JP 2 JP2 JORNAL DO POVO/6 Sábado e domingo, 8 e 9 de novembro de 2008 Sobre crianças e cachorros EDUARDO FLORENCE [email protected] Declínio e queda Os ingleses são muito estatísticos, são muito límpidos, mas quando dominaram o mundo foram como todos os impérios, bastante cruéis. Depois que o império britânico, aquele onde o sol nunca se punha, caiu, eles passaram a estudar o Edward Gibbom, que nos anos de 1700 escreveu o clássico “Declínio e queda do império romano”. Volta e meia tentam descobrir o que fez com que Roma depois de todo esplendor e domínio desaparecesse na ordem de importância mundial. O livro de Gibbom é de fundamental importância para compreensão de Roma e do mundo atual. O ponto fundamental da obra é a análise do triunfo da barbárie e da religião sobre as nobres virtudes romanas. Chegaram os bárbaros, Maomé, o cristianismo e assim Roma foi perdendo o império. A história poderia ser simplificada em mais ou menos assim: tudo que sobe desce e tudo que está em cima um dia cai. Roma durou 500 anos como a nação poderosa e caiu. A Inglaterra da era do império durou uns 140 anos e caiu. O império alemão dos mil anos de Hitler durou apenas 12 anos. Há mais de 50 anos os Estados Unidos comandam o mundo e nos últimos tempos os americanos começam a ler “Declínio e queda do império romano” procurando os sinais da decadência e o resto do mundo apostando no dia da queda. Crimes, loucuras e desventuras da humanidade são à base da história e isto os Estados Unidos têm de sobra nos últimos anos. Assassinaram presidentes como se assassinou Júlio César, derrubaram as Torres Gêmeas como um dia os bárbaros destruíram o Capitólio, torturaram em Abu Ghraib e em Guantanamo como os romanos na Gália e na Judéia, invadiram outros países como Roma fez com a Grécia. Aqui no hemisfério sul num claro instante somos um pouco como a Bretanha. Dominados e sem nenhuma importância sobre Roma, mas esperando ansiosos a eleição do novo imperador do mundo. Adotamos as maneiras de ser e de viver americanas como a Bretanha viveu como viviam os romanos. Não sei se a história mostrará que Bush foi um Nero e nem imagino que Obama possa ser um Adriano ou algum dos Antoninos. Pode até ser um Calígula. O importante é que nesta eleição de presidente do mundo, e como torcemos por Obama, esperamos não o declínio romano ou a queda como aconteceu com os impérios do passado e sim uns retornos aos princípios democráticos daqueles que a sonharam e a fizeram, sem estas coisas de dominação e força e loucuras. Que o eu seja banido e ressuscite o nós. Um império nos dias de hoje se faz com poder econômico e tecnologia, e isto foi a razão americana. Quando não conseguem dominar um país como o Iraque e a economia entra em recessão, quando a tecnologia japonesa está muito à frente, quando torturam e permitem um mundo tão desigual, não há como negar, os americanos estão se perdendo, declinando e caindo. Os americanos, assim como já fizeram os ingleses no começo do século, devem começar a ler o livro do Gibbom. Se algo não mudar na maneira de compartilhar o mundo poderemos começar a apostar sobre quem será o bárbaro Alarico que invadirá Nova Iorque. Pode um império durar 100 anos, mas a velocidade com que as coisas acontecem nos dias de hoje é prenúncio da necessidade de uma nova ordem mundial. A história não terminou como disse Fukuyama, depois que caiu o muro de Berlim, novas e grandes emoções ainda nos esperam. Quem viver verá. A história de Roma poderá se repetir, a não ser que Obama lembre sempre da mãe África, que foi responsável por grande parte da dor e da alegria deste mundo. Assim como passamos a acreditar que com a vitória de um negro tudo poderá ser possível e para melhor. Crianças e cachorros se deixam em casa. Era o cartaz que havia na loja de tecidos de um homem chamado João Café, lá em Passo Fundo. Numa destas viagens pelo mundo vi uma mulher atravessar a rua puxando fortemente uma criança chorando pela mão. A mulher com um cachorro no colo. Uma estatística européia revelou que os ingleses gostam mais dos cachorros do que dos bebês. No trem TGV, que faz 220 quilômetros por hora e em duas horas sai de Paris e chega em Avignon, entrou um homem e seu cachorro. Mostrou duas passagens. O labrador deitou no chão perto do homem e em nenhum momento emitiu qualquer espécie de som durante a viagem. Totalmente civilizado. O restaurante era médio. Aqueles com fórmula de três pratos. Ao lado uma mesa vazia é logo ocupada por um velho e na cadeira em frente seu cachorro. Silentes como convém aos franceses que sabem como falar ao celular, isto é, a gente não ouve o que eles falam e ninguém grita ao telefone e nem nos põe a par de seus problemas amorosos ou pessoais. O cachorro pediu gigot d’agneau, que nada mais é que do que uma fatia de carne de cordeiro. Do velho não consegui imaginar o que comia. O velho foi comedido e o cachorro lambeu tudo, mas com aquelas regras básicas de etiqueta à mesa. Tipo assim: não se deve eructar depois do jantar. O único problema é não conseguir tirar os olhos da cena e depois tentar engolir a comida que nos foi servida. Gigot d’agneau. Numa rua em Aix passou um carro de criança com gêmeos. Ninguém fez bilu-bilu. Passou um homem e seu cachorro muito bonito, algumas pessoas acariciavam e perguntavam sobre a raça. As pessoas caminhavam olhando para trás exclamando maravilhadas. Ninguém conheceu o João Café de Passo Fundo. Esta foto é do Cesar Roos e a poesia também. Sobre crianças e os trens Cachoeira, Estas estâncias! E a estação? Teus trilhos! Teus trens! Só de passagem? E o menino! E o destino? Locomotiva Cachoeira, Qual é a próxima estação? OSMAR BESKOW Sossego público A perturbação do sossego público é contravenção penal. Existe muita poluição sonora à noite na cidade de Cachoeira do Sul. São automóveis conduzidos em excessiva velocidade, com descarga motora livre; são motociclos dirigidos da mesma maneira; são boates com som musical altissonante, localizadas em muitos recantos da urbe. Em 1919 surgiu um movimento social na Inglaterra, estendido depois a outros países, que resultou na conquista da jornada de oito horas diárias de trabalho. Os operários faziam passeatas reivindicatórias nas quais cantavam uma canção assim: “Eight hours to work; eight hours to play; eight hours to sleep; eight shillings a day” (“Oito horas para trabalhar; oito horas para recrear; oito horas para dormir; oito shillings ao dia”). E, de fato, a dormida é imprescindível para a saúde da pessoa humana. Todavia impõe-se um policiamento ostensivo mais eficaz de combate aos perturbadores do sossego público noturno da cidade antes referida!