o papel dos hemisférios cerebrais na aquisição da conservação do

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PSICOLOGIA COGNITIVA
I
o papel dos hemisférios cerebrais na
aquisição da conservação do comprimento *
ANTONIO M. BATTRO**
lVETTE NOGUEIRA ***
MARIA DAS GRAÇAS PAlVA****
MARIA LÚCIA REMBOWSKI *****
Uma versão unimanual de teste piagetiano para pensamento espacial ou geométrico
(conservação do comprimento) foi aplicada em 256 crianças destras puras. Os resultados mostram uma lateralização do pensamento operat6rio, sendo o desempenho
no estádio 3 significativamente superior no grupo que operou com a mio direita.
Em artigos anteriores ficou demonstrado que a assimetria funcional do cérebro
humano tem um papel decisivo na aquisição dos conceitos 16gicos (Golding, 1974;
Battro et alii; Cavicchia & Marchezi, 1977). Neste trabalho veremos que, no caso
das operações infral6gicas ou espaciais, a lateralidade hemisférica também entm
em jogo. O resultado mais importante é que o cérebro dominante funciona em
sentido oposto para as operações 16gicas e para as espaciais. No primeiro caso inibe
a performance operat6ria, e, no segundo, a facilita.
Como operação espacial elegemos a prova de Piaget-Inhelder-Szeminska sobre
a conservação do comprimento. Para medir algo é necessário que o metro, ou
unidade que se desloca, mantenha invatiante seu tamanho. Do ponto de vista
abstrato diz-se que um segmento é autocongruente tanto nos deslocamentos eucli-
* Artigo apresentado à redação em 26.11.79.
** Centro de Investigationes Philosoficas - Buenos Aires.
*** ISOP/Fundação Getulio Vargas - Rio de Janeiro.
**** Mestranda ISOP/Fundação Getulio Vargas.
***** UFRGS/ISOP - Fundação Getulio Vargas. Participação
.
do estagiário Sérgio de Mello
Ferreira.
Arq. bras. Psic.,
Rio de Janeiro,
32 (3): 3-10,
jul./set. 1980
dianos como nos não-euc1idianos. Por isso, afirmar a conservação do comprimento
de um segmento que se desloca tem conseqüências te6ricas consideráveis. Por
outro lado, a neuropsicologia descobriu que os conceitos geométricos e espaciais
são processados pelo hemisfério não-dominante (o direito nos destros) (Franco &
Sperry, 1976).
Com o prop6sito de estudar uma população homogênea, aplicamos os testes
de lateralidade de Zazzo (1968), em 429 crianças de quatro a oito anos. As 256
crianças destras puras para mão, pé e olho, foram submetidas a uma versão tátil e
unimanual da prova de conservação do comprimento.
Material. Foi utilizada uma caixa de madeira (figura 1) de 32 x 37crn, cuja
tampa possuía uma abertura retangular de 26 x 8cm. Ao abrir a tampa, a criança
introduz uma mão por essa abertura, sem poder ver o conteúdo da caixa. Nela se
encontram duas barras de madeira, de 14cm de comprimento, que correm por dois
sulcos paralelos, separados por um intervalo de 3cm.
Figura 1
'11
II
Illl
4
A.B.P.3/80
o experimentador pede à criança que escolha, em um conjunto de quatro
barrinhas (duas de 14, uma de 16 e outra de l8cm), duas que tenham o mesmo
comprimento. Esta precaução tem por objetivo verificar se ela tem capacidade de
estabelecer a igualdade de duas barras. Todas as crianças da amostra responderam
corretamente. Em seguida, pede-se-lhe que introduza uma das mãos na caixa (a
direita ou a esquerda), conforme o caso.
Para controlar uma possível diferença na discriminação tátil, segundo os
sexos, tomou-se a precaução de dispor de número igual de meninos e meninas em
cada grupo (tabela 1).
