APOSTILA DE FILOSOFIA CURSOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (JORNALISMO) Prof. Ms. Joel Cezar Bonin 1º SEMESTRE 2011 FILOSOFIA1 Filosofia (do grego Φιλοσουία, literalmente «amor à sabedoria») é o estudo de problemas fundamentais relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem.[1] Ao abordar esses problemas, a filosofia se distingue da mitologia e da religião por sua ênfase em argumentos racionais; por outro lado, diferencia-se das pesquisas científicas por geralmente não recorrer a procedimentos empíricos em suas investigações. Entre seus métodos, estão a análise conceitual, as experiências de pensamento, a argumentação lógica e outros métodos a priori. Introdução As inúmeras atividades a que nos dedicamos cotidianamente pressupõem a aceitação de diversas crenças e valores de que nem sempre estamos cientes. Acreditamos habitar um mundo constituído de diferentes objetos, de diversos tamanhos e diversas cores. Acreditamos que esse mundo organiza-se num espaço tridimensional e que o tempo segue a sua marcha inexorável numa única direção. Acreditamos que as pessoas ao redor são em tudo semelhantes a nós, veem as mesmas coisas, têm os mesmos sentimentos e sensações e as mesmas necessidades. Buscamos interagir com outras pessoas, e encontrar alguém com quem compartilhar a vida e, talvez, constituir família, pois tudo nos leva a crer que essa é uma das condições para a nossa felicidade. Periodicamente reclamamos de abusos na televisão, de propagandas e noticiários, na crença de que há certos valores que estão sendo transgredidos por puro sensacionalismo. Em todos esses casos, nossas crenças e valores determinam nossas ações e atitudes sem que eles sequer nos passem pela cabeça. Mas eles estão lá, profundamente arraigados e extremamente influentes. Enquanto estamos ocupados em trabalhar, pagar as contas ou divertir-nos, não vemos necessidade de questionar essas crenças e valores. Mas nada impede que, em determinado momento, façamos uma reflexão profunda sobre o significado desses valores e crenças fundamentais e sobre a sua consistência. É nesse estado de espírito que formularemos perguntas como: ―O que é a realidade em si mesma?‖, ―O que há por trás daquilo que vejo, ouço e toco?‖, ―O que é o espaço? E o que é o tempo?‖, ―Se o que aconteceu há um centésimo de segundo atrás já é passado, será que o presente não é uma ficção?‖, ―Será que tudo o que acontece é sempre antecedido por causas?‖, ―O que é a felicidade? E como alcançá-la?‖, ―O que é o certo e o errado?‖, ―O que é a liberdade?‖. Paul Gauguin, De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? (1897/98). Essas perguntas são tipicamente filosóficas e refletem algo que poderíamos chamar de atitude filosófica perante o mundo e perante nós mesmos. É a atitude de nos voltarmos para as nossas crenças mais fundamentais e esforçar-nos por compreendê-las, avaliá-las e justificá-las. Muitas delas parecem ser tão óbvias que ninguém em sã consciência tentaria sinceramente questioná-las. Poucos colocariam em questão máximas como ―Matar é errado‖, ―A democracia é melhor que a ditadura‖, ―A liberdade de expressão e de opinião é um valor indispensável‖. Mas, a atitude filosófica não reconhece domínios fechados à investigação. Mesmo em relação a crenças e valores que consideramos absolutamente inegociáveis, a proposta da filosofia é a de submetê-los ao exame crítico, racional e argumentativo, de modo que a nossa adesão seja restabelecida em novo patamar. Em outras palavras, a proposta filosófica é a de que, se é para sustentarmos certas crenças e valores, que sejam sustentados de maneira crítica e refletida. Muitos autores identificam essa atitude filosófica com uma espécie de habilidade ou capacidade de se admirar com as coisas, por mais prosaicas que sejam. Na base da filosofia, estaria a curiosidade típica das 1 Todo o material aqui compilado foi retirado do site: http://pt.wikipedia.org 2 crianças ou dos que não se contentam com respostas prontas. Platão, um dos pais-fundadores da filosofia ocidental, afirmava que o sentimento de assombro ou admiração está na origem do pensamento filosófico: "A admiração é a verdadeira característica do filósofo. Não tem outra origem a filosofia." — Platão, Teeteto.[2] Na mesma linha, afirmava Aristóteles: "Os homens começam e sempre começaram a filosofar movidos pela admiração." — Aristóteles, Metafísica, I 2.[3] Embora essa capacidade de admirar-se com a realidade possa estar na origem do pensamento filosófico, isso não significa que tal admiração provoque apenas e tão somente filosofia. O sentimento religioso, por exemplo, pode igualmente surgir dessa disposição: a aparente perfeição da natureza, as sincronias dos processos naturais, a complexidade dos seres vivos podem causar profunda impressão no indivíduo e levá-lo a indagar se o responsável por tudo isso não seria uma Inteligência Superior. Uma paisagem que a todos parecesse comum e sem atrativos poderia atrair de modo singular o olho do artista e fazê-lo criar uma obra de arte que revelasse nuances que escaparam ao olhar comum. Analogamente, embora a queda de objetos seja um fenômeno corriqueiro, se nenhum cientista tivesse considerado esse fenômeno surpreendente ou digno de nota, não saberíamos nada a respeito da gravidade. Esses exemplos sugerem que, além de certa atitude em relação à nossa experiência da realidade, há um modo de interpelar a realidade e nossas crenças a seu respeito que diferenciariam essa investigação da religião, da arte e da ciência. Ao contrário da religião, que se estabelece entre outras coisas sobre textos sagrados e sobre a tradição, a filosofia recorre apenas à razão para estabelecer certas teses e refutar outras. Como já mencionado acima a filosofia não admite dogmas. Não há, em princípio, crenças que não estejam sujeitas ao exame crítico da filosofia. Disso não decorre um conflito irreconciliável entre a filosofia e a religião. Há filósofos que argumentam em favor de teses caras às religiões, como, por exemplo, a existência de Deus e a imortalidade da alma. Mas um argumento propriamente filosófico em favor da imortalidade da alma apresentará como garantias apenas as suas próprias razões: ele apelará somente ao assentimento racional, jamais à fé ou à obediência.[4] Os artistas assemelham-se aos filósofos em sua tentativa de desbanalizar a nossa experiência do mundo e alcançar assim uma compreensão mais profunda de nós mesmos e das coisas que nos cercam. Mas a forma em que apresentam seus resultados é bastante diferente. Os artistas recorrem à percepção direta e à intuição[5]; enquanto a filosofia tipicamente apresenta seus resultados de maneira argumentativa, lógica e abstrata. Mas, se essa insistência na razão diferencia a filosofia da religião e da arte, o que a diferenciaria das ciências, uma vez que também essa privilegia uma abordagem metódica e racional dos fenômenos? A diferença é que os problemas tipicamente filosóficos não podem ser resolvidos por observação e experimentação[6]. Não há experimentos e observações empíricas que possam decidir qual seria a noção de ―direitos humanos‖ mais adequada do ponto de vista da razão. O mesmo vale para outras noções, tais como ―liberdade‖, ―justiça‖ ou ―falta moral‖. Não há como resolver em laboratório questões como: ―quando tem início o ser humano?‖, ―os animais podem ser sujeitos de direitos?‖, ―em que medida o Estado pode interferir na vida dos cidadãos?‖, ―As entidades microscópicas postuladas pelas ciências têm o mesmo grau de realidade que os objetos da nossa experiência cotidiana (pessoas, animais, mesas, cadeiras, etc.)?‖. Em resumo, quando um tópico é defendido ou criticado com argumentos racionais, e essa defesa ou ataque não pode contar com observações e experimentos para a sua solução, estamos diante de um debate filosófico. A definição de "filosofia" Etimologia A palavra "filosofia" (do grego) é uma composição de duas palavras: philos (υίλος) e sophia (σουία). A primeira é uma derivação de philia (υιλία) que significa amizade, amor fraterno e respeito entre os iguais; a segunda significa sabedoria ou simplesmente saber. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber; e o filósofo, por sua vez, seria aquele que ama e busca a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber.[7] A tradição atribui ao filósofo Pitágoras de Samos (que viveu no século V a.C.) a criação da palavra. Conforme essa tradição, Pitágoras teria cunhado o termo para modestamente ressaltar que a sabedoria plena 3 e perfeita seria atributo apenas dos deuses; os homens, no entanto, poderiam venerá-la e amá-la na qualidade de filósofos.[7] A palavra philosophía não é simplesmente uma invenção moderna a partir de termos gregos,[8]; mas, sim, um empréstimo tomado da própria língua grega. Os termos υιλοσουος (philosophos) e υιλοσουειν (philosophein) já teriam sido empregados por alguns pré-socráticos[9] (Heráclito, Pitágoras e Górgias) e pelos historiadores Heródoto e Tucídides. Em Sócrates e Platão, é acentuada a oposição entre σουία e υιλοσουία, em que o último termo exprime certa modéstia e certo ceticismo em relação ao conhecimento humano. O conceito de filosofia O conceito de "filosofia" sofreu, no transcorrer da história, várias alterações e restrições em sua abrangência. As concepções do que seja a filosofia e quais são os seus objetos de estudo também se alteram conforme a escola ou movimento filosófico. Essa variedade presente na história da filosofia e nas escolas e correntes filosóficas torna praticamente impossível elaborar uma definição universalmente válida de filosofia. Definir a filosofia é realizar uma tarefa metafilosófica. Em outras palavras, é fazer uma filosofia da filosofia. O sociólogo e filósofo alemão Georg Simmel ressaltou esse ponto ao dizer que um dos primeiros problemas da filosofia é o de investigar e estabelecer a sua própria natureza. Talvez a filosofia seja a única disciplina que se volte para si mesma dessa maneira. O objeto da física não é, certamente, a própria ciência da física, mas os fenômenos ópticos e elétricos, entre outros. A filologia ocupa-se de registros textuais antigos e da evolução das línguas, mas não se ocupa de si mesma. A filosofia, no entanto, move-se neste curioso círculo: ela determina os pressupostos de seu método de pensar e os seus propósitos através de seus próprios métodos de pensar e propósitos. Não há como apreender o conceito de filosofia fora da filosofia; pois somente a filosofia pode determinar o que é a filosofia.[10] Platão e Aristóteles concordam em caracterizar a filosofia como uma atividade racional estimulada pelo assombro ou admiração. Mas, para Platão, o assombro é provocado pela instabilidade e contradições dos seres que percebemos pelos sentidos. A filosofia, no quadro platônico, seria a tentativa de superar esse mundo de coisas efêmeras e mutáveis e apreender racionalmente a realidade última, composta por formas eternas e imutáveis que, segundo Platão, só podem ser captadas pela razão. Para Aristóteles, ao contrário, não há separação entre, de um lado, um mundo apreendido pelos sentidos e, de outro lado, um mundo exclusivamente captado pela razão. A filosofia seria uma investigação das causas e princípios fundamentais de uma única e mesma realidade. O filósofo, segundo Aristóteles, ―conhece, na medida do possível, todas as coisas, embora não possua a ciência de cada uma delas por si‖. A filosofia almejaria o conhecimento universal, não no sentido de um acúmulo enciclopédico de todos os fatos e processos que se possam investigar, mas no sentido de uma compreensão dos princípios mais fundamentais, dos quais dependeriam os objetos particulares a que se dedicam as demais ciências, artes e ofícios. Aristóteles considera que a filosofia, como ciência das causas e princípios primordiais, acabaria por identificar-se com a teologia, pois Deus seria o princípio dos princípios.[11] As definições de filosofia elaboradas depois de Platão e Aristóteles separaram a filosofia em duas partes: uma filosofia teórica e uma filosofia prática. Como reflexo da busca por salvação ou redenção pessoal, a filosofia prática foi gradativamente se tornando um sucedâneo da fé religiosa e acabou por ganhar precedência em relação à parte teórica da filosofia. A filosofia passa a ser concebida como uma arte de viver, que forneceria aos homens regras e prescrições sobre como agir e como se portar diante das inconstâncias do mundo. Essa concepção é muito clara em diversas correntes da filosofia helenística, como, por exemplo, no estoicismo e no neoplatonismo.[11] Filósofo em Meditação, óleo de Rembrandt. 4 As definições de filosofia formuladas na Antiguidade persistiram na época de disseminação e consolidação do cristianismo, mas isso não impediu que as concepções cristãs exercessem influência e moldassem novas maneiras de se entender a filosofia. As definições de filosofia elaboradas durante a Idade Média foram coordenadas aos serviços que o pensamento filosófico poderia prestar à compreensão e sistematização da fé religiosa. Desse modo, a filosofia passa a ser concebida como ―serva da teologia‖ (ancilla theologiae); e vários teólogos importantes buscam harmonizar a doutrina sagrada com o pensamento filosófico pagão.[11] Os medievais mantiveram a acepção de filosofia como saber prático, como uma busca de normas ou recomendações para se alcançar a plenitude da vida. Santo Isidoro de Sevilha, ainda no século VII, definia a filosofia como ―o conhecimento das coisas humanas e divinas combinado com uma busca pela vida moralmente boa‖ [12] Tanto na Idade Média como em qualquer outra época da história ocidental, a compreensão do que é a filosofia reflete uma preocupação com questões essenciais para a vida humana em seus múltiplos aspectos. As concepções de filosofia do Renascimento e da Idade Moderna não são exceções. Também aí as noções do que seja a filosofia sintetizam as tentativas de oferecer respostas substantivas aos problemas mais inquietantes da época. O advento da era moderna fez ruir as próprias bases da sabedoria tradicional; e impôs aos intelecturais a tarefa de encontrar novas formas de conhecimento que pudessem restabelecer a confiança no intelecto e na razão. Para Francis Bacon - um dos primeiros filósofos modernos - a filosofia não deveria se contentar com uma atitude meramente contemplativa, como queriam os antigos e medievais; ao contrário, deveria buscar o conhecimento das essências das coisas a fim de obter o controle sobre os fenômenos naturais e, portanto, submeter a natureza aos desígnios humanos.[13] Para Descartes, a filosofia, na qualidade de metafísica, é a investigação das causas primeiras, dos princípios fundamentais. Esses princípios devem ser claros e evidentes, e devem formar uma base segura a partir da qual se possam derivar as outras formas de conhecimento. É nesse sentido, entendendo-se a filosofia como o conjunto de todos os saberes e a metafísica como a investigação das primeiras causas, que se deve ler a famosa metáfora de Descartes: ―Assim, a Filosofia é uma árvore, cujas raízes são a Metafísica, o tronco a Física, e os ramos que saem do tronco são todas as outras ciências‖.[14] Após Descartes, a filosofia assume uma postura crítica em relação a suas próprias aspirações e conteúdos. Os empiristas britânicos, influenciados pelas novas aquisições da ciência moderna, dedicaram-se a situar a investigação filosófica nos limites do que pode ser avaliado pela experiência. Segundo a orientação empirista, argumentos tradicionais da filosofia, como as demonstrações da existência de Deus, da imortalidade da alma e de essências imutáveis seriam inválidos, uma vez que as ideias com que operam não são adequadamente derivadas da experiência. De maneira análoga, Kant, ao elaborar sua doutrina da filosofia transcendental, rejeita a possibilidade de tratamento científico de muitos dos problemas da filosofia tradicional, uma vez que a adequada solução deles demandaria recursos que ultrapassam as capacidades do intelecto humano. O empirismo britânico e o idealismo de Kant acentuam uma característica frequentemente destacada na filosofia: a de ser um "pensar sobre o pensamento"[15] ou um "conhecer o conhecimento".[16] Essa concepção reflexiva da filosofia, do pensamento que se volta para si mesmo, influenciará vários autores e escolas filosóficas, tanto do século XIX como do século XX. A fenomenologia, por exemplo, considerará a filosofia como um empreendimento eminentemente reflexivo. Segundo Edmund Husserl - o fundador da fenomenologia - a filosofia é uma ciência rigorosa dos fenômenos tal como nos aparecem, ou seja, tal como é a nossa consciência deles. Para descrevê-los, o filósofo deve pôr entre parênteses todas as suas pressuposições e preconceitos (até mesmo a certeza de que os objetos existem) e restringir-se apenas aos conteúdos da consciência. Com a virada linguística do início do século XX, muitos filósofos passam a considerar a filosofia como uma análise de conceitos. Para Wittgenstein, os problemas filosóficos tradicionais são todos resultantes de confusões linguísticas; e a tarefa do filósofo seria a de esclarecer o modo como os conceitos são empregados a fim de explicitar tais confusões. Numa abordagem mais positiva sobre a atividade filosófica, Strawson considera que a filosofia é análoga à gramática: assim como os estudiosos da gramática explicitam as regras que os falantes inconscientemente empregam, a filosofia explicitaria conceitos-chave que, na construção de nossas concepções e argumentos, adotamos sem ter plena consciência de suas implicações e relações.