o desenvolvimento sustentável e o meio

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O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O MEIO-AMBIENTE COMO FORMA
DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA
DIMENSÃO.
Leila Eliana Hoffmann Ritt1
RESUMO
No contexto contemporâneo constata-se a crescente preocupação acerca da
preservação ambiental, como condição para a garantia de uma vida saudável para
esta e para as futuras gerações. Neste sentido, um meio ambiente ecologicamente
equilibrado está diretamente relacionado com os direitos fundamentais – sucessivos
e cumulativos – que refletem as necessidades sociais. Assim, a teoria global do
direito ambiental ainda é um objetivo a ser alcançado, mas que só vai ser possível
através de um consenso Internacional, ou seja, um esforço conjunto de todas as
nações. É necessária uma cooperação da comunidade internacional, por meio de
acordos, contratos, tratados, convênios, em que se estabeleça uma base legal e
principiológica a ser cumprida, porque os direitos de terceira dimensão dependem
não só da vontade e do esforço do Estado Nacional, haja vista que se trata de um
objetivo que ultrapassa as fronteiras. Assim, o ordenamento jurídico deve tutelar
não apenas o meio ambiente propriamente dito, mas seus elementos constitutivos,
pois a sua preservação é fundamental para assegurar o equilíbrio do ecossistema,
assegurar a qualidade de vida, a saúde e o bem-estar social.
PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente – direitos humanos – direitos fundamentais.
1
Advogada. Aluna dos cursos de Pós-Graduação - Especialização em Direito Processual Civil e
Mestrado em Direito, da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, e pesquisadora membro do
Grupo de pesquisa: “A Constitucionalização do Direito Privado.”
3
INTRODUÇÃO
No contexto contemporâneo está cada vez mais presente a
preocupação acerca da questão ambiental, do desenvolvimento sustentável e
necessidade da preservação ambiental como critério de garantia de uma vida
saudável para esta e para as futuras gerações.
O Estado Moderno tem sofrido nos últimos tempos a influência
direta dos problemas ambientais e do impacto da economia, principalmente com o
advento do fenômeno da globalização econômica, que gera, conseqüentemente,
uma sociedade cada vez mais complexa, diversificada e exigente. Em contrapartida,
nota-se que o ordenamento jurídico não está preparado para acompanhar essa
mudança de paradigma, e desta forma, origina-se uma crescente “inflação
legislativa”, pelo fato de que o ordenamento jurídico que não consegue acompanhar
a dinâmica social, a fim de oferecer os instrumentos necessários e eficazes para
coibir os impactos ambientais, decorrentes da atuação humana no espaço.
Numa sociedade massificada, o Estado passa a ter novos
compromissos e responsabilidades de tutelar os direitos humanos, ou seja, o Estado
passa a ter a sua atividade regulatória ampliada, de modo que não só basta a sua
intervenção no âmbito privado, mas exige-se muito mais que isso: uma intervenção
através de uma aparato legislativo e um conjunto de princípios valorativos eficazes.
Neste sentido, para melhor elucidar o instigante tema, no
primeiro capítulo será abordado sobre os aspectos conceituais dos direitos humanos
e fundamentais, no segundo, as dimensões dos direitos fundamentais – de primeira
a quinta dimensão, conforme a doutrina pátria, para estudar no terceiro capítulo o
direito ao desenvolvimento sustentável e ao meio-ambiente saudável e equilibrado
como direitos fundamentais de terceira dimensão, sendo feitas, ao final, as
considerações mais relevantes.
1 ASPECTOS CONCEITUAIS DOS DIREITOS HUMANOS E
FUNDAMENTAIS
4
Inicialmente faz-se necessário estabelecer a diferenciação
básica acerca dos direitos fundamentais2, que se diferenciam dos direitos humanos3
e dos direitos naturais pela característica da positivação, ou seja, os primeiros estão
muito ligados à característica da constitucionalização, que acaba por repercutir,
também, no aspecto espacial, porquanto as constituições ainda possuem forte
ligação com o conceito de Estado Nacional.
