O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O MEIO-AMBIENTE COMO FORMA DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA DIMENSÃO. Leila Eliana Hoffmann Ritt1 RESUMO No contexto contemporâneo constata-se a crescente preocupação acerca da preservação ambiental, como condição para a garantia de uma vida saudável para esta e para as futuras gerações. Neste sentido, um meio ambiente ecologicamente equilibrado está diretamente relacionado com os direitos fundamentais – sucessivos e cumulativos – que refletem as necessidades sociais. Assim, a teoria global do direito ambiental ainda é um objetivo a ser alcançado, mas que só vai ser possível através de um consenso Internacional, ou seja, um esforço conjunto de todas as nações. É necessária uma cooperação da comunidade internacional, por meio de acordos, contratos, tratados, convênios, em que se estabeleça uma base legal e principiológica a ser cumprida, porque os direitos de terceira dimensão dependem não só da vontade e do esforço do Estado Nacional, haja vista que se trata de um objetivo que ultrapassa as fronteiras. Assim, o ordenamento jurídico deve tutelar não apenas o meio ambiente propriamente dito, mas seus elementos constitutivos, pois a sua preservação é fundamental para assegurar o equilíbrio do ecossistema, assegurar a qualidade de vida, a saúde e o bem-estar social. PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente – direitos humanos – direitos fundamentais. 1 Advogada. Aluna dos cursos de Pós-Graduação - Especialização em Direito Processual Civil e Mestrado em Direito, da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, e pesquisadora membro do Grupo de pesquisa: “A Constitucionalização do Direito Privado.” 3 INTRODUÇÃO No contexto contemporâneo está cada vez mais presente a preocupação acerca da questão ambiental, do desenvolvimento sustentável e necessidade da preservação ambiental como critério de garantia de uma vida saudável para esta e para as futuras gerações. O Estado Moderno tem sofrido nos últimos tempos a influência direta dos problemas ambientais e do impacto da economia, principalmente com o advento do fenômeno da globalização econômica, que gera, conseqüentemente, uma sociedade cada vez mais complexa, diversificada e exigente. Em contrapartida, nota-se que o ordenamento jurídico não está preparado para acompanhar essa mudança de paradigma, e desta forma, origina-se uma crescente “inflação legislativa”, pelo fato de que o ordenamento jurídico que não consegue acompanhar a dinâmica social, a fim de oferecer os instrumentos necessários e eficazes para coibir os impactos ambientais, decorrentes da atuação humana no espaço. Numa sociedade massificada, o Estado passa a ter novos compromissos e responsabilidades de tutelar os direitos humanos, ou seja, o Estado passa a ter a sua atividade regulatória ampliada, de modo que não só basta a sua intervenção no âmbito privado, mas exige-se muito mais que isso: uma intervenção através de uma aparato legislativo e um conjunto de princípios valorativos eficazes. Neste sentido, para melhor elucidar o instigante tema, no primeiro capítulo será abordado sobre os aspectos conceituais dos direitos humanos e fundamentais, no segundo, as dimensões dos direitos fundamentais – de primeira a quinta dimensão, conforme a doutrina pátria, para estudar no terceiro capítulo o direito ao desenvolvimento sustentável e ao meio-ambiente saudável e equilibrado como direitos fundamentais de terceira dimensão, sendo feitas, ao final, as considerações mais relevantes. 1 ASPECTOS CONCEITUAIS DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS 4 Inicialmente faz-se necessário estabelecer a diferenciação básica acerca dos direitos fundamentais2, que se diferenciam dos direitos humanos3 e dos direitos naturais pela característica da positivação, ou seja, os primeiros estão muito ligados à característica da constitucionalização, que acaba por repercutir, também, no aspecto espacial, porquanto as constituições ainda possuem forte ligação com o conceito de Estado Nacional. Em contrapartida, os direitos humanos é expressão preferida em documentos internacionais, e referem-se ao ser humano como tal, pelo simples fato de ser pessoa humana, ao passo que os direitos fundamentais porque positivados nas constituições concernem às pessoas como membros de um ente público concreto. No que concerne aos direitos naturais – estes compreendem os direitos inerentes a natureza do homem, são direitos inatos, que cabem ao homem só pelo fato de ser homem.4 A diferenciação conceitual entre os direitos naturais, humanos e fundamentais não implica, necessariamente, que determinado direito não possa ser, ao mesmo tempo, direito natural, humano e fundamental. O que ocorre são especializações