[17] 5 Os métodos da filosofia Os trabalhos filosóficos são realizados mediante técnicas e procedimentos que integram os cânones do pensamento racional. Tradicionalmente, a filosofia destaca e privilegia a argumentação lógica, em linguagem natural ou em linguagem simbólica, como a ferramenta por excelência da apresentação e discussão de teorias filosóficas. A argumentação lógica está associada a dois elementos importantes: a articulação rigorosa dos conceitos e a correta concatenação das premissas e conclusões, de modo que essas últimas sejam derivações incontestáveis das primeiras. Toda a ideia filosófica relevante é inevitavelmente submetida a escrutínio crítico; e a presença de falhas na argumentação é frequentemente o primeiro alvo das críticas. Desse modo, o destino de uma tese qualquer que não esteja amparada por argumentos sólidos e convincentes será, frequentemente, o da severa rejeição por parte da comunidade filosófica. Embora a reflexão sobre os princípios e métodos da lógica só tenha sido realizada por Aristóteles, a ênfase na argumentação lógica e na crítica à solidez dos argumentos é uma característica que acompanha a filosofia desde os seus primórdios. A própria ruptura entre o pensamento mítico-religioso e o pensamento racional é assinalada pela adoção de uma postura argumentativa e crítica em relação às explicações tradicionais. Quando Anaximandro rejeitou as explicações de seu mestre – Tales de Mileto – e propôs concepções alternativas sobre a natureza e estrutura do cosmos, que provavelmente a seu juízo seriam mais corretas que as do antigo mestre, o pensamento humano dava seus primeiro passos em direção ao debate franco, público e aberto de ideias, orientado apenas por critérios racionais de correção, como forma destacada de se aperfeiçoar o conhecimento; e abandonava, assim, as narrativas tradicionais sobre a origem e composição do universo, apoiadas na autoridade inquestionável da tradição ou em ensinamentos esotéricos.[18] Mas não se podem restringir os métodos da filosofia apenas à ênfase geral na argumentação lógica e na crítica sistemática às teorias apresentadas. Nas grandes tradições da história da filosofia, podem ser identificadas duas orientações bem abrangentes, cujos objetivos e técnicas tendem a diferir radicalmente: existem as escolas que privilegiam uma abordagem analítica dos problemas filosóficos e aquelas que optam por uma abordagem predominantemente sintética ou sinóptica.[1] A orientação analítica é exemplificada nos trabalhos filosóficos que se dedicam à decomposição de um conceito em suas partes constituintes e ao exame criterioso das relações lógicas e conceptuais explicitadas pela análise. O exemplo clássico é a análise do conceito de conhecimento. A reflexão sobre a natureza do conhecimento levou os filósofos a decompor a noção de conhecimento em três noções associadas: crença, verdade e justificação. Para que algo seja conhecimento é imprescindível que seja antes uma crença – em outras palavras, o conhecimento é uma espécie diferenciada do gênero mais abrangente da crença. A pergunta óbvia que essa primeira constatação sugere é: o que diferencia, então, o conhecimento das demais formas de crença? Nesse ponto, o exame do conceito conduz a duas noções distintas. Em primeiro lugar, chega-se à noção de verdade. Intuitivamente sabemos que acreditar que a Lua gira em torno da Terra é diferente de acreditar que Papai Noel existe – a primeira crença é verdadeira; a segunda, falsa. Portanto, para que seja promovida à condição de conhecimento, a crença deve ser verdadeira. Em segundo lugar, chega-se à noção de justificação. Além de sustentar uma crença verdadeira, o sujeito deve ser capaz de apresentar os meios ou as fontes, consideradas universalmente legítimas, que lhe propiciaram chegar à crença em questão. Feito esse exame, a conclusão é a célebre fórmula: o conhecimento é crença verdadeira e justificada.[19] Nesse e em muitos outros casos envolvendo noções filosoficamente relevantes, o trabalho de análise é capaz de explicitar pressupostos importantes implicitamente presentes no uso dos conceitos. A outra orientação – a sintética – percorre o caminho oposto ao da análise. Os adeptos dessa orientação buscam elaborar uma síntese de várias noções relevantes e apresentá-las como um todo harmônico.[1] Às vezes chamada de ―filosofia especulativa‖, essa orientação filosófica pretende revelar princípios universais que possam reunir organicamente vários elementos díspares, que aparentemente não guardam relações relevantes entre si.[20] Um caso paradigmático dessa orientação é a filosofia hegeliana, cujo fito é integrar numa dinâmica panteísta a evolução das mais diversas formas de manifestação da cultura humana – artes, leis, governos, religiões, ciências e filosofias. Disciplinas filosóficas A filosofia é geralmente dividida em áreas de investigação específica. Em cada área, a pesquisa filosófica dedica-se à elucidação de problemas próprios, embora sejam muito comuns as interconexões. As áreas tradicionais da filosofia são as seguintes: 6 Epistemologia ou teoria do conhecimento: é a área da filosofia que estuda a natureza do conhecimento, sua origem e seus limites. Dessa forma, entre as questões típicas da epistemologia estão: ―O que diferencia o conhecimento de outras formas de crença?‖, ―O que podemos conhecer?‖, ―Como chegamos a ter conhecimento de algo?‖.[21] Ética ou filosofia moral: é a área da filosofia que trata das distinções entre o certo e o errado, entre o bem e o mal. Procura identificar os meios mais adequados para aprimorar a vida moral e para alcançar uma vida moralmente boa. Também no campo da ética dão-se as discussões a respeito dos princípios e das regras morais que norteiam a vida em sociedade, e sobre quais seriam as justificativas racionais para adotar essas regras e princípios.[21] Filosofia da Arte ou Estética: entre as investigações dessa área, encontram-se aquelas sobre a natureza da arte e da experiência estética, sobre como a experiência estética se diferencia de outras formas de experiência, e sobre o próprio conceito de belo.[21] Lógica: é a área que trata das estruturas formais do raciocínio perfeito – ou seja, daqueles raciocínios cuja conclusão preserva a verdade das premissas. Na lógica são estudados, portanto, os métodos e princípios que permitem distinguir os raciocínios corretos dos raciocínios incorretos.[22] Metafísica: ocupa-se da elaboração de teorias sobre a realidade e sobre a natureza fundamental de todas as coisas. O objetivo da metafísica é fornecer uma visão abrangente do mundo – uma visão sinóptica que reúna em si os diversos aspectos da realidade. Uma das subáreas da metafísica é a ontologia (literalmente, a ciência do "ser"), cujo tema principal é a elaboração de escalas de realidade. Nesse sentido, a ontologia buscaria identificar as entidades básicas ou elementares da realidade e mostrar como essas se relacionam com os demais objetos ou indivíduos - de existência dependente ou derivada.[21] Evolução histórica Pensamento mítico e pensamento filosófico A filosofia surgiu nos séculos VII-VI A.C. nas cidades gregas situadas na Ásia Menor. Começa por ser uma interpretação des-sacralizada dos mitos cosmogônicos difundidos pelas religiões do tempo. Não apenas de mitos gregos, mas dos mitos de todas as religiões que influenciavam a Ásia menor. Os mitos foram, segundo Platão e Aristóteles, a matéria inicial de reflexão dos filósofos. Os mitos tornaramse um campo comum da religião e da filosofia, revelando que a pretensa separação entre esses dois modos do homem interpretar a realidade não é tão nítida como aparentemente se julga. Filosofia antiga A filosofia antiga teve início no século VII-VI A.C. e se estendeu até a decadência do império romano no século V d. C. Pode-se dividi-la em quatro períodos: (1) o período dos pré-socráticos; (2) um período humanista, em que Sócrates e os sofistas trouxeram as questões morais para o centro do debate filosófico; (3) o período áureo da filosofia em Atenas, em que despontaram Platão e Aristóteles; (4) e o período helenístico. Às vezes se distingue um quinto período, que compreende os primeiros filósofos cristãos e os neoplatonistas. Os dois autores mais importantes da filosofia antiga em termos de influência posterior foram Platão e Aristóteles. Os primeiros filósofos gregos, geralmente chamados de pré-socráticos, dedicaram-se a especulações sobre a constituição e a origem do mundo. O principal intuito desses filósofos era descobrir um elemento primordial, eterno e imutável que fosse a matéria básica de todas as coisas. Essa substância imutável era chamada de physis (palavra grega cuja tradução literal seria natureza, mas que na concepção dos primeiros filósofos compreendia a totalidade dos seres, inclusive entidades divinas)[23] e, por essa razão, os primeiros filósofos também foram conhecidos como os physiologoi (literalmente ―fisiólogos‖, isto é, os filósofos que se dedicavam ao estudo da physis).[24] A questão da essência material imutável foi a primeira feição assumida por uma inquietação que percorreu praticamente toda a filosofia grega. Essa inquietação pode ser traduzida na seguinte pergunta: existe uma realidade imutável por trás das mudanças caóticas dos fenômenos naturais? Já os próprios pré-socráticos propuseram respostas extremas a essa pergunta. Parmênides de Eleia defendeu que a perene mutação das coisas não passa de uma ilusão dos sentidos, pois a razão revelaria que o Ser é único, imutável e eterno.[25] Heráclito de Éfeso, por outro lado, defendeu uma posição diametralmente oposta: a própria essência das coisas é mudança, e seriam vãos os esforços para buscar uma realidade imutável.[26] 7 Tais especulações, que combinavam a oposição entre realidade e aparência com a busca de uma matéria primordial, culminaram na filosofia atomista de Leucipo e Demócrito. Para esses filósofos a substância de todas as coisas seriam partículas minúsculas e invisíveis – os átomos – em perene movimentação no vácuo. E os fenômenos que testemunhamos cotidianamente são resultado da combinação, separação e recombinação desses átomos. A teoria de Demócrito representou o ápice da filosofia da physis, mas também o seu esgotamento. As transformações sociopolíticas, especialmente em Atenas, já impunham novas demandas aos sábios da época. A democracia ateniense solicitava novas habilidades intelectuais, sobretudo a capacidade de persuadir. É nesse momento que se destacam os filósofos que se dedicam justamente a ensinar a retórica e as técnicas de persuasão – os sofistas. O ofício dessa nova espécie de filósofos trazia como pressuposto a ideia de que não há verdades absolutas. O importante seria dominar as técnicas da boa argumentação, pois, dominando essas técnicas, o indivíduo poderia defender qualquer opinião, sem se preocupar com a questão de sua veracidade. De fato, para os sofistas, a busca da verdade era uma pretensão inútil. A verdade seria apenas uma questão de aceitação coletiva de uma crença, e, a princípio, não haveria nada que impedisse que o que hoje é tomado como verdade, amanhã fosse considerado uma tolice.[27] O contraponto a esse relativismo dos sofistas foi Sócrates. Embora partilhasse com os sofistas certa indiferença em relação aos valores tradicionais, Sócrates dedicou-se à busca de valores perenes. Sócrates não deixou nenhum registro escrito de suas ideias. Tudo o que sabemos dele chegou-nos através do testemunho de seus discípulos e contemporâneos. Segundo dizem, Sócrates teria defendido que a virtude é conhecimento e as faltas morais provêm da ignorância.[28] O indivíduo que adquirisse o conhecimento perfeito seria inevitavelmente bom e feliz. Por outro lado, essa busca simultânea do conhecimento e da bondade deve começar pelo exame profundo de si mesmo e das crenças e valores aceitos acriticamente. Segundo contam, Sócrates foi um inquiridor implacável e fez fama por sua habilidade de levar à exasperação os seus antagonistas. Ao concidadão que se dizia justo, Sócrates perguntava ―O que é a justiça?‖, e depois se dedicava a demolir todas as tentativas de responder à pergunta. A Morte de Sócrates, Jacques-Louis David, 1787. A atitude de Sócrates acabou por lhe custar a vida. Seus adversários conseguiram levá-lo a julgamento por impiedade e corrupção de jovens. Sócrates foi condenado à morte – mais especificamente, a envenenar-se com cicuta. Segundo o relato de Platão, o seu mais famoso discípulo, Sócrates cumpriu a sentença com absoluta serenidade e destemor. Coube a Platão levar adiante os ensinamentos do mestre e superá-los. E foi Platão que realizou a primeira grande síntese da filosofia grega. Em seus diálogos, combinam-se as antigas questões dos pré-socráticos com as urgentes questões morais e políticas, o discurso racional com a intuição mística, a elucubração lógica com a obra poética, os mitos com a ciência. Segundo Platão, os nossos sentidos só nos permitem perceber uma natureza caótica, em que as mudanças e a diversidade aparentam não obedecer a nenhum princípio regulador; mas a razão, ao contrário, é capaz de ir além dessas aparências e captar as formas imutáveis que são as causas e modelos de tudo o que existe. A geometria fornece um exemplo perfeito. Ao demonstrar seus teoremas os geômetras empregam figuras imperfeitas. Por mais acurado que seja o compasso, os desenhos de círculos sempre conterão irregularidades e imperfeições. As figuras sensíveis do círculo estão sempre aquém de seu modelo – e esse modelo é a própria ideia de círculo, concebível apenas pela razão. O mesmo ocorre com os demais seres: os cavalos que vemos são todos diferentes entre si, mas há um princípio unificador – a ideia de cavalo – que nos faz chamar a todos de cavalos. Com os valores, não seria diferente. As diferentes opiniões sobre questões morais e 8 estéticas devem-se a uma visão empobrecida das coisas. Os que empreenderem uma busca sincera alcançarão a concepção do Belo em si mesmo e do Bem em si mesmo. Ao contrário do que o termo ―ideias‖ possa sugerir, Platão não as considera como meras construções psicológicas; ao contrário, ele lhes atribui realidade objetiva. As ideias constituem um mundo suprassensível – ou seja, uma dimensão que não podemos ver e tocar, mas que podemos captar como os ―olhos‖ da razão. Essa é a famosa teoria das ideias de Platão. Ele a ilustra numa alegoria igualmente célebre – a alegoria da caverna. Platão nos convida a imaginar uma caverna em que se acham vários prisioneiros. Eles estão amarrados de tal maneira que só podem ver a parede do fundo da caverna. Às costas dos prisioneiros há um muro da altura de um homem. Por trás desse muro, transitam várias pessoas carregando estátuas de diversas formas – todas elas são réplicas de coisas que vemos na natureza (árvores, pássaros, casas etc.). Há também uma grande fogueira, atrás desse muro e dos carregadores. A luz da fogueira faz com que as sombras das estátuas sejam projetadas sobre o fundo da parede. Os barulhos e falas dos carregadores reverberam no fundo da caverna, dando aos prisioneiros a impressão de que são oriundos das sombras que eles veem. Nessa situação imaginária, os prisioneiros pensariam que as sombras e os ecos constituem tudo o que existe. Como nunca puderam ver nada além das sombras projetadas na parede da caverna, acreditam que apenas as sombras são reais. Após apresentar esse cenário, Platão sugere que, se um desses prisioneiros conseguisse se libertar, veria, com surpresa, que as estátuas que sempre estiveram atrás dos prisioneiros são mais reais do que aquelas sombras. Ao sair da caverna, a luz o ofuscaria; mas, após se acostumar com a claridade, veria que as coisas da superfície são ainda mais reais do que as estátuas. Esse prisioneiro que se liberta é o filósofo, e a sua jornada em direção à superfície representa o percurso da razão em sua lenta ascensão ao conhecimento perfeito. Filosofia medieval São Tomás de Aquino A filosofia medieval é a filosofia da Europa ocidental e do Oriente Médio durante a Idade Média. Começa, aproximadamente, com a cristianização do império romano e encerra-se com a Renascença. A filosofia medieval pode ser considerada, em parte, como prolongamento da filosofia greco-romana[29] e, em parte, como uma tentativa de conciliar o conhecimento secular e a doutrina sagrada.[30] A Idade Média carregou por muito tempo o epíteto depreciativo de "idade das trevas", atribuído pelos humanistas renascentistas; e a filosofia desenvolvida nessa época padeceu do mesmo desprezo. No entanto, essa era de aproximadamente mil anos foi o mais longo período de desenvolvimento filosófico na Europa e um dos mais ricos. Jorge Gracia defende que ―em intensidade, sofisticação e aquisições, pode-se corretamente dizer que o florescimento filosófico no século XIII rivaliza com a época áurea da filosofia grega no século IV a. C.‖[31]. Entre os principais problemas discutidos nessa época estão: a relação entre fé e razão, a existência e unidade de Deus, o objeto da teologia e da metafísica, os problemas do conhecimento, dos universais e da individualização. 9 Entre os filósofos medievais do ocidente, merecem destaque Agostinho de Hipona, Boécio, Anselmo de Cantuária, Pedro Abelardo, Roger Bacon, Boaventura de Bagnoregio, Tomás de Aquino, João Duns Escoto, Guilherme de Ockham e Jean Buridan; na civilização islâmica, Avicena e Averrois; entre os judeus, Moisés Maimônides. Tomás de Aquino (1225-1274), fundador do tomismo, exerceu influência inigualável na filosofia e na teologia medievais. Em sua obra, ele deu grande importância à razão e à argumentação, e procurou elaborar uma síntese entre a doutrina cristã e a filosofia aristotélica. A filosofia de Tomás de Aquino representou uma reorientação significativa do pensamento filosófico medieval, até então muito influenciado pelo neoplatonismo e sua reinterpretação agostiniana. Filosofia do Renascimento O Homem vitruviano, de Leonardo Da Vinci, resume vários dos ideais do pensamento renascentista. A transição da Idade Média para a Idade Moderna foi marcada pelo Renascimento e pelo Humanismo.