e5 Cuidados de emergência O consentimento informado não é exigido quando os pacientes não conseguem dar o consentimento ou quando o atraso do tratamento colocaria suas vidas ou saúde em perigo. As pessoas presumivelmente querem tal cuidado de emergência, a menos que tenham indicado de outra forma anteriormente. Questões Éticas em Medicina Clínicaa Bernard Lo DIRETRIZES ÉTICAS BÁSICAS Os médicos devem seguir duas diretrizes éticas básicas, mas frequentemente conflitantes: respeitar a autonomia do paciente e agir pensando nos principais interesses do paciente. ■ RESPEITO À AUTONOMIA DO PACIENTE O tratamento dos pacientes com respeito exige dos médicos que aceitem as decisões médicas das pessoas que estão informadas e agem livremente. Os indivíduos atribuem valores diferentes para a saúde, assistência médica e risco. Na maioria das situações clínicas, pode haver diferentes objetivos e abordagens, os desfechos são incertos, e uma intervenção pode causar tanto benefícios quanto prejuízos. Assim, os pacientes competentes e informados podem recusar intervenções recomendadas e escolher entre alternativas razoáveis. Consentimento informado Para que os pacientes tomem decisões com base em informações, os médicos precisam discutir com eles a natureza do cuidado proposto, as alternativas, os riscos e benefícios de cada um, bem como as prováveis consequências, e obter a concordância do paciente. O consentimento informado envolve mais do que obter assinaturas nos formulários de consentimento. Os médicos precisam orientar os pacientes, responder perguntas, fazer recomendações e ajudá-los a ponderar sobre o assunto. Os pacientes podem ser sobrecarregados com jargões médicos, explicações desnecessariamente complicadas ou excesso de informação de uma só vez. Retenção de informações Os médicos podem considerar a retenção de um diagnóstico grave, sua deturpação ou a limitação das discussões de prognóstico ou riscos por recearem que o paciente desenvolva ansiedade ou depressão grave, ou recuse o cuidado necessário. Em geral, os médicos devem fornecer informações relevantes, enquanto ajustam o ritmo da divulgação, oferecendo afeto e esperança, bem como ajudando os pacientes a lidar com as más notícias. Em muitas culturas, tradicionalmente não se comunica aos pacientes o diagnóstico de câncer ou de outra doença grave, porque se acredita que essa divulgação faz os pacientes sofrerem, ao mesmo tempo em que se acredita que a retenção da informação promove a serenidade, segurança e esperança. Não se deve forçar os pacientes a receber informações contra a sua vontade, mesmo em nome da promoção de decisões informadas. Entretanto, muitos indivíduos querem conhecer seu diagnóstico e prognóstico, ainda que estejam com uma doença terminal. Os médicos, portanto, devem perguntar aos pacientes como querem que as decisões de cuidados de saúde sejam tomadas, adicionando que em geral eles fornecem as informações e tomam as decisões juntamente com os pacientes, enquanto oferecem aos pacientes a opção de não receber informações ou não passar a responsabilidade da tomada de decisão para outra pessoa. Questões Éticas em Medicina Clínica Frequentemente, os médicos são confrontados com questões éticas na prática clínica que causam perplexidade, consomem tempo e são emocionalmente exaustivas. A experiência, o senso comum e simplesmente ser uma boa pessoa não dão ao médico a garantia de identificar ou resolver dilemas éticos. O conhecimento sobre os dilemas éticos comuns também é essencial. Intervenções fúteis A autonomia não confere aos pacientes o direito de insistir em qualquer cuidado que desejem. Os médicos não são obrigados a fornecer intervenções fúteis que não possuam qualquer fundamento lógico fisiológico ou que já falharam. Por exemplo, a reanimação cardiopulmonar seria fútil em um paciente com hipotensão progressiva, apesar de terapia máxima. Mas, os médicos devem ser cautelosos ao usar o termo fútil com sentidos mais imprecisos para justificar decisões unilaterais de abrir mão de intervenções, quando acreditam que a probabilidade de sucesso é muito baixa, nenhum objetivo compensador pode ser atingido, a qualidade de vida do paciente é inaceitável, ou os custos são altos demais. Estes usos mais imprecisos