Dissociação, desenvolvimento sustentável e

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1 DISSOCIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO: O PAPEL DO CAPITAL SOCIAL Fabiana Funk 1 Lucir Reinaldo Alves 2 Sessão/área temática: 3. Territórios revitalizados: Sinergia e Capital Social RESUMO O objetivo desse artigo é apresentar as principais idéias e conceitos referentes ao desenvolvimento endógeno, dissociação, desenvolvimento sustentável e o papel do capital social nesse contexto. O século XXI inicia­se com a intensificação da globalização da economia e da sociedade e, portanto, com a expansão das relações econômicas, políticas e institucionais entre países. O Estado cede seu lugar de protagonista às empresas administradas pelo capital privado. O processo de globalização, ou ocidentalização do mundo resulta no aumento da concorrência entre empresas, na formação de uma nova divisão internacional do trabalho, numa nova organização do sistema de cidades e regiões contribuindo, na atualidade, para o crescimento da pobreza no mundo. Diante da concentração descomunal de riquezas e da disparidade existente entre os países ‘desenvolvidos’ e os considerados ‘em desenvolvimento’, surge a necessidade de aproximá­los. Para tentar afastar magicamente os efeitos causados pela evolução desigual do desenvolvimento, entra­se na era dos desenvolvimentos ‘com adjetivos’. Surgem programas de desenvolvimento autocentrados, participativos, comunitários, integrados, autênticos, autônomos, populares, endógenos, entre outros tantos. Assim, discutiremos neste trabalho o processo de dissociação, desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento endógeno e o papel do capital social em todos esses processos. A dissociação aparece como uma tentativa de isolar a economia interna de uma sociedade dos efeitos dinâmicos do desenvolvimento, com vistas a promover o desenvolvimento endógeno. Logo, o desenvolvimento endógeno baseia­se na execução de políticas de fortalecimento e qualificação de estruturas internas, visando à consolidação de um desenvolvimento local, a partir da criação de condições sociais e econômicas para a geração e atração de novas atividades produtivas. Assim, a idéia de desenvolvimento sustentável surge como uma nova estratégia de desenvolvimento regional baseado nos valores locais e comunitários através de algumas características fundamentais, tais como o social, econômico, político, cultural, tecnológico e ambiental, aliando­se ao desenvolvimento endógeno, na busca de potencializar as características determinantes de cada território, de cada região. Entretanto, alcançar as mudanças necessárias para o sucesso do desenvolvimento endógeno e do desenvolvimento sustentável, demanda a ação dos grupos e indivíduos, ou seja, a participação efetiva do capital social: lares, organizações comunitárias, movimentos sociais, ONGs, produtores e empresas de pequeno a médio portes, governos e organizações governamentais locais e regionais, instituições de pesquisa e ensino. Cada membro, cada setor tem o seu papel. A partir da participação ativa do capital social o desenvolvimento regional sustentável tratará, assim, de assuntos específicos de cada territorialidade, abordando temas cujas decisões estão em sua esfera de atuação. Desta forma, cria­se harmonia entre as competências e o apoio mútuo na formulação e implementação de ações para o desenvolvimento. É essa a discussão que esse artigo objetivará apresentar. Palavras­chave: Desenvolvimento desenvolvimento sustentável. 1 regional, capital social, desenvolvimento endógeno, Geógrafa e Especialista em Geografia do Brasil pela Universidade federal de Pelotas (UFPEL). Mestranda do Programa de Pós­graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Bolsista da CAPES. E­mail: [email protected] 2 Economista pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)/Campus Toledo. Mestrando do Programa de Pós­ graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Bolsista da CAPES. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC). E­mail: [email protected]