[32] Nesse período de transição, a redescoberta de textos da Antiguidade[33] contribuiu para que o interesse filosófico saísse dos estudos técnicos de lógica, metafísica e teologia e se voltasse para estudos ecléticos nas áreas da filologia, da moralidade e do misticismo. Os estudos dos clássicos e das letras receberam uma ênfase inédita e desenvolveram-se de modo independente da escolástica tradicional. A produção e disseminação do conhecimento e das artes deixam de ser uma exclusividade das universidades e dos acadêmicos profissionais, e isso contribui para que a filosofia vá aos poucos se desvencilhando da teologia. Em lugar de Deus e da religião, o conceito de homem assume o centro das ocupações artísticas, literárias e filosóficas.[34] O renascimento revigorou a concepção da natureza como um todo orgânico, sujeito à compreensão e influência humanas. De uma forma ou de outra, essa concepção está presente nos trabalhos de Nicolau de Cusa, Giordano Bruno, Bernardino Telesio e Galileu Galilei. Essa reinterpretação da natureza é acompanhada, em muitos casos, de um intenso interesse por magia, hermetismo e astrologia – considerados então como instrumentos de compreensão e manipulação da natureza. À medida que a autoridade eclesial cedia lugar à autoridade secular e que o foco dos interesses voltava-se para a política em detrimento da religião, as rivalidades entre os Estados nacionais e as crises internas demandavam não apenas soluções práticas emergenciais, mas também uma profunda reflexão sobre questões pertinentes à filosofia política. Desse modo, a filosofia política, que por vários séculos esteve dormente, recebeu um novo impulso durante o Renascimento. Nessa área, destacam-se as obras de Nicolau Maquiavel e Jean Bodin.[35] Filosofia moderna René Descartes, fundador da filosofia moderna e do racionalismo. 10 A filosofia moderna é caracterizada pela preponderância da epistemologia sobre a metafísica. A justificativa dos filósofos modernos para essa alteração estava, em parte, na ideia de que, antes de querer conhecer tudo o que existe, seria conveniente conhecer o que se pode conhecer.[36] Os principais debates dessa época foram, portanto, debates epistemológicos. O racionalismo, a escola que ressalta o papel da razão na aquisição do conhecimento, teve como principais protagonistas René Descartes, Baruch Spinoza e Gottfried Leibniz. Por outro lado, a escola empirista, que defende que a nossa única fonte de conhecimento é a experiência, teve como defensores Francis Bacon, John Locke, David Hume e George Berkeley. Em 1778, Immanuel Kant publicou a sua famosa Crítica da Razão Pura, em que rejeita aquelas duas correntes e propõe uma alternativa. Segundo Kant, apesar de o nosso conhecimento depender de nossas percepções sensoriais, essas não constituem todo o nosso conhecimento, pois existem determinadas estruturas do sujeito que as antecedem e tornam possível a própria formação da experiência. O espaço, por exemplo, não é uma realidade que passivamente assimilamos a partir de nossas impressões sensoriais. Ao contrário, somos nós que impomos uma organização espacial aos objetos. Do mesmo modo, o sujeito não aprende, após inúmeras experiências, que todas as ocorrências pressupõem uma causa; antes, é a estrutura peculiar do sujeito que impõe aos fenômenos uma organização de causa e efeito. Uma das consequências da filosofia kantiana é estabelecer que as coisas em si mesmas não podem ser conhecidas. A fronteira de nosso conhecimento é delineada pelos fenômenos, isto é, pelos resultados da interação da realidade objetiva com os esquemas cognitivos do sujeito. Na França, difundiram-se as ideias do empirismo inglês; e o entusiasmo com as novas ciências levou os intelectuais franceses a defender uma ampla reforma cultural, que remodelasse não só a forma de se produzir conhecimento, mas também as formas de organização social e política. Esse movimento amplo e contestatório ficou conhecido como Iluminismo. Os filósofos iluministas rejeitavam qualquer forma de crença que se baseasse apenas na tradição e na autoridade, em especial as divulgadas pela Igreja Católica. Um dos marcos do Iluminismo francês foi a publicação da Encyclopédie. Elaborada sob a direção de Jean le Rond d’Alembert e Denis Diderot, essa obra enciclopédica inovadora incorporou vários dos valores defendidos pelos iluministas e contou com a colaboração de vários de seus nomes mais destacados, como Voltaire, Montesquieu e Rousseau. Filosofia do século XIX Geralmente se considera que depois da filosofia de Kant tem início uma nova etapa da filosofia, que se caracterizaria por ser uma continuação e, simultaneamente, uma reação à filosofia kantiana. Nesse período desenvolve-se o idealismo alemão (Fichte, Schelling e Hegel), que leva as ideias kantianas às últimas consequências. A noção de que há um universo inteiro (a realidade em si mesma) inalcançável ao conhecimento humano, levou os idealistas alemães a assimilar a realidade objetiva ao próprio sujeito no intuito de resolver o problema da separação fundamental entre sujeito e objeto. Assim, por exemplo, Hegel postulou que o universo é espírito. O conjunto dos seres humanos, sua história, sua arte, sua ciência e sua religião são apenas manifestações desse espírito absoluto em sua marcha dinâmica rumo ao autoconhecimento.[37] Enquanto na Alemanha, o idealismo apoderava-se do debate filosófico, na França, Auguste Comte retomava uma orientação mais próxima das ciências e inaugurava o positivismo e a sociologia. Na visão de Comte, a humanidade progride por três estágios: o estágio teológico, o estágio metafísico e, por fim, o estágio positivo. No primeiro estágio, as explicações são dadas em termos mitológicos ou religiosos; no segundo, as explicações tornam-se abstratas, mas ainda carecem de cientificidade; no terceiro estágio, a compreensão da realidade se dá em termos de leis empíricas de ―sucessão e semelhança‖ entre os fenômenos.[38] Para Comte, a plena realização desse terceiro estágio histórico, em que o pensamento científico suplantaria todos os demais, representaria a aquisição da felicidade e da perfeição.[39] Também no campo do desenvolvimento histórico, Marx e Engels davam uma nova formulação ao socialismo. Eles fazem uma releitura materialista da dialética de Hegel no intuito de analisar e condenar o sistema capitalista. Desenvolvem a teoria da mais-valia, segundo a qual o lucro dos capitalistas dependeria inevitavelmente da exploração do proletariado. Sustentam que o estado, as formas político-institucionais e as concepções ideológicas formavam uma superestrutura construída sobre a base das relações de produção[40] e que as contradições resultantes entre essa base econômica e a superestrutura levariam as sociedades inevitavelmente à revolução e ao socialismo. 11 Filosofia do século XX No século XX, a filosofia tornou-se uma disciplina profissionalizada das universidades, semelhante às demais disciplinas acadêmicas. Desse modo, tornou-se também menos geral e mais especializada. Na opinião de um proeminente filósofo: ―A filosofia tem se tornado uma disciplina altamente organizada, feita por especialistas para especialistas. O número de filósofos cresceu exponencialmente, expandiu-se o volume de publicações e multiplicaram-se as subáreas de rigorosa investigação filosófica. Hoje, não só o campo mais amplo da filosofia é demasiadamente vasto para uma única mente, mas algo similar também é verdadeiro em muitas de suas subáreas altamente especializadas.‖[41] O matemático e filósofo britânico Bertrand Russell, um dos fundadores da filosofia analítica. Nos países de língua inglesa, a filosofia analítica tornou-se a escola dominante. Na primeira metade do século, foi uma escola coesa, fortemente modelada pelo positivismo lógico, unificada pela noção de que os problemas filosóficos podem e devem ser resolvidos por análise lógica. Os filósofos britânicos Bertrand Russell e George Edward Moore são geralmente considerados os fundadores desse movimento. Ambos romperam com a tradição idealista que predominava na Inglaterra em fins do século XIX e buscaram um método filosófico que se afastasse das tendências espiritualistas e totalizantes do idealismo. Moore dedicouse a analisar crenças do senso comum e a justificá-las diante das críticas da filosofia acadêmica. Russell, por sua vez, buscou reaproximar a filosofia da tradição empirista britânica e sintonizá-la com as descobertas e avanços científicos. Ao elaborar sua teoria das descrições definidas, Russell mostrou como resolver um problema filosófico empregando os recursos da nova lógica matemática. A partir desse novo modelo proposto por Russell, vários filósofos se convenceram de que a maioria dos problemas da filosofia tradicional, se não todos, não seriam nada mais que confusões propiciadas pelas ambiguidades e imprecisões da linguagem natural. Quando tratados numa linguagem científica rigorosa, esses problemas revelar-se-iam como simples confusões e mal-entendidos. Uma postura ligeiramente diferente foi adotada por Ludwig Wittgenstein, discípulo de Russell. Segundo Wittgenstein, os recursos da lógica matemática serviriam para revelar as formas lógicas que se escondem por trás da linguagem comum. Para Wittgenstein, a lógica é a própria condição de sentido de qualquer sistema linguístico. Essa ideia está associada à sua teoria pictórica do significado, segundo a qual a linguagem é capaz de representar o mundo por ser uma figuração lógica dos estados de coisas que compõem a realidade. Sob a inspiração dos trabalhos de Russell e de Wittgenstein, o Círculo de Viena passou a defender uma forma de empirismo que assimilasse os avanços realizados nas ciências formais, especialmente na lógica. Essa versão atualizada do empirismo tornou-se universalmente conhecida como neopositivismo ou positivismo lógico. O Círculo de Viena consistia numa reunião de intelectuais oriundos de diversas áreas (filosofia, física, matemática, sociologia, etc.) que tinham em comum uma profunda desconfiança em relação a temas de teor metafísico. Para esses filósofos e cientistas, caberia à filosofia elaborar ferramentas teóricas aptas a esclarecer os conceitos fundamentais das ciências e revelar os pontos de contatos entre os diversos ramos do conhecimento científico. Nessa tarefa, seria importante mostrar, entre outras coisas, como enunciados altamente abstratos das ciências poderiam ser rigorosamente reduzidos a frases sobre a nossa experiência imediata. PLATONISMO O Platonismo é uma corrente filosófica baseada no pensamento de Platão. Indica a filosofia de Platão e da sua escola, isto é, os filósofos que se situam entre o século IV A.C. e a primeira metade do século I A.C.. Cerca de um século depois da morte de Platão, em 248 A.C., a Escola enveredou para o ceticismo sob a direção de Arciselau (século III A.C.). 12 A Academia de Platão A Academia platônica assemelhava-se a uma congregação religiosa, consagrada a Apolo e às musas. Platão afirmava a existência de uma verdade suprema: as Idéias das formas ideais, eternas, imutáveis e incorruptíveis, das quais se origina o mundo sensível, tal como o percebemos, e que é sujeito ao devir, à corrupção e à morte. A Academia foi fundada por Platão em 387 A.C. Seu nome é alusivo ao herói de guerra Academo, que havia doado aos atenienses um terreno, nos arredores de Atenas, onde se construiu um jardim aberto ao público. De uma maneira geral, os elementos centrais do pensamento platônico são: A doutrina das idéias, onde os objetos do conhecimento se distinguem das coisas naturais; A superioridade da sabedoria sobre o saber, uma espécie de objetivo político para a filosofia; A Dialética, enquanto procedimento científico. Períodos O platonismo é geralmente dividido em três períodos: Platonismo antigo propriamente dito; [1] Médio platonismo, que remonta aos séculos I-II D.C.; Neoplatonismo, desenvolvido no final da Antiguidade no período helenístico: mais que um período do platonismo, é considerado por muitos como uma verdadeira corrente filosófica propriamente dita. Esta subdivisão foi operada por estudiosos dos tempos recentes. Todos (médio ou neoplatônicos), embora ampliando e modificando o significado originário da filosofia de Platão, pretendiam estar em linha de continuidade com a doutrina do mestre. Consideravam-se, sobretudo, como simples exegetas, mais do que inovadores. Assim como todos os pensadores que, ao longo dos séculos, filiaram-se ao pensamento platônico (Plotino, Agostinho, Ficino), os neoplatônicos eram convencidos de que a verdade fosse algo que se descobria e não se inventava. Portanto o modo mais autêntico de fazer filosofia consistiria na reflexão sobre as verdades eternas, imutáveis e universais das Idéias - primeiramente descobertas por Platão. Pode-se dizer, portanto, que o platonismo foi sempre entendido pelos platônicos como uma única corrente filosófica, que sempre permaneceu fiel a si mesma, ora como forma de interpretação, ora como reelaboração do pensamento de Platão. ARISTOTELISMO O Aristotelismo é uma escola filosófica adepta das doutrinas de Aristóteles (384-322 A.C.) e de seus seguidores. São temas centrais do aristotelismo a teoria da abstração e do silogismo, os conceitos de ato e potência, forma e matéria, e substância e acidente, doutrinas todas que serviram à criação da lógica formal e da ética, e que exerceram e ainda exercem enorme influência no pensamento ocidental. ABSTRAÇÃO Na filosofia, abstração é um processo (ou, para alguns, um alegado processo) na formação de conceitos reconhecendo um grupo de características comuns nos indivíduos, e tendo isso como base, forma-se um conceito desta característica. A noção de abstração é importante para o entendimento de algumas controvérsias filosóficas em relação ao empirismo e ao problema dos universais. Também se tornou recentemente popular na lógica formal como abstração predicada. Outra ferramenta filosófica para a discussão sobre abstração é espaço do pensamento. A Lógica de Port-Royal, resumiu a estreita relação do processo de abstração com a natureza do homem, dizendo: ―a limitação da nossa mente leva-nos a só compreender as coisas compostas quando as consideramos em suas partes e contemplamos as faces diversas com que elas se nos apresentam, isto é, o que se costuma chamar conhecer por abstração‖. A abstração é a operação mediante a qual alguma coisa é escolhida como objeto de percepção, atenção, observação, consideração, pesquisa, estudo, etc. e isolada de outras coisas. Ela é inerente a qualquer procedimento cognitivo. Segundo Aristóteles, o processo todo do conhecimento pode ser descrito com ela; sendo que Tomás de Aquino reduz todo o conhecimento intelectual à operação de abstrações. O homem cria por abstração. (cf.: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 2007. p. 4-6.) É o ato de separar mentalmente um ou mais elementos de uma totalidade complexa (coisa, representação, fato), os quais só mentalmente podem subsistir fora dessa totalidade. (cf.: Aurélio). 13 SILOGISMO Um silogismo (do grego antigo σσλλογισμός, "conexão de idéias", "raciocínio"; composto pelos termos σύν "com" e λογισμός "cálculo") é um termo filosófico com o qual Aristóteles designou a argumentação lógica perfeita, constituída de três proposições declarativas que se conectam de tal modo que a partir das primeiras duas, chamadas premissas, é possível deduzir uma conclusão. A teoria do silogismo foi exposta por Aristóteles em Analíticos anteriores. Num silogismo, as premissas são um ou dois juízos que precedem a conclusão e dos quais ela decorre como consequente necessário dos antecedentes, dos quais se infere a consequência. Nas premissas, o termo maior (predicado da conclusão) e o termo menor (sujeito da conclusão) são comparados com o termo médio, e assim temos a premissa maior e a premissa menor segundo a extensão dos seus termos. Um exemplo clássico de silogismo é o seguinte: Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal. IDEALISMO O Idealismo é uma corrente filosófica que emergiu apenas com o advento da modernidade, uma vez que a posição central da subjetividade é fundamental na modernidade. Seu oposto é o materialismo. Tendo suas origens a partir da revolução filosófica iniciada por Descartes e o seu cogito, é aos pensadores alemães que o Idealismo está em geral associado, desde Kant até Hegel, que seria talvez o último grande idealista da modernidade. Muitos, ainda, acreditam que a teoria das idéias de Platão é historicamente a primeira dos idealismos, em que a verdadeira realidade está no mundo das idéias, das formas inteligíveis, acessíveis apenas à razão. Definição de idealismo É muito difícil resumir o pensamento idealista, uma vez que há divergências de perspectivas teóricas entre os filósofos idealistas. De todo modo, podemos considerar o primado do Eu subjetivo como central em todo idealismo, o que não significa necessariamente reduzir a realidade ao pensamento. Assim, na filosofia idealista, o postulado básico é que Eu sou Eu, no sentido de que o Eu é objeto para mim (Eu). Ou seja, a velha oposição entre sujeito e objecto se revela no idealismo como incidente no interior do próprio eu, uma vez que o próprio Eu é o objeto para o sujeito (Eu). "O idealismo tem elementos em comum com o preconceito, ou seja, sempre pensar no ideal. Mas na sociedade humana não deveria existir 'o ideal', pois todos nós somos diferentes e isso faz a evolução da sociedade ser maior. O ideal, então, é a mistura das diferenças", segundo Rodrigo Silva Ferreira. s.m. (1833. RevPhil, 62) Ideias básicas do Idealismo 1. fil. Qualquer teoria filosófica em que o mundo material, objetivo, exterior só pode ser compreendido plenamente a partir de sua verdade espiritual, mental ou subjetiva. Seus opostos seriam representados pelo realismo ('na filosofia moderna') e materialismo; 1.1. fil. No sentido ontológico, doutrina filosófica, cujo exemplo mais conhecido é o platonismo, segundo a qual a realidade apresenta uma natureza essencialmente espiritual, sendo a matéria uma manifestação ilusória, aparente, incompleta, ou mera imitação imperfeita de uma matriz original constituída de formas ideais inteligíveis e intangíveis; 1.2 p.ext. fil. No sentido epistemológico, tal como ocorre no kantismo, teoria que considera o sentido e a inteligibilidade de um objeto de conhecimento dependente do sujeito que o compreende, o que torna a realidade cognoscível heterônoma, carente de autossuficiência, e necessariamente redutível aos termos ou formas ideais que caracterizam a subjetividade humana; 1.3 p.ext. ét. No âmbito prático, cujo exemplo mais notório é o da ética kantiana, doutrina que supõe o caráter fundamental dos ideais de conduta como guias da ação humana, a despeito de uma possível ausência de exeqüibilidade integral ou verificabilidade empírica em tais prescrições morais. 