Concepção hegeliana de história da filosofia

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Concepção hegeliana de
história da filosofia
João Alberto Wohlfart*
Resumo: O artigo tenta resgatar alguns elementos acerca da compreensão hegeliana de História da Filosofia. O destaque é a identificação hegeliana entre Filosofia, História da Filosofia e Sistema Filosófico num
dinamismo histórico no qual o pensamento filosófico evolui através dos
filósofos, sistemas filosóficos e modelos filosóficos. Procura destacar que
a filosofia hegeliana não é um pensamento intemporal, mas diretamente ligado à evolução histórica traduzida na reflexão filosófica. O pensamento filosófico hegeliano é resultado de um olhar filosófico retroativo
no qual o desenvolvimento da razão como tradição filosófica é traduzida e atualizada no movimento metódico do sistema hegeliano.
Palavras-chave: História da Filosofia. Sistema Filosófico. Hegel. História.
O objeto do presente artigo é evidenciar a concepção hegeliana de
História da Filosofia e a sua importância para a compreensão da filosofia.
Quando pensamos hegelianamente a História da Filosofia nos encontramos numa outra esfera crítica que uma compreensão vulgar da mesma
constatada na reconstrução do que os filósofos do passado disseram. A
concepção hegeliana tem pouco a ver com uma estática compreensão
centralizada na figura individual dos filósofos descontextualizados da
* Doutor em filosofia pela PUCRS e professor de filosofia no IFIBE.
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situação histórica em que se encontram e dogmaticamente repetidos,
como se as suas “doutrinas” fossem verdades definitivas e acabadas.
O artigo que segue é motivado por um trabalho conjunto desenvolvido no Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE) que introduziu um novo formato da disciplina de História da Filosofia. Ela não
é mais distribuída em diferentes semestres do curso, mas é oferecida
num único semestre no qual é percorrida toda a trajetória da História
da Filosofia, desde os antigos pré-socráticos, até a atualidade. Depois de
muitas reuniões, de estudos, de redação de ementas e de textos básicos,
de coleção da bibliografia básica, de elaboração do formato global da
“megadisciplina” e da oferta por alguns semestres consecutivos, o texto
que segue tem por objetivo resgatar a visão hegeliana, razão pela qual a
História da Filosofia consta nos currículos de filosofia.
O problema do artigo diz respeito às relações da filosofia com a história. Sustentamos que Hegel não conhece uma pura filosofia construída pela capacidade intelectual dos filósofos e da pura reflexão filosófica
realizada nos gabinetes, mas a filosofia é uma obra histórica realizada
pelo homem num determinado contexto histórico. A filosofia não é uma
obra caprichosa dos filósofos, mas traduz o reconhecimento racional da
humanidade nas formas típicas do pensamento filosófico. A condição
inseparável entre filosofia e história, um viés interpretativo que atravessa toda a filosofia hegeliana, é que todo o pensamento filosófico é construído a partir da histórica, representa uma compreensão da história e
retorna à história com a sua transformação. A relação entre filosofia e a
história pode ser hegelianamente expressa com a máxima constante na
introdução à Filosofia do Direito, segundo a qual a filosofia é o tempo
apreendido no pensamento. Na acepção hegeliana, a filosofia haure da
cultura, da política, da economia, das obras históricas, das formas de
convivência entre os homens transpostas nas condições típicas do pensamento filosófico.
1. Relação entre filosofia e história
A relação entre a filosofia e história no pensamento hegeliano é
uma questão não muito simples. É uma questão paralela, por exemplo,
às relações entre as obras estritamente formais e teóricas com as obras
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que tratam de um ou outro aspecto da realidade. Em palavras mais precisas, a relação entre filosofia e história é comparável às relações entre a
Ciência da Lógica e as variadas esferas da chamada sistemática do real.
Com essas considerações, em Hegel, de forma explícita e pela primeira
vez na história, não há uma filosofia pura separada da realidade, mas ela
tem uma profunda ligação com a realidade histórica a partir da qual ela
é engendrada.
Com vistas à formulação das relações entre filosofia e história vale
evidenciar duas metáforas muito sugestivas que explicitam o processo
de aproximação e de diferenciação. Uma primeira, explicitamente aplicada por Hegel na imagem da coruja de minerva e o seu oposto, o galo
da madrugada. Na metáfora da coruja de minerva o mundo, na sua configuração social, política, cultural e econômica consolida-se como uma
civilização e uma epocalidade histórica resultante da ação dos homens.
O critério hegeliano para a exposição histórica é o desenvolvimento e
a exposição da liberdade concretizada em instituições sociais e formas
históricas de cultura. Apenas para citar, no império persa apenas o rei
era livre e o povo era escravo; no império grego e romano alguns eram
livres e outros eram escravos; e no império germânico todos são livres.
O desenvolvimento histórico da ideia de liberdade consolida-se com a
afirmação da liberdade incondicional de todos os homens, independente de etnia, cor ou condição social, com a proibição de qualquer forma
de escravidão.
A metáfora da coruja de minerva simboliza a ave noturna que sobrevoa o mundo e o vê com os seus potentes olhos que enxergam no escuro. A coruja desenvolve um olhar multidimensional e profundo e analisa
sistematicamente tudo o que aconteceu. Na calada da noite quando tudo
está adormecido e imóvel, a coruja, com a sua agilidade no voo e potência da visão submete o mundo a uma leitura aprofundada. Do ponto
de vista filosófico, a metáfora da coruja de minerva simboliza o caráter
pós-fatual da filosofia que realiza uma leitura e interpretação crítica do
mundo efetivo e significa a sua tradução na forma sistemática do pensamento filosófico. Desta forma, a filosofia não é mais uma pura razão refugiada no mundo numênico transcendente ao mundo e à história, mas
resulta da leitura crítica do mundo e da história real. A filosofia passa a
ser expressão racional do autorreconhecimento da humanidade numa
determinada epocalidade histórica expressa formalmente na sistematicidade do pensamento filosófico e nos rigores de sua argumentação.
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A metáfora do galo da madrugada também é uma imagem que pode
ser aplicada a Hegel. Conforme a sua significação, a filosofia aparece depois das cinzas e do declínio de um mundo superado pela criticidade filosófica quando o galo da madrugada anuncia a aurora de um novo dia.
A potencialidade crítica da filosofia coloca em contradição um determinado mundo e anuncia um novo mundo que advém com a superação
do anterior. Na história há muitos casos nos quais a filosofia antecipa-se
à história, diz a sua palavra quando nenhuma outra ciência é capaz de
dizer uma palavra acerca do mundo. A força crítica, interpretativa e especulativa da filosofia não permite que a realidade histórica do mundo
fique permanentemente legitimada e imutável em sua estrutura, mas é
uma força crítica que expõe o mundo à contradição interna e à transformação qualitativa. Hegel escreve:
O momento da atividade abstrata deve considerar-se como o
nexo, como o medius terminus entre a Ideia universal, que repousa no poço íntimo do espírito, e o exterior, como o que tira
a Ideia da sua interioridade e a põe na exterioridade. A universalidade, ao exteriorizar-se, logo se individualiza. O interno por
si seria algo de morto, de abstrato; mediante a atividade, torna-se algo existente. Inversamente, a atividade eleva a objetividade
vazia à manifestação da essência que existe em si e para si (Die
Vernunft, p. 93).1
Entre a coruja de minerva e o galo da madrugada há um termo médio que os integra num único processo. Considerando os componentes
de uma civilização que fornece os elementos materiais e empíricos para
o pensamento filosófico, a filosofia constitui o momento mais elevado,
o fruto mais desenvolvido de uma civilização, o conhecimento no qual
uma época aparece na reflexividade típica da filosofia. Por outro lado,
considerando a civilização seguinte, a filosofia aparece como a primeira
força crítica que prepara o alvorecer da nova civilização e como força
articuladora do sistema civilizacional que se coloca em desenvolvimento. Conforme texto acima, não há uma racionalidade acima da história
1 As citações hegelianas constantes no texto são: Die Vernunft (a Razão na História);
Gph (Vorlesungenüber die Geschichte der Philosophie, Lições sobre a História da
Filosofia); PhR (Vorlesungenüber die Philosophie der Religion, Lições sobre a Filosofia da Religião).