Em contrapartida, os direitos humanos é expressão preferida
em documentos internacionais, e referem-se ao ser humano como tal, pelo simples
fato de ser pessoa humana, ao passo que os direitos fundamentais porque
positivados nas constituições concernem às pessoas como membros de um ente
público concreto. No que concerne aos direitos naturais – estes compreendem os
direitos inerentes a natureza do homem, são direitos inatos, que cabem ao homem
só pelo fato de ser homem.4
A diferenciação conceitual entre os direitos naturais, humanos
e fundamentais não implica, necessariamente, que determinado direito não possa
ser, ao mesmo tempo, direito natural, humano e fundamental. O que ocorre são
especializações conceituais progressivas. O direito à vida, por exemplo, é direito
natural por imposição lógica, porquanto pressuposto fático à própria existência do
Direito; é direito humano, pois reconhecido internacionalmente como inerente ao ser
humano na Declaração Universal dos Direitos do Homem e, ainda, é direito
fundamental porque reconhecido em determinado ordenamento constitucional.
Os Direitos Humanos são direitos históricos, nascidos de
certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra
velhos poderes, e nascidos de modo gradual, lento e contínuo. Segundo BOBBIO:
2
A dificuldade em se diferenciar os direitos fundamentais resulta da circunstância de se empregarem
várias expressões para designá-los: como, por exemplo, direitos naturais, direitos humanos, direitos
do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades
públicas e direitos fundamentais do homem.
3
Pode-se afirmar que os direitos humanos surgiram a partir dos deveres, como provam os 10
mandamentos, a lei das XII Tábuas, o Código de Hamurabi.
4
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
5
[...] os direitos do homem, por meias fundamentais que sejam, são direitos
históricos, ou seja, nascidos de certas circunstâncias, caracterizadas por
lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de
modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.5
O problema é que os filósofos estão querendo atribuir um
caráter absoluto, irresistível, inquestionável. A verdade é que os direitos humanos
são um fenômeno que acompanha a evolução e o progresso da sociedade, isto é,
são flexíveis e dinâmicos. No século XVIII a preocupação preponderada era sobre o
direito à vida, à liberdade, e nem sequer mencionam a possibilidade de qualquer
discussão acerca da questão ambiental, dos avanços da medicina e da internet.
Esses “novos direitos” materializam as exigências permanentes
da própria sociedade diante das condições emergentes da vida e das crescentes
prioridades determinadas socialmente. Em face da universalidade e da ampliação
dos direitos, que surgem em função das necessidades sociais e são decorrentes da
evolução do ser humano, objetivando precisar seu conteúdo, titularidade, efetivação
e sistematização, tem originado direitos e garantias sucessivas e cumulativas.
Neste sentido, BOBBIO apud WOLKMER6 considera que o
desenvolvimento e a mudança social estão diretamente vinculados com o
nascimento, a ampliação e a universalização de “novos direitos”, por três razões:
aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; estendeu-se a
titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; o homem não
mais é concebido como ser genérico, abstrato, mas é visto como cidadão,
independentemente de qualquer condição.
2 DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
5
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 14º tiragem. Rio de
Janeiro: Campus, 1992, p. 5
6
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos “novos” direitos.
In: ______, LEITE, J. R. M. (organizadores). OS NOVOS DIREITOS NO BRASIL: natureza e
perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4.
6
À luz do que até agora foi exposto, cabe mencionar as
categorias de direitos fundamentais. Neste sentido, Sarlet7 preconiza a substituição
da expressão “gerações”, “eras” ou “fases” por “dimensões8, são as seguintes,
segundo WOLKMER9:
2.1 Primeira dimensão – são os direitos civis e políticos –
direitos individuais vinculados à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança,
e à resistência às diversas formas de opressão. São direitos inerentes ao indivíduo,
ou seja, são os direitos naturais básicos de todo ser humano. Portanto, são atributos
naturais, inalienáveis e imprescritíveis, que tem o objetivo de proteger o indivíduo
contra a intervenção do Estado, e portanto, são chamados de negativos.
