ENSINO DE PORTUGUÊS: UM OLHAR SOBRE AS PERSPECTIVAS GRAMATICAIS E NOVAS QUESTÕES PARA O TRABALHO EM SALA DE AULA Ana Alice de Freitas Neta Araújo (UERN) ([email protected]) Francimeire Cesário de Oliveira (UERN) ([email protected]) Rosângela Maria Bessa Vidal (UERN) ([email protected]) INTRODUÇÃO Os estudos de base funcionalista têm possibilitado o debate de temas relacionados à constituição de modelos de analise linguística. Nessa base teórica, analisa-se a manifestação dos fenômenos gramaticais nas interfaces entre a Sintaxe e a Semântica, o Léxico e a Sintaxe, a Fonologia e a Sintaxe, além de investigar fenômenos relativos ao desenvolvimento linguístico, à aquisição de linguagem, bem como aspectos inerentes à mudança linguística. Esses estudos têm suscitado discussões acerca do ensino de gramática em nossas escolas que, infelizmente, tem acontecido apenas de forma prescritiva, à moda tradicional, como se a língua fosse imanente, não variasse ao longo do tempo. As pesquisas acerca do fenômeno linguístico apontam para um desenvolvimento progressivo no que se refere ao estudo de aspectos gramaticais, apesar de os resultados destes estudos não terem ainda ultrapassado os muros escolares a ponto de mudarem de forma efetiva o modo de abordar tais aspectos em sala aula. Entretanto, já existem algumas propostas de inovações, embora saibamos que sua aplicabilidade ainda não condizem com os propósitos nelas preestabelecidos. A título de ilustração, citamos aqui os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (fundamental II), implantados no sistema de ensino, em 1998, que trazem em suas diretrizes a inserção da língua em uso, cuja concepção de gramática está respaldada na teoria sociointeracionista bakhtiniana, a língua como meio de interação social. Aspecto esse recomendado pelos estudos de cunho funcionalista. Este artigo traz, portanto, ao leitor o panorama dos estudos gramaticais ao longo da pesquisa linguística, a partir da ótica funcionalista, como forma de compreender a realidade apresentada em sala de aula que, por sua vez, se tornou, nos últimos anos, objeto de questionamentos, principalmente, quando levamos em conta os resultados (negativos) dos exames nacionais na educação básica. Pode ser que tais resultados estejam atrelados à concepção de linguagem e de gramática dos professores que foram educados numa perspectiva tradicional e não tiveram a oportunidade de estreitar estudos acerca do seu objeto de trabalho – a língua. Em outras palavras, o que pode estar interferindo nos resultados é a (não) formação continuada dos professores. Apesar de estudarem pouco, na graduação, não têm domínios dos conhecimentos e pesquisas acerca da língua. Convidamos, pois, o leitor a refletir conosco acerca das concepções de gramática para que possamos compreender a dinâmica do processo de ensino de língua portuguesa, mais especificamente, no que concerne aos estudos de aspectos gramaticais. Concepções de gramática ao longo dos estudos linguísticos Quando falamos em gramática, automaticamente, surgem em nossa mente alguns conceitos, entre eles o de Gramática Normativa – a gramática utilizada nas escolas para o ensino da Norma Padrão do Português. No entanto, não existe apenas essa gramática. Temos outras, menos conhecidas e, certamente, pouco comentadas. Na verdade, esse conceito ganhou um status ímpar desde a Grécia Antiga e convive com os demais até os dias atuais (há até quem o defenda fervorosamente). De acordo com Martelotta (2008), em se tratando da evolução dos estudos linguísticos, para cada modelo teórico existe um conceito de gramática correspondente. O primeiro modelo é o de Gramática Tradicional, que possui origem em uma tradição de estudos, cuja base filosófica é a Grécia Antiga. Dele manteve-se, entre outras coisas, a herança normativa de ditar “padrões” de uso da língua. É essa gramática que estudamos, em nossas escolas anos a fio, cujos professores nos fazem com que reconheçamos elementos fonológicos, morfológicos e sintáticos, obedecendo à norma culta. No entanto deixam de lado, o que significa tal estudo, como se originou e se desenvolveu, seus propósitos. Constatamos, assim, a existência de lacunas, omissão de informações importantes, cujo estudo não proporciona meios de