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ou anterior a ela, tal como se a Ciência da Lógica fosse cristalizada como
anterior à sua efetivação,ou, na pior das hipóteses, um deus simplesmente anterior à história.
A ideia universal reside na interioridade do espírito, assim como
a filosofia está no interior da história. Entre a interioridade da ideia e
a exterioridade da história há a força da atividade que mediatiza essas
duas dimensões quando aquela é exteriorizada na forma dessa. A individualização da ideia significa a efetivação numa determinada figuração
histórica, tal como a época moderna é uma figuração da razão dentre
outras possíveis. Hegel deixa muito claro que a ideia restrita à formalidade abstrata da razão permanece vazia e morta, e somente mediante a
exteriorização se torna viva e eficaz. Percebe-se no texto hegeliano outro
paradigma de racionalidade filosófica em relação aos modelos de outras
épocas anteriores. O modelo hegeliano não é mais de uma pura subjetividade refugiada em sua interioridade e reflexividade, como igualmente não é mais uma objetividade ontológica independente dos sujeitos e
uma realidade empírica morta. A objetividade aparece como a expressão da essência e adquire, por essa razão, o estatuto da reflexividade
como existência em si e para si. Nesta dinâmica, a objetividade se dobra
sobre si mesma ao interiorizar a ideia universal, e essa se diferencia de si
mesma ao exteriorizar-se. O mútuo entrelaçamento entre subjetividade
e objetividade expõe um dinamismo sistemático de racionalidade no
qual essa é a efetivação daquela e aquela envolve essa como a sua significação e como nível mais elevado de racionalidade. O resultado das duas
perspectivas é o autodesenvolvimento do real na dupla perspectiva da
racionalidade do real e na historicidade da razão.
Com essas análises constata-se uma dupla relação da filosofia com
a história e vice-versa. Numa primeira aproximação, a filosofia está na
história porque trata de problemas históricos, questões que dizem respeito diretamente ao homem, e jamais é um discurso abstrato e independente da realidade. Assim, a filosofia grega trata de questões políticas, sociais, cosmológicas e científicas típicas daquele período, assim
como a filosofia moderna trata de questões políticas, culturais, éticas...
próprias desse período. A concepção hegeliana de História da Filosofia
não isola os pensadores neles mesmos, como se eles tivessem produzido
sistemas fechados, mas os filósofos inserem-se numa dinâmica global
de desenvolvimento do pensamento filosófico como sendo influenciados
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por muitos e influenciando outros muitos. Na concepção hegeliana, há
um desdobramento de conceitos, de concepções, de sistemas filosóficos,
de paradigmas filosóficos que negam formulações do passado e as transformam permanentemente na atualidade do presente filosófico. Assim,
a concepção hegeliana de História da Filosofia não é estaticamente estruturada por filósofos encerrados em suas teorias, mas num entrelaçamento global de múltiplos filósofos que se enfrentam em permanente
críticae construção. Alguns modelos filosóficos reaparecem em formulações mais complexas e mais atualizadas, tais como o modelo platônico
reaparece milênios mais tarde no modelo hegeliano, assim como o modelo de Nicolau de Cusa reaparece séculos mais tarde no modelo schellinguiano.
Uma marca muito forte da concepção hegeliana de História da Filosofia é a hermenêutica filosófica. Nenhum modelo de pensamento filosófico cristaliza-se como uma filosofia do passado cujas ideias são repetidas pelos estudiosos, mas reaparece na atualidade do presente. Não
faz sentido, segundo Hegel, repetir as principais ideias de Platão ou de
Aristóteles e reconstituir os seus modelos sistemáticos. Hegel se coloca num contexto filosófico e num contexto histórico a partir dos quais
olha retroativamente para trás e reconstrói os modelos do passado na
significatividade do presente.Os filósofos de outras épocas não são lidos
a partir deles e a partir do contexto histórico que os constituiu, como
se o filósofo fosse compreender-se a si mesmo, mas são lidos a partir da
perspectiva do olhar do presente.
2. A estrutura da História da Filosofia
A compreensão hegeliana da História da Filosofia é bastante complexa. Ela atinge a trajetória que começa pelos antigos pré-socráticos,
passa por uma sequência de períodos filosóficos e conduz essa trajetória
até o Idealismo Alemão e Hegel. Talvez, a compreensão desse processo pode ser formulada em vários níveis: o primeiro e mais simples é a
abordagem de cada filósofo a partir dele mesmo e que pode ser lido a
partir dos seus textos. Um segundo nível de compreensão da História da
Filosofia é a discussão entre os filósofos naquilo que eles têm de convergência e de divergência, de oposição e de contradição. Nisto aparecem
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as claras oposições entre os filósofos que propõem estruturas e modelos
diametralmente opostos, como se verifica, por exemplo, entre Platão e
Aristóteles, entre Agostinho e Tomás, entre Descartes e Locke. Ao formular a sua concepção de História da Filosofia, Hegel não desenvolve
uma visão dogmática em relação aos filósofos, mas propõe uma leitura
claramente problematizadora porque todos os filósofos passam por um
processo de contradição, de crítica e de oposição. Um dos componentes
da História da Filosofia é a crítica e a constituição de oposições dialéticas
enquanto força motriz do constante processo de atualização da filosofia.
Um terceiro componente da História da Filosofia são as sínteses realizadas entre os filósofos que se opõem, tais como a síntese entre Platão e
Aristóteles realizada por Plotino, entre Agostinho e Tomás de Aquino
realizada por Nicolau de Cusa, a síntese entre Espinosa e Kant formulada por Hegel etc. O próximo nível de compreensão da História da Filosofia é a constituição de paradigmas filosóficos epocais nos quais os
filósofos se enquadram, tais como o objetualismo grego e medieval, o
teocentrismo medieval, a subjetividade moderna e o modelo dialético
que perpassa os sistemas do Idealismo Alemão. Mas ainda há um referencial mais complexo de exposição da História da Filosofia evidenciada nas relações interparadigmáticas e interepocais, tais como as tensões
que podem ser identificadas entre o objetivismo grego e medieval e a
subjetividade moderna.
Uma das principais teses hegelianas sobre a filosofia é que há uma
única filosofia desdobrada em múltiplos filósofos, obras filosóficas, sistemas filosóficos, paradigmas filosóficos e concepções filosóficas. As diferentes concepções filosóficas desenvolvidas ao longo do tempo não representam uma multiplicidade de filosofias, mas as diferentes filosofias
são oriundas da tensão dos opostos tão comuns ao longo da história. Na
concepção hegeliana, a História da Filosofia é uma única filosofia em
autodesenvolvimento comparável a uma gigantesca teia na qual os nós
representam os diferentes filósofos e os fios representam os movimentos de interligação, de interdependência e de influências que acontecem
entre todos os filósofos. Neste sentido, os filósofos da tradição não são
mônadas independentes do contexto, mas constituem pontos de convergência de forças filosóficas que atravessam muitos filósofos. Antes de
um filósofo ser autônomo e independente, ele representa um ponto de
convergência de múltiplas tendências que o antecedem, incorporando em
seu pensamento múltiplos elementos provenientes de outros filósofos.
