A perspectiva islâmica no diálogo multicultural acerca dos Direitos

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Liberdade Identitária como Direito Fundamental
1.Introdução
A perspectiva islâmica
no diálogo multicultural
acerca dos Direitos
Humanos
Os Direitos Humanos são um tipo específico de direitos que todos os seres
humanos possuem simplesmente pelo fato de serem humanos, ou seja, são direitos
intrínsecos à natureza humana (DONNELLY, 1982, p.305). Entretanto, segundo
MESSER (2007, p.297), embora haja um consenso sobre a existência de direitos e
obrigações individuais que visem a preservação da ordem, não existe um acordo
sobre quais seriam esses direitos e obrigações.
Os Direitos Humanos Islâmicos compõem uma dessas perspectivas de direitos e obrigações. Logo, devem ser levados em consideração nos estudos que tratam
do assunto. Afinal, conforme afirma OH (2007, p.01):
Separar crença religiosa dos Direitos Humanos exige que nós
realizemos a tarefa impossível de distinguir uma importante fonte de
nossos valores éticos das normas em si. Para muitas pessoas, a validade
dos Direitos Humanos decorre de uma crença fundamental em Deus e
na dignidade que Deus fornece a todos os seres humanos. (...) Ignorar
os valores do Islã seria negar as vozes de um quinto da população mundial em determinar o que seriam os Direitos Humanos “universais”.
Essa possibilidade de ignorar os valores do Islã no debate dos Direitos Humanos é oriunda do fato de alguns críticos do Islã alegarem que os muçulmanos
não respeitam esses Direitos. Contudo, de acordo com um estudo realizado por
Daniel Price em 2002, o fato de alguns países de população predominantemente
muçulmana1 desrespeitarem os Direitos Humanos2 não se deve à cultura política
islâmica presente nesses países.
Em seu estudo, Price analisou dados de 92 países, sendo 46 islâmicos - todos
considerados em desenvolvimento pelo Banco Mundial. Com isso, os países foram
comparados em oito características: a presença de características da cultura política islâmica3; segmentações étnicas, linguísticas ou políticas; existência de minorias
religiosas; renda per capita e distribuição de renda; envolvimento da esfera civil nas
questões públicas; nível de alfabetização da população; e se o sistema político era
democrático ou não.
Ao comparar essas características com dados de algumas violações dos Direitos Humanos (conforme estabelecidos pelo Conselho de Direitos Humano da
1
Países cuja população é composta por pelo menos 80% de
islâmicos (PRICE, 2002, p.218).
Corina Avellar
Yan Cardoso
Nathalya Córdova
Caio Jacon
2
Nesse caso, entendem-se os Direitos Humanos como aqueles
estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização
das Nações Unidas (1948).
3
Para determinar cultura política islâmica eram levadas em
consideração a influência da Sharia tanto no cotidiano da população quanto na
positivação das leis.
461
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
Organização das Nações Unidas), o resultado foi que o alto índice de violações aos
Direitos Humanos existente em alguns países eram explicados por fatores como alta
desigualdade social, altas taxas de analfabetismo e sistemas políticos não democráticos, independentemente do país em questão ser islâmico ou não.
Portanto, a cultura islâmica em si não é contrária à aplicação dos Direitos
Humanos, são fatores para além das diferenças culturais que, muitas vezes, resultam em práticas condenadas por esses Direitos, ou, simplesmente, em diferentes
perspectivas sobre quais seriam esses direitos. É importante ressaltar que essas diferenças de perspectivas não existem somente na contraposição entre islâmicos e não
islâmicos, mas também dentro desses grupos, o que mostra a dificuldade em lidar
com o assunto, embora esse seja desejosamente consensual.
eles. Após a criação de diversas organizações, surge aquela que seria a segunda4
maior organização – em termos de países membros - do globo5: a Organização da
Conferência Islâmica.
Ainda no ano de 1926, países islâmicos se reuniram a fim de discutirem
assuntos relacionados ao Islã. Nesse mesmo ano, o rei de Hejaz (futuro reino da
Arábia Saudita), Abdul Aziz Ibn Saud, inaugurou a Conferência Mundial Islâmica
de Meca, cujos debates deveriam girar em torno da segurança dos lugares sagrados,
da melhoria da condição de peregrinação e da liberdade religiosa entre as vertentes
islâmicas. Todavia, os discursos basearam-se em questões políticas e territoriais.