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o
indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou
atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais
característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o
Estado10.
Apareceram durante os séculos XVIII e XIX como expressão
dos jusnaturalismo, do racionalismo iluminista, do liberalismo e do individualismo, do
capitalismo concorrencial. É o período que consolida a hegemonia da classe
burguesa, que alcança o poder por meio das revoluções norte-americana (1776) e
francesa (1789), sendo concebidos nas respectivas constituições11. Esses direitos
individuais sintetiza as teses do Estado Democrático de Direito, da teoria da
tripartição dos poderes, do princípio da soberania popular e da doutrina da
universalidade dos direitos e garantias fundamentais. Pro fim, recorda-se que o mais
importante código privado dessa época – fiel tradução do espírito liberalindividualista – foi o Código Napoleônico de 180412.
7
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais. 3. ed. ver. atual. e ampl. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 50.
8
É importante que se esclareça que é utilizado o termo “dimensão”, em razão das críticas que vêm
sendo feitas pela doutrina pátria, sob o argumento que o termo antes utilizado – “geração” –
desencadeava uma falsa idéia de substituição, de alternância. Portanto, a “dimensão dos direitos
fundamentais” é mais propícia, pois significa cumulação.
9
WOLKMER, Op. Cit. p. 7 e ss.
10
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 517.
11
WOLKMER. Op. Cit. p. 7.
12
Idem. 7-8.
7
2.2 Segunda dimensão – compreende os direitos sociais,
econômicos e culturais, fundados no princípio da igualdade e com alcance positivo,
pois não são contra o Estado. São direitos do indivíduo em relação à coletividade.
Não se trata “de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio
do Estado.”13
Estes direitos exigem para a sua efetivação uma postura ativa
do Estado, no sentido de garantir direito ao trabalho, à saúde, à educação, etc. O
titular continua sendo o homem na sua individualidade, assim como ocorre nos
direitos de primeira dimensão.
Nesta
contextualização
histórica
está
o
processo
de
industrialização e os graves impasses socioeconômicos durante a segunda metade
do século XIX e as primeiras décadas do século XX. A liberdade não é apenas
formal, mas material concreta, como por exemplo, o direito a sindicalização, o direito
a greve, o reconhecimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores, etc.
O capitalismo e a crise do modelo de Estado liberal de Estado
possibilitou o surgimento do Estado do Bem-Estar social (Welfare State) – reflexo da
crise do Estado Liberal - o qual não correspondeu às expectativa sociais, e que
passa a arbitrar as relações sociais. O período ainda registra o desenvolvimento das
correntes socialistas, anarquistas e reformistas.
Para os avanços sociais foram importantes: a posição da igreja
Católica com sua doutrina social (a encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, de
1891); os efeitos políticos da revoluções Mexicana (1911) e Russa (1917); os
impactos econômicos do Keynesianismo e o intervencionismo estatal do New Deal.
Cria-se a OIT (1919), o movimento sindical ganha força internacional, a socialização
alcança a política e o direito (nasce do direito do trabalho e o direito sindical). As
principais fontes legais estão positivadas na Constituição Mexicana de 1917, na
Constituição alemã de Weimer de 1919, na Constituição Espanhola de 1931 e no
texto constitucional de 1934 do Brasil.14
13
14
SARLET. Op. Cit. p. 52.
WOLKMER. Op. Cit. p. 8-9.
8
2.3 Terceira dimensão – são os direitos metaindividuais,
direitos coletivos, difusos, direitos de solidariedade. O titular não mais é o indivíduo,
mas a coletividade/categorias, grupos de pessoas (a família, povo, nação).
Compreende os direitos à solidariedade ou fraternidade, incluem-se aqui os direitos
relacionados ao desenvolvimento, à paz, à autodeterminação dos povos, ao meio
ambienta sadio, à qualidade de vida, o direito de comunicação.