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A concepção hegeliana de História da Filosofia é um sistema complexo e dinâmico constituído por uma teia de filósofos, por uma complexidade de relações interfilosóficas e intrafilosóficas, por uma sistemática
de paradigmas e modelos filosóficos que se desencadearam ao longo do
tempo, por um fluxo de progressividade que atualiza permanentemente
o processo de autoestruturação e autodesenvolvimento do pensamento filosófico nos mais variados níveis de qualificação racional. O primeiro sentido inscrito na História da Filosofia é o da horizontalidade,
qual seja, uma sucessão linear de pensadores, de sistemas filosóficos,
de períodos históricos da filosofia integrados por um fio condutor que
transforma a filosofia na macrossistematicidade integradora de uma dinâmica que inclui todos os pensadores numa única trajetória filosófica.
A horizontalidade representa o Logos filosófico que atravessa toda a História da Filosofia, integra os filósofos numa dinâmica global e permite
pensar numa tradição filosófica coerente. Esse Logos filosófico interliga
os filósofos e as épocas filosóficas e ao redor desse fio condutor giram
os múltiplos modelos filosóficos e paradigmas constituídos ao longo da
história. A horizontalidade do Logos filosófico é a trajetória dos 2500
anos que começa com os antigos pensadores pré-socráticos e conduz a
trajetória até Hegel e a estende até os nossos dias.
A concepção hegeliana de História da Filosofia também pode ser
representada pela imagem geométrica da verticalidade. Entre os diferentes períodos da história, sistemas filosóficos e paradigmas filosóficos não
se registram apenas uma justaposição lateral de elementos extrínsecos
e incomunicáveis, mas uma interligação fundamental e um desenvolvimento qualitativo de um período para o outro. A imagem geométrica
da verticalidade é indicativa de diferentes níveis de efetivação da racionalidade filosófica, da transformação interna do processo do filosofar e
da universalização qualitativa da filosofia. Nesse dinamismo é possível
pensar na atualização de horizontes filosóficos do passado na perspectiva do horizonte filosófico do presente cujo círculo anterior é negado na
condição estática do contexto anterior e positivamente reintegrado no
contexto filosófico presente. Não se trata de um modelo filosófico originário eternamente repetido em seus traços fundamentais, tal como, por
exemplo, a indicação de Platão como o filósofo da tradição e o restante
da produção filosófica concebida como nota de rodapé da filosofia platônica. Sob essa ótica, pensadores gregos são enriquecidos com novas
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sistematizações, novas formulações, novas tradições culturais, de forma
que entre o pensamento grego e medieval, por exemplo, há um processo
imanente de transformação da filosofia de forma que esse representa um
novo patamar de pensamento filosófico em relação àquele. Para Ramiro
Flórez,
Se falamos de uma série de configurações, esta série não deve
entender-se como uma linha reta senão como um círculo que retorna a si. Este círculo tem em sua periferia outra grande quantidade de círculos. A História da Filosofia é uma evolução ou desenvolvimento através de muitos desenvolvimentos e evoluções.
E cada desenvolvimento especial é um grau ou nível do Todo.
O espírito é pulsão, manancial de generatividade e inovação. E
grau a grau se vai produzindo, expressando-se, conhecendo-se,
conscientizando-se, plenificando-se (1983, p. 405-406).
A outra imagem filosófica atribuível à concepção hegeliana de História da Filosofia é a da circularidade. Cada um dos paradigmas filosóficos
constitui um círculo, um modelo global de pensar filosófico, e o conjunto
dos círculos caracteriza a História da Filosofia em exposição e em desenvolvimento. Na leitura feita por Hegel desse processo há uma evidente
integração entre a unidade e a multiplicidade, entre a diferenciação e a
sistematização, entre a antítese de posições contrárias e excludentes e a
síntese de novos modelos. Nesta exposição interepocal evidencia-se uma
intensificação da interligação dos diferentes paradigmas, da reflexividade do Logos filosófico diante da constante ampliação, complexificação e
universalização do pensamento filosófico como tal. Em tal perspectiva
de abordagem, conjugam-se os sentidos interpretativos de progressão e
regressão, de ampliação e de intensificação. Em palavras mais claras, na
exposição hegeliana o Idealismo Alemão e o sistema hegeliano representam um resultado do desenvolvimento progressivo de toda a trajetória
racional da História da Filosofia como uma sucessiva transformação e suprassunção do antigo no novo. Por outro lado, o olhar regressivo desde
a perspectiva mais elevada interpreta os filósofos do passado, tais como
Platão, Aristóteles, Nicolau de Cusa e Fichte na perspectiva do presente.
A imagem da circularidade transpõe sinteticamente as representações da horizontalidade e da verticalidade num outro formato de exposição. Nesta configuração não se distanciam mais o passado e o presente, e inferior e o superior, como uma sobreposição do mundo inteligível
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em relação ao sensível, mas a imagem da circularidade atualiza as estruturas filosóficas e produz um movimento de desenvolvimento e de interpenetração universal de todos os componentes de um sistema complexo.
Em outras palavras, as principais expressões do Logos filosófico através
do tempo, tais como o grego, o medieval e o moderno são atualizados
numa perspectiva metódica integradora através da exposição sistemática tipicamente hegeliana. O caminho filosófico empreendido pelo
Idealismo Alemão resultante na superação dos dualismos ontológicos
clássicos e kantianos resulta num sistema de círculo de círculos que se
interpenetram mutuamente no mesmo processo universal de complexificação e de totalização reflexiva.
3. Algumas sínteses filosóficas
Conforme afirmamos acima, entre os diferentes filósofos, sistemas
filosóficos e modelos de pensamento circula uma força filosófica global
que sistematiza esses componentes e os integra num conjunto maior.
A visão hegeliana de História da Filosofia é construída a partir do critério da oposição entre concepções e modelos filosóficos que se desenvolvem simultaneamente no mesmo período histórico e que aparecem
suprassumidos na síntese de uma composição sistemática mais ampla.
Na filosofia hegeliana como um todo convergem sinteticamente várias
oposições filosóficas, em vários níveis de expressão.
Uma primeira expressão sintética entre dois modelos de Logos
desenvolvidos ao longo da História da Filosofia é entre o modelo grego e o modelo cristão. A estrutura racional do modelo grego de Logos,
especialmente na sua expressão tardia em Platão e Aristóteles, registra
um movimento ascensional do sensível em direção ao inteligível. Em
Platão, as almas afastam-se da prisão do sensível e ascendem ao inteligível sobreposto em relação ao mundo sensível e material. Sabe-se que
o inteligível platônico encontra-se estruturado em várias de suas obras,
destacadamente em o Sofista no qual as ideias são sistematizadas nos
sentidos descensional de elementarização e de singularização, e no sentido ascensional de coleção e universalização. O modelo platônico opõe
a inteligibilidade da Ideia e a materialidade da existência dispostos em
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extremos opostos e inadequados entre si. O modelo aristotélico, imediatamente diferenciado em relação ao platônico ao imanentizar a Ideia no
mundo sensível, exatamente ali onde Platão declarara o seu afastamento
radical. Mas Aristóteles volta ao modelo platônico ao declarar o critério
de perfeição do ser segundo o grau de afastamento da Ideia em relação à
matéria, argumento segundo o qual o motor primeiro é supremamente
perfeito na identificação entre a inteligência e inteligível, não lhe cabendo nenhuma atribuição material.