2 Propensão a idealizar a realidade ou a deixar-se guiar mais por ideais do que por considerações práticas; 14 3 estét. lit. Teoria ou prática que valoriza mais a imaginação do que a cópia fiel da natureza. Seu oposto seria o realismo. Glossário Idealismo absoluto: Doutrina idealista inerente ao hegelianismo, caracterizada pela suposição de que a única realidade plena e concreta é de natureza espiritual, sendo a compreensão materialística ou sensível dos objectos um estágio pouco evoluído e superável no paulatino desenvolvimento cognitivo da subjetividade humana. Idealismo dogmático: Idealismo, especialmente o berkelianismo, que se caracteriza por negar a existência dos objetos exteriores à subjetividade humana [Termo cunhado pelo filósofo alemão Immanuel Kant (17241804) para designar uma orientação idealista com a qual não concorda.]. Seu oposto seria o idealismo transcendental. Idealismo imaterialista: Idealismo defendido por Berkeley (1685-1753) que, partindo de uma perspectiva empirista, na qual a realidade se confunde com aquilo que dela se percebe, conclui que os objetos materiais reduzem-se a idéias na mente de Deus e dos seres humanos; berkelianismo, imaterialismo. Idealismo transcendental (também chamado formal ou crítico): Doutrina kantiana, segundo a qual os fenômenos da realidade objectiva, por serem incapazes de se mostrar aos homens exactamente tais como são, não aparecem como coisas-em-si, mas como representações subjectivas construídas pelas faculdades humanas de cognição. Seu oposto seria o idealismo dogmático. UTILITARISMO Em Filosofia, o utilitarismo é uma doutrina ética que prescreve a ação (ou inação) de forma a otimizar o bem-estar do conjunto dos seres envolvidos. O utilitarismo é então uma forma de consequencialismo, ou seja, ele avalia uma ação (ou regra) unicamente em função de suas consequências. Filosoficamente, pode-se resumir a doutrina utilitarista pela frase: Agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar (Princípio do bem-estar máximo). Trata-se então de uma moral eudemonista, mas que, ao contrário do egoísmo, insiste no fato de que devemos considerar o bem-estar de todos e não o de uma única pessoa. Antes de quaisquer outros, foram Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) que sistematizaram o princípio da utilidade e o aplicaram a questões concretas – sistema político, legislação, justiça, política econômica, liberdade sexual, emancipação feminina, etc. Em Economia, o utilitarismo pode ser entendido como um princípio ético no qual o que determina se uma decisão ou ação é correta, é o benefício intrínseco exercido à coletividade , ou seja, quanto maior o benefício coletivo, tanto melhor a decisão ou ação. Princípio da Utilidade John Stuart Mill foi um dos filósofos que se debruçaram sobre o princípio da utilidade Bentham expõe o conceito central da utilidade no primeiro capítulo do livro Introduction to the Principles of Morals and Legislation (―Introdução aos princípios da moral e legislação‖), da seguinte forma: ―Por princípio da utilidade, entendemos o princípio segundo o qual toda ação, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada em função de sua tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar das partes afetadas pela ação. (...) Designamos por utilidade a tendência de alguma coisa em alcançar o bem-estar, o bem, o 15 belo, a felicidade, as vantagens, etc. O conceito de utilidade não deve ser reduzido ao sentido corrente de modo de vida com um fim imediato". Perspectiva moral e política: Características gerais O utilitarismo, concebido como um critério geral de moralidade, pode e deve ser aplicado tanto às ações individuais quanto às decisões políticas, tanto no domínio econômico quanto nos domínios sociais ou judiciários. O Utilitarismo é um tipo de ética normativa -- com origem nas obras dos filósofos e economistas ingleses do século XVIII e XIX, Jeremy Bentham e John Stuart Mill, -- segundo a qual uma ação é moralmente correta se tende a promover a felicidade e condenável se tende a produzir a infelicidade, considerada não apenas a felicidade do agente da ação, mas também a de todos os afetados por ela. O utilitarismo rejeita o egoísmo, opondo-se a ideia de que o indivíduo deva perseguir seus próprios interesses, mesmo à custa dos outros, e se opõe também a qualquer teoria ética que considere ações ou tipos de atos como certos ou errados independentemente das conseqüências que eles possam ter. O utilitarismo assim difere radicalmente das teorias éticas que fazem o caráter de bom ou mal de uma ação depender do motivo do agente porque, de acordo com o Utilitarismo, é possível que uma coisa boa venha a resultar de uma motivação ruim no indivíduo. Antes, porém, desses dois autores darem forma ao Utilitarismo, o pensamento utilitarista já existia, inclusive na filosofia antiga, principalmente no de Epicuro e seus seguidores na Grécia antiga. E na Inglaterra, alguns historiadores indicam o Bispo Richard Cumberland, um filósofo moralista do século XVII, como o primeiro a apresentar uma filosofia utilitarista. Uma geração depois, Francis Hutcheson, com sua teoria do "sentido interior da moralidade" ("moral sense") manteve uma posição utilitarista mais clara. Ele cunhou a frase utilitarista de que "a melhor ação é a que busca a maior felicidade para o maior número de indivíduos". Também propôs uma forma de "aritmética moral" para cálculo da melhor consequência possível. David Hume tentou analisar a origem das virtudes em termos de sua contribuição útil. O próprio Bentham disse haver descoberto o "princípio de utilidade" nos escritos de vários pensadores do século XVIII como Joseph Priestley, um clérigo dissidente famoso por haver descoberto o oxigênio, e Claude-Adrien Helvétius, autor de uma filosofia de meras sensações, de Cesare Beccaria, jurista italiano, e de David Hume. Helvétius foi posterior a Hume e deve ter conhecido seu pensamento, e Beccária o de Helvétius. Outro apoio ao Utilitarismo é o de natureza teológica, devido a John Gay, um filósofo estudioso da Bíblia que argumentava que fazer a vontade de Deus era o único critério de virtude, mas que, devido à bondade divina, ele concluía que Deus desejava que o homem promovesse a felicidade humana. Bentham, que aparentemente acreditava que o indivíduo, no governo de seus atos iria sempre buscar maximizar seu próprio prazer e minimizar seu sofrimento, colocou no prazer e na dor ambos a causa das ações humanas e as bases de um critério normativo da ação. À arte de alguém governar suas próprias ações, Bentham chamou "ética particular". Neste caso a felicidade do agente é o fator determinante; a felicidade dos outros governa somente até o ponto em que o agente é motivado por simpatia, benevolência, ou interesse na boa vontade e opinião favorável dos outros. Para Bentham, a regra de se buscar a maior felicidade possível para o maior número possível de pessoas devia ter papel primordial na arte de legislar, na qual o legislador buscaria maximizar a felicidade da comunidade inteira criando uma identidade de interesses entre cada indivíduo e seus companheiros. Aplicando penas por atos mal-intencionados, o legislador seria prejudicial para um homem que causasse danos ao seu vizinho. O trabalho filosófico mais importante de Bentham, An Introduction to the Principles of Morals and Legislation ("Uma introdução aos princípios de moral e legislação"), de 1789, foi pensado como uma introdução a um projeto de Código Penal. Jeremy Bentham atraiu jovens intelectuais como discípulos, entre eles o economista David Ricardo, James Mill e o jurista John Austin. Mais tarde John Stuart Mill, filho de James Mill, defendia o voto feminino, a educação paga pelo Estado para todos, e outras propostas radicais para sua época, com base na visão utilitarista de que tais medidas eram essenciais à felicidade e bem estar de todos, assim como também a liberdade de expressão e a não interferência do governo quando o comportamento individual não afetasse as outras pessoas. Seu ensaio "Utilitarianism," publicado no Fraser's Magazine (1861), é citado como uma elegante defesa da doutrina Utilitarista e considerada ser ainda a melhor introdução ao assunto, apresentando o Utilitarismo como uma ética tanto para o comportamento do indivíduo comum quanto para a legislação social. 16 Princípios fundamentais Cinco princípios fundamentais são comuns a todas as versões do utilitarismo: Princípio do bem-estar (the greatest happiness principle em inglês) – O ―bem‖ é definido como sendo o bem-estar. Diz-se que o objetivo pesquisado em toda ação moral se constitui pelo bem-estar (físico, moral, intelectual). Consequencialismo – As consequências de uma ação são a única base permanente para julgar a moralidade desta ação. O utilitarismo não se interessa desta forma pelos agentes morais, mas pelas ações – as qualidades morais do agente não interferem no ―cálculo‖ da moralidade de uma ação, sendo então indiferente se o agente é generoso, interessado ou sádico, pois são as consequências do ato que são morais. Há uma dissociação entre a causa (o agente) e as consequências do ato. Assim, para o utilitarismo, dentro de circunstâncias diferentes um mesmo ato pode ser moral ou imoral, dependendo se suas conseqüências são boas ou más. Princípio da agregação – O que é levado em conta no cálculo é o saldo líquido (de bem-estar, numa ocorrência) de todos os indivíduos afetados pela ação, independentemente da distribuição deste saldo. O que conta é a quantidade global de bem-estar produzida, qualquer que seja a repartição desta quantidade. Sendo assim, é considerado válido sacrificar uma minoria, cujo bem-estar será diminuído, a fim de aumentar o bem-estar geral. Esta possibilidade de sacrifício se baseia na ideia de compensação: a desgraça de uns é compensada pelo bem-estar dos outros. Se o saldo de compensação for positivo, a ação é julgada moralmente boa. O aspecto dito sacrificial é um dos mais criticados pelos adversários do utilitarismo. Princípio de otimização - O utilitarismo exige a maximização do bem-estar geral, o que não se apresenta como algo facultativo, mas sim como um dever. Imparcialidade e universalismo - Os prazeres e sofrimentos são considerados da mesma importância, quaisquer que sejam os indivíduos afetados. O bem-estar de cada um tem o mesmo peso dentro do cálculo do bem-estar geral. Este princípio é compatível com a possibilidade de sacrifício. A princípio, todos têm o mesmo peso, e não se privilegia ou se prejudica ninguém – a felicidade de um rei ou de um cidadão comum são levadas em conta da mesma maneira. O aspecto universalista consiste numa atribuição de valores do bem-estar que é independente das culturas ou das particularidades regionais. Como o universalismo de Kant, o utilitarismo pretende definir uma moral que valha universalmente. O cálculo utilitarista Um dos traços importantes do utilitarismo é seu racionalismo. A moralidade de um ato é calculada, ela não é determinada a partir de princípios diante de um valor intrínseco. Este cálculo leva em conta as conseqüências do ato sobre o bem-estar do maior número de pessoas. Ele supõe então a possibilidade de se calcular as consequências de um ato, e avaliar seu impacto sobre o bem-estar dos indivíduos. Para alguns utilitaristas, como o filósofo Peter Singer, o cálculo utilitarista de prazer e dor deve incluir todos os seres dotados de sensibilidade, sendo legítimo assim incluir os animais no cálculo da moralidade de um ato. Singer se refere ao cálculo utilitarista que seja exclusivo para o ser humano, como uma forma de "especismo", ou seja, preconceito de espécie. Influência do Utilitarismo no Direito Penal O pan-óptico. Desenho de Jeremy Bentham, 1791 17 O conceito de pena nos século XVIII e XIX estava muito relacionado ao caráter retributivo, ou seja, se alguém cometesse certa infração penal, o agente deveria receber determinada sanção jurídica, encerrando a punição no próprio delituoso. Pelo cálculo utilitarista, essa concepção retributiva do Direito só traria conseqüências ao criminoso em si. Com base no princípio máximo do utilitarismo - segundo o qual uma ação deve trazer felicidade ao maior número de pessoas - Bentham desenvolve o caráter preventivo da lei. Assim, a punição de um crime não termina naquele que pratica o delito, mas em toda a sociedade, uma vez que a pena deve coibir futuras ações ilícitas. Destaca-se ainda, a famosa idéia do pan-óptico, que consiste numa arquitetura penitenciária, que buscava disciplinar o detento. Lei da Selva Os ideólogos do utilitarismo são acusados de promover sem justificativa uma sociedade superior, ou de apoiar a «lei da selva» na economia. Para seus críticos, a ciência econômica utilitarista reduz o indivíduo a um objeto racional autossuficiente (quando na verdade os indivíduos são interdependentes com os demais), e se esquece das ligações sentimentais dos indivíduos entre si. Em sua defesa, os utilitaristas, entretanto, podem indagar se tais críticas não seriam fruto de um profundo desconhecimento da filosofia utilitarista, indevidamente associada a uma apologia do capitalismo selvagem. Incalculabilidade das consequências Os que se opõe ao pensamento utilitarista veem diversos problemas no cálculo utilitarista que mede a moralidade por suas consequências. Incerteza – Para os críticos, as consequências exatas de um ato não são determináveis até que ele aconteça de fato. Dentro desta visão, jamais teremos a certeza de que as supostas consequências de um ato serão suas consequências reais. Assim, um ato aparentemente inocente poderá então se mostrar imoral à vista de suas consequências reais, assim como um ato supostamente malvado poderá se revelar moral. Infinitude – As consequências formam uma cadeia, como num efeito dominó – se o ato A causa B, e se B causa C, então o ato A causa C indiretamente. Desta forma, avaliar as consequências de um ato gera o problema da identificação das suas consequências: quando podemos dizer que um ato não é mais causa? Onde terminará a cadeia de consequências? Pensadores utilitaristas Condillac Condillac apresenta uma Teoria do Valor fundada na utilidade, contrariamente aos economistas clássicos que o fundavam no trabalho. Condillac sugere que o valor das coisas advém da utilidade, o que torna um bem escasso é a dificuldade de produzi-lo. Portanto como o nome indica, a grande contribuição da crítica Utilitarista foi exatamente a de fundar o valor na sua utilidade. Contudo, um grande problema se levanta: como medir esta utilidade? Jeremy Bentham Bentham sugeriu uma forma de quantificar a utilidade em 7 critérios: Intensidade, Duração, Certeza, Proximidade, Fecundidade, Pureza, Extensão. David Hume Foi provavelmente Hume quem, juntamente com os seus colegas do Iluminismo escocês, avançou pela primeira vez a ideia de que a explicação dos princípios morais deverá ser procurada na utilidade que eles tendem a promover. O papel de Hume não deverá ser descrito com exagero, pois, foi o seu compatriota Francis Hutcheson que cunhou o slogan utilitarista "a maior felicidade para o maior número". Mas foi através da leitura do "Tratado" de Hume que Jeremy Bentham sentiu pela primeira vez a força do sistema utilitário: ele "sentiu como se escamas tivessem caído dos seus olhos". No entanto, o "proto-utilitarismo" de Hume é muito peculiar, da nossa perspectiva. Ele não pensa que a agregação de cálculos matemáticos de utilidade será a fórmula para atingir a verdade moral. Pelo contrário, Hume era um sentimentalista moral e, como tal, achava que princípios morais não podem ser justificados intelectualmente. Alguns princípios simplesmente são-nos apelativos e outros não o são. E a razão porque princípios utilitaristas da moral são apelativos é que eles promovem os nossos interesses e os dos nossos companheiros com os quais simpatizamos. Os humanos são pouco flexíveis a aprovar coisas que ajudam a sociedade. Hume usou este dado para explicar como ele avaliava um vasto campo de fenómenos, desde instituições sociais e políticas governamentais até traços de caráter e talentos. 