A música e crianças com NEE O termo “Necessidades Educativas

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A música e crianças com NEE
O termo “Necessidades Educativas Especiais” resulta da evolução dos
princípios de integração e inclusão, referindo-se às condições específicas de
qualquer criança ou jovem que apresenta discrepâncias significativas ao
nível das capacidades e dos resultados comparativamente a outras crianças e
jovens da mesma idade, necessitando, por essa razão, de um atendimento
adequado às suas necessidades. Para Correia (2001), os alunos com
necessidades educativas especiais (NEE) são aqueles que “exibem
determinadas
condições
específicas:
físicas,
sensoriais,
cognitivas,
emocionais,
comunicativas, sociais, ou qualquer combinação destas”, ou seja, alunos com deficiência
mental, visual ou auditiva, com problemas motores ou de comunicação, com perturbações
emocionais, ou com dificuldades de aprendizagem. São jovens que apresentam dificuldades
em acompanhar o currículo comum, necessitando por isso, de “serviços de educação especial,
durante parte ou todo o seu percurso escolar, de forma a facilitar o seu desenvolvimento
académico, pessoal e sócio-emocional” (Correia, 2003), isto é, oferta de serviços e recursos de
acordo com as suas características e que dêem resposta à sua problemática. Correia (2005)
define-a como sendo “um conjunto de serviços e apoios especializados, que pretendem dar
aos alunos com NEE, sempre que possível, acesso ao currículo comum e assegurar que ele
aprenda e progrida nesse mesmo currículo”, ou seja, a Educação Especial deixou de ser um
sistema paralelo ao sistema de ensino regular. Perante as necessidades educativas que os
diferentes alunos manifestam, os docentes precisam então de definir as ajudas pedagógicas
específicas necessárias, especificar recursos humanos, materiais e técnicos e efectuar algumas
adaptações curriculares mediante as problemáticas que cada um apresenta.
A Educação Especial e a Educação Musical
O consenso relativamente ao valor formativo e educativo da música no desenvolvimento de
factores intelectuais (discriminação e memória), sensório-motores (coordenação), emocionais
e sociais das crianças, tem crescido, atribuindo-se a ela uma importância significativa,
nomeadamente no caso dos alunos com NEE pois “ a música é um modo de compreensão do
mundo e da nossa experiência dele: é um modo de conhecimento afectivo e é, por isso,
educação no sentido mais rigoroso da palavra” (Swanwick, 1974). Assim, fomenta-se o
desenvolvimento físico-motor através do movimento associado à música ou à dança, a
coordenação psicomotora pela execução de acompanhamentos e melodias simples nos
instrumentos da sala de aula, o desenvolvimento da linguagem mediante exercícios de
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articulação, lengalengas, trava-línguas e canções, o desenvolvimento da capacidade auditiva e
da memória através de canções e exercícios de acuidade rítmica e melódica porquanto “esta
relação estreita entre a linguagem, a música e a dança, favorece a motivação, a compreensão,
o sentimento e a expressão” (Maschat). As músicas de estilo Rock e Rap, por exemplo, são
usadas muitas vezes para ajudar os alunos com distúrbios ao nível da comunicação. Alunos
com necessidades educativas especiais, participam assim num tipo de aprendizagem que lhes
permite a obtenção de competências ao nível da linguagem, através de técnicas básicas de
alfabetização. Sendo o Rock e o Rap, músicas de que facilmente os alunos gostam, a
participação neste tipo de actividades motiva bastante as crianças e jovens com necessidades
educativas especiais. A música rap é excelente para ensinar palavras através de rimas e
actividades básicas de alfabetização, uma vez que as crianças podem criar as suas próprias
batidas e músicas a partir das histórias que eles criam ou que conhecem. Assim, este tipo de
música pode ser usada para fortalecer o conhecimento, o vocabulário, a habilidade em
produzir sons da fala, compreensão auditiva, e outras competências básicas. É ainda
importante referir que a música também ajuda as crianças a usar ambos os hemisférios do
cérebro, esquerdo e direito, e a adquirir e processar novas informações. O uso de canções e de
histórias contribui para a construção de competências linguísticas e constitui uma estratégia
eficaz promotora da interacção social. Além da construção das competências linguísticas, as
canções e as histórias ajudam as crianças com necessidades educativas especiais a
compreender as diferenças individuais e a respeitar os outros que com eles interagem. A
didáctica da Educação Musical utiliza nos seus processos de ensino e aprendizagem
metodologias activas, que requerem a participação do indivíduo na sua complexidade
(cognitiva, psicomotora, afectiva e social) em actividades de conjunto, que levam os alunos a
relacionarem-se uns com os outros, dando origem a uma experiência de partilha e de
desenvolvimento social e envolvimento emocional.