2 1 INTRODUÇÃO Segundo Harvey (1994) as décadas iniciais do século XX marcaram o início da consolidação da industrialização (Fordismo) no mundo. As características mais marcantes desse período foram o consumo e a produção em massa. O ápice dessa fase do capitalismo industrial ocorreu no pós­guerra. Da mesma forma, nunca a natureza fora tão farta em prover o crescimento de matérias­primas para as indústrias e para a geração de energia. Nesse período, o conceito de desenvolvimento tinha como meta o progresso (MIOTTO, 1996). Entretanto, todo esse progresso econômico começou a gerar problemas, pois o consumo e a produção em massa também geraram consumo em massa de matéria­prima e poluição, pelas indústrias, em grandes proporções. Assim, esse sistema era econômico e ambientalmente insustentável a longo prazo (AMSTALDEN, 1996). Mendes (2005) acrescenta que o atual modelo de crescimento econômico gerou enormes desequilíbrios; se, por um lado, nunca houve tanta riqueza e fartura no mundo, por outro lado, a miséria, a degradação ambiental e a poluição aumentam dia a dia. Todas as modificações ocorridas nos processos produtivos a partir dos anos 80, aliadas ao crescimento das desigualdades entre os países considerados ‘desenvolvidos’ e ‘em desenvolvimento’, forçaram profundas transformações nas teorias e políticas de desenvolvimento regional. É neste contexto que surgem as idéias do desenvolvimento endógeno, e posteriormente do desenvolvimento sustentável, buscando conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental e a participação do capital social. O desenvolvimento endógeno tem sua origem na década de 70, quando as propostas para o desenvolvimento evoluíram baseadas nos problema do crescimento desequilibrado. Assim, a dissociação aparece como uma tentativa de isolar a economia interna de uma sociedade dos efeitos dinâmicos do desenvolvimento, com vistas a promover o desenvolvimento endógeno. Os estudos referentes ao desenvolvimento endógeno tentaram entender por que o nível de crescimento variava entre as diversas regiões e nações, mesmo elas dispondo das mesmas condições na busca de fatores produtivos, como capital financeiro, mão­de­ obra ou tecnologia. A solução encontrada foi identificar quais os fatores de
3 desenvolvimento intrínsecos de cada região, de forma que o desenvolvimento sustentável venha a contribuir para tal. Da mesma forma, a idéia de desenvolvimento sustentável surge como uma nova estratégia de desenvolvimento regional baseado nos valores locais e comunitários através de algumas características fundamentais, tais como o social, econômico, político, cultural, tecnológico e ambiental (BECKER, 1999). Neste sentido, esse artigo objetiva apresentar as principais idéias e conceitos referentes ao desenvolvimento endógeno, dissociação, desenvolvimento sustentável e o papel do capital social nesse contexto. 2 DISSOCIAÇÃO A dissociação, aliada ao desenvolvimento endógeno foram estratégias de desenvolvimento adotadas por economias socialistas como, por exemplo, China, Cuba, Albânia e Coréia do Norte. A dissociação nada mais é do que a tentativa de isolar a economia interna de uma sociedade, região, setor ou país, dos efeitos dinâmicos do desenvolvimento e do mercado, com o objetivo de permitir o surgimento de uma economia autônoma e autocentrada, isto é, endógena, voltada para dentro (BARQUERO, 2001). Os elementos básicos de estratégias de dissolução são o protecionismo estatal, o fomento à produção de bens de consumo e bens intermediários, o desenvolvimento de tecnologias adequadas, aumento da produtividade agropecuária e orientação ao mercado e às demandas sociais internas (BARQUERO, 2001). 3 O DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO (D.E.) No sistema desenvolvimentista capitalista, evidencia­se a diminuição da intervenção do Estado na economia, assim como a privatização de serviços de caráter público e a diminuição do papel das políticas redistributivas, industriais e regionais. Cabe ao Estado somente propiciar condições para que os fatores de acumulação do capital funcionem adequadamente. A partir dos anos 80 ocorre uma profunda modificação na política econômica, onde os atores locais e regionais passaram a empreender ações objetivando o crescimento das economias locais e regionais, como resposta das
4 comunidades aos desafios colocados pela desindustrialização e pelo aumento do desemprego. As comunidades sentiram a necessidade de reestruturar seus sistemas produtivos, para enfrentar as transformações do mercado. Isto foi feito mediante a introdução de mudanças organizacionais, tecnológicas, produtivas e comerciais capazes de torná­las mais competitivas. Frente à passividade das administrações centrais, os atores locais buscaram incentivar e controlar os processos de ajuste, o que deu lugar à política de desenvolvimento econômico local. O desenvolvimento regional endógeno pode ser assim entendido como Um processo interno de ampliação contínua da capacidade de agregação de valor sobre a produção, bem como da capacidade de absorção da região, cujo desdobramento é a retenção do excedente econômico gerado na economia local e/ou a atração de excedentes provenientes de outras regiões. Este processo tem como resultado a ampliação do emprego, do produto e da renda local, em um modelo de desenvolvimento regional