Alguns autores questionam a validade e a eficácia desta
dimensão de direitos fundamentais, haja vista que não dependem apenas do Estado
nacional, mas da cooperação de todos os demais Estados, exigindo um esforço em
nível Internacional.
A nota distintiva destes direitos de terceira geração reside basicamente na
sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se
revela, a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e
qualidade de vida, o qual, em que peses ficar preservada sua dimensão
individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção. A atribuição da
titularidade de direitos fundamentais ao próprio Estado e à Nação (direito à
autodeterminação, paz e desenvolvimento) tem suscitado sérias dúvidas no
que concerne à própria qualificação de grande parte destas reivindicações
como autênticos direitos fundamentais.15
Esses direitos começaram a ganhar impulso no período pós II
Guerra Mundial (1945-1950). A explosão das bombas atômicas em Hiroshima e
Nagasaki, e mutilação e extermínio de vidas humanas, a destruição ambiental e os
danos causados à natureza pelo desenvolvimento tecnológico desencadearam a
criação de instrumentos normativos no âmbito internacional. Igualmente uma política
governamental em defesa dos consumidores foi sendo estabelecida nas décadas de
1970 e 1980 nos Estado Unidos e na Europa16.
As transformações sociais ocorridas nas últimas décadas, a
amplitude dos sujeitos coletivos, as formas novas e específicas de subjetividade e a
diversidade na maneira em que a sociedade se apresenta têm projetado e
intensificado outros direitos que podem ser inseridos na “terceira dimensão”, como
direitos de gênero (dignidade da mulher), direitos da criança, direitos do idoso,
15
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais. 3. ed. ver. atual. e ampl. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 54.
16
WOLKMER. Op. Cit. p. 10.
9
direitos dos deficientes físicos e mentais, os direitos das minorias e os novos direitos
da personalidade (intimidade, honra, imagem).
São, pois, os direitos de titularidade coletiva e difusa,
adquirindo crescente importância o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor, a
Lei da Ação Civil Pública, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), etc.
2.4 Quarta dimensão – são os “novos” direitos referentes à
biotecnologia, à bioética, à regulação da engenharia genética. Trata dos direitos
específicos que têm vinculação direta com ávida humana, coma reprodução humana
assistida
(inseminação
artificial),
aborto,
eutanásia,
cirurgia
intra-uterinas,
transplante de órgãos, engenharia genética (clonagem), contracepção e ouros. Tais
direitos são de natureza complexa, polêmica e interdisciplinar, tendo a preocupação
de juristas, médicos, psicólogos, biólogos, etc.
Deve haver regras, limites e formas de controle que conduzem
a uma prática normativa objetivando o bem-estar e não uma ameaça ao ser
humano. Há a necessidade de uma legislação internacional, com o apoio da
comunidade.
Houve um progresso muito grande das ciências biomédicas e
as verdadeiras revoluções tecnológicas no campo da saúde humana projetaram
preocupações sobre a regulamentação ética envolvendo a biologia, medicina, e a
vida humana. Surge a bioética e, conseqüentemente, o biodireito, como forma de
normalizar as exigências valorativas, controlar a descobertas científicas.
2.5 Quinta dimensão – são os “novos” direitos advindos das
tecnologias de informação (internet), do ciberespaço e da realidade virtual em geral.
O século XX revela uma passagem da era industrial para uma era virtual. Diante da
contínua e progressiva evolução da tecnologia de informação, a utilização da
internet – torna-se fundamental definir uma legislação que venha regulamentar,
controlar e proteger os provedores e os usuários dos meios de comunicação
eletrônica de massa.
10
O Direito tem a função de regulamentar a ciência da
informática, o direito á privacidade e à informação, o controle de crimes via rede, ou
seja, incitação de crimes de uso de droga, de racismo, de abuso e exploração de
menores, pirataria, roubo de direitos autorais, ameaça, calúnia, etc. Ocorre, porém,
que as fontes legislativas ainda são muito escassas, mas há inúmeros projetos de lei
tramitando no Congresso Nacional.