Fazer Música, uma contribuição para o desenvolvimento dos alunos NEE
Segundo Birkenshaw-Fleming (1993), há diferentes princípios e formas de observação que
podem ajudar no ensino de crianças com necessidades educativas especiais. Quanto mais
conhecimento o professor tem acerca do estudante, maior será a adequação das suas propostas
de ensino e maior será a sua segurança, enquanto docente, para promover o desenvolvimento
dos alunos. O professor deve pesquisar sobre as possibilidades de desenvolvimento dos seus
alunos e deve conhecer muito bem as limitações e dificuldades de cada um deles. Este
conhecimento pode ser consequência de um processo constante de leituras específicas sobre
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as características dos alunos, entrevistas e conversas com os pais, outros professores,
coordenadores, directores, psicólogos e outros profissionais que componham as equipas de
trabalho das escolas que as crianças frequentam. No entanto, o que parece mais importante é o
conhecimento gerado por meio de uma observação profunda dos alunos e de uma interacção
de afecto e respeito, considerando sempre as possibilidades de cada um. Para BirkenshawFleming (1993), é importante evitar os conceitos pré-fixados sobre o que as crianças ou
indivíduos portadores de necessidades educativas especiais podem ou não fazer. O excesso de
protecção por parte de pessoas que convivem com a criança nem sempre é correspondente
com aquilo que ela realmente necessita. É importante manter a mente aberta para perceber as
potencialidades de cada um. O professor deve manter uma atitude positiva e animadora frente
ao aluno, incentivando-o a transpor as suas próprias barreiras e limitações. Todo o trabalho,
deve ser feito com paciência e carinho, lembrando-se de que é preciso valorizar a auto-estima
de cada aprendiz, motivando-o a reconhecer a sua contribuição frente ao grupo em que está
inserido. Para além disto, Birkenshaw-Fleming (1993) aponta ainda alguns possíveis
benefícios que as aulas de música podem proporcionar aos indivíduos com necessidades
educativas especiais:
- Se o professor faz com que o aluno realize algumas actividades com sucesso, possivelmente
vai reforçar a sua auto-estima. Ele obtém isso, respeitando as limitações e possibilidades de
cada um, encorajando-o a agir por sua própria conta. Importa referir que a competição com
outras crianças é, geralmente, contraproducente e prejudicial. É importante, por outro lado,
fazer com que o aluno participe em todas as actividades que decorrem na aula, de maneira a
que suas realizações se transformem numa experiência válida. Todos devem ser encorajados a
dar o melhor de si mesmos e serem independentes, tanto nas actividades musicais como em
qualquer outra actividade do seu dia-a-dia;
- É possível estimular a interacção social por meio de actividades musicais, e um bom
relacionamento social possibilita ao indivíduo com necessidades educativas especiais sair de
um possível isolamento;
- O desenvolvimento do tónus muscular e da coordenação psico-motora pode ser estimulado
por meio de actividades que envolvam movimento associado à música;
- O desenvolvimento da linguagem pode ser estimulado por meio de actividades musicais tais
como lenga-lengas, trava-línguas e pequenas canções;
- Pequenas canções e exercícios de acuidade rítmica e melódica podem desenvolver a
capacidade auditiva, intelectual e o desenvolvimento da memória;
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Assim, podemos concluir que, através de um programa de Educação Musical bem estruturado
e com objectivos bem definidos, é possível promover o desenvolvimento físico, intelectual e
afectivo das crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Godinho (1992), aponta
ainda para outros aspectos importantes a serem considerados quando se trabalha com
indivíduos com necessidades educativas especiais. O ambiente deve ser aconchegante, seguro
e motivador, mas não deve desviar a atenção do aluno. Às vezes, muitas cores, desenhos e
diferentes objectos podem fazer com que o aluno se distraia muito facilmente do foco de
ensino-aprendizagem. A rotina propicia segurança. Os indivíduos com algum tipo de
dificuldade emocional, mental ou de aprendizagem, conseguem-se organizar e responder bem
às exigências do ambiente quando lhes é assegurado um sentido de ordem e uma rotina
previsível. Desta forma, o caos não se instala nas suas vidas, conseguindo, estes indivíduos,
responder satisfatoriamente às diversas solicitações. Da mesma forma, as actividades que
propiciam o relaxamento são muito importantes para construir um ambiente tranquilo e sem
ansiedade. Planear alguns exercícios de relaxamento no início ou no final da aula, ou ainda
entre as outras actividades musicais pode diminuir consideravelmente as tensões originadas
pelo ambiente. Um outro aspecto apontado por Godinho (1992) é o movimento. Ele faz parte
natural do processo de desenvolvimento de qualquer criança e também pode ajudar a aliviar
tensões, auxiliar o corpo, a assimilar conceitos e levar a criança a efectuar contactos socais.