definido (AMARAL FILHO, 1996, p.37) Para Barquero (2002), as características condicionantes para o desenvolvimento endógeno consistem em ativar os fatores determinantes dos processos de acumulação de capital, a partir da difusão de inovações no sistema produtivo, da organização flexível da produção, desenvolvimento urbano do território, flexibilidade e complexidade institucional com o fortalecimento das instituições. Para Hegel (1980) o desenvolvimento somente seria tido como tal se este acontecesse de forma endógena. Este autor ainda caracteriza o desenvolvimento endógeno como aquele desenvolvimento que se realiza a partir de decisões dos agentes locais e cujos frutos são apropriados pelos mesmos. Assim, o desenvolvimento é alcançado somente com a construção do indivíduo, e esta só acontece quando a evolução não está ligada a fatores externos, quando esta é feita com autonomia, com liberdade. Diante do exposto, Hegel (1980) enfatiza a dissociação, ou seja, separa os elementos que poderiam influenciar negativamente a promoção do desenvolvimento puro, do desenvolvimento endógeno. De maneira geral, os principais objetivos do desenvolvimento endógeno são:
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Aumentar a produtividade e a competitividade do sistema produtivo;
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Melhorar a distribuição de renda local, superando os desequilíbrios através do fomento de todos os territórios com potencialidades de desenvolvimento competitivo;
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Conservar os recursos naturais e o patrimônio histórico­cultural.
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Organizar os agentes internos, de forma que estes tirem proveito dos potenciais de desenvolvimento existentes no próprio território. Uma das principais características do desenvolvimento endógeno é que boa parte de suas iniciativas locais se propõe a atuar sobre os fatores determinantes do processo de acumulação de capital. E um de seus eixos de política de desenvolvimento local é a difusão e inovação do conhecimento, o que é comprovado no caso de algumas iniciativas associadas a territórios com dinâmicas produtivas e níveis de desenvolvimento diferentes. A política econômica local está associada a uma abordagem de baixo para cima da política de desenvolvimento, na qual são os atores locais que desempenham o papel central em sua definição, execução e controle. Em suas formas mais avançadas, os atores locais organizam­se formando redes, que servem de instrumento para conhecer e entender a dinâmica do sistema produtivo e das instituições, bem como para conjugar iniciativas e executar as ações que compõem a estratégia de desenvolvimento local (BARQUERO, 2002, p.29) O Desenvolvimento endógeno permite explicar o processo de acumulação capitalista e identificar os mecanismos que contribuem para o aumento da produtividade e competitividade das cidades e regiões. É uma interpretação voltada para as ações que a comunidade civil pode dar aos desafios produzidos pelo aumento da concorrência do mercado. O desenvolvimento de formas alternativas de gestão econômica, através de organizações intermediárias, e a criação de associações e de redes públicas e privadas possibilitam que as cidades e regiões otimizem suas vantagens competitivas e sejam incentivadoras do desenvolvimento econômico. A principal idéia do desenvolvimento endógeno é que o sistema produtivo dos países se expanda e se transforme pela utilização do potencial de desenvolvimento contido no território, mediante os investimentos realizados por empresas e agentes públicos locais, sob o crescente controle da comunidade local. O desenvolvimento endógeno é resultado da convergência de duas linhas de pesquisa. Uma de caráter teórico, que nasceu da tentativa de encontrar uma noção de desenvolvimento que levasse em conta os efeitos da atuação pública na evolução das localidades e regiões atrasadas. A outra, de caráter empírico, surgiu em decorrência da interpretação dos processos de desenvolvimento autocentrado e do desenvolvimento de ‘baixo para cima’, que aparece como uma reação à