do termo são problemáticos porque podem ser inconsistentes e mascarar julgamentos de valor importantes. Vários estados nos EUA têm leis que possibilitam que os médicos não forneçam intervenções que eles consideram fúteis ou não clinicamente indicadas, desde que sigam procedimentos como obter a concordância do comitê de ética do hospital e dar ao paciente a oportunidade de ser transferido para outro hospital. CAPÍTULO e5 CAPÍTULO Manutenção da confidencialidade A confidencialidade respeita a autonomia e privacidade dos pacientes, estimula-os a buscar tratamento e discute seus problemas de maneira sincera, evitando discriminação. Entretanto, a manutenção da confidencialidade não é uma regra absoluta. A confidencialidade pode ser ignorada em determinadas situações para evitar danos graves a terceiros ou ao paciente. A lei pode exigir que os médicos ignorem a confidencialidade a fim de proteger terceiros, como a notificação da tuberculose e sífilis. Em outras situações, os prestadores de cuidados de saúde têm o dever legal de relatar os casos de maus-tratos de idosos, abuso infantil e violência doméstica. Estas exceções à confidencialidade são justificadas porque o risco é grave e provável, não há medidas menos restritivas para evitar o risco, os efeitos adversos de ignorar a confidencialidade são minimizados, e tais efeitos adversos são considerados aceitáveis pela sociedade. Os regulamentos de privacidade na saúde da lei norte-americana HIPAA (Health Insurance Portability and Accountability Act) aumentaram a consciência sobre a importância da confidencialidade. Mas, estes regulamentos não têm a intenção de inibir a transmissão de informações necessárias para o tratamento: a divulgação de informações do paciente para outros prestadores de cuidados de saúde, com o objetivo de tratamento sem o paciente assinar um formulário de autorização, é permissível. Evitar inverdades Os prestadores de cuidados de saúde algumas vezes consideram o uso de mentiras ou inverdades a fim de proteger o paciente de más notícias ou visando obter benefícios para o paciente. A mentira refere-se a afirmações que o falante sabe que são falsas e que têm a intenção de enganar o ouvinte. As inverdades, de sentido mais amplo, incluem afirmações e ações que têm a intenção de enganar o ouvinte, independente de serem literalmente verdadeiras. Por exemplo, o prestador de cuidados de saúde pode dizer a uma paciente que ela tem um pequeno crescimento de forma que ela não pense que apresenta câncer. Ou ele pode preencher e assinar um formulário para que um paciente adquira um passe de ônibus, embora ele não atenda aos critérios para incapacidade física. Conquanto esta inverdade possa ser motivada por um desejo de ajudar o paciente, mostra-se eticamente problemática. A pessoa que é enganada não pode tomar decisões informadas se recebe informações enganosas. Além disso, a inverdade prejudica a credibilidade e fidedignidade dos médicos. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 5-1 PARTE I Introdução à Medicina Clínica ■ AÇÃO EM FAVOR DOS MELHORES INTERESSES DOS PACIENTES A diretriz da beneficência exige que os médicos ajam em benefício do paciente. Os leigos não possuem conhecimento clínico e podem estar vulneráveis devido à sua doença. Justificavelmente, confiam nos médicos para fornecer conselhos corretos e promover seu bem-estar. Os médicos incentivam tal confiança. Assim, os médicos têm o dever de agir pelos melhores interesses do paciente, que devem prevalecer sobre o autointeresse dos médicos ou os interesses de terceiros, como hospitais ou seguradoras de saúde. Estas obrigações fiduciárias dos médicos opõem-se agudamente às relações de negócios, caracterizadas por “deixe que o comprador acautele-se”, e não por confiança ou dependência. A diretriz do “não provoque danos” proíbe os médicos de fornecerem intervenções ineficazes ou agir sem o devido cuidado. Este preceito, embora frequentemente citado, fornece apenas uma orientação limitada, porque muitas intervenções benéficas também apresentam riscos graves. ■ CONFLITOS ENTRE BENEFICÊNCIA E AUTONOMIA A recusa do paciente ao cuidado pode frustrar seus próprios objetivos ou causar danos graves a ele. Por exemplo, um homem jovem com asma pode recusar