Muitas crianças com algum tipo de limitação física ficam privadas do prazer proporcionado
por actividades de movimento, portanto incluir danças, jogos de movimento e expressão
corporal como parte da aula de música pode ser muito importante para esses alunos. Da
mesma forma, muitas crianças com necessidades educativas especiais são capazes de aprender
a notação musical com muita facilidade. Desenhos e símbolos são muito úteis para ajudar a
concretizar alguns conceitos. Se o educador tiver em consideração estes aspectos nas
diferentes etapas da sua prática pedagógica, estará, com certeza, a criar um ambiente propício
para atingir objectivos musicais que promovam o desenvolvimento integral do aluno. Alvin
(1966), no seu livro “Música para el niño disminuído”, afirma que a música pode representar
para as crianças portadoras de necessidades educativas especiais, um mundo não ameaçador
com o qual ela pode comunicar, onde se pode integrar e auto-identificar-se. Ainda de acordo
com esta autora, a música pode oferecer oportunidades para a criança com necessidades
educativas especiais ampliar os limites físicos ou mentais que possui. As actividades musicais
podem contribuir também para despertar a consciência perceptiva, o desenvolvimento da
discriminação auditiva e do controlo motor. Além disso, as actividades musicais podem
favorecer a integração social e emocional da criança, influindo positivamente sobre a sua
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atitude com relação ao jogo, ao trabalho, a si mesma e ao meio em que vive. No livro
“Entrenamiento rítmico y auditivo para el disminuído mental”, Penovi (1971), descreve a
função da música na educação de crianças com necessidades educativas especiais. A autora
apresenta uma série de propostas para a adequação do movimento ao estímulo sonoro,
discriminação auditiva, percepção de estruturas rítmicas, relação espacial e relação grupal por
meio de actividades instrumentais e oferece algumas orientações sobre alguns aspectos de
devem ser considerados em trabalhos da área. Entre eles estão:
- Entender e considerar a música como um elemento fundamental no rol de aspectos que
contribuem para o desenvolvimento de indivíduos;
- Agrupar as crianças de acordo com as suas dificuldades motoras e suas reacções em relação
ao ensino musical;
- Manter um espírito de investigação e pesquisar o material adequado às características e
necessidades educativas de cada criança.
Para Penovi (1971), a base da música é o som e este produz diferentes mudanças psíquicas na
pessoa, actuando sobre o seu estado mental, emocional e físico. Ainda de acordo com a
autora, a música está estreitamente ligada à vida da criança, sendo que esta sofre uma
influência notável do ritmo e da melodia. A música parece provocar mudanças na conduta de
crianças e jovens com necessidades educativas especiais fazendo com que se adaptem melhor
à vida escolar, contribuindo para a sua interacção social e melhor rendimento nas actividades
de aprendizagem.