O Logos cristão exibe outra estrutura e outro movimento de constituição. Ele inverte a anábasis grega na katábasis cristã para a qual o Absoluto de Deus desce no mundo através da criação da Natureza, da Encarnação do Verbo de Deus e a História da Salvação. A novidade deste
modelo é a perfeita compatibilidade da perfeição divina e o mundo finito criado por Deus. Na concepção cristã a absoluticidade divina assume
a condição finita, da natureza, do homem e da história com os quais se
identifica sem deixar de ser Deus e sem deixar de ser absoluto. A grande
aporia deste modelo é o não esvaziamento e dissolução da Ideia divina
na configuração das coisas finitas, já que permanece integralmente em
si mesmo no movimento descensional nas condições materiais da existência, e nada se lhe acrescenta com o dinamismo de Criação e Encarnação no processo histórico. O modelo do criacionismo cristão representa
uma estrutura de causalidade vertical na qual a causa primeira de Deus,
incondicionalmente constituída em si mesma, move o mundo finito e
criado, mas sem misturar-se à sua contingência. No processo de criação
Deus permanece inalteravelmente igual a si mesmo, estando livre para
não criar o mundo. Em ambos os casos, se o Absoluto cristão cria o
mundo e não cria o mundo, permanece exatamente igual a si mesmo.
O sistema filosófico hegeliano representa uma síntese entre a ascensionalidade do modelo grego e a descensionalidade do modelo cristão, superando as assimetrias entre o inteligível e o sensível reinantes nos
dois universos filosóficos e históricos. Os movimentos opostos entre os
dois modelos conciliam-se na pulsão metódica do autodesenvolvimento
da Ideia que Hegel expõe no final da Ciência da Lógica. Neste texto o filósofo de Berlin articula equilibradamente a pulsão racional do método
e a estrutura efetiva do sistema que evoluem reciprocamente. Contrariamente à lógica tradicional aristotélica para a qual a ampliação da extenRevista Filosofazer. Passo Fundo, n. 41, jul./dez. 2012
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são é inversamente proporcional à qualidade subjetiva, para o sistema
daCiência da Lógica quanto maior a extensividade e a universalidade,
maior será a profundidade e a intensividade reflexiva. A estrutura do
método exposta neste texto caracteriza um processo de autodesenvolvimento do conteúdo em forma de círculos concêntricos quando a cada
esfera de exposição corresponde um nível de reflexividade subjetiva. Hegel expõe a lógica da identidade e da diferença entre a subjetividade e a
objetividade na medida em que essa representa uma efetivação daquela
e aquela como pulsão racional dessa. Os dois componentes do método, a
interioridade e a exterioridade, a subjetividade e a objetividade, a forma
e o conteúdo expõem-se em sistemas diferenciados de círculos em identificação, interação e diferenciação.
A síntese hegeliana entre a ascensionalidade dos gregos e a descensionalidade dos cristãos não se restringe ao continente racional da Ciência
da Lógica, mas estende-se para o campo sistemático das relações entre
Ciência da Lógica e as outras esferas do sistema filosófico que são a Filosofia da Natureza e a Filosofia do Espírito. Para Lima Vaz, “no sistema
hegeliano, tem lugar a transposição da transcendência grega da Ideia e
da transcendência bíblico-cristã da Existência na imanência do autodesenvolvimento da Ideia, que permanece na sua identidade na diferença
em que se manifesta como Natureza e como Espírito” (1992, p. 118).
Numa primeira aproximação, a passagem da primeira esfera do sistema para as esferas do real caracteriza um movimento de universalização
concreto, uma resposta hegeliana ao sentido ascensional dos gregos. Essa
mesma dinâmica de exposição significa, ao mesmo tempo, uma intensificação da razão porque a estrutura racional da Ciência da Lógica acompanha o processo de fundamentação das estruturas categoriais coextensivas ao desdobramento das estruturas do real.
Ainda é possível estabelecer uma compreensão hegeliana na síntese entre o platonismo clássico e o aristotelismo clássico no pensamento
de Nicolau de Cusa. O Cusano é conhecido como o filósofo que colocou
um fim no mais certo dos princípios filosóficos até então conhecido, o
princípio aristotélico da não-contradição. Para o filósofo alemão do século XV, os opostos mais extremos coincidem. No sistema filosófico, os
mais distanciados extremos coincidem. O mínimo não pode ficar fora
do máximo porque, caso contrário, o máximo não seria máximo. Para o
Cusano, o mínimo é a condição para a convergência do máximo.
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No filósofo em questão, o neoplatonismo e o aristotelismo se encontram numa significativa síntese. Os principais conceitos do cusano facilmente fazem compreender esta pressuposição. Os conceitos de
complicação, contração e explicação dão conta desta exigência sistemática. Pela complicação, Deus é a idealidade máxima de todas as coisas,
como Deus em Deus de todas as coisas. Pela contração, o universo ou a
cosmologia contraem Deus numa concentração ou particularização da
substancialidade primeira. Pela explicação, Deus está em todas as coisas segundo cada coisa. O homem é considerado por Nicolau de Cusa
o microcosmos porque as perfeições máximas do universo encontram-se extremamente condensadas no homem. Em Jesus Cristo, Deus feito
homem, coincide o máximo e o mínimo, a humanidade e a divindade, a
substancialidade primeira e a substancialidade segunda.
Na filosofia do Cusano, o neoplatonismo fica claramente configurado na tríplice síntese no sentido de que cada Pessoa da Trindade é o
ato das outras duas, seguindo pela emanação do universo onde todas as
coisas estão em todas as coisas, todas as coisas mediatizam todas as coisas. Neste sistema, Deus, mediante todas as coisas, está em tudo e tudo,
mediante tudo, está em Deus. A cosmologia de Cusa esboça medidas
geométricas nas quais a linha, o círculo, a esfera e o triângulo são exatamente a mesma coisa. É interessante notar que o círculo máximo em ato
coincide com a linha máxima em ato. Nisto, a circunferência do universo coincide com o diâmetro do mesmo em função da circularidade da
linha e da linearidade do círculo. Neste sistema, não há circunferência
definida e não há centro definido. A centralidade e a circularidade da
circunferência coincidem porque num ponto considerado como central
convergem, entrecruzam e ultrapassam uma infinidade de linhas onde
os máximos coincidem. Por outro lado, o neoaristotelismo do cusano
também é evidente na medida em que Deus Trindade é para o filósofo a
substancialidade primeira e a atualidade de tudo e o universo pode ser
considerado como uma espécie de substancialidade segunda deduzida
de Deus. O neoaristotelismo reaparece no cusano em função da clara
primazia do ato sobre a potência. Mas o sistema não é vertical como em
Aristóteles e Tomás de Aquino no sentido de que a máxima unidade do
Uno primeiro e o universo estão intrinsecamente contidos um no outro, estabelecendo-se uma combinação estrutural entre a verticalidade
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do descenso do universal no particular, a circularidade e linearidade do
universo e a multidimensionalidade de movimentos convergentes em
cada coisa.