Tabela 1
Distribuição amostral
Proveniência de informações
Idade
D
r
E
Total
4- 5
5- 6
6 -7
7-8
32
32
32
32
32
32
32
32
64
64
64
64
Total
128
128
256
A primeira parte da prova consiste em verificar, com uma mão, a igualdade
das duas barras, A e B, que estão colocadas frente a frente na caixa. Uma vez
oonfmnada a igualdade, pede-se à criança que desloque a barra A para a direita, e
pergunta-se-lhe se "agora tem o mesmo comprimento que antes", utilizando-se
sempre a linguagem mais apropriada para cada criança. Em seguida A é posta na
posição inicial e torna-se a perguntar se A e B são iguais, se têm o mesmo comprimento. Finalmente, B é deslocada para a esquerda e a pergunta é novamente feita.
Podemos, de acordo com a classificação de Piaget, Inhelder e Szeminska,
distinguir três estádios:
1. Não-cons!"rvador - as crianças afirmam que a barra deslocada aumentou de
tamanho. Confundem a mudança de posição com uma mudança de comprimento.
2. Intermediário - as respostas podem variar segundo o deslocamento, seja para
um lado ou para o outro. O decisivo, porém, é que o raciocínio correto apareça
por fim, ao cabo de uma série de dúvidas e contradições.
3. Conservador do comprimento - a criança afirma, sem dúvidas, que a barra
não muda sua dimensão quando deslocada. Justifica corretamente esta afirmação
pois descobre que só mudou a posição e que o que ganha em um extremo, perde
. no outro etc.
Hemisférios cerebrais
5
Notou-se uma performance operatória significativamente maior com a mão
direita do que com a esquerda, no estádio 3. Esta situação se inverte no estádio 1
(tabelas 2 e 3).
Tabela 2
Freqüência das condutas 1,2 e 3, por idade, de acordo com a
mão utilizada na realização das provas
Mão direita
Idade
7,7-8,0
Condutas
12
2
2
2
3
15
14
14
10
2
2
5
10
1
5
9
2
5
3
12
Mão esquerda
Idade
7,7-8,0
Condutas
r
16
16
2
3
11
14
5
2
14
12
13
8
4
2
3
5
Tabela 3
Percentagem de Ss classificados nos estádios 1,2 e 3, em provas de
conservação do comprimento, de acordo com a mão utilizada
Proveniência de informação
D
Estádios
Total de Ss
E
(N)
(N)
%
N
%
2
3
87
8
33
46
62
64
104
5
19
54
38
36
Total
128
128
191
13
52
256
Por outro lado, as figuras 2 e 3 demonstram que a superioridade do grupo que
emprega a mão direita é constante, a partir dos seis anos, em todas as crianças que
têm noção de conservação do comprimento (estádio 3).
6
A.B.P.3/80
Figura 2
%
100908070-
D
D
60-
E
50-
40-
E
3020-
1011
UI
o fenômeno inverso é observado nas crianças
não-conservadoras (estádio 1).
O número de meninos classificados no estádio 2 é muito reduzido para inferir na
tendência estável.
Em conclusão, encontramo-nos aqui frente a um fenômeno de lateralidade na
aquisição das operações de caráter geométrico espacial. Mas, paradoxalmente, a
melhor performance operatória encontra-se nos grupos que processam os dados
táteis com o hemisfério lingüístico (esquerdo), e não com o espacial (direito).
exatamente o contrário que se passa na aquisição das noções lógicas de conservação da substância, inclusão de classes e raciocínio probabilístico. Nestas operações lógicas, concretas e formais, observou-se uma melhor performance nos grupos
que processam a informação tátil no hemisfério espacial (esquerdo). Este duplo
paradoxo talvez possa ser interpretado como segue:
Em todos os experimentos mencionados a informação tátil é variável e se
processa no hemisfério esquerdo ou direito, mas a verbalização depende, sempre,
do hemisfério esquerdo. Podemos supor que o desempenho operatório do sujeito
sofre, em maior ou menor grau, uma inibição do córtex esquerdo, de acordo com
o caráter lógico ou espacial da prova. No primeiro caso, a superioridade do grupo
que utiliza a mão esquerda pode ser devida ao fato de a informação chegar ao
cérebro não-lingüístico, que está "livre". O processo verbal, por sua vez, interfere
e.