18 EXISTENCIALISMO O existencialismo é uma corrente filosófica e literária que destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do ser humano. O existencialismo considera cada homem como um ser único que é mestre dos seus atos e do seu destino. O existencialismo afirma a prioridade da existência sobre a essência, segundo a célebre definição do filósofo francês Jean-Paul Sartre: "A existência precede e governa a essência." Essa definição funda a liberdade e a responsabilidade do homem, visto que este existe sem que seu ser seja pré-definido. Durante a existência, à medida que se experimentam novas vivências redefine-se o próprio pensamento (a sede intelectual, tida como a alma para os clássicos), adquirindo-se novos conhecimentos a respeito da própria essência do que é o homem. Esta característica do ser é fruto da liberdade de eleição. Sartre, após ter feito estudos sobre fenomenologia na Alemanha, criou o termo utilizando a palavra francesa "existence" como tradução da expressão alemã "Da sein", termo empregado por Heidegger em Ser e tempo. Após a Segunda Guerra Mundial, uma corrente literária existencialista contou com Albert Camus e Boris Vian, além do próprio Sartre. É importante notar que Albert Camus, filósofo além de literato, ia contra o existencialismo, sendo este somente característica de sua obra literária. Vian definia-se patafísico. Origem O existencialismo foi inspirado nas obras de Arthur Schopenhauer, Søren Kierkegaard, Fiódor Dostoiévski e nos filósofos alemães Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl e Martin Heidegger, e foi particularmente popularizado em meados do século XX pelas obras do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre e de sua companheira, a escritora e filósofa Simone de Beauvoir. Os mais importantes princípios do movimento são expostos no livro de Sartre "L'Existentialisme est un humanisme" ("O existencialismo é um humanismo"). O termo existencialismo foi adotado apesar de haver o termo: existência filosófica, usado inicialmente por Karl Jaspers, da mesma tradição. História O existencialismo é um movimento filosófico e literário distinto pertencente aos séculos XIX e XX, mas os seus elementos podem ser encontrados no pensamento (e vida) de Sócrates, Aurélio Agostinho e no trabalho de muitos filósofos e escritores pré-modernos. Culturalmente, podemos identificar pelo menos duas linhas de pensamento existencialista: Alemã-Dinamarquesa e Anglo-Francesa. As culturas judaica e russa também contribuíram para esta filosofia. Após ter experienciado vários distúrbios civis, guerras locais e duas guerras mundiais, algumas pessoas na Europa foram forçadas a concluir que a vida é inerentemente miserável e irracional. Heidegger e Kierkegaard foram os pioneiros neste debate sobre a crise da existência humana. Hoje, o existencialismo não morreu de fato, pelo contrário, continua a produzir, quer na filosofia, quer na literatura, no cinema, ou até na ideologia de vida. Temáticas Os temas existencialistas são férteis no terreno da criação literária, nomeadamente na literatura francesa, e continuam a exibir vitalidade no mundo filosófico e literário contemporâneo. As principais temáticas abordadas sugerem o contexto da sua aparição (final da Segunda Guerra Mundial), refletindo o absurdo do mundo e da barbárie injustificada, das situações e das relações quotidianas ("L'enfer, c'est les autres", ["O inferno são os outros"], Jean-Paul Sartre). Paralelamente, surgem temáticas como o silêncio e a solidão, corolários óbvios de vidas largadas ao abandono, depois da "morte de Deus" (Friedrich Nietzsche). A existência humana, em toda a sua natureza, é questionada: quem somos? O que fazemos? Para onde vamos? Quem nos move? É esta consciência aguda de abandono e de solidão (voluntária ou não), de impotência e de injustificabilidade das ações, que se manifesta nas principais obras desta corrente em que o filosófico e o literário se conjugam. Relação com a religião Apesar de muitos, senão a maioria, dos existencialistas terem sido ateístas, os autores Søren Kierkegaard, Karl Jaspers e Gabriel Marcel propuseram uma versão mais teológica do existencialismo. O ex-marxista Nikolai Berdyaev desenvolveu uma filosofia do Cristianismo existencialista na sua terra natal, Rússia, e mais tarde na França, na véspera da Segunda Guerra Mundial. 19 Fé e existencialismo O existencialismo não é uma simples escola de pensamento, livre de qualquer e toda forma de fé. Ajuda a entender que muitos dos existencialistas eram, de fato, religiosos. Pascal e Kierkegaard eram cristãos dedicados. Pascal era católico, Kierkegaard, um protestante radical marcado pelo ríspido antagonismo com a igreja luterana. Dostoiévski era greco-ortodoxo, a ponto de ser fanático. Kafka era judeu. Sartre realmente não acreditava em força divina. Sartre não foi criado sem religião, mas a Segunda Guerra Mundial e o constante sofrimento no mundo levaram-o para longe da fé, de acordo com várias biografias, incluindo a de sua companheira, Simone de Beauvoir. Curiosamente, Sartre passou seus últimos anos de vida explorando assuntos de fé com um judeu ortodoxo. Apenas podemos imaginar suas conversas, já que Sartre não as registrou. Para os existencialistas cristãos, a fé defende o indivíduo e guia suas decisões com um conjunto rigoroso de regras em algumas vertentes cristãs e para outras como o espiritismo, as decisões são guiadas pelo pensamento, pela alma. Para os ateus, a "ironia" é a de que não importa o quanto você faça para melhorar a si ou aos outros, você sempre vai se deteriorar e morrer. Muitos existencialistas acreditam que a grande vitória do indivíduo é perceber o absurdo da vida e aceitá-la. Resumindo, você vive uma vida miserável, pela qual você pode ou não ser recompensado por uma força maior. Se essa força existe, por que os homens sofrem? Se não existe, por que não cometer suicídio e encurtar seu sofrimento? Essas questões apenas insinuam a complexidade do pensamento existencialista. A existência precede e governa a essência. É um conceito da corrente filosófica existencialista. A frase foi primeiramente formulada por Jean-Paul Sartre, e é um dos princípios fundamentais do existencialismo. O indivíduo, no princípio, somente tem a existência comprovada. Com o passar do tempo ele incorpora a essência em seu ser. Não existe uma essência pré-determinada. Com esta frase, os existencialistas rejeitam a idéia de que há no ser humano uma alma imutável, desde os primórdios da existência até a morte. Esta essência será adquirida através da sua existência. O indivíduo por si só define a sua realidade. Em 1946, no "Club Maintenant" em Paris, Jean Paul Sartre pronuncia uma conferência, que se tornou um opúsculo com o nome de "O Existencialismo é um Humanismo". Nele, ele explica a frase, desta forma: "... se Deus não existe, há pelo menos um ser, no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significa então que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si próprio se fizer." Liberdade Com essa afirmação vemos o peso da responsabilidade por sermos totalmente livres. E, frente a essa liberdade de eleição, o ser humano se angustia, pois a liberdade implica fazer escolhas, as quais só o próprio indivíduo pode fazer. Muitos de nós ficamos paralisados e, dessa forma, nos abstemos de fazer as escolhas necessárias. Porém, a "não-ação", o "nada fazer", por si só, já é uma escolha; a escolha de não agir. A escolha de adiar a existência, evitando os riscos, a fim de não errar e gerar culpa, é uma tônica na sociedade contemporânea. Arriscar-se, procurar a autenticidade, é uma tarefa árdua, uma jornada pessoal que o ser deve empreender em busca de si mesmo. Os existencialistas perguntaram-se se havia um Criador. Se sim, qual é a relação entre a espécie humana e esse criador? As leis da natureza já foram pré-definidas e os homens têm que se adaptar a elas? Esses homens estiveram tão dedicados aos seus estudos que se tornaram antissociais, enquanto se preocupavam com a humanidade. Kierkegaard, Nietzsche e Heidegger são alguns dos filósofos que mais influenciaram o existencialismo. Os dois primeiros se preocupavam com a mesma questão: o que limita a ação de um indivíduo? Kierkegaard chegou à possibilidade de que o cristianismo e a fé em geral são irracionais, argumentando que provar a existência de uma única e suprema entidade é uma atividade inútil. Nietzsche, freqüentemente caracterizado como ateu, foi sobretudo um crítico da religião organizada e das doutrinas de seu tempo. Ele acreditou que a religião organizada, especialmente a Igreja Católica e Protestante, era contra qualquer poder de ganho ou autoconfiança sem consentimento. Nietzsche usou o 20 termo rebanho para descrever a população que, de boa vontade, segue a Igreja. Ele argumentou que provar a existência de um criador não era possível nem importante. Na verdade, Nietzsche valorizava e exaltava a vida como única entidade que merecia louvor. Prova disso é o eterno retorno em que ele afirmava que o homem deveria viver a vida como se tivesse que vivê-la nova e eternamente. A implicação disso é uma extrema valorização da vida, imaginemos cada segundo, cada minuto vivido igual e eternamente? E quanto à Igreja, Nietzsche a condenava, pois ela é um traço das influências que negavam o valor da vida na sociedade contemporânea; ele era sim ateu, e para ele, dentre os mais inteligentes, o pior era o padre, pois conseguia incutir nos pensamentos do rebanho, fundamentos falsos, exteriores e metafísicos demais, que só contribuíam para o afastamento da vida. O Indivíduo versus a Sociedade O existencialismo representa a vida como uma série de lutas. O indivíduo é forçado a tomar decisões e freqüentemente as escolhas são ruins. Nas obras de alguns pensadores, parece que a liberdade e a escolha pessoal são as sementes da miséria. A maldição do livre arbítrio foi de particular interesse dos existencialistas teológicos e cristãos. As regras sociais são o resultado da tentativa dos homens de planejar um projeto funcional. Ou seja, quanto mais estruturada a sociedade, mais funcional ela deveria ser. Os existencialistas explicam por que algumas pessoas se sentem atraídas à passividade moral baseando-se no desafio de tomar decisões. Seguir ordens é fácil; requer pouco esforço emocional e intelectual fazer o que lhe mandam. Se a ordem não é lógica, não é o soldado que deve questionar. Deste modo, as guerras podem ser explicadas, genocídios em massa podem ser entendidos. As pessoas estavam apenas fazendo o que lhes fora mandado fazer. Importantes Filósofos para o Existencialismo Martin Heidegger Jean-Paul Sartre Søren Kierkegaard Edmund Husserl Friedrich Nietzsche Arthur Schopenhauer Martin Buber Há duas linhas existencialistas famosas, quer de impulsionadores, quer de existencialistas propriamente ditos. A primeira, de Kierkegaard, Schopenhauer, Nietzsche e Heidegger é agrupada intelectualmente. Esses homens são os pais do existencialismo e dedicaram-se a estudar a condição humana. A segunda, de Sartre, Camus e Beauvoir, era uma linha marcada pelo compromisso político. Enquanto outras pessoas entraram e saíram, esses sete indivíduos definiram o existencialismo. O filosofar heideggeriano é uma constante interrogação, na procura de revelar e levar à luz da compreensão o próprio objeto que decide sobre a estrutura dessa interrogação, e que orienta as cadências do seu movimento: a questão sobre o Ser. A meta de Heidegger é penetrar na filosofia, demorar nela, submeter seu comportamento às suas leis. O caminho seguido por ele deve ser, portanto, de tal modo e com tal direção, que aquilo de que a Filosofia trata atinja nossa responsabilidade, vise a nós homens, nos toque e, justamente, nos transforme. O pensamento de Heidegger é um retorno ao fundamento da metafísica num movimento problematizador, uma meditação sobre a Filosofia no sentido daquilo que permanece fundamentalmente velado. A Filosofia sobre a qual ele nos convida a meditar é a grande característica da inquietação humana em geral, a questão sobre o Ser, ou seja, o que significa ―estar no mundo‖ ou ―ser no mundo‖. RACIONALISMO O racionalismo é a corrente filosófica que se iniciou com a definição do raciocínio como uma operação mental, discursiva e lógica. Esta definição usa uma ou mais proposições para extrair conclusões, mesmo se uma ou outra proposição é verdadeira, falsa ou provável. Essa era a idéia central comum ao conjunto de doutrinas conhecidas tradicionalmente como racionalismo. Racionalismo é, também, a corrente central no pensamento liberal que se ocupa em procurar estabelecer e propor caminhos para alcançar determinados fins [1]. Tais fins são postulados em nome do interesse coletivo (commonwealth), base do próprio liberalismo e que, se torna assim, a base também do racionalismo. O 21 racionalismo, por sua vez, fica à base do planejamento da organização econômica e espacial da reprodução social. O Racionalismo é, ao mesmo tempo, a doutrina que afirma que tudo que existe tem uma causa inteligível, mesmo que não possa ser demonstrada de fato, como a origem do Universo. Privilegia a razão em detrimento da experiência do mundo sensível como via de acesso ao conhecimento. Considera a dedução como o método superior de investigação filosófica. René Descartes (1596-1650), Spinoza (1632-1677) e Leibniz (1646-1716) introduzem o racionalismo na filosofia moderna. Friedrich Hegel (1770-1831), por sua vez, identifica o racional ao real, supondo a total inteligibilidade deste último. De um modo geral, o racionalismo é baseado nos princípios da busca da certeza e da demonstração, sustentados por um conhecimento a priori, ou seja, conhecimentos que não vêm da experiência e são elaborados somente pela razão. A matemática racionalista O Racionalismo é uma doutrina que afirma que tudo que existe tem uma causa. Os filósofos racionalistas utilizaram a matemática como instrumento da razão para explicar a realidade. Com esse objetivo, Descartes elaborou um método baseado na Geometria e dividido nos quatro tópicos a seguir: Os quatro métodos ―O primeiro método era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira desde que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação, e de nada incluir em meus juízos que não se apresente tão clara e tão distintamente ao meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. O segundo método era o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las. O terceiro método era o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. O quarto método era o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir‖. (Descartes, René). EMPIRISMO Na filosofia, Empirismo é um movimento que acredita nas experiências como únicas (ou principais) formadoras das ideias, discordando, portanto, da noção de ideias inatas. O empirismo é caracterizado pelo conhecimento científico e é adquirido pelas percepções (origem das idéias por onde se percebe as coisas, independente de seus objetivos e significados); pela relação de causaefeito; pela autonomia do sujeito que afirma a variação da consciência de acordo com cada momento. Na ciência, o empirismo é normalmente utilizado quando falamos no método científico tradicional (que é originário do empirismo filosófico), o qual defende que as teorias científicas devem ser baseadas na observação do mundo, em vez da intuição ou da fé. O termo tem uma etimologia dupla. A palavra latina experientia, de onde deriva a palavra "experiência", é originária da expressão grega εμπειρισμός. Por outro lado, deriva-se também de um uso mais específico da palavra empírico, relativo aos médicos cuja habilidade resulte da experiência prática e não apenas da instrução da teoria. Empirismo na ciência Um conceito capital na ciência no método científico é que toda evidência deve ser empírica, isto é, depende da comprovação feita pelos sentidos. Geralmente, são empregados termos que o diferenciam do empirismo filosófico, como o adjetivo empírico, que aparece em termos como método empírico ou pesquisa empírica, usado nas ciências sociais e humanas para denominar métodos de pesquisa que são realizados através da observação e da experiência (por exemplo, o funcionalismo). Em outro sentido, a palavra pode ser usada nas Ciências como sinônimo de "experimental". Nesse sentido, um resultado empírico é uma observação experimental. O termo semi-empírico é usado em situações parecidas, já que designa métodos teóricos que empregam leis científicas pré-estabelecidas e só depois se utilizam da experiência. Através disso, o corpo teórico se reforça. 