descrever a língua em seu funcionamento, em situações reais de uso. Uso este que não é regido pelos padrões de correção estabelecidos pela gramática tradicional, cujas restrições de combinações não devem ser rigorosamente repassadas em sala de aula como habitualmente vem acontecendo. Observando as situações de uso, o que encontramos é um processo natural de mudança da língua, cujo responsável mais expressivo parece ser o tempo. Daí dizer que existem arcaísmos (termos em desuso) na língua hoje e formas emergentes (termos novos) que vão surgindo simultaneamente às situações de uso. Assim, a tradição gramatical não adota uma visão de totalidade da língua, fica restrita a uma explicação parcial. Ela atendeu, portanto, as necessidades da época – Grécia Antiga – momento em que os filósofos tinham interesse em compreender a relação entre a linguagem, o pensamento e a realidade; a relação entre as palavras e as coisas. O segundo modelo é denominado como Gramática Histórico-Comparativa. Sua proposta de análise era (é) comparar elementos gramaticais de línguas de origem comum a fim de detectar a estrutura da língua original. O surgimento dessa visão de língua se deu quando os estudiosos constaram que existiam semelhanças do sânscrito – língua da Índia – com o latim, com o grego e com outras línguas de origem europeias. Chamamos a atenção para os termos correspondente ao sentido da palavra portuguesa “mãe” (mulher que gera filhos): maatar, em sânscrito; mâter, em latim; mçtçr, em grego; mother, em inglês; mutter, em alemão. Foi a partir dos estudos de Gottfried Wihelm Von Leibniz, filósofo e matemático alemão que surgiu o interesse em analisar a estrutura das diferentes línguas. Com esses estudos comparativos abandonarse-iam as ideias preconcebidas sobre a essência da linguagem, o que daria um caráter empírico, marco das pesquisas linguística do século XIX. (cf. MARTELOTTA, 2008). O terceiro, tratado como Gramática Estrutural, é um modelo teórico que tende a descrever a estrutura gramatical das línguas, vendo-as como uma rede de relações de acordo com leis internas, ou seja, inerentes ao próprio sistema. Modelo esse que se associa ao “Estruturalismo” saussuriano. O mestre genebrino Ferdinand de Saussure, com suas ideias, deu um novo direcionamento aos estudos linguísticos, revolucionando as pesquisas da época. Seu método divergia do histórico-comparatista. Enquanto este analisava língua em elementos isolados, não observando o funcionamento desses elementos dentro do sistema linguístico, aquele, por sua vez, propunha que os elementos de uma língua não estão isolados, mas formam um conjunto solidário. Dessa forma, Saussure acreditava ser impossível analisar os elementos da língua isolados de sistema composto por eles, lembrado a prioridade do todo sobre as partes. “Essa proposta constitui a base de toda a linguística estrutural: aceitando a ideia de que a língua é um sistema, cumpre analisar sua estrutura, ou seja, o modo como esse sistema se organiza” (MARTELOTTA, 2008, p.54). Surgiram, pois, a partir dos estudos de Saussure, os termos “gramática estrutural” e “estruturalismo”. O quarto modelo, descrito como a Gramática Gerativa, assegura que a natureza da linguagem está relacionada à estrutura biológica humana. Dessa forma, estuda a estrutura gramatical das línguas enquanto reflexo de um modelo formal de linguagem preexistente às línguas naturais. Associa-se, pois ao “Gerativismo” chomskyano. Nesse modelo, a linguagem “[...] passa a ser vista como reflexo de um conjunto de princípios inatos – e, portanto, universais – referentes à estrutura gramatical das línguas”. (MARTELOTTA, 2008, p.58). Assim sendo, as línguas naturais – o português, o japonês, o swahili e o carajá –, mesmo sendo aparentemente diferentes, apresentam, em sua essência, inúmeras semelhanças, refletindo, pois, os mesmos princípios inatos, pelos quais o funcionamento gramatical das línguas é regido. Nesse sentido, mantém-se a ideia de que a linguagem é um sistema autônomo, cujos interesses do sujeito que o utiliza, assim com as características do ambiente social em que atua são indiferentes a esse sistema. Associada à lógica universal, essa noção de linguagem confirma nossa capacidade de criar um número infinito de frases, sem levar em