Apesar do foco da primeira reunião da Conferência Mundial Islâmica de Meca
não ter sido os objetivos originais, várias reuniões durante a década de 30 foram
realizadas, como o Congresso de Jerusalém de 1931 e a Conferência de Bludan,
na Síria, em 1937. O primeiro teve um caráter tanto árabe quanto islâmico e suas
discussões, de acordo com HOURANI (2005), tratavam a respeito, principalmente,
“do apoio aos árabes da Palestina, da oposição à imigração judaica e da exigência
de um governo unitário de maioria árabe”. A Conferência de Bludan teve como
presidente um iraquiano e como vices um senador egípcio e um bispo ortodoxo de
Hama. Nesta conferência, “afirmava-se a unidade árabe e enfatizava-se o caráter religioso do nacionalismo árabe” (HOURANI, 2005, p. 306). Em 1938, um congresso
interparlamentar foi realizado com o objetivo de ratificar o apoio árabe à Palestina
(HOURANI, 2005).
A ideia de formar um bloco efetivo dos países árabes foi incentivada pela
instabilidade proporcionada pela Segunda Guerra Mundial, de modo que os países
buscaram se unirem para se fortalecerem (HOURANI, 2006, p.464). Então, após
duas conferências no Egito, sendo a primeira em Alexandria (1944) e a segunda
no Cairo (1945), nasceu a Liga Árabe, oficializada pela Carta da Liga dos Estados
Árabes e com os seguintes países como membros: Egito, Síria, Líbano, Jordânia,
Iraque, Arábia Saudita e Iêmen, além de um representante dos palestinos. Outros
países árabes, conforme conseguiam sua independência, foram se tornando membros da Liga. Até 1990, além de seus fundadores, a Liga tinha como membros: Líbia,
Sudão, Marrocos, Tunísia, Kuwait, Argélia, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Qatar, Omã, Mauritânia, Somália, Palestina, Djibouti.
Após um incêndio criminoso ocorrido em agosto de 1969 na mesquita de
Al-Aqsa, localizada em Jerusalém, os representantes dos Estados islâmicos perceberam a necessidade de uma reunião focando na defesa do Islã e de seus patrimônios sagrados. Em setembro de 1969, em Rabat, Marrocos, na Conferência de
Chefes de Estado e de Governo, foi criada a Organização da Conferência Islâmica,
“voz coletiva do mundo muçulmano, cuja meta é garantir a defesa e proteção dos
2. Retrospectiva Histórica
Os Direitos Humanos estão presentes na humanidade desde a modernidade,
tendo um maior foco para seu alcance universal principalmente após as revoluções
liberais burguesas iniciadas no século XVII, nas quais as maiores reivindicações
eram aquelas relacionadas aos direitos que as pessoas deveriam possuir, como o
direito à vida e à liberdade. Assim, após a Segunda Guerra Mundial, a Organização
das Nações Unidas (ONU) aprovou em 1948, durante a Assembleia Geral, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), considerada por MONDAINI
(2006), “o ápice de um longo processo de lutas, iniciado no decorrer das revoluções
liberais burguesas”.
A universalidade da Declaração de 1948, segundo PIOVESAN (2006, p.58),
é uma grande inovação, visto que “se aplica a todas as pessoas, de todos os povos e
de todas as nações, independente de sua condição de raça, sexo, ou religião”. Entretanto, embora constitua um documento cujo conteúdo visa representar os valores
fundamentais da humanidade, deve-se considerar que culturas diferentes podem
ter distintas interpretações a respeito de quais são os Direitos Humanos. Prova disso é a Declaração do Cairo de Direitos Humanos Islâmicos (DCDHI) de 1990, perspectiva islâmica a respeito dos Direitos Humanos.
Durante os quarenta e dois anos que separam a DUDH da Declaração do
Cairo, vários fatos moldaram o pensamento islâmico culminando com a escrita da
DCDHI. Entre esses fatos, pode-se citar a criação da Organização da Conferência
Islâmica (OCI), em 1969.
2.1. Criação da Organização da Conferência Islâmica
Faz parte da história e das relações internacionais que grupos, Estados ou
nações que compartilham ideias e pontos de vista se organizem e busquem a realização de seus interesses comuns. Não foi diferente com os países islâmicos. Podese analisar na história que várias organizações foram criadas com o intuito de haver
uma ligação mais estreita entre esses países e, assim, uma maior cooperação entre
462
4
Nações Unidas (ONU).
A maior organização multilateral é a Organização das
5
outubro. 2010.