6 insatisfação provocada pelo esgotamento do modelo desenvolvimentista a partir de fora, proposto nos anos 60 e 70. Assim, o desenvolvimento endógeno propõe­se a atender às necessidades e demandas da população local através da participação ativa da comunidade envolvida, com o objetivo de buscar o bem­estar econômico, social e cultural da comunidade local em seu conjunto. Além de influenciar os aspectos produtivos (agrícolas, industriais e de serviços), a estratégia de desenvolvimento procura também atuar sobre as dimensões sociais e culturais que afetam o bem­estar da sociedade, o que leva a diferentes caminhos de desenvolvimento, conforme as características e as capacidades de cada economia e sociedades locais. O território aparece como um agente de transformação e não um mero suporte dos recursos e atividades econômicas, uma vez que há interação entre as empresas e os demais atores econômicos. O ponto de partida para uma comunidade territorial reside no conjunto de recursos ­ econômicos, humanos, institucionais e culturais – formadores de seu potencial de desenvolvimento. São precisamente as pequenas e médias empresas que, com sua flexibilidade e capacidade empresarial e organizacional, estão fadadas a ocupar um papel de protagonistas nos processos de desenvolvimento endógeno. Segundo Barquero (2002), o desenvolvimento endógeno nada mais é do que um instrumento para a ação. As comunidades locais têm uma identidade própria, que as leva a tomarem iniciativas visando assegurar o seu desenvolvimento. Em suma, o desenvolvimento endógeno pode ser visto como um processo de crescimento econômico e de mudança estrutural, liderado pela comunidade local ao utilizar seu potencial de desenvolvimento, que leva à melhoria do nível de vida da população, onde o social se integra ao econômico. Pelo menos três dimensões podem ser destacadas dentro do desenvolvimento endógeno: uma econômica, caracterizada por um sistema específico de produção capaz de assegurar aos empresários locais o uso eficiente dos fatores produtivos e a melhoria dos níveis de produtividade que lhes garantem competitividade; uma outra sociocultural, na qual os atores econômicos e sociais se integram às instituições locais e formam um denso sistema de relações, que incorpora os valores da sociedade ao processo de desenvolvimento; e uma terceira, que é política e se materializa em iniciativas locais, possibilitando a criação de um entorno local que incentiva a produção e favorece o desenvolvimento sustentável.
7 No sistema de desenvolvimento local, existe uma dinâmica nos sistemas de produção local, onde as atividades econômicas, recursos humanos e naturais, que são usados em forma de redes internas, dão lugar a uma multiplicidade de mercados internos e ao intercâmbio de informações e conhecimentos, propiciando o crescimento da relação de cooperação e de concorrência entre as empresas. São os chamados distritos industriais, que conciliam a competitividade com a reprodução social interna. O desenvolvimento endógeno ocorre em uma sociedade organizada, cujas formas de organização e cultura condicionam os processos de mudança estrutural e que por sua vez, respondem às condições do processo de desenvolvimento. A dinâmica econômica e as novas formas de produção colaboram para a evolução da organização social, da cultura e dos valores da população. A própria dinâmica dos sistemas produtivos locais serviu para fortalecer a cultura empresarial e para o acúmulo de conhecimentos tecnológicos, produtivos e comerciais, resultando na melhoria da qualificação e da formação de mão­de­obra e do empresariado. Da mesma forma, contribuiu para a mudança cultural das cidades e regiões em que se verificou a ocorrência de processos de desenvolvimento endógeno. O desenvolvimento endógeno é, portanto, um processo de crescimento e de mudança estrutural no qual a organização do sistema produtivo, a rede de relações entre atores e atividades, a dinâmica de aprendizagem e o sistema sociocultural são determinantes no processo de mudança. Ainda, é caracterizado pela sua dimensão territorial, não apenas em função do efeito espacial dos processos organizacionais e tecnológicos, mas também pelo fato de cada localidade e região ser o resultado de uma história ao longo da qual foi sendo configurado o entorno institucional, econômico e organizacional. Historicamente, cada comunidade territorial foi evoluindo estruturada sobre os vínculos de interesses de seus grupos e atores sociais e de uma cultura própria que a diferencia das demais comunidades. Então, cada território se articula com o sistema econômico internacional segundo sua própria história, o que lhe dá possibilidades específicas no processo de reestruturação produtiva. O desenvolvimento econômico se dará então, tanto em pequenas empresas como nos grandes empreendimentos, desde que estejam interligados, que permitam obter economias de escala e que se reduzam os custos das transações. Ao passo que a origem dos recursos locais também não é determinante, já que o que define efetivamente os processos de desenvolvimento endógenos é a capacidade da