Hemisférios cerebrais
7
Figura 3
Número de Ss classificados nos estádios 1, 2,3,
em provas táteis de conservação do comprimento, por faixa etária,
de acordo com a proveniência da informação (mão D ou mão E)
F
30
"
25
20
----
......
...... ......
..... Esquerda
15
10
Direita
Estádio 1
5
O~--~----~----~----~--------~
4 f--5 5f-- 6
6~7
7f--8
F
18
15
12
Estádio 2
9
6
",Esquerda
~-....-/- Direita
3
O~--~----~~~~----~-------+
4f--5 5f--6 61--7 7f--8
F
18
Direita
15
12
Estádio 3
9
6
3
O
4f--5 5f--6 61--7 7f--8
8
A.B.P.3/80
com o lógico quando a informação chega ao hemisfério esquerdo, proveniente da
mão direita. Nas provas espaciais acont\lce o oposto: a verbalização não interfere
com o raciocínio geométrico de nível operat6rio. ~ impossível, no momento,
provar esta hip6tese, mas esperamos poder alcançar uma explicação coerente
quando for feita a análise dos experimentos que estão sendo feitos no momento
com um grupo de crianças canhotas. ~ de supor-se que a lateralidade das operações 16gicas e espaciais invertam-se completamente naqueles sujeitos que tenham
as funções lingüísticas localizadas no cérebro direito (em 30 ou 40% dos casos).
De qualquer forma, fica estabelecido desde já que:
1. Os processos cognitivos lógicos diferenciam-se dos espaciais do ponto de vista
neurológico, pois o hemisfério dominante exerce um papel oposto em cada um
deles.
2 O cérebro pré-operatório é funcionalmente diferente do cérebro operatório,
pois os desempenhos dos hemisférios, esquerdp ou direito, variam segundo os
estádios.
Ficam ainda muitas coisas para serem explicadas neste tipo de experimento,
mas as observações que temos recolhido estimulam-nos para continuar indagando
da contribuição de cada hemisfério na aquisição dos diferentes conceitos e categorias, do ponto de vista genético.
Summary
A tactile and unimanual vertion of a piagetian test for spacial thinking (conservation of lenght) was applied to 256 right-handed children. The results show a
functional lateralization of operational thinking. The group that used the right
hand presented a performance significantly better than the one where the left
hand was used.
Bibliografia
Battro, A. M.; Bergamin, M. D. B.; Cavicchia, D. C.; Marchezi, S. R. B. & Monteiro, A. R.
Hemispheric lateralization in the acquisition of concepts· by children (submitted to publication).
Cavicchia, D. C. & Marchezi, S. R. B. O papel dos hemisférios cerebrais na aquisição do
conceito de inclusão de classes. Estudos Cognitivos. 2: 67-79, 1977.
Franco L. & Sperry R. W. Hemispheric differences in intuitive processing of geometry. XXIst
lnternational Congress of Psychology. Paris, July 1976. Abstract guide.
Golding, R.; Reich, S. S. & Wason, P. C. Interhemispheric differences in problem solving.
Perception, 3: 231-5, 1974.
Hemisférios cerebrais
9
Monteiro, A. R. O papel dos hemisférios cerebrais nas operações formais: implicações para o
ensino. Porto Alegre, Departamento de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, 1977. Dissertação de mestrado.
Piaget, J.; Inhelder, B. & Szemisnka, A. La géométrie f[Jontannée chez ['enfant. Paris, PUF,
1948.
Zazzo, R. Manual para o exame psicológico da criança. São Paulo, Mestre Jou, 1968.
REVISTA DE PSICOLOGIA
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