3 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O MEIO
AMBIENTE17
COMO
FORMA
DE
CONCRETIZAÇÃO
DOS
DIREITOS
FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA DIMENSÃO.
O meio ambiente18 pode ser definido como “o conjunto de
condições naturais e de influências que atuam sobre os organismos vivos e os seres
humanos.”19 Assim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não pode
ser confundido com o direito à saúde, mas está diretamente relacionado com o
mesmo, e portanto, constitui-se um direito fundamental, necessário à dignidade da
pessoa humana.20 Conseqüentemente, devido à sua importância social, deve haver
17
Cf: MILARÉ, Edis: “Tanto a palavra meio como o vocábulo ambiente por conotações diferentes,
quer na linguagem científica, quer na vulgar. Nenhum destes termos é unívoco (detentor de um
significado único), mas ambos são equívocos (mesma palavra com significados diferentes). Meio
pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um
recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já ambiente pode representar um espaço
geográfico ou social, físico ou psicológico, natural ou artificial. Não chega, pois, a ser redundante a
expressão meio ambiente, embora em sentido vulgar a palavra ambiente indique o lugar, o sítio, o
recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expressão
consagrada na língua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso
país, que, amiúde, falam em meio ambiente, em vez de ambiente apenas. (Direito do Ambiente. 2. ed.
ver., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001. p. 63.)
18
A preocupação acerca do meio ambiente já esteve presente em época anterior a primeira Guerra
Mundial. No decorrer da segunda grande guerra houve a conversão do pólo industrial para a
produção de produtos bélicos, configurando-se uma escassez de bens de consumo e uma pesquisa
de alternativas para matérias-primas em falta, surgindo novas tecnologias e materiais. (MEDEIROS,
Fernanda Luiza Fontoura. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004. p. 29).
19
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. ver. e
ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1113.
20
O Tratado de Kioto consiste num plano Internacional para reduzir os gases associados ao
aquecimento global, que ele tem importância política, embora reconheçam que terá poucos efeitos
práticos. Este é o primeiro passo no corte de gases poluentes, ou seja, muitos especialistas temem
que se as emissões de gases-estufa (principalmente CO2, metano e óxido de nitrogênio) continuarem
a crescer, a temperatura do planeta também se elevará. Em conseqüência, poderão ocorrer
mudanças sérias, como a elevação do nível do mar, a intensificação de secas e inundações, e a
redução das terras disponíveis para a produção de alimentos. Especialistas dizem que a entrada em
vigor de Kioto marcará também o aumento das pressões sobre os países em desenvolvimento, como
o Brasil. Cf: http://agenciact.mct.gov.br . Acesso em 17 de agosto de 2005.
11
uma conscientização acerca de sua preservação para esta e para as futuras
gerações.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um
direito fundamental, eis que consta expressamente no art. 225 e do §1º do art. 5º da
Constituição Federal, de aplicação imediata.
O Direito à proteção Ambiental representa mais do que a descrição da
existência de um direito: é um direito de proteção ao meio ambiente, é um
direito portador de uma mensagem de interação entre o homem e a
natureza, para que se estabeleça um relacionamento mais harmonioso e
equilibrado. Não é de surpreender que esse seja um Direito de caráter
horizontal, representando um direito fundamental de caráter erga omnes,
recobrindo diferentes ramos do Direito clássico, procurando estabelecer
uma interação entre eles de forma que o âmago do direito ambiental
penetre no ordenamento jurídico para os orientar em um sentido
ambientalista.21
A garantia a um meio ambiente ecologicamente equilibrado,
está diretamente relacionado com a efetivação dos demais direitos fundamentais,
como a dignidade da pessoa humana, a vida, a saúde, o lazer, a qualidade de vida,
bem-estar, etc. Não se pode conceber a vida e o bem-estar sociais em um ambiente
degradado, doente e poluído.
Portanto, o Estado tem o compromisso de instituir políticas
públicas necessárias e eficazes, de modo a garantir erga omnes a efetividade a um
meio ambiente saudável. Mas não basta só a atuação do Estado: é necessária a
cooperação22 da coletividade, para que despertem a ética ambiental. Portanto,
devido à sua característica, recebem também o nome de direitos de solidariedade ou
de fraternidade.
