1 Aplicação Clínica de Células-Tronco Adultas Carmo, D.D.D.; Santos Jr., A. R. Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC, Santo André, SP, Brasil As células-tronco adultas são células com baixo grau de diferenciação, cuja presença nos tecidos é necessária, tanto para a renovação tecidual, como para a resposta, por parte dos tecidos a traumas e doenças. Podem ser encontradas células-tronco em praticamente todos os tipos de tecido, principalmente naqueles que apresentam alta taxa de renovação. A capacidade das células-tronco de se diferenciar em diferentes tipos celulares, faz com que essas células apresentem uma promissora alternativa, para o tratamento de doenças graves, como as doenças auto-imunes e cardíacas, bem como no tratamento de traumas do sistema nervoso periférico, decorrentes de acidentes. No entanto, para que sejam comprovadas a eficácia e viabilidade da terapia com células-tronco, e os procedimentos realizados de modo satisfatório, devem-se ainda ser conduzidas inúmeras pesquisas com o intuito de entender de forma mais aprofundada os mecanismos pelos quais, tais células crescem e se diferenciam em determinado tipo celular, bem como os fatores externos à célula, envolvidos nesse processo. Palavras chave: Células-tronco adultas, diferenciação celular, regeneração tecidual, terapia celular. I. INTRODUÇÃO Células-tronco são definidas como células indiferenciadas com grande capacidade de auto-renovação e de produzir pelo menos um tipo celular altamente especializado. Existem basicamente duas categorias de células-tronco: As células-tronco embrionárias e as adultas [1]. As células-tronco embrionárias (CTE) são derivadas diretamente dos tecidos pluripotentes dos embriões em estágio pré-implantacional. Estas células recebem esse nome devido a elas poderem ser expandidas em cultura celular mantendo suas características pluripotenciais e dar origem a diversos tipos celulares presentes no embrião e no adulto. Tais células são muitas vezes descritas como totipotentes, referindo-se a sua capacidade de dar origem aos três folhetos embrionários. No entanto, tais células não são capazes de regenerar um blastocisto, não sendo, portanto capazes de produzir um embrião completo. Assim, o termo totipotente dever ser aplicado somente ao zigoto e os blastômeros nas fases iniciais de clivagem [2]. Nos adultos as células-tronco persistem nos tecidos e tem a função de reparo de lesões e regeneração tecidual nos indivíduos. Certa população de células-tronco é mantida nos tecidos, porque muitas células quando atingem sua diferenciação terminal (aquisição de suas características finais), perdem a capacidade de divisão mitótica, dessa forma podem acabar sendo degradadas e, nesse caso, devem ser substituídas. Tais populações de células-tronco que persistem ao longo da vida do indivíduo, são denominadas célulastronco somáticas. As células-tronco adultas são definidas como uma população celular pouco diferenciada, que ao sofrerem diferenciação podem passar por dois caminhos: formar uma população diferenciação e outra capaz de autorenovação. Dividir-se assimetricamente, ou seja, em células especializadas de um tecido específico, ou dividirem-se de forma simétrica, permanecendo indiferenciadas [3]. O processo pelo qual células-tronco dão origem, a diferentes tipos celulares, não é completamente compreendido e é denominado de diferenciação celular. Acredita-se que entre os fatores responsáveis por este fenômeno estejam substâncias secretadas por células vizinhas, além de componentes do microambiente, presentes de forma solúvel ou ligados a matriz-extracelular. As células-tronco adultas estão presentes em praticamente todos os tipos de tecidos, no entanto, sua proporção em relação aos outros tipos celulares é baixa, o que torna estas células, difíceis de identificar, isolar e purificar. As células-tronco adultas podem ser divididas em dois tipos principais: As células-tronco hematopoiéticas (responsáveis pela