conceituais progressivas. O direito à vida, por exemplo, é direito natural por imposição lógica, porquanto pressuposto fático à própria existência do Direito; é direito humano, pois reconhecido internacionalmente como inerente ao ser humano na Declaração Universal dos Direitos do Homem e, ainda, é direito fundamental porque reconhecido em determinado ordenamento constitucional. Os Direitos Humanos são direitos históricos, nascidos de certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, lento e contínuo. Segundo BOBBIO: 2 A dificuldade em se diferenciar os direitos fundamentais resulta da circunstância de se empregarem várias expressões para designá-los: como, por exemplo, direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem. 3 Pode-se afirmar que os direitos humanos surgiram a partir dos deveres, como provam os 10 mandamentos, a lei das XII Tábuas, o Código de Hamurabi. 4 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 5 [...] os direitos do homem, por meias fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos de certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.5 O problema é que os filósofos estão querendo atribuir um caráter absoluto, irresistível, inquestionável. A verdade é que os direitos humanos são um fenômeno que acompanha a evolução e o progresso da sociedade, isto é, são flexíveis e dinâmicos. No século XVIII a preocupação preponderada era sobre o direito à vida, à liberdade, e nem sequer mencionam a possibilidade de qualquer discussão acerca da questão ambiental, dos avanços da medicina e da internet. Esses “novos direitos” materializam as exigências permanentes da própria sociedade diante das condições emergentes da vida e das crescentes prioridades determinadas socialmente. Em face da universalidade e da ampliação dos direitos, que surgem em função das necessidades sociais e são decorrentes da evolução do ser humano, objetivando precisar seu conteúdo, titularidade, efetivação e sistematização, tem originado direitos e garantias sucessivas e cumulativas. Neste sentido, BOBBIO apud WOLKMER6 considera que o desenvolvimento e a mudança social estão diretamente vinculados com o nascimento, a ampliação e a universalização de “novos direitos”, por três razões: aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; estendeu-se a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; o homem não mais é concebido como ser genérico, abstrato, mas é visto como cidadão, independentemente de qualquer condição. 2 DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 5 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 14º tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5 6 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos “novos” direitos. In: ______, LEITE, J. R. M. (organizadores). OS NOVOS DIREITOS NO BRASIL: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4. 6 À luz do que até agora foi exposto, cabe mencionar as categorias de direitos fundamentais. Neste sentido, Sarlet7 preconiza a substituição da expressão “gerações”, “eras” ou “fases” por “dimensões8, são as seguintes, segundo WOLKMER9: 2.1 Primeira dimensão – são os direitos civis e políticos – direitos individuais vinculados à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança, e à resistência às diversas formas de opressão. São direitos inerentes ao indivíduo, ou seja, são os direitos naturais básicos de todo ser humano. Portanto, são atributos naturais, inalienáveis e imprescritíveis, que tem o objetivo de proteger o indivíduo contra a intervenção do Estado, e portanto, são chamados de negativos. Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado10. Apareceram durante os séculos XVIII e XIX como expressão dos jusnaturalismo, do racionalismo iluminista, do liberalismo e do individualismo, do capitalismo concorrencial. É o período que consolida a hegemonia da classe burguesa, que alcança o poder por meio das revoluções norte-americana (1776) e francesa (1789), sendo concebidos nas respectivas constituições11. Esses direitos individuais sintetiza as teses do Estado Democrático de Direito, da teoria da tripartição dos poderes, do princípio da soberania popular e da doutrina da universalidade dos direitos e garantias fundamentais. Pro fim, recorda-se que o mais importante código privado dessa época – fiel tradução do espírito liberalindividualista – foi o Código Napoleônico de 180412. 7 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais. 3. ed. ver. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 50. 8 É importante que se esclareça que é utilizado o termo “dimensão”, em razão das críticas que vêm sendo feitas pela doutrina pátria, sob o argumento que o termo antes utilizado – “geração” – desencadeava uma falsa idéia de substituição, de alternância. Portanto, a “dimensão dos direitos fundamentais” é mais propícia, pois significa cumulação. 