a ventilação mecânica para insuficiência respiratória reversível. Simplesmente aceitar esta recusa, em nome do respeito à autonomia, parece um ato moralmente restrito. Os médicos podem descobrir quais as expectativas e preocupações dos pacientes, corrigir compreensões errôneas e tentar persuadi-los a aceitar terapias benéficas. Se as discordâncias persistirem após as discussões, as escolhas informadas do paciente e a percepção dos seus melhores interesses deverão prevalecer. Embora a recusa ao cuidado recomendado não torne o paciente incompetente, pode levar o médico a pesquisar mais para assegurar que o paciente seja capaz de tomar decisões informadas. ■ JUSTIÇA O termo justiça é usado em um sentido geral para significar fidedignidade: as pessoas devem receber o que merecem. Além disso, é importante agir de maneira consistente em casos semelhantes nas maneiras eticamente relevantes. De outro modo, as decisões seriam arbitrárias, tendenciosas e injustas. A justiça proíbe a discriminação na assistência à saúde com base na raça, religião ou sexo, e sustenta um direito moral ao cuidado de saúde com acesso baseado na necessidade médica e não na capacidade de pagar. PACIENTES INCAPAZES DE TOMAR DECISÕES Os pacientes podem não ser capazes de tomar decisões informadas por causa de inconsciência, demência, delirium ou outros distúrbios. Os médicos devem fazer duas perguntas relacionadas com estes pacientes: Quem é o procurador adequado? O que o paciente gostaria que fosse feito? ■ AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE DE TOMAR DECISÕES MÉDICAS Todos os adultos são considerados legalmente competentes a menos que declarados incompetentes por um tribunal. Na prática, os médicos em geral determinam se os pacientes têm ou não capacidade de tomar decisões relacionadas com o cuidado de saúde e providenciam um procurador para que ele possa tomá-las, sem envolver tribunais. Por definição, os pacientes competentes podem expressar uma escolha e avaliar a situação clínica, a natureza do cuidado proposto, as alternativas e os riscos, os benefícios e consequências de cada um deles. Suas escolhas devem ser compatíveis com seus valores, não devendo resultar de delírios ou alucinações. Os psiquiatras podem ajudar nos casos difíceis porque têm habilidade de entrevistar pacientes mentalmente deficientes e podem identificar a depressão tratável ou a psicose. Quando as deficiências são oscilantes ou reversíveis, as decisões devem ser adiadas se possível até o paciente recuperar a capacidade de tomada de decisão. ■ ESCOLHA DO PROCURADOR Se um paciente não tem capacidade de tomar decisões, os médicos rotineiramente pedem aos membros da família que sirvam como 5-2 procuradores. A maioria dos pacientes quer que seus familiares sejam procuradores, e os familiares costumam conhecer as preferências do paciente bem como sabem a fundo quais são os melhores interesses deste. Os pacientes podem designar determinado indivíduo para servir como procurador; e tal escolha deve ser respeitada. Nos EUA, alguns estados estabeleceram uma lista priorizada sobre qual parente pode servir como procurador se o paciente não tiver designado um. ■ PADRÕES PARA TOMADA DE DECISÃO DO PROCURADOR Diretrizes antecipadas São declarações feitas por pacientes competentes para direcionar o cuidado caso percam a capacidade de tomada de decisão. Eles podem indicar (1) quais intervenções recusarão ou aceitarão, ou (2) quem deve servir como procurador. Ao seguir as diretrizes antecipadas do paciente, o procurador respeita a autonomia do paciente. Conversas são a forma mais frequente de diretrizes antecipadas. Embora estas conversas sejam costumeiras na prática clínica, comentários casuais ou vagos podem não ser confiáveis. Os living wills (manifestação explícita da própria vontade, MEPV) orientam os médicos a abandonar ou fornecer intervenções mantenedoras da vida caso o paciente desenvolva uma condição terminal ou estado vegetativo persistente. Em geral, os pacientes podem recusar apenas as intervenções “que meramente prolongam o processo de morte”. Um procurador para cuidados de saúde é alguém apontado pelo paciente para tomar as decisões relacionadas com o tema caso ele perca a capacidade de tomada de decisão. É mais