Quando analisamos as sínteses hegelianas não pode ser desconsiderada a convergência operada pelo filósofo entre o sistema de Espinosa
e o de Kant. Anunciada no prefácio da Fenomenologia do Espírito, desenvolvida na passagem da Lógica da Essência na Lógica do Conceito e
consolidada na estrutura do sistema, Hegel propõe a Filosofia do Espírito
como um caminho de superação dos dois filósofos considerados de forma isolada e plenamente integrados na síntese. Hegel, como é sabido, é
um crítico do rigoroso sistema objetualista de Espinosa necessariamente estruturado. O caráter quase vertical de sua estruturação em substância, atributos e modos confere-lhe uma sobredeterminação daquela em
relação a essas, resultando num modelo substancialista e objetualista
rigoroso. Numa perspectiva diametralmente oposta está a espontaneidade do eu livre e transcendental de Immanuel Kant. Conforme exposição realizada pelo filósofo de Königsberg na Crítica da Razão Prática
e na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, a liberdade consiste
na incondicional autodeterminação da subjetividade movida exclusivamente segundo a forma, com restrição de todo o conteúdo determinado.
A formulação do imperativo categórico no critério de universalização
da máxima moral é orientada exclusivamente segundo a forma, sem a
inclusão de nenhum conteúdo determinado. Hegel propõe uma síntese
entre esses dois modelos que polarizam as concepções filosóficas no interior do pensamento moderno. O sistema objetualista e substancialista
de Espinosa é uma das principais referências na elaboração da filosofia
hegeliana, suprassumido pelo filósofo de Berlin no sistema do espírito
em autodeterminação. A espontaneidade do eu puro e transcendental
kantiano é destronado da pureza imediata de sua liberdade e inserido na
interioridade do conteúdo no qual se transforma na força articuladora
de seu desenvolvimento metódico.
Outra síntese hegeliana situa-se no interior do Idealismo Alemão
entre os pensadores como Kant, Fichte, Schelling e Hegel. Sabe-se problemática dominante do Idealismo Alemão no sentido de unificar e sistematizar dualismos clássicos como Ideia e realidade, essência e aparência, absoluto e relativo e superar as antinomias kantianas de númeno e
fenômeno, sensível e inteligível etc. Fichte, Schelling e Hegel têm como
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problemática de fundo o mesmo desafio, cada qual enveredando por caminhos diferentes. É evidente que um estudo mais aprofundado evidenciaria uma progressão da racionalidade filosófica entre os três filósofos
e constrói um sistema racional mais amplo e mais complexo que aquele
de um filósofo individual.
Fichte situa o seu pensamento nas aporias kantianas da separação
entre razão teórica e razão prática, propondo um modelo de sistema filosófico capaz de conjugar num único princípio a subjetividade e a objetividade, a forma e o conteúdo. Contrariamente a Kant, Fichte conjuga
essas duas dimensões da razão no movimento de autodeterminação da
razão no qual a forma determina o conteúdo como uma materialização
do pensamento e no conteúdo que determina a forma como uma recondução do conteúdo à razão. O sistema fichteano é comparável com um
conjunto de círculosestruturados num formato cujos componentes são
o ponto central, os raios e o círculo infinito. Do ponto central comparável ao eixo de uma roda partem múltiplos raios que se distribuem para
todos os lados e se projetam linearmente ao infinito e “exteriormente”
interligados por um círculo infinito não delimitado por uma esfera exterior a esse mesmo círculo. A Doutrina da Ciência fichteana tem como
ponto de partida a subjetividade representada no ponto central do eixo e
a estrutura da objetividade representada pelos raios e pela circunferência
externa, uma estrutura na qual essa é deduzida daquela. Talvez, o sistema fichteano é uma forma de idealismo subjetivo em função do ponto
de partida fixo e definido em relação ao qual é deduzido o sistema de
objetividade no interior do qual se encontram definidos os espaços das
ciências particulares. O sistema fichteano não apresenta uma lógica em
função da necessária articulação estrutural entre forma e conteúdo, não
fazendo falta a formulação de uma lógica.
A síntese hegeliana também passa pelo pensamento de Schelling.
A grande novidade desse filósofo em relação à Fichte é a formulação de
uma Filosofia da Natureza que fora excluída por aquele pensador. Contrariamente à tradição iluminista que reduzira a natureza a um material
de manipulação, Schelling recupera a realidade para a filosofia ao sustentar que a Natureza é uma estrutura autorregulada e autodeterminada. A filosofia não é mais uma racionalidade formal, mas passa a ser a
racionalidade da natureza em autodesenvolvimento e autoestruturação.
O sistema de identidade como marca da filosofia schellinguiana identiRevista Filosofazer. Passo Fundo, n. 41, jul./dez. 2012
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fica a subjetividade e a objetividade como duas dimensões que se interpenetram universalmente como total subjetividade e total objetividade.
Não há, por esta razão, uma parte que seria o pensamento e outra parte
que seria a realidade da natureza, mas de inteira subjetividade e inteira
objetividade. A primeira condição é de que a objetividade da natureza
visível é inteiramente racional e autorreflexiva, enquanto a segunda é de
que a racionalidade é inteiramente objetivada e concretizada. Neste sistema, a passagem da subjetividade para a objetividade corresponde ao
dinamismo que conduz da absoluticidade e unidade para a diversidade
de objetos e elementos da natureza reconduzidos à unidade da subjetividade. Por outro lado, a passagem da objetividade para a subjetividade
corresponde com a unificação da diversidade que perpassa o sistema físico, químico e orgânico da natureza dissolvido numa única realidade. O
sistema de Schelling é perpassado por um dinamismo sistemático universal resultante numa indiferença entre os “diferentes” objetos entre os
quais somente há diferença quantitativa, mas sem nenhuma forma de
diferença qualitativa. A formação de qualquer elemento, coisa, objeto ou
ser é perpassado pelo fluxo sistemático do mesmo mecanismo universal
constituidor do sistema de identidade schellinguiano.
O sistema filosófico hegeliano é uma síntese entre o denominado
idealismo subjetivo, de Fichte, e o denominado sistema do idealismo objetivo, de Schelling. Neste percurso sistemático da racionalidade filosófica Hegel corrige algumas lacunas ainda existentes nestes filósofos em
seus respectivos percursos de crítica à filosofia kantiana, construindo
um sistema filosófico dinâmico que conjuga unidade e multiplicidade,
método e sistema, progressividade e regressividade, sistematicidade e historicidade. Hegel, colocando-se na mesma perspectiva de seus antecessores, diferencia-se deles num aspecto fundamental, a inclusão da Ciência
da Lógica entre as esferas do sistema filosófico. Fichte, em função da sua
crítica à lógica como estrutura meramente formal não a inclui em seu
pensamento, e Schelling, em função do sistema de identidade, prescindiu da lógica. Uma das grandes críticas que pesam sobre o último é que
o mesmo não teria um referencial de articulação e de desenvolvimento
de seu pensamento, pois as disciplinas de Idealismo transcendental e Filosofia da Natureza pertenceriam à esfera do real.
Entre o rigoroso processo de fundamentação que começa na subjetividade absoluta fichteana e se distribui circularmente num modelo
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estático de raios e círculos infinitos deduzidos do fundamento e o sistema de identidade schellinguiano na indiferença universal entre subjetividade e objetividade, o sistema hegeliano representa, seguramente, uma
síntese negadora, integradora e transformadora dos modelos anteriores.
