172 Fundamentos de Grarnatica do Portuques troi-se com pelo menos um SN. Se urn verbo forma uma oracao ao lado de um SN, a regra e que esse SN seja 0 sujeito da oracao; as excecoes a essa regra sao representadas por verbos como haver,fazer e ser nas seguintes frases: Havia duas mar;asna fruteira, Faz dais anos que eles se casaram e sao dez de marco. 347. Esta visto, portanto, que 0 verbo ocupa 0 centro da construcao da oracao, e que a volta dele - como se dele irradiassem - existem posicoes estruturais a serem preenchidas pelos sintagmas. A classe e 0 conteudo desses sintagmas dependem do verbo, que os seleciona. Urn verbo como dizer, por exemplo, e construido obrigatoriamente com dois SNS e opcionalmente com tres SNS (Manuel (1) disse um segredo (2) a Maria (3)). Por sua vez, esses SNS nao sao de livre escolha: 0 SN sujeito (1) refere-se necessariamente a urn ser humano, 0 SN objeto (2) refere-se necessariamente a uma mensagem verbal, e 0 terceiro SN (3), opcional, refere-se normalmente tambem a urn ser humano. Chamamos de valencia de urn verbo ao conjunto das posicoes estruturais que irradiam desse verba, como 0 conjunto (1, 2, 3) relativo ao verbo dizer. Sujeito, Complemento e Adjunto 348. Ao apresentar acima 0 conceito de valencia, observamos que certas palavras ocorrem como que relacionadas a outras com as quais formam estruturas completas. Vimos isto a proposito do verbo dizer (Manuel (1) disse um segredo (2) a Maria (3)). Alguns adjetivos e substantivos tambem podem ser caracterizados como portadores de valencia. Eo caso do adjetivo util. (0 sapo (1) e util ao ecossistema (2)). Estes constituintes que preenchem as posicoes estruturais que irradiam do predicador (1, 2 e 3 em relacao ao predicador dizer; I e 2 em relacao ao predicador uti!) sao argumentos desses predicadores. o argumenta que mentem cam a verba uma relar;aade concordsncie (1) e 0 sujeito desse verbo, e os demais (2 e 3), seus complementos. 0 enunciado e, porem, lugar de outros constituintes que se anexam a oracao, ao predicado e aos argumentos sem que pertencam a valencia de verbos, adjetivos ou substantivos. Sao os adjuntos, termos sintaticamente perifericos, 0 que nao quer dizer que sejam superfluos ou irrelevantes para a atividade discursiva. 349. Segundo uma nomenclatura que remonta a primeira metade do seculo, complementos sao termos "necessaries" ou integrantes, e adjuntos sao termos "opcionais" ou acessorios. Na oracao Sacha the deu uma casa, os sintagmas lhe e uma casa sao estruturalmente necessarios a construcao do predicado, pois compoem a valencia do verbo dar; por isso, sao termos integrantes ou complementos. Por outro lado, nas oracoes 0 pardalzinho nasceu livre e A alma voou para a ceu dos passarinhos, os sintagmas livre e para 0 ceu dos A Estrutura da Forma Gramatical 173 passarinhos nao sao estruturalmente necessaries, mas opcionais; por isso, sao termos acessorios ou adjuntos. Fun~oesSemanticas do Sujeito 350. Cada sintagma nominal que se vincula a urn verbo nao so trava com ele uma relacao sintatica, mas ainda recebe dele urn papel semantico a desempenhar. Verbos transitivos que denotam acao envolvendo um sujeito e urn objeto referentes a seres animados atribuem ao primeiro 0 papel de agente e ao segundo, 0 de paciente, como em 0 cdo perseguiu a gato e 0 gato perseguiu a ciio, em que ciio e gato trocam de papeis semanticos com a troca de funcoes sintaticas. Esta e a estrutura modelo da chamada voz ativa (v. §353), a que corresponde a construcao passiva em que os sintagmas nominais tern a funcao sintatica alterada sem que se alterem seus papeis semanticos (cf. 0 gato foi perseguido pelo ciio e 0 ciio foi perseguido pelo gato). 