flexível e abrangente do que a MEPV, aplicando-se sempre que o paciente for incapaz de tomar decisões. Os médicos podem incentivar os pacientes a realizar um planejamento antecipado, que poderia incluir esclarecimento de valores e prioridades, identificando metas não cumpridas, e abordando questões espirituais. Essas discussões frequentemente facilitam a conclusão das diretrizes avançadas. Em conversas com os pacientes, os médicos podem garantir que as diretrizes antecipadas estejam informadas, atualizadas e abordam os cenários clínicos prováveis. O melhor local para estas conversas é o ambulatório. A lei norte-americana sobre a autodeterminação do paciente, o Patient Self-Determination Act, exige que os hospitais e organizações para a manutenção da saúde informem os pacientes sobre o seu direito de tomar decisões para os cuidados de saúde e de providenciar as diretrizes antecipadas. Julgamento substitutivo Na ausência de diretrizes antecipadas claras, os procuradores e médicos devem tentar decidir como o paciente agiria naquelas circunstâncias, usando todas as informações que possuem sobre o paciente. Embora estes julgamentos substitutivos tentem respeitar os valores do paciente, podem ser especulativos ou imprecisos. Um procurador pode enganar-se sobre as preferências do paciente, particularmente quando não foram explicitamente discutidas. Melhores interesses Quando as preferências do paciente não estão claras ou são desconhecidas, as decisões devem ser baseadas nos melhores interesses do paciente. Os pacientes em geral levam em consideração a qualidade de vida assim como a duração da vida quando tomam decisões para si. É compreensível que os procuradores também considerem a qualidade de vida dos pacientes que não têm capacidade de tomar decisões. Os julgamentos sobre qualidade de vida serão apropriados se refletirem os valores do paciente. Contudo, podem ocorrer viés ou discriminação, caso outros projetem seus valores nos do paciente ou considerem o valor social percebido do paciente. A maioria dos pacientes com doença crônica classifica sua qualidade de vida como mais importante, mais do que fariam os familiares ou médicos. Questões legais Os médicos precisam conhecer as leis estaduais relacionadas com os pacientes que não têm capacidade de tomar decisões. Alguns tribunais estaduais nos EUA permitem que os médicos somente abandonem as intervenções mantenedoras da vida se os pacientes tiverem ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. providenciado as diretrizes antecipadas escritas ou diretrizes orais muito específicas. ■ DISTINÇÕES EQUIVOCADAS As pessoas comumente fazem distinções intuitivamente plausíveis, mas que, ao serem mais bem analisadas, provam ser insustentáveis. Cuidados extraordinário e ordinário Alguns médicos desejam abandonar as intervenções extraordinárias ou heroicas, como cirurgia, ventilação mecânica ou diálise renal, mas insistem em fornecer cuidados ordinários, como antibióticos, líquidos intravenosos ou sondas de alimentação. Entretanto, esta distinção não é lógica, pois todas as intervenções clínicas apresentam riscos e benefícios. Qualquer intervenção pode ser suspensa, caso a carga para o paciente isoladamente se sobreponha aos benefícios. Suspensão e não fornecimento de intervenções Muitos prestadores de cuidados de saúde acham mais difícil descontinuar intervenções do que evitá-las desde o início. Embora estas emoções precisem ser reconhecidas, não há uma distinção lógica entre os dois atos. As justificativas para evitar intervenções, como a recusa dos pacientes ou procuradores, também o são para suspendê-las. Além disso, após uma intervenção ser iniciada, novos dados podem indicar que não é mais apropriada. A intervenção pode resultar em insucesso ou pode-se ficar sabendo que o paciente não quer a intervenção. Se as intervenções nunca pudessem ser descontinuadas, os pacientes e procuradores poderiam nem mesmo tentar tratamentos que poderiam resultar em benefícios. ■ ORDENS DE NÃO REANIMAÇÃO (ONR) Quando um paciente sofre uma parada cardiorrespiratória, a reanimação cardiopulmonar (RCP) deve ser iniciada a menos que haja uma ONR. Embora a RCP possa restabelecer a saúde vigorosa das pessoas, também pode interromper uma morte