Disponível em: http://www.oic-oci.org/. Acesso em
463
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
interesses do mundo muçulmano no espírito de paz e harmonia entre os vários
povos do globo”6. Os principais objetivos da OCI são promoção da solidariedade e
fraternidade islâmica, manutenção da dignidade, da independência e dos direitos
nacionais, a abolição de qualquer tipo de discriminação, o apoio econômico, social,
científico e político entre os Estados-membros, proteção de lugares sagrados para
o Islamismo.
por líderes religiosos xiitas – vertente do Islã de cerca de 93% da população iraniana – e também pela população mais pobre do país, a qual desejava que os valores
básicos do Islã fossem resgatados, tendo em vista que todas as promessas de avanço
de um Irã mais “ocidentalizado” lhes pareciam falsas, já que a desigualdade social
em território iraniano era cada vez mais notável.
Ainda para Alves da Frota, as discordâncias vieram daqueles mais conservadores do Islã, que começaram a questionar sobre a universalidade dos direitos
humanos propostos pela DUDH, afirmando que os princípios basearam-se no que
seria o “Direito Ocidental”, sendo, portanto, não correspondentes ao Direito e à
tradição muçulmanos. Outro ponto divergente seria a questão da liberdade religiosa e de matrimônio. Tais liberdades poderiam dar ao ser humano, como cita o autor,
“uma discricionariedade pessoal blasfema na ótica do Alcorão”. Quanto à liberdade
matrimonial, contudo, não houve um consenso entre os países islâmicos: o Egito,
por exemplo, vê de forma moderada o direito feminino ao divórcio (FROTA, 2006).
Em 1981, Said Rajaie-Khorassani, então representante do Irã, afirmou que
a Declaração Universal dos Direitos Humanos era uma “interpretação secular da
tradição judaico-cristã”, e que, por isso, não haveria como pô-la em prática sem que
a Lei Islâmica fosse infringida (LITTMAN, 1999).
Outro fator que muito colaborou para que outros documentos a respeito
dos Direitos Humanos fossem escritos baseados numa perspectiva islâmica foi que
vários países islâmicos não partciparam da confecção da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, pois em 1948, ainda existiam muitas colônias, principalmente
na Ásia e na África. Por não terem participado da feitura da DUDH, esses Estados
sentiam a necessidade de elaborar um documento mais próximo da sua visão de
mundo7. Percebe-se, então, que a independência dos países islâmicos muito contribuiu para a formação da ideia de se ter uma declaração própria sobre os Direitos
Humanos no Islã.
2.2 O motivo da insatisfação dos países islâmicos com a
DUDH
Durante a III Assembleia Geral da ONU (1948), na qual era debatida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, alguns países islâmicos já manifestavam
insatisfação com o documento em questão. Sudão, Paquistão e Arábia Saudita
foram alguns dos países de maioria muçulmana que criticaram a DUDH. O principal motivo dessas críticas era que a Declaração Universal dos Direitos Humanos
não considerava alguns costumes e normas prescritos pelo Alcorão, livro sagrado
para o Islã, e que, devido a isso, um caráter exclusivamente não-muçulmano poderia ser dado a ela (KRETSCHMANN, 2006).
Grande parte das críticas vieram dos artigos da DUDH que falavam sobre
igualdade. Para os islâmicos, os indivíduos são iguais, independente de raça, gênero
ou posição social. O que difere entre eles, porém, é a fé e o quanto dedicam das suas
vidas ao islamismo. Já na DUDH, a igualdade foi vista como direitos pertencentes a todos os homens, como direito a vida, propriedade e educação. Para Ângela
Kretschmann (2006), os muçulmanos acreditam que, mesmo com a igualdade perante Deus, há uma diferença entre os direitos e deveres, que são conferidos por Ele
a cada um dos sexos.
Contudo, mesmo com essas críticas, a DUDH foi aprovada com unanimidade. Os países islâmicos, entretanto, dividiram-se: Arábia Saudita absteve-se, enquanto o Iêmen não esteve presente na votação do documento. Os restantes dos
países islâmicos presentes foram favoráveis.
Segundo Hidemberg Alves da Frota (2006), a Declaração Universal dos Direitos Humanos só começou a ser efetivamente questionada no mundo muçulmano
a partir da Revolução Islâmica do Irã, de 1979, a qual instaurou uma República
Islâmica com orientação xiita. Na época pré-revolução de 1979, o Irã sofria uma
notável “ocidentalização” causada pela forte influência dos Estados Unidos e que,
mais tarde, acabou influenciando os futuros artigos da nova Constituição do país,
promulgada em 1979. Os costumes não-muçulmanos eram fortemente criticados
6“ The Organization is the collective voice of the Muslim world and
ensuring to safeguard and protect the interests of the Muslim world in the spirit of
promoting international peace and harmony among various people of the world.”,
Disponível em inglês em: http://www.oic-oci.org/page_detail.asp?p_id=52 . Acesso
em outubro de 2010.
464
2.3.O processo de independência dos países islâmicos
A descolonização pós Segunda Guerra Mundial, segundo HOBSBAWM
(2008, p. 337) transformou radicalmente o mapa político do mundo. O número de
Estados na Ásia tidos como independentes quintuplicou. Na África, em 1939 somente um país era reconhecido internacionalmente como independente, no período pós-guerra esse número aumentou para cerca de cinquenta. Os países colonizadores estavam cada vez mais enfraquecidos nas suas colônias e essa falta de força
oferecia oportunidade para que rebeliões e revoluções pela independência, muitas
vezes apoiada pela URSS, eclodissem nos países colonizados.
Verifica-se que as primeiras emancipações no período pós Segunda Guerra
7
A Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos são reconhecidas por todos os Estados-membros da Organização
das Nações Unidas. Ao tornar-se membro da ONU, o país deve legitimar tais
documentos.
465
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
Mundial vieram da Ásia. Síria e Líbano, antigas colônias francesas, tonaram-se independentes em 1945, sucedidas por Índia e Paquistão (1947), Sri Lanka, Palestina
e Indonésia (1948) (HOBSBAWM, 2008). O processo de independência acontecia,
às vezes, através de discretas negociações, como foi o caso do Marrocos e da Tunísia
– antigas colônias francesas, independentes a partir de 1956 – e do Sudão, ex-colônia britânica. Em outros casos, como a independência da Argélia, o processo acontecia através de uma revolução marcada por torturas e brutalidades (HOBSBAWM,
2008).
A independência dos países islâmicos não foi apenas política. Ao se emanciparem das suas antigas colônias, esses Estados também obtiveram a emancipação
cultural, no sentido de terem liberdade para expor e reafirmar a cultura própria
da nação, fortalecendo as características do seu povo. Dessa forma, a independência dos países islâmicos influenciou a confecção da Declaração do Cairo, visto que
ao tornarem-se independentes, a cultura islâmica, predominante nesses Estados e
valorizadas por esses, foi fortalecida, o que deu mais vigor para que uma declaração
a respeito dos Direitos Humanos, com uma perspectiva islâmica, fosse escrita.
1.1
Documentos Islâmicos sobre os Direitos Humanos Posteriores a
DUDH
Apesar de não ser um documento exclusivamente voltado para os Direitos
Humanos, a Constituição Iraniana pós-revolução de 1979 foi extremamente importante para a defesa e propagação de perspectivas islâmicas. A Revolução Iraniana, que transformou o Estado Iraniano de monarquia autocrática pró-Ocidente
em uma República Islâmica, liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, fortaleceu a
religião não só no Oriente Médio, mas em todo o globo, visto que ao tornar-se uma
República Islâmica, o Irã direcionou seus princípios básicos para os ensinamentos
do Islã, fazendo com que as ideias e práticas desse obtivessem mais força.
A Constituição Iraniana de 1979 baseou-se no senso de justiça do Alcorão,
além de submeter o Direito Legislado8 aos comandos de Deus e todo o ordenamento jurídico iraniano aos critérios do Islã. Ela também cita que as minorias religiosas
reconhecidas (zoroástrica, judaica e cristã), além daqueles não muçulmanos que
não se manifestam contra o Islã nem contra o Estado, devem ser tratados de acordo
com os princípios de justiça e igualdade do Islã e devem ter seus Direitos Humanos
respeitados (FROTA, 2006).
As primeiras medidas do novo regime foram proibir os costumes não comuns aos muçulmanos já instalados no país, como o vestuário, a música, os jogos, o cinema, e reinstalar os castigos corporais para aqueles que desobedecessem a
Sharia. A Revolução Iraniana serviu como exemplo para os muçulmanos de como
um Estado islâmico deve ser implantado e, por ter a base da sua Constituição nas
leis islâmicas, muito influenciou na constituição da Declaração do Cairo.