A relação entre os direitos humanos e a proteção ao meio ambiente adotou
diversas formas quando se pode perceber que a deterioração ambiental
poderia impedir o gozo de direitos já reconhecidos como fundamentais ao
ser humano, desde os casos mais extremos do direito à vida, à saúde, aos
O Protocolo de Kioto é um instrumento para implementar a Convenção das Nações Unidos sobre
mudanças climáticas. Seu objetivo é que os países industrializados reduzam e controlem as emissões
de gases que causam o efeito estufa.
21
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. p. 32.
22
A doutrina menciona com freqüência a expressão “Direito Ambiental Internacional”, eis que é um
direito de interesse de todos em face da natureza desse direito, que está relacionado a coletividade,
que exige um esforço de todos os Estados.
12
direitos culturais e de patrimônio histórico. (...) A consciência desta
interação entre os direitos humanos e o direito ao meio ambiente tem
contribuído decisivamente com a evolução da internacionalização, com a
globalização da proteção de ambos os direitos referendados. Não há, com
efeito, como se pretender salvaguardar o direito humano à vida, sem
proteger o meio em que esta vida se desenvolve. 23
Além de o meio ambiente constituir-se num direito, a sua
proteção também é um dever de responsabilidade do homem na construção de um
novo ordenamento jurídico, adequado às constantes transformações sociais.24
Hodiernamente, há uma perspectiva globalizante das questões
ambientais, ou seja, a globalização é um fenômeno que influencia em todos os
setores da sociedade, criando uma rede global, com implicações diretas na questão
ambiental. As nacionalidades rompem limites, tornando-se um espaço único e
contínuo. A tendência é o mesmo para do direito Ambiental, ou seja, fala-se de um
Direito Ambiental Internacional, que não mais pode ser concebido num aspecto
espacial limitado á esfera nacional/transnacional, ou “transfronteira.” A problemática
ambiental virou “unanimidade, em nível universal.”25
Por este motivo, como vimos anteriormente, a validade e a
eficácia dos direitos fundamentais de terceira dimensão são questionados, eis que
não estão diretamente relacionados com a possibilidade de efetivação dentro do
âmbito do Estado Nacional, mas estão condicionados à vontade e cooperação dos
demais Estados e órgãos Internacionais, tanto que se fala de “Direito Ambiental
Internacional”.
No caso, o direito ambiental, o ecossistema, a qualidade do ar,
da água, da flora, da fauna, a perspectiva de desenvolvimento sustentável, não
dependem apenas de um esforço do Estado, mas deve ser uma preocupação, um
consenso de todos os Estados, sendo que o primeiro passo seria a implementação
de uma legislação uniforme, de modo que a questão ambiental seja uma
preocupação de todos os povos e nações.
23
MEDEIROS, Op. Cit. p. 46.
Idem, Ibidem. p. 33-34.
25
SILVA, Olmiro Ferreira da. DIREITO AMBIENTAL E ECOLOGIA: Aspectos filosóficos
contemporâneos. São Paulo, Manole, 2003. p. 122.
24
13
Essa preocupação já ficou evidente na Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, promovida pela ONU, que ocorreu
em Estocolmo, de 5 a 16 de junho de 1972; na Declaração da Rio 92, ou seja, é
enorme a problemática ambiental global e inadiável é a efetivação, por parte de
todas as autoridades e organizações, em todos os Estados e povos, que estão em
permanente esforço nacional e internacional, preocupados em buscar medidas
informativas e educacionais para o problema ambiental criado pelo próprio homem.
É necessária uma, um progressivo esforço nacional, medidas
informativas e educacionais necessárias para tomada de consciência coletiva,
participação, cooperação, fraternidade, solidariedade, co-responsabilidade, com o
objetivo de se criar um meio ambiente equilibrado, saudável. Hoje, está em voga a
expressão “desenvolvimento sustentável” com proteção do patrimônio ambiental
global.
O equilíbrio entre os desejos humanos e as potencialidades do planeta é a
meta; o homem deve produzir sem degradar, consumir sem destruir,
manejar sem aniquilar, posto que precisa garantir uma sadia qualidade de
vida para as futuras gerações, possibilitando a satisfação das necessidades
humanas, com o equilíbrio dos recursos naturais.26
De outro lado, a natureza está sendo utilizada para fins
econômicos, que não mede as conseqüências que advirão da sua atividade no
meio-ambiente.
De outro lado, o processo de desenvolvimento dos países se realiza,
basicamente, às custas dos recursos naturais vitais, provocando
deterioração das condições ambientais em ritmo e escala até ontem
desconhecidas. A paisagem natural da Terra está cada vez mais ameaçada
pelas usinas nucleares, pelo lixo atômico, pelos dejetos orgânicos, pela
chuva ácida, pelas indústrias e pelo lixo químico. Por conta disso, em todo o
mundo – e o Brasil não é nenhuma exceção -, o lençol freático se
contamina, o ar se torna irrespirável, o patrimônio genético se degrada,
abreviando os anos que o homem tem para viver sobre o Planeta.27
O ecossistema está condicionado pela totalidade, sendo que a
alteração de um dos elementos provoca necessariamente um desequilíbrio do outro.
26
MATOS, Eduardo Lima de. Autonomia municipal e meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2001,
p. 65.
27
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001. p. 39.
14
Por exemplo, o desmatamento da Amazônia vai ter repercussão mundial a médio ou
a longo prazo, pois os recursos consumidos e esgotados não se recriarão, sendo
que as conseqüências da irresponsabilidade humano no contexto atual será
suportada pelas futuras gerações.
Por isso, nos últimos anos, a sociedade vem acordando com a problemática
ambiental, repensando o mero crescimento econômico, buscando fórmulas
alternativas, como o desenvolvimento sustentável e o ecodesenvolvimento,
cuja característica principal consiste na possível e desejável conciliação
entre o desenvolvimento, a preservação do meio ambiente e a melhoria da
qualidade de vida – três metas indispensáveis.28
As pessoas, enquanto há tempo, devem desenvolver a
racionalidade de que a terra é um bem que apenas está emprestada, e deve ser
preservada e conservada para as futuras gerações, a fim de garantir a qualidade de
vida. Esta é a idéia central do desenvolvimento sustentável.
A preocupação em torno das questões ambiental e de suas
implicações é algo relativamente recente, mesmo em âmbito interno, apesar de o
Brasil estar muito a frente das demais nações latinas quando se trata de legislação
ambiental. Apenas há aproximadamente 20 anos é que houve uma medida mais
eficaz e enérgica em relação à matéria, quando nos Estado Unidos editaram um
texto normativo acerca da matéria.
Nota-se uma unanimidade sobre a questão de âmbito
internacional ou transnacional. Reflexo dessa realidade é a edição de um número
impressionante de produção literária a respeito, ou seja, a bibliografia é
extremamente vasta, acessível a qualquer interessado, bem como há um grande
número de instituições, ONGs que têm se dedicado ao tema.
A própria natureza está pressionando o homem a tomar uma
atitude sobre a importância de sua preservação, como por exemplo, a chuva ácida, a
destruição da camada de ozônio (câncer de pele), a derrubada das florestas
tropicais, a poluição do ar, dos rios e dos mares. Esse cenário demonstra que todos
28
Idem. Ibidem. p. 41.
15
são afetados direta ou indiretamente pela queda da qualidade ambiental e das suas
conseqüentes implicações.
O problema está em como conciliar as o desenvolvimento
socioeconômico com a proteção do patrimônio ambiental, caso em que deve haver
uma relevância maior do meio ambiente, por ser condição de existência da própria
vida.