22 Empirismo na filosofia A doutrina do empirismo foi definida explicitamente pela primeira vez pelo filósofo inglês John Locke no século XVII. Locke argumentou que a mente seria, originalmente, um "quadro em branco" (tabula rasa), sobre o qual é gravado o conhecimento, cuja base é a sensação. Ou seja, todas as pessoas, ao nascer, não sabem absolutamente nada, não tem impressão nenhuma, não tem conhecimento algum. Todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro. Historicamente, o empirismo se opõe a escola conhecida como racionalismo, segundo a qual o homem nasceria com certas idéias inatas, as quais iriam "aflorando" à consciência e constituiriam as verdades acerca do Mundo e do Universo. A partir dessas idéias, o homem poderia entender os fenômenos particulares apresentados pelos sentidos. O conhecimento da verdade, portanto, independeria dos sentidos físicos. Alguns filósofos normalmente associados com o empirismo são: Aristóteles, Tomás de Aquino, Francis Bacon, Thomas Hobbes, John Locke, George Berkeley, David Hume e John Stuart Mill. Embora no geral seja relacionado com a teoria do conhecimento, o empirismo, ao longo da história da filosofia, teve implicações na lógica, filosofia da linguagem, filosofia política, teologia, ética, dentre outros ramos. Antiguidade Aristóteles deu grande importância à indução baseada na experiência sensível A ideia de que todos os conhecimentos são provenientes das experiências aparece pela primeira vez, embora muito pouco definida, nos filósofos sofistas, que acreditavam na visão relativa do mundo, sintetizada na frase de Protágoras: O homem é a medida de todas as coisas. Essa máxima mostra que o mundo é conhecido de uma forma particular e muito pessoal por cada indivíduo, sendo a experiência, certamente, fator importante para esse conhecimento. A filosofia socrática provocou o "declínio" do empirismo, ao combater o relativismo dos sofistas. Sócrates e Platão viam os sentidos como incapazes de apreender a realidade como ela verdadeiramente era e tentaram captar os conceitos absolutos de cada coisa, processo que desembocará na teoria platônica do mundo das ideias. Aristóteles retomará o empirismo, ao considerar a observação do mundo como base para a indução; ou seja, a partir da obtenção de dados particulares, no caso, a observação empírica, se poderia tirar conclusões (ou conhecimentos) de verdades mais absolutas. Após Aristóteles, os filósofos estóicos e epicuristas formularam teorias empiristas mais explícitas acerca da formação das idéias e dos conceitos. Os estóicos, atencipando Locke em centenas de anos, acreditavam que a mente humana era uma tabula rasa que seria marcada pelas ideias advindas da experiência sensível. Entretanto, admitiram a existência de ideias a priori, ou seja, ideias inatas, na mente humana. Os epicuristas tiveram uma visão empirista mais forte, afirmando que a verdade provinha apenas da sensação. Para eles, as coisas são conhecidas através de imagens em miniatura, os chamados fantasmas, que se desprendem do ser e chegam até nós indo diretamente à alma, ou indiretamente, através dos sentidos. Dessa forma, explicaram a origem das "noções comuns", cuja procedência seria pretensamente um conhecimento apriorístico. A última grande escola empirista da Antigüidade foi o ceticismo, cujo maior representante foi Sexto, conhecido como O Empírico. Esse filósofo via a epistemologia como integralmente fundamentada nos sentidos. Desse modo, as verdades a respeito do Universo seriam inacessíveis ao ser humano. Ele também acreditava que, embora a base do conhecimento fosse os sentidos, estes possuíam limitações, que distorciam a imagem do mundo real que chega até nós, apresentando-nos ilusões. Idade Média Durante quase toda a Idade Média, o pensamento cristão subordinava a filosofia à religião, fazendo as preocupações com a experiência sensível darem lugar a "ideias" como Deus e a trindade, que não poderiam 23 ser comprovadas, nem refutadas, experimentalmente. Reflexo disso foi o pensamento de Santo Agostinho, que acreditava ser a existência de Deus comprovada pela intuição. Opondo-se à doutrina agostiniana, a escolástica acreditava que fé e empirismo não eram excludentes, e sim complementares. O maior filósofo escolástico, Tomás de Aquino, vê o conhecimento em duas fases: sensível e intelectual, sendo que a segunda depende da primeira, mas ultrapassa-a: o intelecto vê a natureza das coisas (intus legit) mais profundamente do que os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Através da observação, o conhecimento intelecual abstrai de cada objeto individual a sua essência. Portanto, Deus é cogniscível através da experiência sensível e racional. Baseado nisso, Aquino propõe as chamadas "cinco provas da existência de Deus" (quinquae viae), das quais procedem demonstrações igualmente racionais. O nominalismo, corrente proveniente da Escolástica, foi outra notável escola empirista medieval. Argumentava que os termos que designavam idéias abstratas ou universais não teriam correspondência no mundo real, sendo conceitos que só existiriam no papel. Só existem nomes e estes designam indivíduos e coisas que correspondem à verdades filosóficas (nominalismo de semelhança). No século XIV, essas ideias foram desenvolvidas e levadas ao extremo por William de Ockham, filósofo inglês que separou filosofia e religião, chegando a admitir que a filosofia ocupa-se apenas dos dados obtidos pela experiência. Idade Moderna A partir de Francis Bacon, foi sendo elaborado um método que sistematizasse as impressões dos sentidos. Na Idade Moderna, graças aos trabalhos do filósofo inglês Francis Bacon, o empirismo começou a se delimitar tal como o conhecemos hoje. Bacon criticava tanto o conhecimento que não fosse proveniente dos sentidos quanto os próprios empiristas de épocas anteriores. Para ele, o método utilizado por empiristas anteriores não era sistemático: embora recolhessem dados da experiência, essas informações eram "capturadas" ao acaso, sem o auxílio de um método rigoroso e sem constituir um todo coerente. Era necessário, portanto, um método que classificasse e sistematizasse as várias experiências e as orientasse no sentido de dar ao homem uma ciência útil, em oposição ao conhecimento científico medieval. A partir das sensações, a inteligência, seguindo o método da indução, elaboraria o conhecimento científico. Dessa maneira, se relacionaria o conhecimento sensível, que forneceria material para a inteligência e a racionalidade, que manipularia e daria sentido aos dados dos sentidos. Partindo desses princípios, Francis Bacon traçou as bases de uma ciência sistemática em sua obra mais famosa, Novum Organum, publicada em 1620. Apropriando-se das idéias de Bacon, Thomas Hobbes, outro filósofo inglês, aplicou-as ao estudo da sociedade e da política. Dessa forma, se distanciava de Francis Bacon, que se preocupou basicamente das ciências que estudam o mundo físico. Para Hobbes, o homem só poderia atingir a verdade através de raciocínios corretos, fundamentados pelas sensações. Assim, em seus estudos, ele começa definindo os termos e noções que vai usar, preocupando-se em estabelecer um método rigoroso segundo o qual manipulará as deduções lógicas provenientes da experiência, representadas pelos acontecimentos passados na história. Processo semelhante de análise da História e da situação política do momento pode ser encontrado em outros pensadores anteriores a Thomas Hobbes, como Nicolau Maquiavel. 24 Empirismo britânico John Locke é considerado o fundador do empirismo britânico O método empírico de Francis Bacon e de Thomas Hobbes influenciou toda uma geração de filósofos no Reino Unido a partir do século XVII. John Locke é considerado o fundador dessa tradição, que ficou conhecida como empirismo britânico, em oposição ao racionalismo que predominava na maior parte da Europa continental. Em seu livro Ensaio Sobre o Entendimento Humano, Locke descreve a mente humana como uma tabula rasa (literalmente, uma "ardósia em branco"), aonde por meio da experiência, vão sendo gravadas as idéias. A partir dessa análise empirista da epistemologia, Locke diferencia dois tipos de idéias: as idéias simples, sobre as quais não se poderiam estabelecer distinções, como a de amarelo, duro, etc., e as idéias complexas, que seriam associações de idéias simples (por exemplo, o ouro — que é uma substância dura e de cor amarelada). Com isso, formaría-se um conceito abstrato da substância material. No século XVIII, George Berkeley desenvolve o empirismo de John Locke, mas não admite a passagem dos conhecimentos fornecidos pelos dados da experiência para o conceito abstrato de substância material. Por isso, Berkeley afirma que uma substância material não pode ser conhecida em si mesma. O que se conhece, na verdade, resume-se às qualidades reveladas durante o processo perceptivo. Assim, o que existe realmente nada mais é do que um feixe de sensações. Daí sua famosa frase: ser é ser percebido. Entretanto, para fugir do subjetivismo individualista (pois tudo que existe somente existiria para a mente individual de cada observador), Berkeley postula a existência de uma mente cósmica, que seria universal e superior à mente dos homens individuais. Deus é essa mente e tudo o mais seria percebido por Ele, de modo que a existência do mundo exterior à mente individual estaria garantida. No entanto, apesar de existir, o mundo seria impossível de ser conhecido verdadeiramente pelo homem, pois esse conhecimento só é acessível a Deus. Ao assumir esse empirismo radical, George Berkeley cria a corrente conhecida como idealismo subjetivo. Ao afirmar que só podemos conhecer aquilo que percebemos imediatamamente, David Hume rejeitou a idéia de causalidade. Levando ainda mais adiante o pensamento de Berkeley, o escocês David Hume identifica dois tipos de conhecimento: matérias de fato e relação de idéias. O primeiro está relacionado com a percepção imediata e seria a única forma verdadeira de conhecimento. As relações de idéias se referem a coisas que não podem ser percebidas, que não têm correspondência na realidade e que seria pura imaginação. Dessa forma, os próprios conceitos abstratos utilizados pela Ciência para analisar os dados dos sentidos não seriam verdadeiros. Baseado nisso, Hume refuta a própria causalidade, a noção de causa e efeito, fundamental para a ciência. Ao observarmos, por exemplo, um pedaço de metal, podemos chegar a um conceito de metal, que corresponde à realidade concreta, perceptível. Se aproximarmos nossas mãos do fogo, temos uma idéia de calor, que também corresponde à realidade. Mas quando aproximamos um metal do fogo e observamos que ele se 25 dilata com o calor, não podemos concluir que "o corpo se dilata porque esquenta". As idéias "o corpo esquenta" e "o corpo se dilata" teriam como origem duas impressões dos sentidos, provenientes, respectivamente, do tato e da visão. O problema está na expressão por que. Que impressão sensível origina a idéia de por quê? Como concluímos que um fenômeno é a causa de outro? Para Hume, o simples fato de um fenômeno ser sempre seguido de outro faz com que eles se relacionem entre si de tal forma que um é encarado como causa do outro. Causa e efeito, enquanto impressões sensíveis, não seriam mais do que um evento seguido de outro. A noção de causalidade seria, portanto, uma "criação" humana, uma acumulação de hábitos desenvolvidos em resposta às sensações. No entanto, a crença nessas "verdades"2 pretensamente inabaláveis, que dariam ao mundo uma aparência de estabilidade, seria ilusão. Dessa forma, muitas verdades científicas seriam apenas relações de idéias que não existiriam na realidade, e, portanto, impossíveis de se confirmar. Muitos cientistas e filósofos consideram exagerado o empirismo de David Hume, que nega as verdades racionais obtidas a partir da observação. Mas seu pensamento serviu de alerta às pretensões de uma ciência exclusivamente empírica, pois estaria sujeita aos impasses do idealismo, tal como foi demonstrado por ele. Século XIX No século XIX, várias escolas filósoficas foram influenciadas pelo empirismo, destacando-se principalmente o positivismo e o fenomenalismo. Igualmente numerosas foram as tentativas de relacionar empirismo e racionalismo Empirismo lógico Entre as correntes contemporâneas de empirismo destaca-se o empirismo lógico (também conhecido como positivismo ou neopositivismo lógico, embora alguns não concordem com essa sinonímia), uma tentativa de sintetizar as idéias essenciais do empirismo britânico (por exemplo, a forte ênfase na experiência sensorial como base para o conhecimento) com determinadas idéias da lógica matemática, conforme foi desenvolvida por Gottlob Frege e Ludwig Wittgenstein. Algumas das figuras chaves neste movimento foram os ingleses Bertrand Russell e George Moore, os alemães Moritz Schlick e Rudolf Carnap e os norte-americanos Willard Van Orman Quine, John Austin e A. J. Ayer. Para os empiristas lógicos, a filosofia seria o esclarecimento conceitual dos métodos, idéias e descobertas da Ciência. Portanto, poder-se-ia analisar os dados das diversas disciplinas científicas em busca de uma síntese do conhecimento, de modo a adequar a lógica do raciocínio abstrato à lógica das experiências práticas. POSITIVISMO Auguste Comte. Positivismo é um conceito utópico que possui distintos significados, englobando tanto perspectivas filosóficas e científicas do século XIX quanto outras do século XX. Desde o seu início, com Augusto Comte (1798-1857) na primeira metade do século XIX, até o presente século XXI, o sentido da palavra mudou radicalmente, incorporando diferentes sentidos, muitos deles opostos ou contraditórios entre si. Nesse sentido, há correntes de outras disciplinas que se consideram "positivistas" sem guardar nenhuma relação com a obra de Comte. Exemplos paradigmáticos disso são: o Positivismo Jurídico, do austríaco Hans Kelsen, e o Positivismo Lógico (ou Círculo de Viena), de Rudolph Carnap, Otto Neurath e seus associados. 2 Verdades estas vistas como relações de causa e efeito. 26 Para Comte, o Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises (social e moral) do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o Positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte. Método do Positivismo de Augusto Comte O método geral do positivismo de Auguste Comte consiste na observação dos fenômenos, opondo-se ao racionalismo e ao idealismo, através da promoção do primado da experiência sensível, única capaz de produzir a partir dos dados concretos (positivos) a verdadeira ciência (na concepção positivista), sem qualquer atributo teológico ou metafísico, subordinando a imaginação à observação, tomando como base apenas o mundo físico ou material. O Positivismo nega à ciência qualquer possibilidade de investigar a causa dos fenômenos naturais e sociais, considerando este tipo de pesquisa inútil e inacessível, voltando-se para a descoberta e o estudo das leis (relações constantes entre os fenômenos observáveis). Em sua obra Apelo aos conservadores (1855), Comte definiu a palavra "positivo" com sete acepções: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. O Positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. Assim sendo, desconsideram-se todas as outras formas do conhecimento humano que não possam ser comprovadas cientificamente. Tudo aquilo que não puder ser provado pela ciência é considerado como pertencente ao domínio teológico-metafísico caracterizado por crendices e vãs superstições. Para os Positivistas, o progresso da humanidade depende única e exclusivamente dos avanços científicos, único meio capaz de transformar a sociedade e o planeta Terra no paraíso que as gerações anteriores colocavam no mundo além-túmulo. O Positivismo é uma reação radical ao Transcendentalismo idealista alemão e ao Romantismo, limitando a experiência humana ao mundo sensível e ao conhecimento aos fatos observáveis. Substitui-se a Teologia e a Metafísica pelo Culto à Ciência, o Mundo Espiritual pelo Mundo Humano, o Espírito pela Matéria. A ideia-chave do Positivismo Comtiano é a Lei dos Três Estados, de acordo com a qual o homem passou e passa por três estágios em suas concepções, isto é, na forma de conceber as suas ideias e a realidade: 1. Teológico: o ser humano explica a realidade apelando para entidades supranaturais (os "deuses"), buscando responder a questões como "de onde viemos?" e "para onde vamos?"; além disso, busca-se o absoluto; 2. Metafísico: é uma espécie de meio-termo entre a teologia e a positividade. No lugar dos deuses há entidades abstratas para explicar a realidade: "o Éter", "o Povo", "o Mercado financeiro", etc. Continua-se a procurar responder a questões como "de onde viemos?" e "para onde vamos?" e procurando o absoluto; 3. Positivo: etapa final e definitiva, não se busca mais o "porquê" das coisas, mas sim o "como", através da descoberta e do estudo das leis naturais, ou seja, relações constantes de sucessão ou de coexistência. A imaginação subordina-se à observação e busca-se apenas pelo observável e o concreto. POLÍTICA (FILOSOFIA POLÍTICA) Política: arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados; aplicação desta arte aos negócios internos da nação (política interna) ou aos negócios externos (política externa).[1] Nos regimes democráticos, a ciência política é a atividade dos cidadãos que se ocupam dos assuntos públicos com seu voto ou com sua militância. A palavra tem origem nos tempos em que os gregos estavam organizados em cidades-estado chamadas "polis", nome do qual se derivaram palavras como "politiké" (política em geral) e "politikós" (dos cidadãos, pertencente aos cidadãos), que estenderam-se ao latim "politicus" e chegaram às línguas européias modernas através do francês "politique" que, em 1265 já era definida nesse idioma como "ciência do governo dos Estados".[2] 27 O termo política é derivado também do grego antigo πολιτεία (politeía), que indicava todos os procedimentos relativos à pólis, ou cidade-Estado. Por extensão, poderia significar tanto cidade-Estado quanto sociedade, comunidade, coletividade e outras definições referentes à vida urbana. O livro de Platão traduzido como "A República" é, no original, intitulado "Πολιτεία" (Politeía). Para Aristóteles O homem é um animal político Acepções básicas No sentido comum, vago e às vezes um tanto impreciso, política, como substantivo ou adjetivo, compreende arte de guiar ou influenciar o modo de governo pela organização de um partido político, pela influência da opinião pública, pela incitação de eleitores;[1] Na conceituação erudita, política "consiste nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem", segundo Hobbes ou "o conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados", para Russel ou "a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o governo", que é a noção dada por Nicolau Maquiavel, em O Príncipe;[2] Política pode ser ainda a orientação ou a atitude de um governo em relação a certos assuntos e problemas de interesse público: política financeira, política educacional, política social, política do café; [3] Numa conceituação moderna, política é a ciência normativa do governo da sociedade civil; Outros a definem como conhecimento ou estudo "das relações de regularidade e concordância dos fatos com os motivos que inspiram as lutas em torno do poder do Estado e entre os Estados".