8 comunidade local de controlar as mudanças ocorridas em uma localidade ou região. Assim, o território não se mostra um receptor passivo das ações das grandes empresas e das organizações externas, posto que, ao contar com uma estratégia própria, está em condições de influenciar a dinâmica econômica local. A interpretação do desenvolvimento endógeno, voltado para a ação, dá à comunidade local e regional a possibilidade de enfrentar os desafios colocados pelo aumento da concorrência. O conceito de desenvolvimento endógeno está freqüentemente ligado aos processos de industrialização endógena, isto é, à dinâmica econômica das cidades e regiões cujos crescimentos e mudanças estruturais se organizam em torno da expansão das atividades industriais e que, para tanto, fazem uso do potencial existente no território. 4 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (D.S.) O modelo de desenvolvimento atual industrial/tecnológico ­ com o predomínio de estratégias de mercado e a crescente globalização da economia ­ depara­se com a crescente desigualdade social e o aumento da distância econômica, social e ambiental entre os países, ou seja, este é um sistema de desenvolvimento ecologicamente depredador, socialmente perverso e politicamente injusto, tanto nacional como internacionalmente. Uma estratégia para superar esses problemas seria mudar o atual estilo de desenvolvimento adotando os critérios de sustentabilidade (GUIMARÃES, 1997). Assim, o desenvolvimento sustentável vem a se aliar ao desenvolvimento endógeno, na busca de potencializar as características determinantes de cada território, de cada região. Dessa forma, os caminhos para o desenvolvimento sustentável, segundo Sachs (2002) são o cumprimento da satisfação das necessidades básicas; solidariedade com as gerações futuras; participação da população envolvida; preservação dos recursos naturais e do meio ambiente; elaboração de um sistema social que garanta emprego, segurança social e respeito a outras culturas; e, programas de educação. O que culminará com o conceito de desenvolvimento sustentável sendo aquele desenvolvimento que atende as necessidades das gerações atuais, sem comprometer o sustento das gerações futuras.
9 Os princípios do desenvolvimento sustentável estão na base da Agenda 21, com uma nova visão sobre um velho desafio: o desenvolvimento. Nesta nova ótica, a noção de desenvolvimento, por muito tempo identificado ao progresso econômico, extrapola o domínio da economia através da sua integração com as dimensões social, ambiental e institucional, apoiando­se em novos paradigmas (IBGE, 2005). A Agenda 21 defende o desenvolvimento sustentável como sendo ampliado e progressivo. Ampliado, pois preconiza a idéia da sustentabilidade permeando todas as sete dimensões da vida (a econômica, a social, a territorial, a científica e tecnológica, a política e a cultural); e progressiva no sentido de não poder aguçar os conflitos a ponto de torná­los inegociáveis, e sim torná­los administráveis no tempo e no espaço (VEIGA, 2005). Segundo o Relatório Brundtland, o conceito de desenvolvimento sustentável não diz respeito apenas ao impacto da atividade econômica no meio ambiente. Desenvolvimento sustentável se refere principalmente às conseqüências dessa relação na qualidade de vida e no bem­estar da sociedade, tanto presente quanto futura. Atividade econômica, meio ambiente e bem­estar da sociedade formam o tripé básico no qual se apóia a idéia de desenvolvimento sustentável (ECONOMIA, 2005a). Da mesma forma, para Guimarães apud Amstalden (1996), o desenvolvimento sustentável multidimensional é a saída para que o atual modelo de desenvolvimento possa continuar atuando. Para este autor, o desenvolvimento sustentável é uma proposta generalizada de realocação e transformação das relações sociais, políticas, econômicas, ambientais, tecnológicas, de trabalho, consumo, etc.; ou seja, uma transformação estrutural preocupada socialmente com os grupos excluídos e marginalizados social e economicamente. Sachs (2002) reforça a idéia de desenvolvimento sustentável multidimensional e acrescenta que o processo do desenvolvimento sustentável deve envolver o planejamento local e participativo, no nível micro, das autoridades locais, comunidades e associações de cidadãos envolvidos e com participação das governanças nacionais e internacionais. Além disso, a transformação do modelo atual de desenvolvimento requer um esforço coletivo, pois passa pelo pressuposto maior de transformação em sociedades sustentáveis, com todas suas particularidades sócio­ambientais, produtivas e essencialmente culturais preservadas. Nesse sentido, tanto os Governos precisam assumir os princípios da sustentabilidade, como eixo estratégico norteador das políticas públicas, quanto os cidadãos precisam mudar hábitos e