tranquila. Após a RCP ser tentada em um hospital geral, apenas 14% dos pacientes sobrevivem para receber alta e ainda menos em determinados subgrupos. As ONRs serão apropriadas se o paciente ou procurador solicitá-las ou se a RCP for inútil. Para evitar mal-entendidos os médicos devem escrever as ONRs e suas razões no prontuário médico. Os códigos lento (slow code, manobras de reanimação propositalmente lentas) ou mostrar (show code, que instrui a equipe a fingir que faz manobra de reanimação), que somente parecem fornecer a RCP, são enganosos e, portanto, inaceitáveis. Embora as ONRs signifiquem apenas que a RCP não será realizada, as razões que as justificam podem levar a uma reconsideração de outros planos de cuidados. Muitos hospitais padronizaram os formulários de solicitação que especificam se outras intervenções mantenedoras da vida, como intubação e ventilação mecânica, terão de ser administradas ou suspensas. ■ ASSISTÊNCIA AOS PACIENTES TERMINAIS Os pacientes frequentemente sofrem dor não aliviada e outros sintomas durante os últimos dias de suas vidas. Os médicos podem hesitar em pedir altas doses de narcóticos e sedativos, receando que eles apressem a morte. Aliviar sintomas estressantes na doença terminal e quando os pacientes renunciam a intervenções mantenedoras da vida, como ventilação mecânica, aumenta o conforto e a dignidade do paciente. Se doses mais baixas de narcóticos e sedativos falharam no alívio do sofrimento, aumentar a dose para níveis que possam suprimir o impulso respiratório ou abaixar a pressão arterial é eticamente apropriado porque a intenção do médico é aliviar o sofrimento, e não acelerar a morte. Esta sedação paliativa é distinguida ética e legalmente da eutanásia ativa, que é a administração de uma dose letal com a intenção de por fim a vida do paciente. Os médicos também podem aliviar o sofrimento dedicando um tempo aos pacientes terminais, ouvindo-os e atendendo às suas aflições psicológicas. Questões Éticas em Medicina Clínica DECISÕES SOBRE INTERVENÇÕES MANTENEDORAS DA VIDA Embora a tecnologia clínica possa salvar vidas, também pode prolongar o processo de morte. Os pacientes competentes, informados, podem recusar as intervenções mantenedoras da vida. Quando os pacientes não têm capacidade de tomar decisões, estas intervenções também podem ser evitadas com base em diretrizes antecipadas ou decisões tomadas pelos procuradores adequados. Os tribunais determinam que evitar as intervenções mantenedoras da vida não é suicídio nem assassinato. CAPÍTULO e5 Desacordos Podem ocorrer desacordos entre os potenciais procuradores ou entre o médico e o procurador. Os médicos podem lembrar a todos que eles devem basear suas decisões no que o paciente gostaria, e não no que gostariam para si mesmos. A consulta ao comitê de ética do hospital ou a outro médico frequentemente ajuda a resolver as disputas. Esta consulta também é útil quando os pacientes não têm procurador e nenhuma diretriz avançada. Os tribunais devem ser usados apenas como último recurso, quando os desacordos não podem ser resolvidos em ambiente clínico. ■ SUICÍDIO ASSISTIDO E EUTANÁSIA ATIVA Os proponentes destes atos controversos acreditam que os pacientes terminais competentes devem ter controle sobre o fim de sua vida e que os médicos deveriam aliviar o sofrimento refratário. Os oponentes insistem que estas ações agridem a inviolabilidade da vida, que o sofrimento geralmente pode ser aliviado, que abusos são inevitáveis e que estas ações não fazem parte do devido papel do médico. Tais ações são ilegais em todo o território dos EUA com exceção do Oregon e Washington, onde o suicídio assistido por um médico é legal sob circunstâncias restritas. Sejam quais forem suas opiniões pessoais, os médicos devem responder às perguntas dos pacientes sobre estas ações com compaixão e interesse. Os médicos devem levantar e abordar quaisquer problemas subjacentes, como sintomas físicos, perda do controle ou depressão. Frequentemente, esforços adicionais para aliviar o sofrimento são bem-sucedidos, e após isso ocorrer geralmente os pacientes retiram os pedidos para tais atos. CONFLITOS DE INTERESSE O agir pelos melhores interesses do paciente pode entrar em conflito com o interesse do médico ou os