[4] A política é objeto de estudo da ciência política e da ciência social. Significado clássico e moderno O termo política, se expandiu graças à influência de Aristóteles. Este filósofo relacionava as funções e a divisão do Estado e as várias formas de Governo, com a significação mais comum de arte ou ciência do Governo; desde a origem ocorreu uma transposição de significado das coisas qualificadas como político, para a forma de saber mais ou menos organizado sobre esse mesmo conjunto de coisas. O termo política foi usado, a seguir, para designar principalmente as obras dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades humanas que se referem de algum modo às coisas do Estado. Política methodice digesta, exemplo célebre, é a obra com que Johannes Althusius (1603) expôs uma das teorias da consociatio publica (o Estado no sentido moderno da palavra), abrangendo em seu seio várias formas de consociationes menores. Na época moderna, o termo perdeu seu significado original, substituído pouco a pouco por outras expressões como ciência do Estado, doutrina do Estado, ciência política, filosofia política, passando a ser comumente usado para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado.[2] Política e poder A política, como forma de atividade ou de práxis humana, está estreitamente ligada ao de poder. O poder político é o poder do homem sobre outro homem, descartados outros exercícios de poder, sobre a natureza ou os animais, por exemplo. Poder que tem sido tradicionalmente definido como "consistente nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem" (Hobbes) ou, como "conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados" (Russell). Formas e origens do poder São várias as formas de exercícios de poder de um indivíduo sobre outro; o poder político é apenas uma delas. Concepção aristotélica Para Aristóteles a distinção é baseada no interesse de quem exerce o poder: o paterno se exerce pelo interesse dos filhos; o despótico, pelo interesse do senhor; o político, pelo interesse de quem governa e de quem é governado. Tratando-se das formas corretas de Governo. Nas demais, o característico é que o poder seja exercido em benefício dos governantes.[2] 28 Concepção jusnaturalista O critério que acabou por prevalecer nos tratados do direito natural foi da legitimação, encontrado no cap. XV do Segundo tratado sobre o governo de Locke: o fundamento do poder paterno é a natureza, do poder despótico, o castigo por um delito cometido, do poder civil o consenso. Esta justificação do poder correspondem às três fórmulas clássicas do fundamento da obrigação: ex natura, ex delicto, ex contractu.[2] Caráter específico do poder Os critérios - aristotélico ou jusnaturalista - não permitem distinguir o caráter específico do poder político. Os escritores políticos não cessaram nunca de identificar governos paternalistas ou despóticos, ou então governos cuja relação com os governados se assemelhava, ora a relação entre pai e filhos, ora entre senhor e escravos, e que não deixam, por isso, de ser governos tanto quanto os que agem pelo bem público e se fundam no consenso.[2] Tipos de poder O elemento específico do poder político pode ser obtido pelas várias formas de poder, baseadas nos meios de que se serve o sujeito ativo (aquele que ―faz‖ o poder) da relação para determinar o comportamento do sujeito passivo (aquele que ―sofre‖ o poder. Assim, podemos distinguir três grandes classes de um conceito amplo do poder.[2] Poder econômico É o que se vale da posse de certos bens, imprescindíveis numa situação de necessidade para controlar aqueles que não os possuem. A posse dos meios de produção é enorme fonte de poder para aqueles que os têm em relação àqueles que os não têm: o poder do chefe de uma empresa deriva da possibilidade que a posse ou disponibilidade dos meios de produção lhe oferece de poder comprar a força de trabalho a troco de um salário. Quem possui abundância de bens é capaz de determinar o comportamento de quem não os tem pela promessa e concessão de vantagens.[2] Poder ideológico O poder ideológico se baseia na influência que as ideias da pessoa revestida de autoridade, exercem sobre a conduta dos demais: deste tipo de condicionamento nasce a importância social daqueles que sabem, quer os sacerdotes das sociedades arcaicas, quer os intelectuais ou cientistas das sociedades evoluídas. É por eles, pelos valores que difundem ou pelos conhecimentos que comunicam, que ocorre a socialização necessária à coesão e integração dos grupos sociais.[2] O poder dos intelectuais e cientistas emerge na modernidade quando as ciências ganham um estatuto preponderante na vida política da sociedade, influenciando enormemente o comportamento das pessoas. A ciência se propõe a responder pelos mistérios da vida, o que na Idade Média era "mistério da fé". Poder político O poder político se baseia na posse dos instrumentos com os quais se exerce a força física: é o poder de coação, no sentido mais estrito da palavra. A possibilidade de recorrer à força distingue o poder político das outras formas de poder. Isso não significa que, ele seja exercido pelo uso da força; a possibilidade do uso é condição necessária, mas não suficiente para a existência do poder político. [2] A característica mais notável é que, o poder político, detém a exclusividade do uso da força em relação à totalidade dos grupos sob sua influência. Hobbes e o direito natural O fundamento da teoria moderna do Estado, segundo Hobbes, é a passagem do Estado de natureza ao Estado civil, ou da anarchía à archia, do Estado apolítico ao Estado político. Essa transição é representada pela renúncia de cada um ao direito de usar a própria força (existente no estado de natureza) e que torna todos os indivíduos iguais entre si. Ao realizarem esta renúncia, é delegado o direito do exercício do poder à uma única pessoa, um único corpo (Rei ou Parlamento), que será o único autorizado a usar a força contra eles, quando for necessário. Teorias marxista e weberiana A hipótese jusnaturalista abstrata adquire profundidade histórica na teoria do Estado de Marx e de Engels, segundo a qual a sociedade é dividida em classes antagônicas e as instituições políticas têm a função primordial de permitir à classe dominante manter seu domínio. Mas, este objetivo só pode ser alcançado na estrutura do antagonismo de classes pelo controle eficaz do monopólio da força; é por isso que, cada Estado é, e não pode deixar de ser uma ditadura.[2] Já é clássica a definição de Max Weber: "Por Estado, se há de entender uma empresa institucional de caráter político onde o aparelho administrativo, leva avante, em certa 29 medida e com êxito a pretensão do monopólio da legítima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis".[5] O fim da política O que a política pretende alcançar pela ação dos políticos, em cada situação, são as prioridades do grupo (ou classe, ou segmento nele dominante): nas convulsões sociais, será a unidade do Estado; em tempos de estabilidade interna e externa, será o bem-estar, a prosperidade; em tempos de opressão, a liberdade, direitos civis e políticos; em tempos de dependência, a independência nacional. A política não tem fins constantes ou um fim que compreenda a todos ou possa ser considerado verdadeiro: "Os fins da Política são tantos, quantas são as metas que um grupo organizado se propõe, de acordo com os tempos e circunstâncias". [2] A política se liga ao meio e não ao fim, e isso corresponde à opinião recorrente de muitos teóricos do Estado, que excluem o fim dos seus elementos constitutivos. Para Max Weber: "Não é possível definir um grupo político, nem tampouco o Estado, indicando o alvo da sua ação de grupo. Não há nenhum escopo que os grupos políticos não tenham alguma vez se proposto (…) Só se pode, portanto, definir o caráter político de um grupo social pelo meio(…) que não lhe é certamente exclusivo, mas é, em todo o caso, específico e indispensável à sua essência: o uso da força".[5] Portanto, o fim essencial da política é a aquisição do monopólio da força. Política relacional A esfera da política é a da relação amigo-inimigo. Nesse sentido, a origem e a aplicação da política é o antagonismo nas relações sociais e sua função se liga à atividade de associar e defender os amigos e de desagregar e combater os inimigos.[2] Há conflitos entre os homens e entre os grupos sociais. Entre esses conflitos, há alguns notáveis pela intensidade que são os conflitos políticos. As relações entre os grupos instigadas por esses conflitos, agregando os grupos internamente ou os confrontando entre si, são as relações políticas. O conflito mais amplo, entre grupos consubstanciados em Estados, é a guerra, nesse sentido, tida como a continuação da política por outros meios. Política, moral e ética O antagonismo da profissão do político A crise política sem fim e sem precedentes sugere algumas reflexões sobre o problema da ética na política. Nenhuma profissão é mais nobre do que a do político porque quem a exerce assume responsabilidades só compatíveis com grandes qualidades morais e de competência. A atividade política só se justifica se o político tiver espírito republicano, ou seja, se suas ações, além de buscarem a conquista do poder, forem dirigidas para o bem público, que não é fácil de ser definido, mas que deve ser sempre almejado. A ideologia ou os valores de cada político podem variar, mas o bem comum não pode ser esquecido. O político deve sempre lutar em sua defesa, com prudência e coragem. Contudo, por outro lado, nenhuma profissão é mais corruptível, porque o político, na sua condição de possível ladrão, que destrói instituições roubando decisões da vida do povo, pode ter uma má influência sobre a vida das pessoas maior do que a de qualquer outra profissão. A ética da política não pode ser diferente da ética da vida pessoal. E além de observar os princípios gerais, como não matar ou não roubar, o político deve mostrar ao povo que o elegeu sua capacidade de defender o bem comum, e o bem estar de toda a sociedade, sem se preocupar com o simples exercício do poder. Além de não distinguir, de qualquer forma, os demais membros da sociedade, deve ser capaz de mostrar a esses membros que assume a responsabilidade pela consecução deste objetivo. Exerce assim, o que se convencionou chamar da "ética da responsabilidade". E a ética da responsabilidade leva em consideração as consequências das decisões que o político adota. Em muitas ocasiões, o político pode ser colocado frente a dilemas morais para tomar decisões. Mas, o político ciente, de sua obrigação com a ética da responsabilidade, sabe que não deve subverter seus valores e, muito menos aqueles que ele apresentou aos seus eleitores, durante as campanhas eleitorais. KARL MARX (MARXISMO) Karl Heinrich Marx (Tréveris, 5 de maio de 1818 — Londres, 14 de março de 1883) foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina comunista moderna, que atuou como economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista. O pensamento de Marx influenciou várias áreas, tais como Filosofia, História, Direito, Sociologia, Literatura, Pedagogia, Ciência Política, Antropologia, Biologia, Psicologia, Economia, Teologia, 30 Comunicação, Administração, Design, Arquitetura, Geografia e outras. Em uma pesquisa realizada pela Radio 4, da BBC, em 2005, ele foi eleito o maior filósofo de todos os tempos.[1] Pensamento Durante a vida de Marx, suas ideias receberam pouca atenção de outros estudiosos. Talvez o maior interesse tenha se verificado na Rússia, onde, em 1872, foi publicada a primeira tradução do Tomo I d'O Capital. Na Alemanha, a teoria de Marx foi ignorada durante bastante tempo, até que em 1879 um alemão estudioso da Economia Política, Adolph Wagner, comentou o trabalho de Marx ao longo de uma obra intitulada Allgemeine oder theoretische Volkswirthschaftslehre. A partir de então, os escritos de Marx começaram a atrair cada vez mais atenção.[14] Nos primeiros anos após a morte de Marx, sua teoria obteve crescente influência intelectual e política sobre os movimentos operários (ao final do século XIX, o principal locus de debate da teoria era o Partido SocialDemocrata alemão) e, em menor proporção, sobre os círculos acadêmicos ligados às ciências humanas – notadamente na Universidade de Viena e na Universidade de Roma, primeiras instituições acadêmicas a oferecerem cursos voltados para o estudo de Marx.[14] Marx foi herdeiro da filosofia alemã e é considerado ao lado de Kant e Hegel, um de seus grandes representantes. Foi um dos maiores (para muitos, o maior) pensadores de todos os tempos, tendo uma produção teórica com a extensão e densidade de um Aristóteles, de quem era um admirador. Como filósofo, se posiciona muito mais numa supra-filosofia, em que "realizar" a filosofia é antes "aboli-la", ou ao realizála, filosofia e realidade se transformam na práxis, a união entre teoria e prática. A teoria marxista é, substancialmente, uma crítica radical das sociedades capitalistas. Mas é uma crítica que não se limita a teoria em si. Marx, aliás, se posiciona contra qualquer separação drástica entre teoria e prática, entre pensamento e realidade, porque essas dimensões são abstrações mentais (categorias analíticas) que, no plano concreto, integram uma mesma totalidade complexa.[15] O marxismo constitui-se como a concepção materialista da História, longe de qualquer tipo de determinismo, mas compreendendo a predominância da materialidade sobre a ideia, sendo esta possível somente com o desenvolvimento daquela, e a compreensão das coisas em seu movimento, em sua interdeterminação, que é a dialética. Portanto, não é possível entender os conceitos marxianos como forças produtivas, capital, entre outros, sem levar em conta o processo histórico, pois não são conceitos abstratos e sim uma abstração do real, tendo como pressuposto que o real é movimento. Karl Marx compreende o trabalho como atividade fundante da humanidade. E o trabalho, sendo a centralidade da atividade humana, se desenvolve socialmente, sendo o homem um ser social. Sendo os homens seres sociais, a História, isto é, suas relações de produção e suas relações sociais fundam todo processo de formação da humanidade. Esta compreensão e concepção do homem é radicalmente revolucionária em todos os sentidos, pois é a partir dela que Marx irá identificar a alienação do trabalho como a alienação fundante das demais. E com esta base filosófica é que Marx compreende todas as demais ciências. Influências Algumas das principais leituras e estudos feitos por Marx são: A doutrina de Hegel; O materialismo de Feuerbach; O socialismo utópico francês (representado por Saint-Simon, Louis Blanc e Proudhon); E a economia política clássica britânica (representada por Adam Smith e David Ricardo). Ele estudou profundamente todas essas concepções ao mesmo tempo em que as questionou e desenvolveu novos temas, de modo a produzir uma profunda reorientação no debate intelectual europeu.[16] Influência da doutrina de Hegel Hegel foi professor da Universidade de Iena, a mesma instituição onde Marx cursou o doutorado. E, em Berlim, Marx teve contato prolongado com as ideias dos Jovens Hegelianos (também referidos como Hegelianos de Esquerda). Os dois principais aspectos do sistema de Hegel que influenciaram Marx foram sua filosofia da história e sua concepção dialética.[17] Para Hegel, nada no mundo é estático, tudo está em constante processo (vir-a-ser); tudo é histórico, portanto. O sujeito desse mundo em movimento é o Espírito do Mundo (ou Superalma; ou Consciência Absoluta), que representa a consciência humana geral, comum a todos os indivíduos e manifesta na ideia de Deus. A historicidade é concebida enquanto história do progresso da consciência da liberdade. As formas concretas de organização social correspondem a imperativos ditados pela consciência humana, ou seja, a 31 realidade é determinada pelas ideias dos homens, que concebem novas ideias de como deve ser a vida social em função do conflito entre as ideias de liberdade e as ideias de coerção ligadas a condição natural ("selvagem") do homem. O homem se liberta progressivamente de sua condição de existência natural através de um processo de "espiritualização" – reflexão filosófica (ao nível do pensamento, portanto) que conduz o homem a perceber quem é o real sujeito da história. Marx considerou-se um hegeliano de esquerda durante certo tempo, mas rompeu com o grupo e efetuou uma revisão bastante crítica dos conceitos de Hegel após tomar contato com as concepções de Feuerbach. Manteve o entendimento da história enquanto progressão dialética (ou seja, o mundo está em processo graças ao choque permanente entre os opostos; não é estático), mas eliminou o Espírito do Mundo enquanto sujeito ou essência, porque passou a compreender que a origem da realidade social não reside nas ideias, na consciência que os homens têm dela, mas sim na ação concreta (material, portanto) dos homens, portanto no trabalho humano. A existência material precede qualquer pensamento; inexiste possibilidade de pensamento sem existência concreta. Marx inverte, então, a dialética hegeliana, porque coloca a materialidade – e não as ideias – na gênese do movimento histórico que constitui o mundo. Elabora, assim, a dialética materialista (conceito não desenvolvido por Marx, que também costuma ser referida por materialismo dialético).