A resposta hegeliana ao modelo de Schelling é a distribuição da unidade
filosófica na multidimensionalidade sistemática das esferas da Ciência
da Lógica, da Filosofia da Natureza e da Filosofia do Espírito, numa articulação do processo sistemático através da fundamentação ao mesmo
tempo lógica e ontológica. Neste sentido o distanciamento de Hegel em
relação à Schelling está na ampla complexidade macrossistemática e na
interrelacionalidade interesférica do modelo hegeliano, enquanto que o
modelo schellinguiano é muito mais simples e amplamente concentrado
na Filosofia da Natureza. Diante de Fichte, Hegel introduz em seu sistema filosófico uma Filosofia da Natureza que não existe naquele. Mas,
diante do rigoroso processo de fundamentação fichteano Hegel empreende um dinamismo multipolar de mediação num ritmo que integra a expansão e a interiorização da racionalidade, a mediação de todas as esferas por todas e a interposição circular de todas como ponto de partida,
como mediação e como conclusão do processo de autodesenvolvimento
do sistema filosófico global. Diante do rigorismo fichteano, no sistema
hegeliano é possível começar por qualquer parte do sistema, circular por
todo o sistema na pespectiva do ponto de partida proposto. Com estas
indicações, a síntese hegeliana entre os sistemas de Fichte e de Schelling
está na diferenciação e mútua mediação permanente entre subjetividade
e objetividade, entre Ciência da Lógica e Filosofia do Real, como suprassunção do sistema fichteano; e na multidimensionalidade de esferas
sistematicamente inter-relacionadas como elemento integrador e transformador do sistema schellinguiano.
Do ponto de vista da progressão sistemática e histórica da racionalidade filosófica, em relação à Fichte e Schelling, a grande resposta hegeliana está na elaboração do sistema da Filosofia do Espírito. Além da
síntese entre vários filósofos empreendida por Hegel, a Filosofia é uma
síntese intrassistemática e macrossistemática no próprio sistema hegeliano, entre a Ciência da Lógica e a Filosofia da Natureza, entre racionalidade e materialidade, entre criação e evolução. A Filosofia do Espírito
hegeliana, terceira esfera do sistema filosófico, é o ponto no qual Hegel
se diferencia dos outros filósofos do Idealismo Alemão, significa o ponto
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mais alto de seu desenvolvimento e concentra o sentido da efetividade
global dessa corrente filosófica como um círculo que envolve e transforma. A Filosofia do Espírito compreende, por um lado, a racionalidade
estruturante da Ciência da Lógica transformada, nesta esfera, na força
interna de autodesenvolvimento da sistemática do espírito; compreende,
igualmente, a materialidade da Filosofia da Natureza transformada na
efetividade do Espírito na sistemática da efetividade da sociedade civil,
do Estado, das relações entre os Estados, do Direito Internacional, da
Filosofia da História Universal, da Filosofia da Religião etc. Essa esfera
da filosofia hegeliana transforma radicalmente as configurações epistemológicas e ontológicas dos filósofos anteriores a Hegel na estrutura
dada a esta etapa do desenvolvimento do sistema na composição do espírito subjetivo, do espírito objetivo e do espírito absoluto. Sabe-se que
o espírito absoluto hegeliano não significa uma instância teórica longe
da realidade histórica, mas a energia dialética interdisciplinar, interesférica, transsubjetiva articuladora de todos os movimentos e mediações.
O pensamento hegeliano, investigado na perspectiva da evolução
sistemática e histórica, em relação a Espinosa, Kant, Fichte e Schelling,
representa, simultaneamente, uma negação e uma afirmação destes filósofos. Em relação a Kant, Hegel coloca-se na trajetória de superação da
filosofia kantiana na dissolução das múltiplas antinomias expostas pelo
filósofo de Königsberg, expondo-as na perspectiva integradora da contradição dialética. Um ponto hegeliano favorável a Kant é a reintegração no sistema filosófico de uma Lógica, abolida por Fichte e por Schelling, quando lógica transcendental kantiana é transformada pela lógica
dialética nos moldes tipicamente hegelianos. Diante do pensamento de
Fichte, a objeção hegeliana é a fixidez do seu pensamento no qual não
fica clara a relação entre a incondicionalidade do eu absoluto e a finitude e relatividade do mundo finito. A elaboração hegeliana a Filosofia
da Natureza como uma parte determinada do sistema é uma resposta de
Hegel a Fichte que ignorou esta realidade para a filosofia. Do ponto de
vista afirmativo, o sistema filosófico hegeliano está na trajetória aberta
por Fichte no sentido de conciliar epistemológica e ontologicamente a
estrutura da subjetividade e da objetividade. O enfrentamento de Hegel
com Schelling é intenso e não simples de ser formulado. Considerando o
sistema de identidade deste filósofo, Hegel o critica radicalmente através
da proposta do sistema filosófico que conjuga a unidade sistemática e a
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tridimensionalidade de esferas circularmente integradas. Um dos motivos pelos quais Hegel formula uma Ciência da Lógica é a correção do
modelo schellinguiano por não ter integrado no seu pensamento esta
dimensão filosófica. Por outro lado, Hegel continua no caminho através
da Filosofia da Natureza reintegrada no sistema, com a diferença de que
Schelling apresenta apenas uma esfera filosófica e Hegel várias.
4. Filosofia, História da Filosofia e Sistema Filosófico
Uma leitura aprofundada da História da Filosofia hegeliana constata uma identificação entre Filosofia, História da Filosofia e Sistema Filosófico. A identificação dialética entre Filosofia e História da Filosofia é
fácil de ser precisada. Não há em Hegel uma pura filosofia impregnada
de verdades eternas e contraposta à contingencialidade do tempo histórico, mas toda a filosofia nasce da história, é mediatizada pela história e
é uma compreensão sistematizada da própria historicidade do homem.
Para o filósofo de Berlin, não há nenhuma doutrina filosófica como um
sistema de verdades incontestáveis, mas todas elas situam-se no movimento de problematização, de discussão e de contradição entre filósofos e métodos filosóficos. De forma precisa, a Filosofia como História da
Filosofia caracteriza o desdobramento da filosofia através dos filósofos, dos conceitos filosóficos, dos modelos de pensamento filosóficos, da
transformação de um filósofo por outro e por outros. Para exemplificar
esta afirmação, o pensamento filosófico de Aristóteles é transformado e
ampliado por Tomás de Aquino; o de Platão é transformado e ampliado
por Espinosa, Fichte e Hegel etc.
Quando Hegel identifica Filosofia com História da Filosofia, o filósofo não desenvolve uma compreensão da filosofia reduzida e fragmentada nos autores. Conforme apontamos acima, os filósofos são atravessados por múltiplas tensões e influências, de forma que nenhum pensador
pode ser isolado do contexto histórico e de cenários de pensamento mais
amplos. A abordagem hegeliana é mais ampla no sentido de dar ênfase
a um conjunto de filósofos, a determinadas épocas de pensamento filosófico e a situações transepocais de filósofos que perfilam determinado
modelo de pensamento. Por esta via, quando a filosofia é vista exclusivamente a partir dos filósofos, eles permanecem fechados em si mesmos
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e as suas “doutrinas” são lidas dogmaticamente como modelos fechados
e repetidos pelos intérpretes. Quando, contrariamente, a filosofia é vista
num contexto mais amplo de interlocuções, o exercício filosófico torna-se problematizador, crítico, aberto e permanentemente em processo de
atualização. Nesta perspectiva, a figura do filósofo não aparece como um
recorte filosófico de um gênio incomparável, mas como uma expressão
de contextos filosóficos e históricos mais amplos que convergem neste
ou naquele filósofo.