interesses de terceiros, como seguradoras de saúde ou hospitais. O ideal ético é manter como prioritários os interesses do paciente. Mesmo o surgimento de um conflito de interesse pode minar a confiança na profissão. ■ INCENTIVOS FINANCEIROS A lei de reforma dos cuidados de saúde de 2010 inclui programas piloto que oferecem aos médicos incentivos financeiros para melhorar a qualidade e eficiência do cuidado. Há preocupações de que os incentivos pagos por desempenho possam levar os médicos a evitarem pacientes mais doentes, mais complicados, ou a concentrarem-se em intervenções de referência mesmo que não sejam de grande interesse do paciente isoladamente. Em contrapartida, os médicos recebem incentivos para fornecer intervenções independentemente da probabilidade ou magnitude do benefício quando recebem reembolso com honorário por serviço ou quando encaminham pacientes para laboratórios ou clínicas de diagnóstico por imagem das quais têm interesse financeiro. Independentemente dos incentivos financeiros, os médicos devem recomendar o cuidado disponível que atende aos melhores interesses do paciente, nem mais nem menos. ■ RELAÇÕES COM EMPRESAS FARMACÊUTICAS E DE DISPOSITIVOS As relações financeiras entre médicos e a indústria estão sob controle cada vez maior. Os presentes das empresas farmacêuticas e de dispositivos podem criar um risco inadequado de influência excessiva, induzir sentimentos subconscientes de reciprocidade, prejudicar a confiança do público e aumentar o custo do atendimento de saúde. As politicas em muitos centros médicos acadêmicos e empresas eliminaram canetas, blocos de anotações e refeições para os médicos. Sob novas exigências federais abertas para o público, as empresas devem divulgar publicamente os nomes dos médicos para os quais eles fazem pagamentos e o valor do pagamento. Será um desafio estrutu- ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 5-3 PARTE I rar essa divulgação para distinguir entre pagamentos para consultoria cientifica, contratos, e bolsas de estudo – que são compatíveis com as missões profissionais e acadêmicas e precisam ser incentivados – e palestras e consultoria promocional cujo objetivo é aumentar as vendas dos produtos da empresa. Introdução à Medicina Clínica ■ RISCOS OCUPACIONAIS Alguns profissionais de saúde, receando infecções ocupacionais fatais, recusam-se a cuidar de pessoas com infecção pelo HIV ou tuberculose resistente a múltiplos fármacos. Estes medos referentes à segurança pessoal precisam ser reconhecidos, e as instituições de saúde devem reduzir o risco ocupacional fornecendo treinamento adequado, equipamentos de proteção e supervisão. Para cumprir a missão de ajudar o paciente, os médicos devem fornecer o cuidado apropriado em sua especialidade clínica, apesar de algum risco pessoal. ■ ERRO MÉDICO Os erros são inevitáveis na medicina clínica, podendo causar graves prejuízos aos pacientes ou resultar em alterações substanciais no tratamento. Os médicos e estudantes podem temer que a divulgação destes erros possa prejudicar suas carreiras. Contudo, sem a divulgação, os pacientes não conseguem entender sua situação clínica ou fazer escolhas informadas sobre o cuidado subsequente. Além disso, os pacientes frequentemente sentem-se ultrajados quando os médicos não reconhecem e desculpam-se por erros. Vários estados dos EUA aprovaram leis que possibilitam aos médicos desculpar-se por erros sem aumentar a responsabilidade legal. De maneira semelhante, a menos que os médicos supervisores sejam informados dos erros dos estagiários, não podem fornecer o cuidado ideal e ajudá-los a aprender com os erros. ■ APRENDIZAGEM DE HABILIDADES CLÍNICAS O aprendizado da medicina clínica, particularmente o aprendizado para realizar procedimentos invasivos, pode apresentar inconveniências ou risco para os pacientes. Para garantir a cooperação do paciente, os estudantes podem ser apresentados como médicos ou pode-se omitir aos pacientes que os estagiários realizarão os procedimentos. Esta apresentação inapropriada mina a confiança, pode levar a inverdades mais elaboradas e torna difícil para os pacientes fazerem escolhas informadas sobre seu cuidado. Deve-se falar aos pacientes quem está fornecendo o cuidado, que benefícios