formação dos diferentes tipos celulares sanguíneos), e as células-tronco mesênquimais (pode formar tecido cartilaginoso, ósseo, adiposo e muscular. Foi descrita primeiramente, no estroma da medula óssea). Ambas podem ser encontradas na medula óssea, mas a última também pode ser encontrada em outros tecidos [4]. Devido a sua função de manutenção de tecidos adultos e de resposta a lesões do organismo, atribui-se as células-tronco adultas um grande potencial terapêutico, no tratamento das mais variadas injúrias, como diabetes, doenças auto-imunes, na hematologia na oftalmologia e na regeneração de lesões provocadas por acidentes. Devido a este provável potencial, tais células têm se tornado alvo de inúmeras pesquisas nos últimos anos, muitas das quais obtiveram resultados favoráveis. O presente trabalho consiste em uma extensa revisão bibliográfica sobre a utilização clínica de células-tronco, seus sucessos, fracassos e possíveis conseqüências, com o intuito de sintetizar e analisar as descobertas e experimentos, realizados na pesquisa de células- 2 tronco adultas, encontradas em diferentes tecidos, e aplicadas no tratamento de diferentes moléstias. II. CONTROLE DA DIFERENCIAÇÃO DAS CÉLULASTRONCO Todas as células somáticas dos organismos vivos, salvo algumas exceções (gametas, células tetraplóides e em linfócitos B e T) possuem o DNA idêntico entre si. O mesmo vale para as células-tronco. No entanto, apesar de o DNA ser idêntico, nos diferentes tecidos as células diferem umas das outras quanto aos genes que estão ativos e inativos, de forma que somente alguns destes genes são expressos em determinada célula, em determinado momento. A regulação da expressão gênica ocorre por dois processos principais. Em um desses processos ocorre, a acetilação da cromatina, provocando a diferença entre a heterocromatina – DNA extremamente condensado, e, portanto geneticamente inativo – e a eucromatina – DNA em menor estado de condensação, apto para replicação e transcrição. Isso ocorre por intermédio de duas enzimas, a acetil-transferase, que promove a acetilação e o desligamento do gene, e a histina desacetilase, que promove a formação da eucromatina, por desacetilação. O outro processo envolve a metilação de segmentos de DNA, em especial nas regiões promotoras, o que causa a ativação ou a inativação da transcrição [5]. Dessa forma, por mais que o DNA seja conservado no diferentes tipos celulares, ocorrem diferenças no que diz respeito ao RNA e as proteínas encontradas nessas células, fenômeno responsável pela especialização e distribuição de funções nos diferentes tecidos [4]. III. CÉLULAS-TRONCO DIABETES NO TRATAMENTO DO O diabetes melito consiste em um conjunto de patologias, responsáveis pela falta ou produção ineficiente de insulina pelo pâncreas [6]. Nas últimas quatro décadas, inúmeros estudos têm identificado que o pâncreas possui um “pool”, de células progenitoras que possuem o potencial de diferenciação restrito a algumas linhagens, sendo capazes de se desenvolver no fenótipo pancreático. Dados sugerem que no ducto pancreático de humanos e roedores, o tecido exócrino acinar e as ilhotas, possuem células precursoras que podem se diferenciar em células β, responsáveis pela produção de insulina em resposta a presença de glicose. A existência, e a identidade deste tipo celular, no entanto, ainda não está clara [6]. A vantagem das células-tronco pancreática, em relação a outros tipos celulares, reside no fato de estas células já estarem parcialmente diferenciadas, na direção do fenótipo pancreático. IV. CÉLULAS-TRONCO NO TRATAMENTO DOS NERVOS PERIFÉRICO Com o intuito de avaliar a eficácia do transplante de células tronco no tratamento de nervos periféricos, foi realizado [7] um estudo envolvendo ratos Wistar. Nesse estudo os animais, foram divididos em cinco grupos e tiveram o nervo ciático dessecado e substituído por um tubo de silicone contendo plasma rico em plaquetas, células-tronco em combinação com plasma rico