A identificação entre Filosofia e História da Filosofia realizada por
Hegel tem como consequência a densificação do presente no eterno presente da filosofia. Por esta via não há filosofia do passado reconstruída pela memória filosófica como uma verdade eterna, mas aparece na
configuração da plena atualidade do presente. Em outras palavras, isto
significa dizer que nenhum pensador fica cristalizado no passado na
condição de um filósofo acabado, mas é simultaneamente negado e afirmado. É negado na medida em que não permanece no mesmo nível em
que se constituiu como filósofo, assim como apareceu no seu contexto
filosófico e histórico; é afirmado porque nunca se esgota e se atualiza
nas condições do presente. Mas quando Hegel fala do eterno presente da
filosofia não se refere apenas à atualidade dos filósofos considerados individualmente, mas do fluxo global da filosofia que aparece permanentemente na atualidade do presente. Nela o pensamento de outras épocas
não fica superado por formas mais atualizadas, mas integra a torrente
do presente no qual todas as concepções reconstituem-se no movimento
de superação, de atualização e de transformação interna. A História da
Filosofia é perpassada por uma energia racional e filosófica transsubjetiva que expõe toda a produção filosófica particular num fluxo global que
configura tudo na visão filosófica do presente. Este fluxo racional vai
destruindo o passado fixo e dogmatizado e reintegrando a trajetória filosófica na perspectiva crítica, sistemática e racional do presente. Hegel
expõe assim a identidade dialética entre Filosofia, História da Filosofia
e Sistema Filosófico:
Segundo esta ideia sustento que a sucessão dos sistemas filosóficos na história é idêntica à sucessão lógica das determinações
conceituais da ideia. Sustento que, despojando os conceitos fundamentais que aparecem na história da filosofia de tudo o que
respeita à formação exterior da mesma, e à sua aplicação ao par84
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ticular e assim por diante, se obtêm os vários graus da determinação da ideia no seu conceito lógico. Pelo reverso, tomando o
processo lógico, encontra-se nele, nos seus momentos capitais, o
processo dos fenômenos históricos. Mas importa saber reconhecer estes conceitos puros no que tem forma histórica. Poder-se-ia
pensar que a filosofia nos graus da ideia devesse ter uma ordem
diversa daquela segundo a qual tais conceitos surgiram no tempo; mas, no conjunto, a ordem é idêntica (Gph, p. 49).
Esse texto, extraído das Lições sobre a História da Filosofia (Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie), apresenta como componente chave a Ideia. Trata-se da Ideia filosófica que Hegel expõe no final da
Ciência da Lógica como ponto de convergência sintético de toda a obra
e como estrutura racional articuladora de todo o sistema filosófico. A
ideia não aparece pressuposta como uma estrutura racional preconcebida ao real e à história, mas articula-se em meio ao desenvolvimento da
História da Filosofia. A estrutura da Ideia filosófica é circular na medida
em que se desdobra simultaneamente em extensividade, intensividade,
universalidade, totalidade e complexidade, numa sucessão de círculos
nos quais a subjetividade objetiva-se na estrutura do real que retorna a
si mesmo num novo círculo de racionalidade. Cada círculo representa
o movimento culminante de um ciclo de desenvolvimento, ao mesmo
tempo em que esboça um momento qualitativamente novo e diferenciado de fundamentação da razão filosófica e da sistemática do real.
O desencadeamento da História da Filosofia é um exemplo de dialetização entre a subjetividade da Ideia e a objetividade da estrutura da
realidade. Conforme exposição hegeliana há uma coextensividade entre
o desenvolvimento histórico dos sistemas filosóficos como um processo
de constituição real e a constituição das determinações conceituais da
Ideia. O desdobramento dos sistemas filosóficos ao longo da história excede a consideração individual dos sistemas de tais filósofos individuais,
mas de referências epocais mais complexas como o Logos filosófico grego, o Logos filosófico cristão, o conjunto que pode ser denominado a subjetividade moderna e o sistema global do Idealismo Alemão. Este processo de exposição e complexificação de sistemas filosóficos formados por
vários filósofos que integram um mesmo modelo global de pensamento
é dialeticamente acompanhado pelo desdobramento das determinações
conceituais da ideia. O modelo filosófico grego, culminado no inteliRevista Filosofazer. Passo Fundo, n. 41, jul./dez. 2012
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gível platônico e aristotélico enquanto esfera autotélica em oposição à
materialidade do mundo empírico caracteriza o momento da exterioridade e da universalidade abstrata. O mesmo acontece com o modelo
cristão-medieval rigorosamente hierarquizado na afirmação de um Absoluto transcendente em relação ao mundo criado contingente e finito.
O sistema correspondente aos filósofos representativos da subjetividade
moderna compreende o momento da interiorização da Ideia na reflexividade do pensamento e na subjetividade que se diferencia do mundo, da natureza e da realidade. A interioridade cartesiana e kantiana
caracteriza um momento estruturante da História da Filosofia na subjetividade que se torna autônoma, isolada e puramente regulada em si
mesmana forma de puro pensamento. A trajetória do Idealismo Alemão
entre Fichte, Schelling e Hegel é o terceiro grande círculo da História da
filosofia que tem como característica fundamental a interrelacionalidade dialética entre a Ideia lógica e a estrutura do real, entre Ciência da Lógica e Filosofia do Real, entre interiorização reflexiva e expansão. Desta
forma, a sistematização da História da Filosofia em diferentes modelos
e diferentes círculos de complexidade não caracteriza uma aplicação exterior de uma inteligibilidade ideal, mas de uma dialetização na qual, reciprocamente, a Ideia filosófica e os sistemas de filosofia se determinam.
Com essas considerações é fácil precisar a razão pela qual Hegel
identifica Filosofia, História da Filosofia e Sistema Filosófico. A Filosofia caracteriza uma evolução enquanto História da Filosofia na constituição de um Sistema Filosófico que congrega num único processo de
desenvolvimento as formas particulares de pensamento que se desencadearam ao longo da historia. Em outras palavras, para Hegel, há uma
única filosofia em autodesenvolvimento e autossistematização através da
multiplicidade de formas individuais de pensamento cujas oposições e
contrariedades convergem sinteticamente em formulações mais complexas e cujas formulações individuais dos filósofos inserem-se numa sistemática mais complexa de transversalização multilateral na qual os filósofos são atravessados por múltiplas influências. A História da Filosofia
como Sistema Filosófico complexo é composto por dois movimentos de
sistematização segundo os quais a universalidade da Ideia filosófica que
atravessa a filosofia de uma ponta a outra, particulariza-se em múltiplas
formas de pensamento, paradigmas filosóficos e sistemas epocais de filosofia. Por outro lado, a multidimensionalidade de concepções filosó86
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ficas e estruturas metódicas de construção filosófica são reconduzidas
à inteligibilidade da universalidade filosófica que resulta em ulteriores
formas de complexificação e estruturação filosófica.
Quando se fala da identidade entre Filosofia, História da Filosofia
e Sistema Filosófico significa, em primeira aproximação, que o sistema
hegeliano é resultado do autodesenvolvimento sistemático da História
da Filosofia. A relação da História da Filosofia com o sistema hegeliano tem várias significações. Numa primeira aproximação, os diferentes
momentos da trajetória do pensamento, particularmente considerando
as características básicas do objetivismo grego e medieval e da subjetividade moderna, essas diferenças convergem no sistema filosófico hegeliano como momentos opostos e constitutivos de um mesmo pensamento.
