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Propaganda
A comunicação da sustentabilidade: desvios e desafios
* Ricardo Voltolini
Não é preciso ser um observador arguto para perceber que a
sustentabilidade, assim como foi a qualidade em outros tempos, está
se transformando em atributo para a construção de marcas de
grandes empresas no Brasil.
Qualquer um que tivesse ficado perdido, por dois anos, em uma ilha
asiática qualquer, e retornasse agora pela manhã ao país, ficaria com
a impressão de que as grandes corporações brasileiras resolveram
incluir no seu core business a salvação da humanidade e do Planeta.
Páginas e páginas de revistas e jornais, spots de rádio, portais na
Internet e milhares de minutos em horário nobre na televisão – a um
custo que poderia ajudar a preservar a Amazônia do desmatamento trazem, todos os dias, mensagens reforçando os compromissos
socioambientais de empresas, o que leva a concluir que consideram
este um diferencial importante e desejam, de fato, ser identificadas
com ele.
Apesar de convencional, muito bem escorado nos fundamentos da
propaganda, o expediente utilizado pelas empresas parece receita de
sucesso garantido: uma boa mensagem criativa que sirva para
“embalar” as ações socioambientais, martelada com intensa
frequência nos meios de comunicação de massa, em torno de um
tema que o consumidor e a sociedade valorizam, criará
invariavelmente a percepção de que a e empresa é sustentável,
atraindo para este posicionamento simpatia e admiração públicos.
Será? Há um elemento novo que pode confundir o resultado líquido e
certo da equação: a desconfiança crescente das pessoas em relação a
propagandas desse tipo, algo que, de algum modo, uma pesquisa do
Ibope constatou há dois meses. Cerca de 46% dos brasileiros —
apontou o estudo -- acham que as ações de responsabilidade social e
ambiental constituem apenas uma estratégia de marketing.
Qualquer um que se proponha a conversar com pessoas nas ruas,
estar nos seminários especializados ou frequentar os círculos de
formadores de opinião, sabe que persiste uma certa cisma de que,
em sustentabilidade, as corporações fazem menos do que apregoam
e bem menos do que fariam se o tema não representasse um valor
para os negócios na percepção dos consumidores e da sociedade.
Diante desse quadro, cabe refletir sobre as razões pelas quais as
pessoas duvidam das mensagens da propaganda sustentável. Com
certeza, não existem respostas conclusivas. Há sabidamente uma
natural tendência de desconfiar de tudo o que vem de empresas e um
preconceito –equivocado como qualquer outro—de achar que, por
instinto, elas jamais deixariam de colocar o lucro acima de valores e
princípios socioambientais. Dados os devidos descontos, o fato é que
parece mesmo haver excesso de marketing.
Em alguns casos, o marketing tem assumido, nas empresas, o
pensamento estratégico sobre sustentabilidade –uma decisão que,
em si, denota um contrasenso, na medida em que sustentabilidade
pressupõe mudança organizacional mais ampla de cultura, modelos
de produção e revisão de estratégias de negócio; e que revela
sobretudo a intenção da empresa de associar o tema aos produtos,
negócios e marca. A simplificação, o imediatismo de resultados e a
crença na auto-suficiência da propaganda são três dos vícios que o
marketing transfere para o tema.
Abrigar as ações sociais e ambientais sob um slogan criativo pode até
impactar o consumidor, mas não diz tudo o que a empresa faz. Pior
do que isso, acabam por desinformá-lo. O tom emocional das
campanhas, reforçado por imagens poéticas e metáforas
grandiloquentes, não comunicam fatos, resultados e transformações
positivas na vida as sociedade e do Planeta. Isso leva o consumidor a
desconfiar de que a mensagem é apenas um mais truque publicitário.
Não são poucos os eventos técnicos nos quais profissionais de
marketing defendem o investimento em propaganda de práticas
socioambientais como um “diferencial estratégico” para a marca.
Também não são raros os fóruns em que experts abordam eventuais
resultados do “atributo sustentável” para o branding. Muito embora
todos aclamem o tema e o distingam como novo “componente de
marca” poucos são, no entanto, os que se dão ao trabalho de
mensurar o seu peso relativo ou os seus resultados concretos, o que
não os impede de tentar alcançá-los com um senso de urgência típico
do marketing.
Anda meio fora de moda achar que a propaganda resolve tudo. Ela
tem evidentemente o seu papel. E é legítimo que as empresas
recorram a ela para comunicar sua atitude sustentável, observando –
claro-- cuidados em relação à forma, ao conteúdo e à quantidade.
Mas ela só deve ser utilizada, no caso da sustentabilidade, se as
práticas socioambientais estiverem, de fato, integradas à estratégia
da empresa. Em suas campanhas, as corporações devem assegurar a
transparência dos fatos comunicados, reforçar boas práticas que
possam ser disseminadas, evitar o tom laudatório e, principalmente,
equilibrar os recursos investidos em mídia e nas práticas de
sustentabilidade.
Mais importante do que a propaganda, são as ações de comunicação
voltadas para os diferentes públicos de interesse. Realizadas com
planejamento, ajudam a consolidar a percepção sobre a relação dos
grandes temas da sustentabilidade com a identidade da empresa.
Não se pode construir imagem sem antes fortalecer a reputação. E
reputação se constrói nas relações com os stakeholders. Quem quiser
queimar etapas, corre o risco de continuar contando com a
desconfiança dos consumidores e da sociedade.
* Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e
consultor de Idéia Sustentável.
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