9 WOLKMER, Op. Cit. p. 7 e ss. 10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 517. 11 WOLKMER. Op. Cit. p. 7. 12 Idem. 7-8. 7 2.2 Segunda dimensão – compreende os direitos sociais, econômicos e culturais, fundados no princípio da igualdade e com alcance positivo, pois não são contra o Estado. São direitos do indivíduo em relação à coletividade. Não se trata “de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado.”13 Estes direitos exigem para a sua efetivação uma postura ativa do Estado, no sentido de garantir direito ao trabalho, à saúde, à educação, etc. O titular continua sendo o homem na sua individualidade, assim como ocorre nos direitos de primeira dimensão. Nesta contextualização histórica está o processo de industrialização e os graves impasses socioeconômicos durante a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. A liberdade não é apenas formal, mas material concreta, como por exemplo, o direito a sindicalização, o direito a greve, o reconhecimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores, etc. O capitalismo e a crise do modelo de Estado liberal de Estado possibilitou o surgimento do Estado do Bem-Estar social (Welfare State) – reflexo da crise do Estado Liberal - o qual não correspondeu às expectativa sociais, e que passa a arbitrar as relações sociais. O período ainda registra o desenvolvimento das correntes socialistas, anarquistas e reformistas. Para os avanços sociais foram importantes: a posição da igreja Católica com sua doutrina social (a encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, de 1891); os efeitos políticos da revoluções Mexicana (1911) e Russa (1917); os impactos econômicos do Keynesianismo e o intervencionismo estatal do New Deal. Cria-se a OIT (1919), o movimento sindical ganha força internacional, a socialização alcança a política e o direito (nasce do direito do trabalho e o direito sindical). As principais fontes legais estão positivadas na Constituição Mexicana de 1917, na Constituição alemã de Weimer de 1919, na Constituição Espanhola de 1931 e no texto constitucional de 1934 do Brasil.14 13 14 SARLET. Op. Cit. p. 52. WOLKMER. Op. Cit. p. 8-9. 8 2.3 Terceira dimensão – são os direitos metaindividuais, direitos coletivos, difusos, direitos de solidariedade. O titular não mais é o indivíduo, mas a coletividade/categorias, grupos de pessoas (a família, povo, nação). Compreende os direitos à solidariedade ou fraternidade, incluem-se aqui os direitos relacionados ao desenvolvimento, à paz, à autodeterminação dos povos, ao meio ambienta sadio, à qualidade de vida, o direito de comunicação. Alguns autores questionam a validade e a eficácia desta dimensão de direitos fundamentais, haja vista que não dependem apenas do Estado nacional, mas da cooperação de todos os demais Estados, exigindo um esforço em nível Internacional. A nota distintiva destes direitos de terceira geração reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela, a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que peses ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção. A atribuição da titularidade de direitos fundamentais ao próprio Estado e à Nação (direito à autodeterminação, paz e desenvolvimento) tem suscitado sérias dúvidas no que concerne à própria qualificação de grande parte destas reivindicações como autênticos direitos fundamentais.15 Esses direitos começaram a ganhar impulso no período pós II Guerra Mundial (1945-1950). A explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, e mutilação e extermínio de vidas humanas, a destruição ambiental e os danos causados à natureza pelo desenvolvimento tecnológico desencadearam a criação de instrumentos normativos no âmbito internacional. Igualmente uma política governamental em defesa dos consumidores foi sendo estabelecida nas décadas de 1970 e 1980 nos Estado Unidos e na Europa16. As transformações sociais ocorridas nas últimas décadas, a amplitude dos sujeitos coletivos, as formas novas e específicas de subjetividade e a diversidade na maneira em que a sociedade se apresenta têm projetado e intensificado outros direitos que podem ser inseridos na “terceira dimensão”, como direitos de gênero (dignidade da mulher), direitos da criança, direitos do idoso, 15 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais. 3. ed. ver. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 54. 16 WOLKMER. Op. Cit. p. 10. 