e ônus devem ser atribuídos aos estagiários, e como eles são supervisionados. A maioria dos pacientes, quando informada, permite que os estagiários desempenhem um papel ativo em seu cuidado. ■ MÉDICOS DEFICIENTES Os médicos podem hesitar em interferir quando colegas prejudicados pelo uso abusivo de álcool, de drogas ou por doenças psiquiátrica ou clínica colocam pacientes em risco. Entretanto, a sociedade confia na capacidade autorreguladora dos médicos. Se colegas de um médico com problemas não fazem nada para proteger os pacientes, nenhuma outra pessoa pode estar em condições de fazê-lo. ■ CONFLITOS PARA ESTUDANTES E RESIDENTES Os estudantes de medicina e residentes podem temer receber notas ou avaliações ruins se agirem em nome do paciente divulgando erros, evitando apresentações falsas de seu papel e fazendo relatos sobre os colegas com problemas. A discussão destes conflitos com médicos 5-4 mais experientes pode ajudar os estagiários a verificar sua interpretação da situação e a obter conselhos e ajuda. ALOCAÇÃO CORRETA DE RECURSOS O acesso à assistência necessária ainda é uma aspiração moral nos EUA, mesmo após a aprovação das leis de reforma da saúde em 2010. Os médicos que cuidam de populações mal atendidas têm de agir de maneira ética em um sistema de assistência à saúde que apresenta deficiências éticas graves no acesso e qualidade do cuidado. Alguns pacientes com necessidade evidente de cuidados médicos não podem pagar por medicamentos, exames ou hospitalizações, ou a seguradora de saúde pode negar a cobertura. Se isso ocorrer, os médicos deverão defender o paciente, tentando ajudá-lo a obter os cuidados necessários. Os médicos poderiam considerar, ou os pacientes poderiam exigir, o uso de mentiras ou afirmações enganosas para ajudá-los a conseguir tais benefícios. Entretanto, evitar o engano é uma diretriz ética básica que estabelece limites para a defesa dos pacientes. A alocação de recursos para a assistência à saúde é inevitável porque os recursos são limitados. Idealmente, as decisões sobre alocação deveriam ser feitas por políticas públicas de saúde com a cooperação do médico. A alocação de recursos à beira do leito ou em uma base ad hoc é problemática porque pode ser inconsistente, injusta e ineficaz. À beira do leito, os médicos geralmente devem agir como advogados do paciente em um contexto de restrições estabelecidas pela sociedade, cobertura de seguro razoável e prática baseada em evidências. Por exemplo, a seguradora de saúde de um paciente pode ter um copagamento mais alto para fármacos fora das listas oficiais. É razoável para os médicos defender os fármacos fora das listas apenas se houver razões convincentes, como quando os fármacos constantes da lista oficial são ineficazes ou não tolerados. ASSISTÊNCIA COM RELAÇÃO A QUESTÕES ÉTICAS A discussão de questões éticas embaraçosas com outros membros da equipe de cuidados, colegas ou o comitê de ética do hospital frequentemente esclarece questões e sugere maneiras de melhorar a comunicação, bem como lidar com emoções fortes. Quando se luta com questões éticas difíceis, os médicos podem precisar reavaliar suas convicções básicas, tolerar incertezas e manter sua integridade enquanto respeitam as opiniões dos demais. BIBLIOGRAFIA Beauchamp TL, Childress JF: Principles of Biomedical Ethics, 6th ed. New York, Oxford University Press, 2008 Chiong W: Justifying patient risks associated with medical education. JAMA 298:1046, 2007 Curtis JR, Vincent JL: Ethics and end-of-life care for adults in the intensive care unit. Lancet 376:1347, 2010 Gallagher TH: A 62-year-old woman with skin cancer who experienced wrong-site surgery: Review of medical error. JAMA 302:669, 2009 Lo B: Resolving Ethical Dilemmas: A Guide for Clinicians, 4th ed. Baltimore, Lippincott Williams & Wilkins, 2009 ——— Field MJ: Conflicts of Interest in Medical Research, Education, and Clinical Practice. Washington, DC, National Academies Press, 2009 Snyder L, Leffler C: Ethics manual: Fifth edition. Ann Intern Med 142:560, 2005 Truog RD: Counterpoint: The Texas Advance Directives Act is ethically flawed: Medical futility disputes must be resolved by a fair process. Chest 136:968, 2009 ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados.