O marketing que leva ao endividamento

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O marketing que leva ao endividamento
Atraídos pela facilidade do dinheiro rápido, goianienses se afogam em dívidas.
Ministério Público do Estado prepara projeto educativo para ser distribuído nas
escolas públicas
Márcia Abreu
Poucas coisas são tão fáceis como adquirir empréstimo consignado. Em alguns casos, o
contratante nem precisa ir à procura. Basta fazer transação no caixa eletrônico. Os olhos
brilham em frente à tela e o aposentado ou pensionista fica a um clique de aceitar a
oferta proposta pelo banco. A abordagem por agentes de empresas de crédito no centro
de Goiânia também é frequente. Ali é possível constatar o eficiente marketing do
empréstimo consignado. Burocracia zero, dinheiro sacado na hora, consignação em
folha de pagamento, não é necessário avalista, nem consulta ao Serviço de Proteção ao
Crédito (SPC) ou Serasa.
O problema, geralmente, vem depois. Seja porque a parcela está salgada no bolso ou
porque o valor está comprometendo mais da metade do salário, impactando nas
despesas com as necessidades essenciais, como alimentação, transporte, educação e
saúde. Diariamente, cerca de dez pessoas nessas situações procuram o Sindicato dos
Trabalhadores do Município de Goiânia (SindGoiânia) para readequação da prestação de
seus empréstimos.
No mês passado, uma lista de 270 pessoas foi encaminhada à Secretaria de
Administração da prefeitura. O trâmite é fácil devido à decisão do Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás, de 2009, de que os bancos não podem fazer empréstimos consignados
cujas parcelas excedam 30% do salário do cliente, sob pena de readequarem o
empréstimo.
Essa porcentagem sempre foi o limite
para o contrato de empréstimo. No entanto, as instituições de crédito não a obedeciam.
Por isso, foi necessária fiscalização ostensiva da Justiça bem como intervenção.
“Quando o TJ-GO obrigou os bancos a readequarem os empréstimos, cerca de 8 mil
funcionários públicos de Goiânia estavam com quase 100% do salário comprometido.
Alguns recebiam 6 reais por mês. Outros nada. Hoje, quando atendemos servidores com
mais de 30% do salário reservado, levamos a cópia do processo e solicitamos a
adequação. A medida consiste em aumentar o número de parcelas e diminuir o valor
mensalmente cobrado”, explica a diretora do SindGoiânia e coordenadora do Programa
Saúde Financeira, Rozedália Marçal.
A diretora denuncia que alguns bancos têm tentado furar o bloqueio da readequação dos
empréstimos mandando boletos “por fora” para os clientes. “Alguns [bancos] têm
enviado boletos cobrando valores e também cartas comunicando que o nome do
funcionário está negativado. Quando não mandam correspondências, ligam. Mas nós
sabemos que esse procedimento é incorreto. Se o empréstimo é debitado na conta
salário do servidor ele não pode ter o nome restrito no mercado.”
De acordo com o advogado Enil
Henrique de Souza Neto, especialista em direito tributário, os bancos não podem efetuar
cobrança de empréstimo consignado por meio de boletos enviados à residência do
contratante sob pena de indenização. “Isso não é legal. Qualquer cidadão nessas
condições pode constituir um advogado e entrar com ação contra o banco”, informa.
Além disso, o banco pode ser punido pelo Procon e pelo Banco Central, já que tem a
obrigação de informar o cliente sobre o limite dos 30%.
O especialista e coordenador do Projeto Liberdade em defesa dos servidores de Goiânia
explica que problemas com empréstimos consignados acontecem porque, na maioria
das vezes, as instituições financeiras erram no cálculo dos 30%. A conta não pode ser
feita em cima de gratificações, como hora extra, adicional noturno, cumprimento de
metas, superação de expectativas, etc. O cálculo deve ser sobre o salário bruto do
servidor.
Fonte:
http://www.jornalopcao.com.br/posts/reportagens/o-marketing-que-leva-aoendividamento
Recentemente, o governador Marconi Perillo (PSDB)
alterou o modelo de empréstimo consignado no Estado, reformulando regras e
rastreando irregularidades. O contrato por meio de cartão de crédito foi proibido. Agora,
só podem ser adquiridos por débito em conta corrente. Segundo a presidente da
Associação dos Correspondentes Bancários e Não Bancários e Agentes de Crédito
(Acobac), Norma Pessoni, o limite continua de 30%, mas há um decreto do ex-governo
Alcides Rodrigues (PP) que possibilita comprometimento de 50% do salário de
aposentados acima de 65 anos e com doenças terminais.
Antigamente, o servidor ou aposentado podia contratar empréstimos em mais de uma
instituição financeira. Com a mudança, ele só faz isso se quitar 20% do débito no banco
anterior. Norma explica que com o novo sistema do Estado o banco consulta as dívidas
que o cliente tem por meio da matrícula ou do CPF do servidor. O cálculo, de acordo
com ela, é feito em cima do que o cliente tem de rendimento fixo, entre eles,
gratificações. O processo é errado, como o especialista em direito tributário Enil Neto
explicou. Ainda segundo Norma, as taxas de juros dos empréstimos subiram de 1,5%
para 2,5% por causa da insegurança que o novo sistema imposto pelo Estado provocou
na área bancária.