9 direitos dos deficientes físicos e mentais, os direitos das minorias e os novos direitos da personalidade (intimidade, honra, imagem). São, pois, os direitos de titularidade coletiva e difusa, adquirindo crescente importância o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor, a Lei da Ação Civil Pública, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), etc. 2.4 Quarta dimensão – são os “novos” direitos referentes à biotecnologia, à bioética, à regulação da engenharia genética. Trata dos direitos específicos que têm vinculação direta com ávida humana, coma reprodução humana assistida (inseminação artificial), aborto, eutanásia, cirurgia intra-uterinas, transplante de órgãos, engenharia genética (clonagem), contracepção e ouros. Tais direitos são de natureza complexa, polêmica e interdisciplinar, tendo a preocupação de juristas, médicos, psicólogos, biólogos, etc. Deve haver regras, limites e formas de controle que conduzem a uma prática normativa objetivando o bem-estar e não uma ameaça ao ser humano. Há a necessidade de uma legislação internacional, com o apoio da comunidade. Houve um progresso muito grande das ciências biomédicas e as verdadeiras revoluções tecnológicas no campo da saúde humana projetaram preocupações sobre a regulamentação ética envolvendo a biologia, medicina, e a vida humana. Surge a bioética e, conseqüentemente, o biodireito, como forma de normalizar as exigências valorativas, controlar a descobertas científicas. 2.5 Quinta dimensão – são os “novos” direitos advindos das tecnologias de informação (internet), do ciberespaço e da realidade virtual em geral. O século XX revela uma passagem da era industrial para uma era virtual. Diante da contínua e progressiva evolução da tecnologia de informação, a utilização da internet – torna-se fundamental definir uma legislação que venha regulamentar, controlar e proteger os provedores e os usuários dos meios de comunicação eletrônica de massa. 10 O Direito tem a função de regulamentar a ciência da informática, o direito á privacidade e à informação, o controle de crimes via rede, ou seja, incitação de crimes de uso de droga, de racismo, de abuso e exploração de menores, pirataria, roubo de direitos autorais, ameaça, calúnia, etc. Ocorre, porém, que as fontes legislativas ainda são muito escassas, mas há inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional. 3 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O MEIO AMBIENTE17 COMO FORMA DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA DIMENSÃO. O meio ambiente18 pode ser definido como “o conjunto de condições naturais e de influências que atuam sobre os organismos vivos e os seres humanos.”19 Assim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não pode ser confundido com o direito à saúde, mas está diretamente relacionado com o mesmo, e portanto, constitui-se um direito fundamental, necessário à dignidade da pessoa humana.20 Conseqüentemente, devido à sua importância social, deve haver 17 Cf: MILARÉ, Edis: “Tanto a palavra meio como o vocábulo ambiente por conotações diferentes, quer na linguagem científica, quer na vulgar. Nenhum destes termos é unívoco (detentor de um significado único), mas ambos são equívocos (mesma palavra com significados diferentes). Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já ambiente pode representar um espaço geográfico ou social, físico ou psicológico, natural ou artificial. Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente, embora em sentido vulgar a palavra ambiente indique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expressão consagrada na língua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso país, que, amiúde, falam em meio ambiente, em vez de ambiente apenas. (Direito do Ambiente. 2. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001. p. 63.) 18 A preocupação acerca do meio ambiente já esteve presente em época anterior a primeira Guerra Mundial. No decorrer da segunda grande guerra houve a conversão do pólo industrial para a produção de produtos bélicos, configurando-se uma escassez de bens de consumo e uma pesquisa de alternativas para matérias-primas em falta, surgindo novas tecnologias e materiais. (MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 29). 19 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. ver. e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1113. 20 O Tratado de Kioto consiste num plano Internacional para reduzir os gases associados ao aquecimento global, que ele tem importância política, embora reconheçam que terá poucos efeitos práticos. Este é o primeiro passo no corte de gases poluentes, ou seja, muitos especialistas temem que se as emissões de gases-estufa (principalmente CO2, metano e óxido de nitrogênio) continuarem a crescer, a temperatura do planeta também se elevará. Em conseqüência, poderão ocorrer mudanças sérias, como a elevação do nível do mar, a intensificação de secas e inundações, e a redução das terras disponíveis para a produção de alimentos. Especialistas dizem que a entrada em vigor de Kioto marcará também o aumento das pressões sobre os países em desenvolvimento, como o Brasil. Cf: http://agenciact.mct.gov.br . Acesso em 17 de agosto de 2005. 