Desde que o professor consiga planear as actividades de forma adequada, a aprendizagem
musical dá-se de maneira gradual e crescente, tanto em termos quantitativos, isto é, a criança
aprende mais de aula para aula, como em termos qualitativos, visto que a criança aprende
comportamentos cada vez mais complexos. Ao analisar as concepções e propostas de vários
educadores musicais da actualidade é possível concluir que, embora a maioria deles não tenha
dirigido as suas ideias para o desenvolvimento de programas com indivíduos portadores de
necessidades educativas especiais, toda a metodologia sugerida por eles é perfeitamente
aplicável para qualquer tipo de criança. A Educação Musical, tal como a propõe educadores
como Carl Orff, faz com que música, movimento e linguagem sejam apresentados de uma
forma lúdica e dinâmica, de tal maneira que a criança se sente envolvida e motivada para
executar os exercícios propostos pelo professor. Se uma criança, por exemplo, tem um
problema de desenvolvimento da linguagem e não consegue falar correctamente, a música, o
gesto, o movimento e o ritmo organizado de uma canção facilitam a fala de pequenos
fragmentos de frase, o que permite que essa criança se integre no contexto da aula. A
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repetição criativa de vários conceitos conduz à aprendizagem sem medo e inibições e
consequentemente desenvolve a auto-estima da criança. As concepções de Carl Orff são
também perfeitamente adaptáveis às crianças com dificuldades motoras e são também
importantes para desencadear o desenvolvimento nesta área. O jogo musical lúdico
impulsiona a criança a falar, a cantar, a tocar e a movimentar-se.
Conclusão
Um dos maiores benefícios do ensino da música a crianças e jovens portadores de
necessidades educativas especiais, reside na qualidade multissensorial da música. Assim, os
alunos com necessidades educativas especiais, ao contactarem com actividades musicais,
poderão, não só ouvi-la, mas também responder a estímulos visuais, movimento, dança,
expressividade e afecto. Isto é verdadeiramente importante, já que estas crianças e jovens
desenvolverão as mais variadas capacidades que lhes permitirão responder aos desafios do
dia-a-dia. A Educação Musical pode ajudar as crianças com necessidades educativas especiais
na sua percepção da maioria ou, mesmo, de todos os sentidos. Outro benefício do ensino de
música para crianças com necessidades educativas especiais decorre do facto da música poder
ser usada para desenvolver competências e habilidades básicas, mas fundamentais. O estudo
da música e o fazer música, promovem efectivamente o crescimento cognitivo e motor,
condições necessárias para apreender as competências básicas e, geralmente, introduzidas em
programas de Educação Especial. Sendo a música um método de comunicação brilhante, uma
vez que quase nunca deixa de promover a comunicação entre as crianças com necessidades
educativas especiais, os seus colegas e os seus professores. Além disso, é uma das poucas
áreas ligadas à Educação Especial em que é possível ensinar a um grupo grande e
diversificado de crianças com necessidades educativas especiais. Assim sendo, a Educação
Musical não precisa necessariamente ser o principal meio de ensino de crianças com
necessidades educativas especiais, mas certamente deve ser um complemento importante ao
currículo do ensino especial. Além disto, “O importante é a criança vivenciar, isto é, fazer
música dentro de um grupo até criar as suas próprias manifestações sonoras e ir tomando
consciência do conjunto a cada etapa do processo” (Carl Orff). A Educação Musical constitui
uma óptima forma de promoção do desenvolvimento de alunos com necessidades educativas
especiais, uma vez que é uma maneira divertida, prática e eficaz, de ensinar conceitos básicos,
competências e habilidades, a estas crianças e jovens. Ao fazerem música, estas crianças e
jovens sentem-se realmente envolvidas no processo, uma vez que as aulas de Educação
Musical incluem, necessariamente, uma participação activa em vez de uma escuta passiva.
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Assim, a capacidade de todas as crianças com necessidades educativas especiais para
participarem na aula de Educação Musical torna-a ainda mais agradável, porque todos se
sentem incluídos. Todos se sentem parte integrante de um todo que tem o mesmo objectivo.
Ao fazer com que todas as crianças estejam incluídas e participem activamente nas
actividades musicais, a Educação Musical contribui para que sejam removidos os estigmas e
rótulos com que as crianças e jovens com necessidades educativas têm que lutar diariamente.
Tudo isto promove a segurança, a aprendizagem e a compreensão. Mesmo as crianças que
sofrem de necessidades educativas especiais mais severas, já demonstraram que são capazes
de fazer música. Portanto, além de bem-estar, a música é capaz de promover um sentimento
de auto-estima nas crianças e jovens portadores de necessidades educativas especiais, um
sentimento que se encontra ainda, infelizmente, muito raramente.
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