“O banco corre risco usando sistema desconhecido. A gente não tem certeza de que o
dinheiro será descontado na conta bancária do contratante. Temos declarações
negativas de casos parecidos que resultaram em prejuízo em outros Estados. Por isso a
taxa de juros subiu.”
Em janeiro de 2008, a aposentada Josélia Silva da Costa, de 67 anos, fez um empréstimo
de R$ 3 mil para pagar a cirurgia do neto de 12 anos. Seis meses depois, adquiriu mais
R$ 3,8 mil e um ano depois mais R$ 3 mil. A dívida virou uma bola de neve e a
aposentada teve o empréstimo readequado pelo banco. Já pagou mais de 36 parcelas e
ainda tem mais 24 de 247 reais.
“Meu neto tinha que fazer a cirurgia e o SUS [Sistema Único de Saúde] não cobria. Tive
que fazer o empréstimo com urgência. Sei que já paguei mais do que peguei. Mas nunca
me preocupei com isso porque o dinheiro vem descontado e deixei correr. É um defeito
meu”, salienta. À época, fora o dinheiro adquirido junto ao banco, Josefa pegou
empréstimo com amigos. “A cirurgia ficou uns R$ 7 mil. Depois tivemos mais gastos. Foi
necessário mais dinheiro.”
Prevenção
O SindGoiânia tem realizado duas palestras por ano em todos os órgãos municipais da
Prefeitura da Capital a fim de conscientizar os servidores do perigo do empréstimo
consignado sem planejamento. “Estamos ministrando palestras para orientar o servidor
e evitar que ele se endivide. Nossa equipe explica, conscientiza, fazemos visitas duas
vezes por ano. Neste mês entraremos em contato com as secretarias para agendar as
próximas audiências.”
MP prepara curso educativo para escolas da rede pública
Na contramão do marketing do
empréstimo consignado, o Ministério Público de Goiás vem preparando há quase dois
anos projeto de conscientização dos alunos das escolas da rede pública do Estado
sobre o endividamento. A ação girará em torno de distribuição de cartilhas educativas
nas escolas e cursos ministrados por economistas aos professores. O projeto tem o
apoio do Banco Central e deve ser colocado em prática ainda este ano. Promotor e
coordenador do CAO de Defesa do Consumidor do MP, Érico de Pina conta que ideia é
preparar os professores para ensinar os alunos a gastar.
“É uma aula de economia familiar, economistas ensinarão os alunos a não cair nas
armadilhas das propagandas enganosas. O material está quase concluído. Falta verba
para impressão, mas estamos buscando apoio junto ao Banco Central e também
parceria com entidades como a Fieg [Federação das Indústrias] e Acieg [Associação
Comercial, Industrial e de Serviços], entre outras.” O MP participa em maio de curso de
economia familiar com o Banco Central para concluir o projeto.
Segundo Érico, o Ministério Público orientou a Prefeitura de Goiânia a disponibilizar
psicólogos aos funcionários que tenham tendência ao endividamento. O promotor conta
que há um projeto de lei, de proteção do devedor endividado, tramitando na Câmara
Federal. De acordo com ele, esse projeto nasceu do modelo criado por uma professora
do Rio Grande do Sul [Clarissa Costa de Lima]. Trata-se de triagem do caso específico e,
em seguida, renegociação da dívida.
Consumismo exagerado precisa de tratamento
São vários os motivos que levam o servidor público,
aposentado ou pensionista a adquirir empréstimo. Reforma da casa, primeiro
apartamento, compra ou troca de carro, aparelhos digitais e eletrônicos, casamento,
aniversário, bodas, dar início ao tão sonhado negócio, entre outros.
“O consumismo é como se fosse uma droga. É um prazer momentâneo, depois vem a
consequência: a fatura. Muitas pessoas fazem empréstimo porque têm mania exagerada
de consumir. Às vezes, vê o vizinho com carro bom e quer ter um igual. Então acaba
gastando além do orçamento e termina endividado”, explica a psicóloga, doutoranda em
Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e professora
das Faculdades Alves Faria, Raquel Maracaipe.
De acordo com Raquel, algumas pessoas compram muito porque têm carência afetiva,
emocional, e o consumismo serve como válvula de escape. É gente que precisa de
tratamento psicológico e até psiquiátrico, nos casos em que o indivíduo não consegue
separar o que pode e não pode fazer. “Se a pessoa sabe que não tem condição de pegar
aquele empréstimo ou já possui outro e pega mais um sem se preocupar, uma luz
vermelha deve ser acesa. Porque se o cidadão faz um empréstimo para gastar com
coisas desnecessárias, ou que servem apenas para satisfazer uma vontade
momentânea, na hora que surgir uma necessidade real, ele vai passar apuros sérios.”
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