consideração o ponto de vista do produtor do discurso, bem como sua criatividade quando adéqua sua fala a contextos comunicativos distintos. A variação e a mudança linguística aqui são descartadas. Segundo Martelotta (2008), a concepção gerativa de gramática é caracterizada por dois princípios básicos: o princípio do inatismo e o princípio da modularidade da mente. O princípio do inatismo sugere a ideia de existência de uma estrutura gramatical inata, que se constitui a partir de um conjunto de princípios gerais impondo limites na variação entre as línguas, manifestando-se como dados universais. O princípio da modularidade da mente, por sua vez, pressupõe a ideia de que a mente é modular, isto é, se constitui de módulos ou pares, que se caracterizam sob a forma de sistemas cognitivos diferentes entre si, os quais trabalham de forma separada. A inovação dos estudos de Chomsky está no fato de ele ter introduzido a noção de cognição nos estudos linguísticos. O autor assegura que a compreensão da linguagem está atrelada à natureza da mente humana e aos princípios inatos que a caracterizam. A noção de cognição, na proposta de gerativa, pressupõe a ideia de que fatores associados ao desenvolvimento de uma capacidade inerente à estrutura genética é que regulam a linguagem. Capacidade essa dissociada de outras capacidades mentais que se referem ao processamento de informações, bem como à inteligência de forma geral. Além da noção de cognição, Chomsky propôs outro aspecto importante que caracteriza a gramática gerativa, a saber: a distinção entre competência e desempenho. À primeira, está associada à ideia de capacidade, tanto inata quanto adquirida, de que o falante dispõe para formulação e compreensão de frases em determinada língua. À segunda, entretanto, associa-se à ideia de utilizar de forma concreta essa capacidade. O que notamos, a partir do conceito de gramática gerativa, é que Chomsky, assim como Saussure, não inseriu o sujeito como usuário real da língua em seus estudos, já que sustenta a hipótese de estudar a competência em detrimento do desempenho. Há, no pensamento chomskyano, uma noção de competência ideal, cujos falantes/ouvintes são também ideais, os quais utilizam conhecimentos linguísticos de forma regular, sem levar em conta os contextos reais de comunicação. Por último, Martelotta descreve um modelo teórico, cujo propósito é analisar não somente a estrutura gramatical, mas também a situação de comunicação inteira: a Gramática Cognitivo-funcional. Este modelo de gramática associa-se às bases teóricas como o Funcionalismo linguístico, mais precisamente, o de origem norte-americana, cuja concepção, defendida por Givón e seus seguidores, é a de língua enquanto atividade social, não-autônoma, sujeita às pressões de uso. É válido ressaltar que o próprio Martelotta (2008) justifica a escolha do termo “cognitivo funcional” retirado de Tomasello (1998, 2003), que tem como propósito nomear um conjunto de sugestões de ordem teórico-metodológicas que caracterizam determinadas escolas de caráter relativamente distinto, os quais, ao adotar princípios diferentes dos que caracterizam o formalismo gerativista, apresentam pontos comuns, a saber: Observam o uso da língua, considerando-o, fundamental para a compreensão da natureza da linguagem; Observam não apenas o nível da frase, analisando, sobretudo, o texto e o diálogo; Têm uma visão da dinâmica das línguas, ou seja, focalizam a criatividade do falante para adaptar as estruturas linguísticas aos diferentes contextos de comunicação; Consideram que a linguagem reflete um conjunto completo de atividades comunicativas, sociais e cognitivas, integradas com o resto da psicologia humana, isto é, sua estrutura é conseqüente de processos gerais de pensamento que os indivíduos elaboram ao criarem significados em situações de interação com outros indivíduos (MARTELOTTA, 2008, p.62). Essas características são adaptadas a escolas como o Funcionalismo – norte americano e europeu –, a Linguística Sociocognitiva, a Linguística Textual, a Sociolinguística, a Linguística Sociointerativa, etc. Cada uma delas analisa o fenômeno linguístico a sua maneira, com peculiaridades próprias, seja adotando alguma dessas características, seja adotando todas elas. Segundo essa concepção, portanto, a situação comunicativa motiva a estrutura gramatical, o que pressupõe pensar que uma abordagem estrutural ou formal não é apenas limitada a dados artificiais, mas inadequada como análise estrutural. “[...] nos termos funcionalistas, a gramática não pode ser vista como independente do uso concreto da língua, ou seja, do discurso [...]” (Op. cit. p.63). Em outras palavras, ao falarmos, produzimos frases, que, ao se juntarem, compõem um texto coeso e coerente com a situação na qual esse discurso é empregado. O discurso é, pois o processamento desse texto. Dois tipos de habilidades, essencialmente, humanas regulam a atividade verbal, os quais estão relacionados à gramática das línguas. “O primeiro deles tem natureza sociointerativa e se relaciona com a nossa habilidade de compartilhar informações com nossos semelhantes e de nos engajarmos em atividades compartilhadas, cuja compreensão é fundamental para o processo comunicativo” (MARTELOTTA, 2008, p.63-64) Pensemos a seguinte situação: um cliente retorna a uma loja de eletrodomésticos, onde comprara uma televisão e dialoga com o vendedor: Cliente: – Esta televisão não está funcionando. Vendedor: – Não há problema, senhor. Vamos providenciar a troca do aparelho. Analisando a situação comunicativa por inteiro, pressupomos que o vendedor não irá compreender a frase proferida pelo cliente como uma simples informação, mas como um pedido de troca do aparelho por outro, já que se trata de um contexto específico de interação, não podendo, pois ser entendida de outra forma. Isso nos autoriza atestar que a estrutura gramatical deve ser estudada atrelada à semântica e à pragmática, uma vez que o “conhecimento do sistema da língua é insuficiente para entender certos fatos linguísticos utilizados numa situação concreta de fala [...]” (FIORIN, 2002, p. 166). O segundo tipo de habilidade a que o autor se refere está relacionado a aspectos do funcionamento mental, os quais “[...] interferem no modo como processamos as informações – e, consequentemente, o discurso. Nossa capacidade de ver e interpretar o mundo [...]” (MARTELOTTA, 2008, p. 64). Ex. O tempo fechou. Isso vai me fazer usar o guarda-chuva A utilização do pronome isso, que, em sua forma original, funciona como um dêitico, que localiza os objetos no espaço físico, cuja referência é a localização dos participantes da situação comunicativa, passar a fazer referência, no excerto mencionado, a uma informação citada no interior do texto: “o tempo fechou”. O que ocorre aqui, portanto, é uma expansão da dêixis “espacial” para a dêixis “textual”, processo extremamente produtivo nas línguas naturais, ou seja, a organização de espaço/tempo do mundo físico é empregada de forma análoga, caracterizando, assim, o universo mais abstrato do texto (cf. MARTELOTTA, 2008). Partindo desse valor anafórico, a expressão pode desenvolver papel de conjunção. Fato que pode ocorrer quando o isso se associa à preposição por, para funcionar como conjunção conclusiva, como no excerto a seguir: Ex.:O tempo fechou, por isso usei o guarda-chuva. Procedimentos como esses são bastante produtivos nas línguas, e os linguistas, cuja perspectiva de trabalho é a linguística cognitivo-funcional “[...] associam-no a um fenômeno mais geral segundo o qual a experiência humana mais básica, que estabelece a partir do corpo, fornece as bases de nossos sistemas conceptuais” (MARTELOTTA, 2008, p.64). Isso nos mostra que não nos expressamos numa língua apenas denominando o modo de estruturar suas frases, mas sabendo combinar essas unidades sintáticas em situações comunicativas eficientes. Para tanto, necessitamos conhecer, não somente, as regras semânticas, sintáticas, morfológicas, fonológicas, mas também as pragmáticas. Regras essas, certificadas por Neves (2006), as quais estão integradas aos pontos considerados centrais numa teoria funcionalista, a saber: o uso da língua em relação a todo o sistema, o significado em relação às formas linguísticas e o social em relação às escolhas individuais do falante. Assim sendo, a maneira de produzir o discurso do falante se constitui como uma intrincada interação linguística, na qual se envolvem diferentes fatores como: o contexto, as informações pragmáticas – tanto do falante, como as que ele julga que o ouvinte possui –, o planejamento, entre outros, sendo, portanto, as variações e desvios da gramática normativa imprescindíveis no ato comunicativo. Neves (2006) ver, portanto, a gramática da língua como funcional, ou seja, uma gramática do uso que busca, essencialmente, verificar como a comunicação é processada em uma determinada língua, e, para isso, não elege como tarefa descrever a língua enquanto sistema autônomo. Não desvincula, portanto, as peças desse sistema das funções que elas preenchem. Furtado da cunha (2007), por sua vez, seguindo o pensamento de Hopper (1987) considera a gramática como emergente. Segundo a autora: A gramática na ótica emergente não abriga apenas as palavras ou construções tradicionalmente consideradas como pertinentes ao âmbito gramatical, mas também quaisquer porções linguísticas recorrentes, como expressões idiomáticas, provérbios, clichês, fórmulas, sintagmas especializados, transições, aberturas, fechamentos. Tais elementos tendem rotinização e à fixação, e são sujeitas às pressões contextuais, como todas as formas gramaticais [...] (FURTADO DA CUNHA, 2007, p.18). Ora, se consideramos que a língua se constitui muito mais do que de uma gramática e que esta não é a chave (ou a fonte) da intercompreensão, certamente, podemos considerar essa a gramática como um produto da atividade verbal. Em outras palavras, uma gramática constituída nos usos discursivos, correspondendo, assim, a uma organização cognitiva aperfeiçoada a partir de experiências passadas de ativação discursiva individuais de cada sujeito falante. Nesse sentido, aquilo que os participantes do ato comunicativo acionam cognitivamente quando falam é fruto de experiências passadas, de uso de certas construções, a que acrescenta a avaliação do contexto interativo, cujo enfoque está na imagem do interlocutor, não num conjunto fixo de postulados. Sua capacidade cognitiva, enquanto falantes, permite-lhes, portanto, a partir dos eventos discursivos, categorizar e classificar semelhanças e diferenças. Isso pressupõe a ideia de acreditar que a gramática, tal como o discurso, é vista como um fenômeno social e se partirmos da ideia que a “[...] gramática é constituída nos contextos específicos de uso da língua, para compreendê-la é preciso levar em conta a perspectiva discursivo-textual. Buscamos, portanto, explicar a forma da língua a partir das funções que ela desempenha na comunicação” (FURTADO DA CUNHA, 2007, p. 19). O que podemos depreender, a partir da visão (ou visões) apresentada(s) de gramática a partir da ótica funcionalista, é que a língua/gramática não é vista como um sistema estático e imutável, com regras a serem seguidas, e os desvios considerados como “erros”. O que deve ser enfatizado, portanto, é uma língua/gramática dinâmica, maleável, que depende do uso que se faz dela passando a ser determinada pelas situações comunicativas, motivadas pelas circunstâncias e pelos contextos específicos de uso. Isso nos autoriza a atestar que a corrente funcionalista pode ser uma perspectiva para reflexões acerca do ensino de língua, representando, assim, uma tentativa de mudar velhos paradigmas seguidos há séculos (cf. OLIVEIRA e COELHO, 2003). No entanto, isso, de fato, só poderá acontecer, quando os resultados das pesquisas ultrapassarem os muros escolares, fazendo com que adotemos uma nova concepção de língua(gem), de gramática e de ensino. Mediante os pressupostos aqui discutidos, podemos postular que, com os avanços teóricos nos estudos linguísticos, a forma de conceber os fenômenos associados à gramática das línguas mudou significativamente. As concepções aperfeiçoaram-se, algumas abandonadas ou mesmo retomadas devido às descobertas das ciências. Martelotta (2008) admite, pois, a existência de duas grandes tendências linguísticas atualmente: a gerativista e a cognitivo-funcional. A primeira concebe a linguagem como função biológica, cujos aspectos formais da língua são objetos privilegiados de abordagem. A segunda, por sua vez, procura compreender a estrutura das línguas partindo do uso, estabelecendo, portanto, uma relação entre biologia e cultura. Que concepção teremos, no futuro, somente os estudos e pesquisas (que não poucos) acerca do fenômeno linguístico poderão