351. E comum, porem, que urn verbo transitivo de ac;;aotenha por sujeito qualquer substantivo que, por nao se referir a urn ser animado, nao desempenhe 0 papel de "agente" (cf. A chuva alagou a cidade, A pedra estd bloqueando a entrada do tunel, A corrente do rel6gio feriu meu pulso, Este elevador transporta vinte pessoas de cada vez, 0 cafre guardava as documentos mais preciosos). Certos verbos transitivos tomam parte em construcoes cujo sujeito, mesmo animado, nao e 0 agente, mas 0 ser afetado pelo acontecimento a que a frase se refere (cf. Pedro quebrou a braco numa queda, 0 cachorro Jeriu a orelha no arame Jarpado, 0 canario esta mudando as penas). Nestes casos, 0 ser afetado pela acao denota 0 to do (Pedro, cachorro, canaries, eo objeto ou paciente da acao denota a parte tbraco, orelha, penas) - relacao que e extensiva a qualquer coisa (0 carro Jurou a pneu, 0 sapato gastou a sola, 0 livro manchou a capa, A mdquina rebentou a correia). Uma analise dos papeis semanticos do sujeito que procurasse discriminar todas essas sutilezas jamais seria exaustiva e pulverizaria nosso assunto. o que esta claro e que 0 sujeito nao se caracteriza por seu papel semantico na frase, mas por ser urn lugar sintatico de preenchimento obrigatorio junto aos verbos pessoais, apto, portanto, a abrigar qualquer nocao compativel com 0 conteudo do verbo em questao. Urn detalhe, contudo, ha de merecer atencao especial por sua relevancia em certas decisoes discursivas do enunciador. Referimo-nos a classe de verbos que admitem urn ser humano como sujeito. 352. Uma interessante particularidade desses verbos e a possibilidade de seu sujeito nao vir materialmente representado na frase (Quebraram-lhe a asa, Acordar cedo Jaz bem a saude ); vir indicado pela palavra se (Precisa-se de pedreiros); ser silenciado pela utilizacao de um substantivo no lugar do verbo (0 roubo 174 Fundamentos de Grarnatica do Portuques da carga surpreendeu a policia, em que se silencia 0 sujeito de roubar); ou ainda vir representado por substantivos ou pronomes sem referencia concreta no mundo real. Este ultimo caso e usual no discurso em que se representam situacoes imaginarias (cf. Se uma pessoa quer ajudar a gente, nos aceitamos, Quando voce pensa que chegou a sua vez, ai vem um cara e diz que as senhas acabaram). Estes sao exemplos de meios que a lingua oferece para indeterminar, dissimular ou mesmo ocultar a identidade do ser hurnano a que 0 sujeito da oracao se refere. Muitas vezes, a finalidade do enunciador e dar ao que diz urn certo tom generico e de neutralidade; outras vezes 0 ocultamento da identidade tern urn vies malicioso. No uso mais coloquial, as construcoes com se dao lugar aos enunciados com urn voce indeterminado (cf. 0 exemplo acima). Nos casos exemplificados por Quebraram-lhe a asa e Precisa-se de pedreiros, a analise oficial manda que se classifique 0 sujeito da oracao como indeterminado. Vozes do Verbo 353. Vimos nos §§350 e 352 que 0 verbo pode atribuir diferentes papeis semanticos a seu sujeito - agente, paciente, instrumento, lugar, neutro -, em virtude tao-so da natureza de sua significacao. Outras vezes, porem, esses papeis sao indicados pela estrutura sintatica do predicado, como em Antonio retirou-se da sala e em Antonio (oi retirado da sala pelos policiais. Da-se 0 nome de voz ou dietese a estruturecso do predicado por meio da qualse indica 0 papel setnsntico do sujeito. Em as policiais retiraram Antonio da sala, a voz se chama ativa, visto que 0 sujeito os policiais tern 0 papel de agente; ja em Antonio foi retirado da sala pelos policiais a voz se chama passiva, visto que 0 sujeito Antonio tern o papel de paciente por forca da construcao "ser + participio" (foi retirado); e em Antonio retirou-se da sala, a voz se chama media ou reflexa, visto que, por forca da construcao do predicado, 0 sujeito Antonio denota urn individuo que ao mesmo tempo produz e recebe a a<;:aode retirar. A voz ativa corresponde a forma nao-marcada desse subsistema (cf. exemplos do §343), ao passo que a voz passiva e marcada pela combinacao de "ser + adjetivo participial", e a voz reflexiva e marc ada pela ocorrencia do pronome reflexivo. 