10 atitudes. É necessário aprender a reduzir o consumo de água e energia, escolher produtos locais, optar pelo transporte coletivo, gerar menos lixo, dentre muitas outras ações que se aproximam de um comportamento mais sustentável (AGENDA21, 2006). A falta de entendimento de que o desenvolvimento sustentável não é apenas um plano ambiental tem levado a comunidade a cobrar dos órgãos de meio ambiente locais a iniciativa do processo, o que vem provocando grande liderança dessa área. Isso não significa um problema, desde que, no passo a passo do processo, este seja ampliado para as diferentes instituições locais, governamentais e da sociedade civil organizada, em seus diferentes setores. Assim, o maior êxito ocorrerá quando a noção de “processo contínuo” for associada à sustentabilidade, ou seja, que não deve ser entendida como um único acontecimento, documento ou atividade. No processo de desenvolvimento sustentável, a comunidade identifica suas potencialidades, seus recursos e suas fragilidades. Dessa forma, estará apta a fazer as escolhas para construir as bases de uma sociedade sustentável. Assim, Haddad (2005) afirma que o desenvolvimento sustentável não é algo que se conquista em curto prazo. Ele é fruto de um longo processo que envolve o dedicado trabalho de muitas gerações e várias administrações para melhorar o desempenho dos indicadores econômicos, sociais e ambientais de uma sociedade. Neste panorama, Sachs (2004), afirma que esse é um processo interativo que inclui procedimentos de baixo para cima e de cima para baixo dentro de um projeto nacional de longo prazo, ou seja, uma visão compartilhada pela maioria dos cidadãos da nação sobre valores, a sua conversão em objetivos societais e a inserção do seu Estado­Nação num mundo globalizado. 5 O PAPEL DO CAPITAL SOCIAL NO PROCESSO DE DISSOCIAÇÃO E NO DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO E SUSTENTÁVEL Ainda não há um consenso sobre a definição do capital social, haja vista, que é um conceito de recente exploração que se encontra em um estágio de delimitação de sua identidade. Mesmo assim, é voz corrente afirmar que no estudo do capital social incorpora­se um ampliado número de importantes variáveis que até então não tinham sido objeto de enquadramento no âmbito convencional de tais teorias (SILVA, 2005). Por capital social se entende o conjunto de normas, instituições e organizações que promovem a confiança e a cooperação entre as
11 pessoas, nas comunidades e na sociedade em seu conjunto (DURSTON, 1999, p. 103). Quem de fato popularizou o conceito de capital social foi Robert Putnam, com seu estudo sobre a Itália onde procurou explicar as diferenças de engajamento cívico e de governos regionais efetivos entre o Centro­Norte e o Sul Italianos, a partir de seus diferentes estoques de capital social. Segundo Putnam (2000) a superação dos dilemas da ação coletiva e do oportunismo contraproducente daí resultante, depende do contexto social mais amplo em que determinado jogo é disputado. O autor ainda acrescenta que “A cooperação voluntária é mais fácil numa comunidade que tenha herdado um bom estoque de capital social sob a forma de regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica [...] Aqui o capital social diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas ” (PUTNAM, 2002, p. 177) Durston (2000), comentando ainda sobre os benefícios do capital social, acrescenta que “as relações estáveis de confiança, reciprocidade e cooperação podem contribuir para três tipos de benefícios: reduzir os custos de transação, produzir bens públicos e facilitar a constituição de efetivas organizações de base local, de atores sociais e de sociedades civis saudáveis” (DURSTON, 2000, p. 7) É nesta perspectiva de cooperação e laços de confiança que entendemos ser necessário o processo de desenvolvimento endógeno e sustentável. Neste contexto, a elaboração desse desenvolvimento deve ser entendida como um processo de planejamento participativo que analisa a situação atual da comunidade e planeja o futuro de forma sustentável. É nesse processo de planejamento que todos os atores sociais devem ser envolvidos na discussão dos principais problemas e na formação de parcerias e compromissos para a sua solução a curto, médio e longo prazos. A análise e o encaminhamento das propostas para o futuro devem ser feitos dentro de uma abordagem integrada e sistêmica das dimensões econômica, social, ambiental e político­institucional. Assim, espera­se que sejam gerados produtos concretos, exeqüíveis e mensuráveis, derivados de compromissos pactuados entre todos os atores, o que é entendido como um fator capaz de garantir a sustentabilidade dos resultados. Entretanto, alcançar as mudanças necessárias para o sucesso do desenvolvimento endógeno e sustentável, em nível local, demanda a ação dos