em plaquetas, apenas células-tronco da medula óssea e autoenxerto. O tubo de um dos grupos ficou vazio. O grupo que recebeu o tubo preenchido, apenas com células tronco da medula óssea, obteve os melhores resultados nos testes de marcha. V. CÉLULAS-TRONCO NA OFTALMOLOGIA Praticamente todos os tecidos animais, possuem uma reserva de células-tronco destinada à renovação do tecido, e na recuperação de células destruídas por lesões. Os olhos, não constituem uma exceção esta regra, e a presença de célulastronco, é fundamental para a manutenção e regeneração do epitélio corneano anterior. Acredita-se que as células-tronco, sejam encontradas no epitélio basal do limbo, que consiste da zona de transição da córnea, para a esclera [8]. Com base nesses dados, Brunelli et al. (2007) realizaram um experimento, em que induziram a destruição de células-tronco do limbo de cães. Células-tronco foram então transplantadas do olho sadio do animal [9]. O modelo canino, efetuado por [9] mostrou a eficácia no transplante de células-tronco do limbo na regeneração da transparência da córnea. O experimento, também demonstrou que o outro olho, utilizado como doador de células-tronco, não apresentou nenhum tipo de complicação, devido ao procedimento VI. CÉLULAS-TRONCO NO TRATAMENTO DE DOENÇAS AUTO-IMUNES A autoimunidade é uma resposta imune contra autoantígenos. Nas doenças auto-imunes, ocorre uma falha na capacidade do organismo, em diferenciar células do organismo de células estranhas. O mecanismo e as causas das doenças auto-imunes, ainda não são bem compreendidos. Tais doenças podem se restringir a determinado órgão ou podem ser sistêmicas [8]. São exemplos de doenças auto-imunes, o diabetes mielito, a miastenia, o hipertireoidismo de Graves, o lúpus eritematoso sistêmico e a esclerose sistêmica. O uso de células-tronco justifica-se neste tipo de moléstia, devido à possível destruição da medula-óssea, causada pelos regimes de imunossupressão aplicados no tratamento. Além disso, muitos pacientes apresentam resistência ao tratamento tradicional [10]. Muitos grupos têm trabalhado na terapia celular como tratamento para estas moléstias, inclusive no Brasil. VII. CÉLULAS TRONCO NA CARDIOLOGIA As cardiomiopatias consolidaram-se como um mal epidemiológico, nessa primeira década do século XXI. Dentre as doenças degenerativas tratadas com célulastronco hematopoiéticas, as doenças cardíacas constituem um dos grupos mais estudados até o momento [11]. Em um desses estudos células-tronco retiradas da medula óssea de camundongos machos foram injetadas diretamente no miocárdio de camundongos fêmeas, algumas horas depois da oclusão da artéria coronariana. Quando a recuperação desses camundongos foi comparada com a recuperação de camundongos infartados, não tratados com células-tronco, observou-se uma melhora significativamente 3 mais acentuada, nos primeiros, em relação à espessura da parede ventricular e aos parâmetros da função ventricular analisados [12]. VIII. CÉLULAS TRONCO NA HEMATOLOGIA O exemplo clássico, de células-tronco adultas, são as células-tronco da medula óssea, que durante muito tempo foram utilizadas apenas no tratamento de diversos tipos de leucemias [6]. Admite-se que todas as células sanguíneas, são derivadas de um único tipo celular, conhecido como células hemocitopoéticas progenitoras. De forma aleatória, este tipo celular, sofre proliferação, mantendo constante o seu número de células, ou se diferencia sob a influência de fatores presentes no microambiente da medula óssea em duas linhagens distintas as células linfóides e as células mielóides [8]. Hoje, as terapias com células-tronco vêm sendo aplicadas em diferentes áreas da hematologia. Dentre essas áreas, destaca-se o tratamento da isquemia, tanto de membros, como de outros órgãos como o coração, no tratamento de doenças como a anemia falciforme e da Leucemia Mielóide Aguda. VII. CÉLULAS-TRONCO NA ODONTOLOGIA A regeneração de um órgão dentário não é simples, pois