354. A voz reflexa apresenta tres subtipos: a) reflexa com agente determinado (Antonio retirou-se da sala, Inscrevi-me em dois concursos), b) reflexa com agente indeterminado (Aceita-se aterro, Ainda ndo se emitiram os recibos) e c) reflexa sem agente (A praia estende-se por cinco quilometros, Alegro-me com essa noticia). 0 pronome reflexo apresenta uma forte tendencia a cristalizacao junto a varies verbos, caso em que deixa de haver voz reflexa - urn conceito sintatico - e se origina a classe dos verbos pronominais - que e, A Estrutura 175 da Forma Gramatical urn conceito morfologico: comportar-se, pronunciar-se, arrepender-se, queixar-se, sair-se (as meninos comportaram-se muito bem, Tu ndo te arrependes do quejizeste?, Niio me sai bem nessa prova). Em outros casos, porem, urna vez que a construcao pronominal coexiste com a construcao sem 0 pronome, pode-se falar em semicristalizacao. E 0 que se passa com alegrar-se, indignar-se, aborrecer-se - verbos de sentirnento -, e estender-se, estreitar-se, romper-se, iluminar-se - verbos de movimento ou de mudanca de estado. A semicristalizacao e caracteristica das construcoes em que 0 sujeito participa do processo verbal, mas nao 0 deflagra. Por isso as chamamos de reflexas sem agente. Consideramos passiveis de classificacao quanta a voz ou diatese, portanto, apenas as construcoes do predicado em que figure verbo transitivo direto. Predicado Verbal e Predicado Nominal 355. Introduzimos acima 0 conceito de valencia como urn principio explicativo das divers as estruturas do predicado e, conseqiientemente, da oracao. Veremos agora que nfio somente verbos fazem exigencia sobre a especie de sujeito que recebem. Outras classes de palavras, integrantes do predicado, podem exercer esse controle. Chamaremos de predicador ao constituinte do predicado que controla a especie de sujeito. Da-se 0 nome de argumentos do predicador aos constituintes que preenchem essas posicoes estruturais. Chover, por exemplo, e urn predicador que exige sujeito zero e recusa objeto;per.guntar e urn predicador que exige sujeito humano. Se, no entanto, 0 predicado e formado de urn verbo como ser ou estar, a selecao do sujeito nao e controlada por estes verbos - ja que admitern qualquer tipo de sujeito -, mas por outro constituinte, que po de ser urn adjetivo ou urn participio (0 sapo util ao ecossistema, As frutas siio/estdo maduras. as animais foram/estiio domesticados), urn sintagma nominal (Meu tio arquiteto) ou urn sintagma adjetival derivado (as moveis siio de madeira macica, as operarios estiio de terias). Nestes exemplos a funcao de predicador compete aos constituintes sublinhados, pois sao eles, e nao os verbos, que guardam com 0 sujeito a necessaria relacao de compatibilidade. Quando a selecao do sujeito e controlada por urn predicador verbalverbo transitivo, como perguntar, ou intransitivo, como chover-, 0 predicado classifica-se como predicado verbal: e e Choveu durante a noite. Paulo perguntou 0 nome de sua professora. Se, entretanto, a selecao do sujeito - mesmo quando 0 sujeito e zeroe controlada por urn predicador nao-verbal, 0 predicado classifica-se como predicado nominal: