito prozona ocorre em aproximadamente 2% das pessoas infectadas, especialmente em sífilis secundária e gestantes (10). Aumentos de quatro vezes no título da VDRL indicam progressão da doença e diminuições de quatro vezes indicam regressão. Ocorre soronegativação espontânea em 25% dos infectados não tratados. Falso positivo agudo pode estar associado a hepatite, mononucleose, pneumonia viral, infecções virais, bacterianas, parasitológicas, imunização, gravidez e casos onde há intenso estímulo imunológico. Falso positivo crônico está relacionado a doenças do tecido conjuntivo e imunoglobulinopatias, doenças auto-imunes, usuários de drogas endovenosas, idosos, hanseníase e doenças malignas. Em pacientes portadores de HIV pode ocorrer devido a estimulação policlonal de anticorpos. As reações falso-positivas biológicas em geral mostram títulos baixos, de 1:1 a 1:4, mas eventualmente elevados (13). Falso negativo pode ocorrer na fase primária enquanto o cancro ainda está presente e na fase tardia (12). Na suspeita de neurossífilis, após o teste sorológico treponêmico positivo, deve-se realizar o teste de VDRL no líquor. Desta maneira, adquirese alta especificidade para confirmação diagnóstica e falsos positivos serão infrequentes (8). O teste de VDRL é indicado para a investigação dos casos de sífilis gestacional e congênita. A infecção do feto está na dependência do estágio da doença na gestante, quanto mais recente a infecção materna, mais treponemas circulantes e mais grave a infecção fetal. O risco de acometimento fetal é progressivamente maior dependendo da idade gestacional, variando de 70% a 100%, sendo incomum nos quatro primeiros meses de gestação. Por isso, a necessidade de se testar duas vezes na gestação (início e 30ª semana) (2). O tratamento materno geralmente, mas nem sempre, impede a infecção fetal. Sensibilidade dos testes sorológicos ESTÁGIO TESTE Primário Secundário Latente Tardio VDRL 78(74-87)% 100% 95(88-100)% 71(37-94)% RPR 86(77-100)% 100% 98(95-100)% 73% FTA-Abs 84(70-100)% 100% 100% 96% MHA-TP 76(69-90)% 100% 97(97-100)% 94% Adaptado de Henry: Clinical diagnosis and management by laboratory methods, 20th ed., pag 1134, 2001. Testes treponêmicos Devem ser reservados para confirmação dos resultados dos testes de cardiolipina, pois o teste apresenta um baixo valor preditivo positivo como teste de triagem, mas como confirmatório assume elevado valor diagnóstico (13). Teste de Imunofluorescência - FTA-Abs (Fluorescent Treponemal AntibodyAbsorption) Teste sensível em todos os estágios da sífilis, sendo o melhor teste confirmatório para testes de cardiolipina positivo ou para verificar infecção em face de teste não-treponêmico negativo em doença tardia ou em fase de latência. Usa-se anti-anticorpos marcados, após a remoção de anticorpos de treponemas nãopatogênicos. Quando realizado como rastreamento na população em geral encontra-se 1% de falsos positivos, sendo geralmente transitório e de causa desconhecida. Falsos positivos também podem ocorrer em pessoas com globulinemia, com anticorpos antinucleares, portadoras de lúpus eritematoso sistêmico, mononucleose, doença de Lyme, hanseníase, malária, leptospirose, usuários de drogas endovenosas e idosos (8, 12). Não é recomendada a realização em líquido cefalorraquidiano, devido aos muitos falsos positivos. Entretanto, alguns especialistas acreditam que resultados negativos excluem a neurossífilis (14). www.hermespardini.com.br 2 Teste de Aglutinação - TP-HA e MHA-TP (Microhemagglutination Treponema pallidum) É tão específico quanto o FTA-Abs, mas é menos sensível na doença precoce (8). Em geral, a ocorrência é rara em pessoas sadias (menos de 1%). Testes inconclusivos são encontrados em casos de mononucleose com altos níveis de anticorpos heterofílicos, colagenoses, usuários de drogas endovenosas e portadores de hanseníase. Usualmente o FTA-Abs é o primeiro teste a se tornar positivo, seguido do MHA-TP, e depois os testes não-treponêmicos (9). pode manter-se positivo anos após tratamento em pacientes clinicamente curados (13). Causas de falsos positivos nos testes sorológicos para sífilis Testes não-treponêmicos (VDRL, RPR) - Agudo Pneumonia pneumocócica Varicela Linfogranuloma venéreo HIV Endocardite infecciosa Caxumba Hanseníase Mononucleose Tuberculose Hepatite viral Tripanossomíase Gravidez Leptospirose Micoplasma Testes não-treponêmicos Testes treponêmicos (VDRL, RPR) - Crônico (FTA-Abs, MHA-TP) Doença hepática crônica Lyme Usuários de drogas Hanseníase injetáveis Malária Mieloma Mononucleose infecciosa Idade avançada Leptospirose Doença do tecido Lupus eritematoso conjuntivo sistêmico Transfusões múltiplas Doenças malignas Adaptado de: Hook EW, Marra CM. N Engl J Med 1992; 326:1060. Adaptado de Larsen et al. Laboratory diagnosis and tests for syphilis Clin. Microbiol. Rev. Vol 8, pag 12, 1995. ELISA e Western blot / Immunoblotting Estudos mostraram sensibilidade e especificidade semelhantes aos outros testes treponêmicos. Com possibilidade de realização do teste IgM para investigação da sífilis congênita, com maior especificidade (90%) e sensibilidade (83%) que FTA-Abs IgM (73%). A detecção de anticorpos IgM no líquido cefalorraquidiano possui grande valor diagnóstico na neurossífilis (13). O maior custo é citado como única limitação ao uso rotineiro destes métodos (8). PCR (Reação em Cadeia de Polimerase) Foi desenvolvido utilizando uma variedade de antígenos sifilíticos. É muito específico mas não distingue organismos vivos de mortos. A detecção do DNA de Treponema pallidum no líquido cefalorraquidiano não se mostrou sensível para diagnóstico de neurossífilis, nem adequado para seguimento terapêutico, pois 3. Testes sorológicos na avaliação do tratamento O acompanhamento da resposta ao tratamento deve ser realizado com testes quantitativos de cardiolipina, pois seus títulos tendem a cair ou negativar após tratamento. Observa-se redução de quatro vezes nos títulos após 3 a 4 meses do tratamento e declínio de oito vezes após 6 a 8 meses. Pacientes tratados na fase latente ou tardia, e aqueles com infecções repetidas, podem ter declínio mais lento nos títulos. Após tratamento, no estágio primário, geralmente o teste torna-se negativo em 1 ano, no estágio secundário a negativação ocorre em 2 anos e na fase tardia em 5 anos. A persistência de títulos altos, após esse período, deve-se a persistência de infecção, reinfecção ou fatores biológicos de falsopositividade (10). No líquido cefalorraquidiano, os testes de cardiolipina após tratamento podem decrescer entre o 3° e 6º mês, mas geralmente mantêm-se positivo por meses ou anos (13). Os testes treponêmicos não são indicados para acompanhamento de resposta ao tratamento, pois, após tornarem-se positivos, se mantém usualmente positivos por toda a vida, entretanto em 10% dos casos ocorre a negativação, especialmente se o tratamento for precoce (10). Pacientes com www.hermespardini.com.br 3 AIDS tem uma grande tendência a reverter para soronegativo após tratamento (9). Os testes treponêmicos para anticorpos IgM tendem à negativação após terapêutica eficaz. 