dizer. Ensino de português vs. análise linguística: a teoria que ainda não virou prática Acreditamos que o ensino de português, mais precisamente o trabalho de análise linguística, em nossas escolas esteja passando por um momento de transição (pelo menos acreditamos que esteja), pois já notamos, apesar de forma embrionária, uma proposta de ensino associada a atividades de interpretação de textos ou de reflexão acerca do funcionamento da linguagem. Um ensino diferente daquele que, geralmente, trata das questões gramaticais de modo artificial, distanciando-as das situações de uso; deixando de considerar aspectos fundamentais, como as relações entre formas e funções, que dependem de uma gama de fatores que interferem a cada interação comunicativa. Segundo Furtado da Cunha (2007), infelizmente, a forma tradicional de abordar a gramática ainda se constitui uma realidade em nossas escolas. Itens gramaticais: verbos, nomes, pronomes, conjunções; orações coordenadas e subordinadas são apresentadas apenas para classificação e identificação, desvinculados do uso. Trabalhado dessa maneira, o ensino tem se tornado enfadonho, destituído de sentido e sujeito a críticas por parte dos estudantes os quais convivem com uma língua dinâmica, maleável que atende perfeitamente aos seus propósitos comunicativos e sobre a qual não é instigado a refletir na escola. Apesar de muitas propostas de mudanças educacionais, o ensino de gramática tende a continuar igual: prescritivo, cujo objetivo é privilegiar as realizações escritas, literárias e formais. A língua, por sua vez, é tratada como um bloco uniforme. As questões decorrentes da situação de interação são desconsideradas das condições cuja interlocução acontece. Trabalhada dessa forma (prescritiva) a gramática não passa de um manual de boas maneiras, colocadas à disposição dos usuários, de modo especial os alunos. A noção de erro é notória, quando abordada nessa maneira de ensinar, uma vez que a norma culta parece ser a “língua ideal”, “correta”. Se existisse língua ideal, a teoria de Chomsky ainda daria conta dos estudos acerca do fenômeno linguístico. Nessa perspectiva, constatamos que a função da escola ainda é ensinar a modalidade padrão, especialmente a escrita. No entanto, quando privilegiamos a norma culta, falta-nos tempo para ensinar coisas de maior importância, como: ler, escrever, discutir sobre o que escreveu, uma vez que a reflexão sobre a produção proporciona mais aprendizagem que exercícios mecânicos dos aspectos gramaticais desarticulados das situações comunicativas reais. Na verdade, muitos professores ainda não sabem como trabalhar os textos dos alunos; preferem o caminho mais cômodo: seguir o livro didático, tal qual se apresenta, pois não precisa dispor de muito tempo para planejamento. Muitas vezes, não se dispõem nem a conhecer o livro (selecionado às pressas) para questioná-lo, caso haja divergências entre a realidade apresentada e o contexto de sua sala de aula. A realidade, felizmente, tende a mudar. Já presenciamos atividades, mesmo que isoladas, que utilizam o texto como objeto de ensino. Está na hora de ver que trabalhar a língua viva não se reduz à formação de frases; a um falar correto, vai muito além. É um trabalho árduo, complicado que exige cerca de 10% de inspiração e 90% de dedicação por parte dos professores de Língua Materna. Este artigo já é prova disso, pois sua escrita perpassa por estudos, pesquisas e, certamente, após terminarmos a leitura do mesmo, teremos uma nova concepção sobre o ensino de língua portuguesa e, consequentemente, sobre a gramática. Acreditamos que a concepção defendida pela corrente funcionalista, cuja língua é vista enquanto “[...] atividade social enraizada no uso comunicativo diário e por ele configurada” Furtado da Cunha, (2007, p.14) é a que melhor se identifica com uma proposta de ensino produtivo. Trabalhar, portanto, a gramática de forma produtiva pressupõe abordar a língua em sua dinamicidade, uma vez que aquela está nesta através do texto oral ou escrito de todos os usuários; a língua só se realiza com o uso desse conjunto de regras que organiza as palavras. Por outro lado, a gramática da língua vai sendo ampliada à medida que o falante vai introduzindo novas situações de comunicação, vivenciando