11 uma conscientização acerca de sua preservação para esta e para as futuras gerações. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, eis que consta expressamente no art. 225 e do §1º do art. 5º da Constituição Federal, de aplicação imediata. O Direito à proteção Ambiental representa mais do que a descrição da existência de um direito: é um direito de proteção ao meio ambiente, é um direito portador de uma mensagem de interação entre o homem e a natureza, para que se estabeleça um relacionamento mais harmonioso e equilibrado. Não é de surpreender que esse seja um Direito de caráter horizontal, representando um direito fundamental de caráter erga omnes, recobrindo diferentes ramos do Direito clássico, procurando estabelecer uma interação entre eles de forma que o âmago do direito ambiental penetre no ordenamento jurídico para os orientar em um sentido ambientalista.21 A garantia a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, está diretamente relacionado com a efetivação dos demais direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a vida, a saúde, o lazer, a qualidade de vida, bem-estar, etc. Não se pode conceber a vida e o bem-estar sociais em um ambiente degradado, doente e poluído. Portanto, o Estado tem o compromisso de instituir políticas públicas necessárias e eficazes, de modo a garantir erga omnes a efetividade a um meio ambiente saudável. Mas não basta só a atuação do Estado: é necessária a cooperação22 da coletividade, para que despertem a ética ambiental. Portanto, devido à sua característica, recebem também o nome de direitos de solidariedade ou de fraternidade. A relação entre os direitos humanos e a proteção ao meio ambiente adotou diversas formas quando se pode perceber que a deterioração ambiental poderia impedir o gozo de direitos já reconhecidos como fundamentais ao ser humano, desde os casos mais extremos do direito à vida, à saúde, aos O Protocolo de Kioto é um instrumento para implementar a Convenção das Nações Unidos sobre mudanças climáticas. Seu objetivo é que os países industrializados reduzam e controlem as emissões de gases que causam o efeito estufa. 21 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 32. 22 A doutrina menciona com freqüência a expressão “Direito Ambiental Internacional”, eis que é um direito de interesse de todos em face da natureza desse direito, que está relacionado a coletividade, que exige um esforço de todos os Estados. 12 direitos culturais e de patrimônio histórico. (...) A consciência desta interação entre os direitos humanos e o direito ao meio ambiente tem contribuído decisivamente com a evolução da internacionalização, com a globalização da proteção de ambos os direitos referendados. Não há, com efeito, como se pretender salvaguardar o direito humano à vida, sem proteger o meio em que esta vida se desenvolve. 23 Além de o meio ambiente constituir-se num direito, a sua proteção também é um dever de responsabilidade do homem na construção de um novo ordenamento jurídico, adequado às constantes transformações sociais.24 Hodiernamente, há uma perspectiva globalizante das questões ambientais, ou seja, a globalização é um fenômeno que influencia em todos os setores da sociedade, criando uma rede global, com implicações diretas na questão ambiental. As nacionalidades rompem limites, tornando-se um espaço único e contínuo. A tendência é o mesmo para do direito Ambiental, ou seja, fala-se de um Direito Ambiental Internacional, que não mais pode ser concebido num aspecto espacial limitado á esfera nacional/transnacional, ou “transfronteira.” A problemática ambiental virou “unanimidade, em nível universal.”25 Por este motivo, como vimos anteriormente, a validade e a eficácia dos direitos fundamentais de terceira dimensão são questionados, eis que não estão diretamente relacionados com a possibilidade de efetivação dentro do âmbito do Estado Nacional, mas estão condicionados à vontade e cooperação dos demais Estados e órgãos Internacionais, tanto que se fala de “Direito Ambiental Internacional”. No caso, o direito ambiental, o ecossistema, a qualidade do ar, da água, da flora, da fauna, a perspectiva de desenvolvimento sustentável, não dependem apenas de um esforço do Estado, mas deve ser uma preocupação, um consenso de todos os Estados, sendo que o primeiro passo seria a implementação de uma legislação uniforme, de modo que a questão ambiental seja uma preocupação de todos os povos e nações. 23 MEDEIROS, Op. Cit. p. 46. Idem, Ibidem. p. 33-34. 25 SILVA, Olmiro Ferreira da. DIREITO AMBIENTAL E ECOLOGIA: Aspectos filosóficos contemporâneos. São Paulo, Manole, 2003. p. 122. 