O gerenciamento econômico racional da exploração dos recursos naturais,
por exemplo, com a finalidade de se evitarem ou impedirem danos
ambientais é, como todas as medidas exigidas do Estado basicamente
ligado a dois meios: o direito e o dinheiro. Neste sentido, a capacidade de
administração estatal é limitada de antemão. E nas sociedades nas quais o
Estado não tem alcance jurídico sobre os que causam danos ao meio
ambiente, o direito corre o risco de fracassar completamente. Esta situação
é especialmente grave e observável em países que não dispõem de um
sistema jurídico internalizado e efetivo como a maioria dos países
industrializados.29
Assim, há a necessidade de um sistema jurídico com um
referencial transnacional no que se refere à sua constituição, administração, debate,
proposição e encaminhamento de políticas específicas, execução e sua fiscalização
da justiça ambiental. É a própria natureza que está pressionando o homem a buscar
alternativas para driblar esse problema, através de um novo modelo, que responda e
equacione as questões ambientais e ecológicas de implicações globalizante e
transnacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dogmática jurídica apresenta-se como um impasse para o
direito ambiental. Há uma mudança de paradigma, em que a teoria global do direito
ambiental ainda é um objetivo a ser alcançado, mas que só vais ser possível através
de um esforço conjunto de todas as nações e as legislações internacionais, no
sentido de se buscar um consenso para este problema eminentemente relevante
para a presente geração e para as futuras gerações.
29
BRÜSEKE, Franz Josef. Pressão modernizante, Estado territorial e sustentabilidade. In:
CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio Ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São
Paulo: Cortez: Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1997. p. 121.
16
Neste
diapasão,
o
Direito
Ambiental
está
diretamente
relacionado a uma concepção universalista, eis que o meio ambiente, como bem
jurídico, pertence a todos e a ninguém em particular. Portanto, é um interesse difuso
a ser tutelado em prol da coletividade indeterminável, sendo condição para a
perpetuação dos seres vivos. No contexto atual, constata-se uma crescente
preocupação com a preservação do meio ambiente, tanto que sua importância foi
reconhecida mundialmente, sendo matéria de discussões e de tratados, convênios e
acordos internacionais.
A garantia a um meio ambiente ecologicamente equilibrado,
está diretamente relacionado com a efetivação dos demais direitos fundamentais,
como a dignidade da pessoa humana, a vida, a saúde, o lazer, a qualidade de vida,
bem-estar, etc. Portanto, o Estado tem o compromisso de instituir políticas públicas
necessárias e eficazes, de modo a garantir erga omnes a efetividade a um meio
ambiente saudável. Mas não basta só a atuação do Estado: é necessária a
cooperação da coletividade, para que despertem a ética ambiental.
Há uma íntima relação entre a garantia ao meio ambiente
saudável e equilibrado obtenção ambiental, haja vista que praticamente todos os
demais direitos fundamentais estão condicionados à proteção ambiental, conforme o
princípio da igualdade. Cabe ao estado institui políticas públicas que visam a
efetivação do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto,
inclusive, na Carta Magna de 1988.
Desta forma, o direito ao meio ambiente foi incluído como
direito fundamental de terceira dimensão, que requer um pensamento jurídicoambiental, capaz de tutelar não apenas o meio-ambiente propriamente dito, mas
seus elementos constitutivos, pois não se pode conceber a vida e o bem-estar
sociais em um ambiente degradado, doente e poluído, ou seja, a qualidade do meio
ambiente tem a função de desencadear a qualidade de vida, a saúde e o bem-estar
social.
17
REFERÊNCIAS
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tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
1996.
BRÜSEKE, Franz Josef. Pressão modernizante, Estado territorial e sustentabilidade.
In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio Ambiente, desenvolvimento sustentável e
políticas públicas. São Paulo: Cortez: Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1997.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição.
2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2.
ed. ver. e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
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MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001.
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SILVA, Olmiro Ferreira da. DIREITO AMBIENTAL E ECOLOGIA: Aspectos
filosóficos contemporâneos. São Paulo: Manole, 2003.
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos
“novos” direitos. In: ______, LEITE, J. R. M. (organizadores). OS NOVOS DIREITOS
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