diferentes contextos de usos. Conforme ressalta a autora, nos exercícios metalingüísticos, costumamos dá ênfase às formas de prestígio, trabalhando-as de maneira exaustiva, apesar de tais formas não fazerem parte das regularidades de uso pelos falantes em suas interações sociais diárias. Dessa forma, há discrepâncias entre o que é transmitido nas aulas de português e a língua usada pelos mesmos falantes (alunos) fora da escola (a língua em uso). Tratada dessa maneira, a língua perde o caráter de dinamicidade, de fluidez, excluindo, assim, a noção da diversidade linguística. Ideia defendida pelos estudos linguísticos de caráter funcionalista, mais especificamente, o funcionalismo norteamericano sobre o qual discorremos no capítulo 1. Essa visão dicotômica de língua: uma língua apresentada nos compêndios gramaticais vs. outra usada em nossas interações cotidianas causa grande insatisfação acerca a qualidade do ensino de língua portuguesa, fundamentado num ensino apenas prescritivo, o que justifica a existência de pesquisas linguísticas envolvendo o uso da língua. Pesquisas de cunho funcionalistas propõem novas maneiras de abordar a linguagem, fornecendo alternativas de reflexão sobre a complexidade revelada pela língua. A concepção defendida pelos estudiosos de corrente é a de língua enquanto atividade social enraizada no uso comunicativo diário, cuja configuração se dá no próprio uso. Considerações Finais Com este trabalho, procuramos refletir um pouco acerca das concepções de gramática ao longo dos estudos linguísticos. Através dessa reflexão, constatamos como professores de Língua Materna, que ainda há disparidade entre a realidade apresentada nas escolas e a concepção de gramática de cunho funcionalista, que compreende a gramática como componente mutável em conseqüência das vicissitudes do discurso, a que se adapta. Daí a necessidade de se trabalhar, no dia-a-dia da sala de aula, com a materialização da linguagem; uma língua como atividade interativa e não como sistema autônomo, imanente; como costumamos repassar aos nossos alunos. Em outras palavras, o que queremos dizer é que apesar de os estudos e pesquisas terem trazido inovações, a escola não tem acompanhado o ritmo das pesquisas. As causas para o resultado dessas pesquisas não chegarem às escolas estão atreladas a fatores de ordem não somente educacionais, mas também sociais, políticos, cujos interesses envolvidos são, muitas vezes, mascarados, já que as mudanças podem trazer frutos não tão saborosos para os ideais dominantes. O ponto de vista apresentado pressupõe a ideia de uma abordagem de ensino pautada em atividades que formam não detentores de regras gramaticais, mas sujeitos capacitados para usar a língua, percebendo a forma adequada de determinados empregos, em situações específicas de comunicação, isto é, a língua em uso. De posse dos conhecimentos acerca das concepções de gramática ao longo dos estudos linguísticos, passamos a ver a gramática como sistema das estratégias consagradas no e pelo uso social, ou seja, um conjunto dos procedimentos parcialmente maleável/motivada e parcialmente arbitrária / convencional, cuja natureza das estruturas linguísticas deve ser vista sempre estando, nunca sendo. Em outras palavras, esse trabalho contribui para que a gramática seja vista numa perspectiva funcionalista, cuja proposta de análise se constitui de maneira vasta, já que abrange o uso linguístico que contempla múltiplas possibilidades de investigação. Na verdade, um estudo, sucessivamente, leva a outro(s). É o que esperamos que aconteça com este trabalho REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, I. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. FIORIN, J. L. A linguagem em uso. In: Introdução à linguística: Objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002. FURTADO DA CUNHA M. A.; TAVAERS, M.A. Funcionalismo e ensino de Gramática. Natal. Editora da UFRN, 2007. ______. Funcionalismo. In: MARTELLOTA, M. E. (org.). Manual de Linguistica. São Paulo: Contexto, 2008. MARTELLOTA, M. E Funcionalismo. In: WILSON, V; MARTELOTTA, M.E e CEZARIO M.M. Linguistica: fundamentos. Rio de Janeiro: CCAA Editora, 2006. MARTELLOTA, M. E; AREAS. E. K. 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