24 13 Essa preocupação já ficou evidente na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, promovida pela ONU, que ocorreu em Estocolmo, de 5 a 16 de junho de 1972; na Declaração da Rio 92, ou seja, é enorme a problemática ambiental global e inadiável é a efetivação, por parte de todas as autoridades e organizações, em todos os Estados e povos, que estão em permanente esforço nacional e internacional, preocupados em buscar medidas informativas e educacionais para o problema ambiental criado pelo próprio homem. É necessária uma, um progressivo esforço nacional, medidas informativas e educacionais necessárias para tomada de consciência coletiva, participação, cooperação, fraternidade, solidariedade, co-responsabilidade, com o objetivo de se criar um meio ambiente equilibrado, saudável. Hoje, está em voga a expressão “desenvolvimento sustentável” com proteção do patrimônio ambiental global. O equilíbrio entre os desejos humanos e as potencialidades do planeta é a meta; o homem deve produzir sem degradar, consumir sem destruir, manejar sem aniquilar, posto que precisa garantir uma sadia qualidade de vida para as futuras gerações, possibilitando a satisfação das necessidades humanas, com o equilíbrio dos recursos naturais.26 De outro lado, a natureza está sendo utilizada para fins econômicos, que não mede as conseqüências que advirão da sua atividade no meio-ambiente. De outro lado, o processo de desenvolvimento dos países se realiza, basicamente, às custas dos recursos naturais vitais, provocando deterioração das condições ambientais em ritmo e escala até ontem desconhecidas. A paisagem natural da Terra está cada vez mais ameaçada pelas usinas nucleares, pelo lixo atômico, pelos dejetos orgânicos, pela chuva ácida, pelas indústrias e pelo lixo químico. Por conta disso, em todo o mundo – e o Brasil não é nenhuma exceção -, o lençol freático se contamina, o ar se torna irrespirável, o patrimônio genético se degrada, abreviando os anos que o homem tem para viver sobre o Planeta.27 O ecossistema está condicionado pela totalidade, sendo que a alteração de um dos elementos provoca necessariamente um desequilíbrio do outro. 26 MATOS, Eduardo Lima de. Autonomia municipal e meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 65. 27 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001. p. 39. 14 Por exemplo, o desmatamento da Amazônia vai ter repercussão mundial a médio ou a longo prazo, pois os recursos consumidos e esgotados não se recriarão, sendo que as conseqüências da irresponsabilidade humano no contexto atual será suportada pelas futuras gerações. Por isso, nos últimos anos, a sociedade vem acordando com a problemática ambiental, repensando o mero crescimento econômico, buscando fórmulas alternativas, como o desenvolvimento sustentável e o ecodesenvolvimento, cuja característica principal consiste na possível e desejável conciliação entre o desenvolvimento, a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida – três metas indispensáveis.28 As pessoas, enquanto há tempo, devem desenvolver a racionalidade de que a terra é um bem que apenas está emprestada, e deve ser preservada e conservada para as futuras gerações, a fim de garantir a qualidade de vida. Esta é a idéia central do desenvolvimento sustentável. A preocupação em torno das questões ambiental e de suas implicações é algo relativamente recente, mesmo em âmbito interno, apesar de o Brasil estar muito a frente das demais nações latinas quando se trata de legislação ambiental. Apenas há aproximadamente 20 anos é que houve uma medida mais eficaz e enérgica em relação à matéria, quando nos Estado Unidos editaram um texto normativo acerca da matéria. Nota-se uma unanimidade sobre a questão de âmbito internacional ou transnacional. Reflexo dessa realidade é a edição de um número impressionante de produção literária a respeito, ou seja, a bibliografia é extremamente vasta, acessível a qualquer interessado, bem como há um grande número de instituições, ONGs que têm se dedicado ao tema. A própria natureza está pressionando o homem a tomar uma atitude sobre a importância de sua preservação, como por exemplo, a chuva ácida, a destruição da camada de ozônio (câncer de pele), a derrubada das florestas tropicais, a poluição do ar, dos rios e dos mares. Esse cenário demonstra que todos 28 Idem. Ibidem. p. 41. 15 são afetados direta ou indiretamente pela queda da qualidade ambiental e das suas conseqüentes implicações. O problema está em como conciliar as o desenvolvimento socioeconômico com a proteção do patrimônio ambiental, caso em que deve haver uma relevância maior do meio ambiente, por ser condição de existência da própria vida. O gerenciamento econômico racional da exploração dos recursos naturais, por exemplo, com a finalidade de se evitarem ou impedirem danos ambientais é, como todas as medidas exigidas do Estado basicamente ligado a dois meios: o direito e o dinheiro. Neste sentido, a capacidade de administração estatal é limitada de antemão. E nas sociedades nas quais o Estado não tem alcance jurídico sobre os que causam danos ao meio ambiente, o direito corre o risco de fracassar completamente. Esta situação é especialmente grave e observável em países que não dispõem de um sistema jurídico internalizado e efetivo como a maioria dos países industrializados.29 Assim, há a necessidade de um sistema jurídico com um referencial transnacional no que se refere à sua constituição, administração, debate, proposição e encaminhamento de políticas específicas, execução e sua fiscalização da justiça ambiental. É a própria natureza que está pressionando o homem a buscar alternativas para driblar esse problema, através de um novo modelo, que responda e equacione as questões ambientais e ecológicas de implicações globalizante e transnacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS A dogmática jurídica apresenta-se como um impasse para o direito ambiental. Há uma mudança de paradigma, em que a teoria global do direito ambiental ainda é um objetivo a ser alcançado, mas que só vais ser possível através de um esforço conjunto de todas as nações e as legislações internacionais, no sentido de se buscar um consenso para este problema eminentemente relevante para a presente geração e para as futuras gerações. 29 BRÜSEKE, Franz Josef. Pressão modernizante, Estado territorial e sustentabilidade. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio Ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cortez: Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1997. p. 121. 16 Neste diapasão, o Direito Ambiental está diretamente relacionado a uma concepção universalista, eis que o meio ambiente, como bem jurídico, pertence a todos e a ninguém em particular. Portanto, é um interesse difuso a ser tutelado em prol da coletividade indeterminável, sendo condição para a perpetuação dos seres vivos. No contexto atual, constata-se uma crescente preocupação com a preservação do meio ambiente, tanto que sua importância foi reconhecida mundialmente, sendo matéria de discussões e de tratados, convênios e acordos internacionais. A garantia a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, está diretamente relacionado com a efetivação dos demais direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a vida, a saúde, o lazer, a qualidade de vida, bem-estar, etc. Portanto, o Estado tem o compromisso de instituir políticas públicas necessárias e eficazes, de modo a garantir erga omnes a efetividade a um meio ambiente saudável. Mas não basta só a atuação do Estado: é necessária a cooperação da coletividade, para que despertem a ética ambiental. Há uma íntima relação entre a garantia ao meio ambiente saudável e equilibrado obtenção ambiental, haja vista que praticamente todos os demais direitos fundamentais estão condicionados à proteção ambiental, conforme o princípio da igualdade. Cabe ao estado institui políticas públicas que visam a efetivação do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto, inclusive, na Carta Magna de 1988. Desta forma, o direito ao meio ambiente foi incluído como direito fundamental de terceira dimensão, que requer um pensamento jurídicoambiental, capaz de tutelar não apenas o meio-ambiente propriamente dito, mas seus elementos constitutivos, pois não se pode conceber a vida e o bem-estar sociais em um ambiente degradado, doente e poluído, ou seja, a qualidade do meio ambiente tem a função de desencadear a qualidade de vida, a saúde e o bem-estar social. 17 REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 14º tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. BRÜSEKE, Franz Josef. Pressão modernizante, Estado territorial e sustentabilidade. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio Ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cortez: Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1997. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. ver. e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. MATOS, Eduardo Lima de. Autonomia municipal e meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais. 3. ed. ver. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. SILVA, Olmiro Ferreira da. DIREITO AMBIENTAL E ECOLOGIA: Aspectos filosóficos contemporâneos. São Paulo: Manole, 2003. WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos “novos” direitos. In: ______, LEITE, J. R. M. (organizadores). OS NOVOS DIREITOS NO BRASIL: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003.