seu desenvolvimento é determinado por interações complexas e inúmeros fatores de crescimento e ainda, a diferenciação celular está ligada a mudanças morfológicas no decorrer da formação do germe dentário. Diversos estudos têm isolado células altamente proliferativas derivadas da polpa dentária. Existem evidências de que células-tronco de dentes decíduos são similares àquelas encontradas no cordão umbilical. Pesquisas demonstraram que células-tronco da polpa requerem um meio indutor apropriado e um arcabouço de crescimento. Esse comportamento é muito semelhante ao presente em células ósseas como osteoblastos [13]. Soares e colaboradores (2007) relataram que em um estudo in vitro, células-tronco mesenquimais obtidas da medula óssea de ratos foram isoladas e induzidas a se diferenciarem em células condrogênicas e osteogênicas. Foram encapsuladas em duas camadas de matriz, moldadas em forma de côndilo de humanos. Os moldes de acrílico foram implantados em dorsos de ratos imunodeficientes. Observou-se a formação de uma estrutura condilar após 8 semanas da implantação. Isso representa uma ferramenta para o futuro desenvolvimento de côndilos mandibulares através da engenharia tecidual [1]. VIII. REFERÊNCIAS [1] Soares, A.P..; Knop, L.A.H.; Jesus, A.A.; Araújo, T.M.; Células-tronco em Odontologia. Rev. Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, vol. 12, n.1, p 33-40, 2007. [2] Santos Jr., A.R; Wada, M.L.F. Polímeros biorreabsorvíveis como arcabouços para cultura de células e engenharia tecidual. Polímeros – Ciência e Tecnologia, v.17, n.4, p.308-317, 2007. [3] Alberts, B.; Johnson, A.; Lewis, J.; Raff, M.; Roberts, K.; Walter, P. Molecular Biology of the Cell, 5th edition, New York: Garland Science, 2008. [4] Zago, M.A.; Células-Tronco: Origens e Propriedades. Células-Tronco: A nova fronteira da medicina. Cap. 1, p.3-20, 2007. [5] Bydlowski, S.P.; Debes, A.A.; Maselli, L.M.F.; Janz, F.L.; Características biológicas das células-tronco mesenquimais. Ver. Brás. Hemat. Hemot. Vol. 31, p. 2535, 2009. [6] Lojudice, S.H; Identificação de Genes Diferencialmente Expressos durante diferenciação de Células-tronco e caracterização de Células Progenitoras Mesenquimais, Tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em Bioquímica, Instituto de Química, universidade de São Paulo, 2008. [7] Silva, J.B.; Gehlen, D.; Roman, J.A.; Menta, C.; Atkinson, E.A.; Machado, D.C.; Viezzer, C.; Barbosa, G.L.; Von Verne Baes, C.; Silva, V.D.; Costa J.C., Efeitos das células-tronco adultas, de medula óssea e do plasma rico em plaquetas na regeneração e recuperação funcional nervosa em um modelo de defeito agudo em nervo periférico em rato. Acta Ortopédica Brasileira, v.14, n.5, p.273-275, 2006. [8] Junqueira, L.C.; Carneiro, J. Histologia Básica, 11ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. [9] Brunelli, A.T.J.; Vicente, F.A.M.; Chahud.F.; Oriá, A.P.; Bolzan, A.A.; Campos, C.F.; Doira Neto, F.A.; Laus, J.L.; Sclerocorneal limbal stem cell autograft transplantation in dogs. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., vol. 59, n.5 p 1194-1204, 2007. [10] Rosa, S.B.; Voltarelli, J.C.; Chies, J.A.B.; Pranke, P.; The use of stem cells for the treatment of autoimmune diseases, Braz. J. Med. Biol. Res., vol. 40, p. 1579-1597, 2007. [11] Mota, A.C.A; Soares, M.P.B; Santos, R.R. Uso de terapia regenerativa com células-tronco da medula óssea em doenças cardiovasculares - perspectiva do hematologista. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, v.27, n.2, p.126-132, 2005. [12] Orlic, D.; Kajstura, J.; Chimenti, S.; Sakonniuk. I.; Anderson S.M.; Li. B.; Pickel.J.; MckAy. R.; Nadalginard.B.; Bodine. D.m.; Leri.A.; Anversa.P.; Bone marrow cells regenerate infracted myocardium. Nature; v. 410, p.701-5, 2001. [13] Santos Jr, A.R; Wada, M.L.F. & Carvalho, H.F. Diferenciação Celular, In: Hernandes F. Carvalho & Shirlei M. Recco-Pimentel (ed.), A Célula, 2a ed., cap. 25, p.348-363, São Paulo: Manole, 2007.