Desta forma, a trajetória do todo filosófico através de momentos particulares converge na filosofia hegeliana como o momento mais complexo
e mais sistematicamente articulado. O dinamismo de ascensionalidade
dialética no movimento de complexificação entre a Ciência da Lógica
sucessivamente ampliada na Filosofia da Natureza e na Filosofia do Espírito significa um primeiro formato de exposição para possibilitar outras
estruturas de desenvolvimento. Isto significa dizer que os grandes movimentos ínsitos à evolução da História da Filosofia anterior estão presentes no interior do sistema hegeliano para desenvolvê-la na configuração atual da filosofia, tal como a passagem da Lógica na Natureza e desta
para o Espírito é correlativo à subida grega, e o retorno deste movimento
ao Espírito Absoluto é correlativa à interiorização típica da subjetividade moderna. Ao transformar a arquitetônica do sistema na estrutura de
uma mediação universal na qual os círculos da Lógica, da Natureza e do
Espírito se interpenetram e se determinam circularmente na mediação
da Ideia filosófica, é um indicativo claro do desenvolvimento do sistema
filosófico num novo grau de totalização reflexiva. Para Hegel,
A Filosofia considera o Absoluto primeiro como Ideia lógica, Ideia,
como é no pensamento, como seu conteúdo mesmo é nas determinações do pensamento. Mais adiante se mostra o Absoluto em
sua atividade, em seu avançar; e este é o caminho do Absoluto,
no seu ser para si, para o Espírito, e Deus é o resultado da Filosofia, que como tal é reconhecido, que não apenas é resultado, mas
que eternamente avança. A unilateralidade do resultado é suprassumido no resultado (PhR I, p. 37).
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A História da Filosofia hegeliana integra o universo conceitual do
Espírito Absoluto e identifica-se com a última de suas determinações
nas quais Hegel expõe a Filosofia. Um olhar filosófico mais esclarecido
poderia colocar entre polos opostos e excludentes o Espírito Absoluto e
a História da Filosofia. Mas a posição da História da Filosofia na esfera
mais elevada do Espírito tem uma razão clara para um estilo de pensamento como o hegeliano. A exposição sistemática da filosofia hegeliana
tem como indicador fundamental resolver assimetrias e dualismos presentes em toda a tradição filosófica anterior, tais como pensamento e
realidade, transcendência e imanência, essência e aparência, absoluto e
relativo, Deus e homem, Ciência da Lógica e Filosofia do Real etc. Isto
tem como consequência imediata a superação de modelos filosóficos estáticos que pressupõem uma essência eterna e imutável necessariamente
anterior à natureza e à realidade histórica. A visão sistemática da História da Filosofia tal como aqui exposta tem como característica fundamental a constituição do eterno desenvolvimento, do permanente movimento, da constante negação das estruturas e da reintegração em outro
nível de constituição. O texto acima aponta claramente para o equilíbrio
entre dialética e resultado, pois a dialética não é um simples meio para
alcançar um resultado definitivo, mas qualifica um eterno movimento de desenvolvimento que nunca afirma um resultado definitivo. Isto
é proporcionado por uma estrutura de sistematicidade integradora da
rememoração histórica, da progressividade sistemática do eterno processo de autodesenvolvimento, da interiorização reflexiva e da complexidade de movimentos de interação do pensamento e da realidade. A
História da Filosofia exposta por Hegel como o círculo que circunscreve
exteriormente todo o sistema e perpassa internamente a multidimensionalidade de componentes filosóficos é expressão do movimento de exposição sistemática que integra o pensamento, a natureza, o cosmos, a
história, o universo e Deus.
A concepção hegeliana de História da Filosofia tem várias significações. Numa primeira aproximação, ela reflete a autocompreensão mais
elevada e mais sistematizada da evolução humana ao longo da história da humanidade, o resultado mais nobre do pensamento humano que
pensa o mundo e que pensa a si mesmo no ato de pensar filosoficamente
o mundo. Um segundo significado da História da Filosofia é a expressão da estrutura do sistema do Cosmos, do Universo e do Absoluto em
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autodesenvolvimento que envolve o duplo movimento de expansão e de
reflexão, primeiramente em modelos sistemáticos lineares e verticais
para evoluir, posteriormente, em estruturas complexas e circulares de
intersubjetivação, interação e autodeterminação de sistemas. Em outras
palavras, isto significa dizer que a História da Filosofia é a expressão da
autoconsciência de todas as esferas do real, do Universo e do Absoluto
coextensiva ao caminho metódico e sistemático de estruturação do todo.
Um terceiro significado é a interação entre o autoconhecimento do homem e o autoconhecimento do Absoluto na filosofia, num sistema de
interação no qual a finitude do homem desdobra-se na infinitude e na
complexidade do universo e a infinitude desse determina-se na situacionalidade histórica do homem. Trata-se da autoconsciência do homem
de si mesmo, da consciência do homem do Absoluto, da autoconsciência
de si mesmo na consciência do Absoluto, da autoconsciência do Absoluto no homem e da autoconsciência do homem.
Considerações finais
O artigo apresentado tentou evidenciar alguns elementos da concepção hegeliana de História da Filosofia. É de influência hegeliana que
a História da Filosofia figura como um dos blocos temáticos dos cursos
de filosofia. Por outro lado, o enfoque metódico dado à História da Filosofia nos cursos de filosofia tem muito pouco de hegeliano, visto que
os filósofos são abordados dogmaticamente, em sua inteireza conceitual,
sem a visão de integração num todo temático mais amplo e sem a noção
de problematização crítica ínsita à exposição hegeliana. Em não raros
casos, a História da Filosofia é vista como uma mera reconstrução das
principais ideias dos filósofos, permanecendo longe da visão especulativa proporcionada por Hegel.
A História da Filosofia, quando inspirada na noção hegeliana, proporciona habilidades filosóficas significativas ao estudante e ao professor de filosofia. Ela requer do estudante a capacidade de leitura dos filósofos de outras épocas a partir da perspectiva crítica e especulativa da
atualidade, a capacidade de formulação de uma visão de conjunto da
dinâmica global de desenvolvimento do pensamento filosófico nos filósofos, a capacidade de esboço de um olhar profundo queidentifica uma
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única filosofia nos diversos filósofos, sistemas filosóficos, paradigmas
filosóficos e transversalizações entre os diferentes paradigmas epocais.
Do ponto de vista epistemológico, a noção hegeliana de História da Filosofia inclui-se perfeitamente nos parâmetros atuais de interdisciplinaridade, pois nela identificamos a progressão horizontal de integração dos
diferentes momentos históricos da filosofia e a progressão vertical de
sucessiva complexificação e ampliação da reflexão filosófica. Esta abordagem, seguramente, é mais filosófica do que o modelo de disciplinaridade da ética, da teoria do conhecimento, da ontologia e da estética nas
quais os filósofos, não raras vezes, são fragmentados em partes.
As contradições entre posições filosóficas, entre modelos filosóficos e entre analíticos e dialéticos não descontrói o conjunto da História
da Filosofia a uma multiplicidade dispersa e desordenada de filósofos
que não dialogam entre si. O tensionamento permanente entre inatistas
e empiristas, entre dualistas e monistas, entre subjetivistas e objetivistas,
entre materialistas e idealistas etc. não é um indicativo de divisão entre
posições opostas e excludentes, mas essas discussões produzem um enriquecimento global da filosofia através da construção de tantas sínteses
que foram formuladas na História da Filosofia. O procedimento hegeliano em escrever uma História da Filosofia não significa uma repetição
fiel do que os filósofos disseram, mas uma reinterpretação problematizadora a partir de uma leitura a partir do contexto da atualidade.
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