4. Sífilis congênita São suspeitos de sífilis congênita todos os recém-nascidos de parturientes portadoras de sífilis não tratada ou insuficientemente tratada. O diagnóstico depende da combinação de resultados de exames, tais como exame físico, radiográfico, microscopia direta, PCR e sorológico. O diagnóstico definitivo ocorre com a demonstração do T. pallidum pela pesquisa direta no cordão umbilical, placenta, raspado de lesões cutâneas e mucosas ou na secreção nasofaríngea. Os testes sorológicos em recém-nascidos são de difícil interpretação devido a transferência passiva transplacentária de IgG materna (14). Os títulos tendem a cair e negativar ao fim de alguns meses, e se manterão ou terão ascensão na sífilis congênita. Títulos de VDRL quatro vezes, ou mais, acima dos títulos maternos são evidência de infecção congênita. Recém-nascidos soronegativos podem ter positivação tardia e, por isso, devem ser repetidos os testes sorológicos após o terceiro mês de vida (13). A pesquisa de anticorpos IgM no soro do recém-nascido possui grande valor diagnóstico, entretanto, apresenta de 20% a 40% de resultados falsos negativos, resultantes do bloqueio da reação dos anticorpos IgM por competição dos anticorpos IgG presentes no soro (13). A neurossífilis é comum nos casos de sífilis congênita, ocorrendo em cerca de 60% dos casos positivos, e a evidenciação do Treponema nestes casos é de extremo valor, inclusive por PCR (13). A melhor maneira de monitorar as crianças infectadas em tratamento é a realização de testes seriados não-treponêmicos. Bibliografia 1) National surveillance data for chlamydia, gonorrhea, and syphilis. In: Trends in reportable sexually transmitted diseases in the United States, 2004. Disponível em: www.cdc.gov/std/stats/trends2004.htm 2) Passos MRL et al. Azitromicina no tratamento de sífilis recente na gravidez. J Bras Doenças Sex Transm 2001;13(2):33-38. 3) Khouri DG. Sífilis. In: Apostila da liga de combate a sífilis e a outras doenças sexualmente transmissíveis 2004; 12-17. 4) Lynn WA, Lightman S. Syphilis and HIV: a dangerous combination. The Lancet Jul 2004;4: 456466. 5) Rogstad KE, Simms I, Fenton KA, Edwards S, Fisher M, Carne CA. Screening, diagnosis and management of early syphilis in genitourinary medicine clinics in the UK. International Journal of STD & AIDS 2005;16:348352. 6) Hicks CB. Serologic testing for syphilis. Disponível em: www.utdol.com/utd/content 7) U.S. Preventive Services Task Force. Screening for syphilis infection: recommendation statement. Ann Fam Med 2004;2:362-365. 8) Larsen AS, Steiner BM, Rudolph AH. Laboratory diagnosis and interpretation of tests for syphilis. Clinical microbiology reviews, jan. 1995, 1-21. 9) Smith MB, Hayden RT, Persing DH, Woods GL. Spirochete infections. In: Henry JB. Clinical diagnosis and management by laboratory methods, 20th ed. Philadelphia: W.B Saunders Company 2001: 1131-1135. 10) Mandell GL, Bennett JL, Dolin R. Principles and practice of infectious diseases. 6th ed. Philadelphia: Elsevier 2005. Cap. 235, 2768-2782. 11) Wheeler HL, Agarwal S, Goh BT. Dark ground microscopy and treponemal serological tests in the diagnosis of early syphilis. Disponível em: www.stijournal.com. Acesso em 24 nov. 2005. 12) Jacobs DS, DeMott WR, Oxley DK. VDRL, serum e FTA-ABS, serum. In: Laboratory test handbook, 5th ed. Cleveland: Lexi-comp, 2001: 609-610, 688-689. 13) Ferreira AW, Ávila SLM. Sifilis. In: Diagnóstico laboratorial das principais doenças infecciosas e autoimunes, 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A, 2001: 215-220. 14) Workowski KA, Levine WC. Sexually transmitted diseases treatment guidelines. MMWR May 2002; 51: 24-39. O Instituto Hermes Pardini disponibiliza: • Treponema pallidum – pesquisa (campo escuro) • VDRL quantitativo – sangue e líquor • Triagem neonatal para sífilis congênita • Aglutinação • Imunofluorescência IgM e IgG • ELISA sangue e líquor IgM www.hermespardini.com.br 4