12 grupos e indivíduos: lares, organizações comunitárias, movimentos sociais, ONGs, produtores e empresas de pequeno a médio portes, governos e organizações governamentais locais e regionais, instituições de pesquisa e ensino. Cada membro, cada setor tem o seu papel. Para exemplificar, no plano governamental existe um papel específico para cada uma das esferas de governo na definição de políticas públicas. O plano federal define as políticas gerais e estruturantes do País elaborando diretrizes e princípios. Aos Estados e municípios cabe, em seu espaço territorial, exercício semelhante de formulação de políticas públicas, em atendimento ao princípio federativo. A sociedade civil tem papel fundamental no monitoramento do desenvolvimento sustentável, mantendo uma atuação ativa e crítica, mas isso só pode ocorrer se os governos exercerem as leis de forma transparente, requerendo que as informações estejam disponíveis para análise. Contando com a participação ativa dos parceiros, o desenvolvimento regional endógeno e sustentável tratará, assim, de assuntos específicos de cada territorialidade abordando temas cujas decisões estão em sua esfera de atuação. Desta forma, cria­se harmonia entre as competências e o apoio mútuo na formulação e implementação de ações para o desenvolvimento. Mas a participação democrática precisa ser assegurada por normas legitimadas pelo processo político e apropriadas pela sociedade local, permitindo que sejam colocadas em prática pelas instituições públicas, trabalhando integradas a partir dos seus focos setoriais ou corremos o risco de não ver incluídas como prioridades no âmbito da sustentabilidade demandas por justiça social e ambiental. Assim, chegar­se­ia num estágio de desenvolvimento e de mudança estrutural que possa ser liderado pela comunidade local. Nesse estágio a população local já possui conhecimento do seu potencial de desenvolvimento e se organiza para condicionar os processos de mudança estrutural necessários ao processo de desenvolvimento, e isso resulta em melhora na qualidade de vida da população, com efetiva integração do capital com o social. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desse artigo foi apresentar as principais idéias e conceitos referentes ao desenvolvimento endógeno, dissociação, desenvolvimento sustentável e o papel do capital social nesse contexto.
13 A contribuição do desenvolvimento endógeno foi demonstrar a importância dos fatores de produção atualmente decisivos, como o capital social, capital humano e o conhecimento no processo de desenvolvimento. Assim, os territórios dotados destes fatores ou estrategicamente direcionados para desenvolvê­los internamente teriam as melhores condições de atingir um desenvolvimento acelerado e equilibrado. Por meio da dissociação, os territórios assumem uma postura auto­ suficiente, onde os recursos disponíveis são usados para suprir as necessidades com vistas a promover o progresso. Além disso, o desenvolvimento endógeno somente será alcançado sem a influência externa, ou quando esta influência for limitada por critérios previamente estabelecidos pelos agentes internos integrantes do território. Esses fatores podem condicionar um desenvolvimento sustentável atingido por meio de iniciativas locais, sempre valorizando os aspectos preponderantes de cada território. Assim, para realizar políticas públicas de desenvolvimento endógeno e sustentável, ou seja, planejar esse novo sistema, há a exigência de um alto nível de conscientização e de participação tanto do governo e da iniciativa privada, mas principalmente, da sociedade. Portanto, o Estado deve “encabeçar” o planejamento participativo do desenvolvimento sustentável e não deixar que fique à mercê do livre mercado, e garantir que a satisfação das necessidades básicas da população, principalmente dos pobres, seja um objetivo comum, horizontalizando as ações e tornando um processo contínuo. REFERÊNCIAS Agenda21 e a sustentabilidade das cidades . Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteud o=604> Acesso em: 16 maio de 2006. AMARAL FILHO, J. Desenvolvimento regional endógeno em um ambiente federalista. In: Planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA. n 14. dez. AMSTALDEN, Luis Fernando F. Desenvolvimento sustentável e pós­modernidade. In: RODRIGUES, Arlete Moysés. (Org.). Desenvolvimento sustentável: teorias, debates, aplicabilidades. Campinas: IFCH/Unicamp, 1996. (Textos Didádicos). BARQUERO, A.V. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Traduação de Ricardo Brinco – Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística, 2001.
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