[17][19] “A mistificação por que passa a dialética nas mãos de Hegel não o impede de ser o primeiro a apresentar suas formas gerais de movimento, de maneira ampla e consciente. Em Hegel, a dialética está de cabeça para baixo. É necessária pô-la de cabeça para cima, a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico.”[20] A respeito da influência de Hegel sobre Marx, escreveu Lenin que, (…) é completamente impossível entender O Capital de Marx, e, em especial, seu primeiro capítulo, sem haver estudado e compreendido a fundo toda a lógica de Hegel.[21] Influência do socialismo utópico francês Por socialismo utópico costumava-se designar, à época de Marx, um conjunto de doutrinas diversas (e até antagônicas entre si) que tinham em comum, entretanto, duas características básicas: todas entendiam que a base determinante do comportamento humano residia na esfera moral/ideológica e que o desenvolvimento das civilizações ocidentais estava a permitir uma nova era onde iria imperar a harmonia social. Marx criticou sagazmente as ideias dos socialistas utópicos (principalmente dos franceses, com os quais mais polemizou), acusando-os de um romantismo ingênuo e pouca (ou nenhuma) dedicação ao estudo rigoroso da conjuntura social, pois os socialistas utópicos muito diziam sobre como deveria ser a sociedade harmônica ideal, mas nada indicavam sobre como seria possível alcançá-la plenamente. Por outro lado, pode-se dizer que, de certa forma, Marx adotou – explícita ou implicitamente – algumas noções contidas nas ideias de alguns dos socialistas utópicos (como, por exemplo, a noção de que o aumento da capacidade de produção decorrente da revolução industrial permite condições materiais mais confortáveis à vida humana, ou ainda a noção de que a crenças ideológicas do sujeito[22] lhe determinam o comportamento).[17] Influência da economia política clássica britânica Marx empreendeu um minucioso estudo de grande parte da teoria econômica ocidental, desde escritos da Grécia antiga até obras que lhe eram contemporâneas. As contribuições que julgou mais fecundas foram as elaboradas por dois economistas políticos britânicos, Adam Smith e David Ricardo (tendo predileção especial por Ricardo, a quem se referia como "o maior dos economistas clássicos"). Na obra deste último, Marx encontrou conceitos – então bastante utilizados no debate britânico – que, após fecunda revisão e reelaboração, adotou em definitivo (tais como os de valor, divisão social do trabalho, acumulação primitiva e mais-valia, por exemplo). A avaliação do grau de influência da obra de Ricardo sobre Marx é bastante desigual. Estudiosos pertencentes à tradição neo-ricardiana tendem a considerar que existem poucas diferenças cruciais entre o pensamento econômico de um e outro; já estudiosos ligados à tradição marxista tendem a delimitar diferenças fundamentais entre eles.[17][23] Crítica da religião Para Marx a crítica da religião é fundamental à crítica da exploração, pois crê que as concepções religiosas tendem a desresponsabilizar os homens pelas consequências de seus atos.[17] Marx tornou-se reconhecido como crítico sagaz da religião devido a sentença que profere em um escrito intitulado Crítica da filosofia do direito de Hegel: ―A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, assim como é o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo.‖ [24] Em verdade, Marx se ocupou muito pouco em criticar sistematicamente a atividade religiosa. Nesse quesito, ele basicamente seguiu as 32 opiniões de Ludwig Feuerbach, para quem a religião não expressa a vontade de nenhum Deus ou outro ser metafísico: é criada pela fabulação dos homens.[24] Revolução Apesar de alguns leitores de Marx adjetivarem-no de ―teórico da revolução‖, inexiste em suas obras qualquer definição conceitual explícita e específica do termo revolução.[25] O que Marx oferece são descrições e projeções históricas inspiradas nos estudos que fez acerca das revoluções francesa, inglesa e norte-americana.[17] Um exemplo de prognóstico histórico desse tipo encontra-se em Contribuição para a crítica da Economia Política: Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de revolução social.[26] Em geral, Marx considerava que toda revolução é necessariamente violenta, ainda que isso dependa, em maior ou menor grau, da constrição ou abertura do Estado. A necessidade de violência se justifica porque o Estado tenderia sempre a empregar a coerção para salvaguardar a manutenção da ordem sobre a qual repousa seu poder político, logo, a insurreição não tem outra possibilidade de se realizar senão atuando também violentamente. Diferente do apregoado pelos pensadores contratualistas, para Marx o poder político do Estado não emana de algum consenso geral, é antes o poder particular de uma classe particular, que se afirma em detrimento das demais.[25] Importante notar que Marx não entende revolução enquanto algo, como reconstruir a sociedade a partir de um zero absoluto. Na Crítica ao Programa de Gotha, por exemplo, indica claramente que a instauração de um novo regime só é possível mediada pelas instituições do regime anterior. O novo é sempre gestado tendo o velho por ponto de partida.[25] A revolução proletária, que instauraria um novo regime sem classes, só obteria sucesso pleno após a conclusão de um período de transição que Marx denominou socialismo.[17] Crítica ao Anarquismo Criticou o anarquismo por sua visão tida como ingênua do fim do Estado, onde se objetiva acabar com o Estado "por decreto", ao invés de acabar com as condições sociais que fazem do Estado uma necessidade e realidade. Na obra Miséria da Filosofia elabora suas críticas ao pensamento do anarquista Proudhon. Ainda, criticou o blanquismo com sua visão elitista de partido, por ter uma tendência autoritária e superada. Posicionou-se a favor do liberalismo, não como solução para o proletariado, mas como premissa para maturação das forças produtivas (produtividade do trabalho) e das condições positivas/negativas da emancipação proletária, como a da homogeneização da condição proletária internacional gerada pela "globalização" do capital. Sua visão política era profundamente marcada pelas condições que o desenvolvimento econômico ofereceria para a emancipação proletária, tanto em sentido negativo (desemprego), como em sentido positivo (em que o próprio capital centralizaria a economia, exemplo: multinacionais). A práxis Na lógica da concepção materialista da História não é a realidade que move a si mesma, mas comove os atores, pois trata-se sempre de um "drama histórico" (termo que Marx usa em O 18 Brumário de Luís Bonaparte) e não de um "determinismo histórico" que cairia num materialismo mecânico (positivismo), oposto ao materialismo dialético de Marx. O materialismo dialético, histórico, poderia também ser definido como uma "dialética realidade-idealidade evolutiva". Ou seja, as relações entre a realidade e as ideias se fundem na práxis, e a práxis é o grande fundamento do pensamento de Marx. Pois sendo a história uma produção humana, e sendo as ideias, produto das circunstâncias, fazer história racionalmente é a grande meta. E o próprio fazer história criará as condições objetivas e subjetivas adjacentes, já que a objetividade histórica é produto da humanidade (dos homens associados, luta política, etc). E assim, Marx finaliza as Teses sobre Feuerbach, não tratando de interpretar diferentemente o mundo, mas de transformá-lo. Pois a própria interpretação está condicionada ao mundo posto e só a ação revolucionária produz a transcendência do mundo vigente. O Capital A grande obra de Marx é O Capital, na qual trata de fazer uma extensa análise da sociedade capitalista. É predominantemente um livro de Economia Política, mas não só. Nesta obra monumental, Marx discorre 33 desde a economia, até a sociedade, cultura, política, filosofia. É uma obra analítica, sintética, crítica, descritiva, científica, filosófica, etc. Uma obra de difícil leitura, ainda que suas categorias não tenham a ambiguidade especulativa própria da obra de Hegel, no entanto, possui uma linguagem pouco atraente e nem um pouco fácil. Dentro da estrutura do pensamento de Marx, O Capital é o principal conhecimento, tanto para a humanidade em geral, quanto para o proletariado em particular, pois somente através de uma análise radical da realidade, é possível se desviar da ideologia dominante ("a ideologia dominante" é sempre da "classe dominante"). Sobre o caráter da abordagem econômica das formações societárias humanas, afirmou A. de Walhens: "O marxismo é um esforço para ler, por trás da pseudo-imediaticidade do mundo econômico reificado as relações inter-humanas que o edificaram e se dissimularam por trás de sua obra."[27] Cabe lembrar que O Capital é uma obra incompleta, tendo sido publicado apenas o primeiro volume com Marx vivo. Os demais volumes foram organizados por Engels e publicados posteriormente. A mais-valia O conceito de Mais-valia foi empregado por Karl Marx para explicar a obtenção dos lucros no sistema capitalista. Para Marx o trabalho gera a riqueza, portanto, a mais-valia seria o valor-extra da mercadoria. A diferença entre o que o empregado produz e o que ele recebe. Os operários em determinada produção produzem bens (ex: 100 carros num mês), se dividirmos o valor dos carros pelo trabalho realizado dos operários teremos o valor do trabalho de cada operário. Entretanto os carros são vendidos por um preço maior, esta diferença é o lucro do proprietário da fábrica, a esta diferença Marx chama de valor excedente ou maior, ou mais-valor. (Singer, Paul. Marx – Economia in: Coleção Grandes Cientistas Sociais; Vol 31.) ESCOLA DE FRANKFURT Crítica à sociedade de comunicação de massa. Qual é a influência dos meios de comunicação de massa, como a TV, sobre uma sociedade? Como as pessoas são mobilizadas a acompanharem um noticiário? Como se estivessem assistindo a uma telenovela, como ocorreu no recente caso da morte da menina Isabella Nardoni? Os primeiros filósofos que detectaram a dissolução das fronteiras entre informação, consumo, entretenimento e política, ocasionada pela mídia, bem como seus efeitos nocivos na formação crítica de uma sociedade, foram os pensadores da Escola de Frankfurt. Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor W. Adorno (1903-1969) são os principais representantes da escola, fundada em 1924, na Universidade de Frankfurt, na Alemanha. No local, um conjunto de teóricos, entre eles Walter Benjamin (1892-1940), Jürgen Habermas (1929), Herbert Marcuse (1898-1979) e Erich Fromm (1900-1980), desenvolveram estudos de orientação marxista. Os estudos dos filósofos de Frankfurt ficaram conhecidos como Teoria Crítica, que se contrapõe à Teoria Tradicional. A diferença é que enquanto a tradicional é "neutra" em seu uso, a crítica busca analisar as condições sociopolíticas e econômicas de sua aplicação, visando à transformação da realidade. Um exemplo de como isso funciona é a análise dos meios de comunicação caracterizados como indústria cultural. Indústria cultural Em um texto clássico escrito em 1947, "Dialética do Iluminismo", Adorno e Horkheimer definiram indústria cultural como um sistema político e econômico que tem por finalidade produzir bens de cultura - filmes, livros, música popular, programas de TV etc. - como mercadorias e como estratégia de controle social. A ideia é a seguinte: os meios de comunicação de massa, como TV, rádio, jornais e portais da Internet, são propriedades de algumas empresas, que possuem interesse em obter lucros e manter o sistema econômico vigente que as permitem continuarem lucrando. Portanto, vendem-se filmes e seriados norte-americanos, músicas (funk, pagode, sertaneja etc.) e novelas não como bens artísticos ou culturais, mas como produtos de consumo que, neste aspecto, em nada se diferenciariam de sapatos ou sabão em pó. Com isso, ao invés de contribuírem para formar cidadãos críticos, manteriam as pessoas "alienadas" da realidade. Como afirmam no texto: "Filmes e rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia. Esta deverá legitimar os refugos que de propósito produzem. Filme e rádio se autodefinem como indústrias, e as cifras dos rendimentos de seus diretores-gerais tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos." Para Adorno, os receptores das mensagens dos meios de comunicação seriam vítimas dessa indústria. Eles teriam o gosto padronizado e seriam induzidos a consumir produtos de baixa qualidade. Por essa razão, a 34 indústria cultural substitui o termo cultura de massa, pois não se trata de uma cultura popular representada em novelas da Rede Globo, por exemplo, mas de uma ideologia imposta às pessoas. Dominação política E como a indústria cultural torna-se mecanismo de dominação política? Adorno e Horkheimer vislumbraram os meios de comunicação de massa como uma perversão dos ideais iluministas do século 18. Para o Iluminismo, o progresso da razão e da tecnologia iria libertar o homem das crenças mitológicas e superstições, resultando numa sociedade mais livre e democrática. Mas os pensadores da Escola de Frankfurt, que eram judeus, se viram alvos da campanha nazista com a chegada de Hitler ao poder nos anos 30, na Alemanha. Com apoio de uma máquina de propaganda que, pela primeira vez, usou em larga escala os meios de comunicação como instrumentos ideológicos, o nazismo era uma prova de como a racionalidade técnica, que no Iluminismo serviria para libertar o homem, estava escravizando o indivíduo na sociedade moderna. Nas mãos de um poder econômico e político, a tecnologia e a ciência seriam empregadas para impedir que as pessoas tomassem consciência de suas condições de desigualdade. Um trabalhador que em seu horário de lazer deveria ler bons livros, ir ao teatro ou a concertos musicais, tornando-se uma pessoa mais culta, questionadora e engajada politicamente, chega em casa e senta-se à frente da TV para esquecer seus problemas, absorvendo os mesmos valores que predominam em sua rotina de trabalho. É desta forma que a indústria cultural exerceria controle sobre a massa. Como resultado, ao invés de cidadãos conscientes, teríamos apenas consumidores passivos. Totalitarismo eletrônico Posteriormente, entre os anos 70 e 80 (século XX), os frankfurtianos foram muito criticados por uma visão reducionista dos receptores, graças a pesquisas que demonstraram que as pessoas não são tão manipuláveis quanto Adorno pensava na época. Além disso, nem toda produção cultural se resume à indústria. Nas histórias em quadrinhos, por exemplo, temos Disney e Maurício de Souza, mas temos também quadrinhos alternativos e autorais. Apesar disso, Adorno e Horkheimer tiveram o mérito de serem os precursores da denúncia de um "totalitarismo eletrônico", em que diversão e assuntos importantes são "mixados" num só produto; em que representantes políticos são escolhidos como se fossem sabonetes. Neste sentido, a crítica permanece atual. NOTAS E REFERÊNCIAS: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. ↑ a b c Teichman, J.; Evans, K. C. Philosophy: a beginner's guide. 3rd ed. Oxford: Blackwell. ↑ Versão eletrônica do diálogo platônico Teeteto. p. 16. ↑ Aristotle, Metaphysics. The Internet Classics Archive. ↑ Magee, Bryan. História da Filosofia. Edições Loyola. pág. 7 ↑ Magee, Bryan. História da Filosofia. Edições Loyola. pág. 8 ↑ Magee, Bryan. História da Filosofia. Edições Loyola. pág. 9 ↑ a b Chauí, Marilena. Convite à Filosofia. pág. 19. ↑ (em francês) R. Bödéus, "philosophía", in (dir.) 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Maurer, Armand; Levi, Albert W.; Stroll, Avrum; Wolin, Richard, «Western philosophy» (em inglês), Encyclopædia Britannica Online ↑ Ver §4 da introdução de An essay concerning human understandig, de John Locke; a introdução do Tratado da natureza humana, de David Hume; e o prefácio da primeira edição da Crítica da razão pura, de Kant. ↑ Solomon, R. C; Higgins, K. M. The Big Questions. pp. 135s. ↑ Cooper, D. E. Filosofias do Mundo. p. 371. ↑ Russell, B. História do Pensamento Ocidental. pp. 442s. ↑ William Outhwaite (ed.), The Blackwell dictionary of modern social thought. p. 44. ↑ Soames, Scott. Philosophical analysis in the twentieth century. Princeton: Princeton University Press, 2003. V. 2. p. 463 ↑ Os estudiosos falam de medio platonismo para caracterizar a interpretação dada à filosofia de Platão durante os primeiros séculos da era imperial. A palavra médio encerra certo preconceito em relação aos pensadores dessa época, considerada como simples transição entre o platonismo cético da época helenística e o neoplatonismo, desenvolvido a partir do século III. Somente nas últimas décadas os historiadores da filosofia (J. Dillon, The Middle Platonists, Cornell University Press, Ithaca, N.Y. 1977) começaram a reavaliar a filosofia da era imperial, percebendo a originalidade e a especificidade dos pensadores médio-platônicos. Assoum, Paul-Laurent. (1991). "A Escola de Frankfurt". São Paulo: Ática. Horkheimer, M.; Adorno, T.W.; Habermas, J. (1975). "Textos Escolhidos". Coleção "Os Pensadores". São Paulo: Abril Cultural. Matos, Olgária C. F. (2006). "A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo". São Paulo: Moderna. http://educacao.uol.com.br/filosofia/escola-de-frankfurt.jhtm 36