Outro documento que antecedeu a Declaração do Cairo de 1990 foi a De-
claração Universal Islâmica dos Direitos Humanos (DUIDH), de 1981, aprovada
pelo Conselho Islâmico da Europa, cediado em Londres, a qual foi organizada por
uma organização não-governamental denominada Direitos Humanos Islâmicos9. A
DUIDH tinha como base o Alcorão e a Sunna e afirmava que os Direitos Humanos,
por serem provenientes de Deus, não poderiam ser violados. Nesta declaração, Salem Azzam, integrante da secretaria-geral da organização, disse:
Há quatorze séculos, o Islã concedeu à humanidade um código ideal de Direitos Humanos. Esses direitos tem por objetivo conferir
honra e dignidade à humanidade, eliminando a exploração, a opressão
e a injustiça. Os direitos humanos no Islã estão firmemente enraizados na crença de que Deus, e somente Ele, é o Legislador e a Fonte de
todos os Direitos Humanos. Em razão de sua origem divina, nenhum
governante, governo, assembleia ou autoridade pode reduzir ou violar,
sob qualquer hipótese, os Direitos Humanos conferidos por Deus, assim
como não podem ser cedidos.
Ao analisar a Declaração Universal Islâmica dos Direitos Humanos10, percebe-se que os Direitos Humanos são vistos como revelados por Deus a partir da
Sharia, e que esta também revelaria quais as punições cabíveis para os crimes cometidos, além do que é e como deve ser tratada a justiça pelos islâmicos. Embora
a DUIDH cite que é dever da comunidade dar condições para que o indivíduo se
desenvolva, ela também dá destaque aos interesses comunitários ao afirmar que é
um dever e direito individual defender o interesse coletivo.
Nesse documento de 1981, assuntos muito importantes como o direito à
formação de uma família, à privacidade, à liberdade de movimento e residência,
ao uso do próprio idioma, à prática da própria cultura e à liberdade religiosa foram
debatidos durante as reuniões por diversos islâmicos, entre estudiosos, juristas e
religiosos.
Uma declaração feita por chefes de Estados Islâmicos, entretanto, era necessária. Como a Declaração Universal Islâmica dos Direitos Humanos foi proposta
por uma ONG, ela não tinha poder ou validade legal dentro dos Estados muçulmanos. Era necessário um documento cujos signatários representassem os próprios
países, e que esses se comprometessem a seguir os preceitos islâmicos para que os
Direitos Humanos fossem respeitados. Então, foi com o desafio de conciliar as divergências dentro do islamismo para poder sustentar uma perspectiva islâmica de
Direitos Humanos em paralelo a Declaração Universal dos Direitos Humanos que a
Organização da Conferência Islâmica foi convocada para o dia 5 de agosto de 1990,
iniciando-se a conferência que escreveu a Declaração do Cairo.
8
“Normas jurídicas criadas pelo Poder Legislativo”. (ALMEIDA,
Cleber Lúcio de. Direito Processual do Trabalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p.
173).
466
9
Islamic Human Rights (tradução livre).
10
Disponível em inglês: http://www.alhewar.com/ISLAMDECL.
html, acesso em novembro, 2010.
467
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
3. Direito Islâmico
A existência de várias estruturas jurídicas é um reflexo da diversidade cultural do campo em que essa determinada estrutura se formou, de modo que a evolução
dos vários sistemas de Direito se dá pelo contexto histórico, político e social em que
está inserido (MOREIRA, 2001, p.01). Logo, se cada ordenamento jurídico possui
particularidades, torna-se claro que o ordenamento islâmico é diferente dos ordenamentos não islâmicos, embora a existência de diversos ordenamentos não signifique a sobreposição de um sobre o outro.
Um dos reflexos da existência desses diversos ordenamentos é a discussão
acerca da universalidade dos Direitos Humanos. Afinal, conforme afirma Irene Oh
(2007, p. 04):
Eu não defino Direitos Humanos como um conceito moral,
mas sim, questiono se a identificação estática dos Direitos Humanos,
com uma lista de direitos específicos como os encontrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, adotada pelas Nações
Unidas em 1948), faz sentido, dada a diversidade cultural, histórica
e religiosa das sociedades em que tais Direitos devem ser respeitados e
implementados.
Então, se a diversidade cultural pode originar diferentes ordenamentos jurídicos, também pode levar a distintas interpretações acerca dos Direitos Humanos.
Assim, para compreender os Direitos Humanos sob a perspectiva islâmica, é preciso melhor compreender o próprio ordenamento jurídico islâmico.
Com esse objetivo, primeiramente, pode-se definir Direito como “normas
de conduta obrigatórias, estabelecidas ou autorizadas pelo poder estatal” (COSTA,
2001, p.20). A finalidade dessas normas seria organizar a sociedade, visando a uma
convivência harmônica entre os indivíduos através da determinação de direitos e
deveres de cada um. Percebe-se que, nesse caso, as normas foram definidas como
padrões obrigatórios de comportamento, que contribuem para a definição do papel
social de cada indivíduo em uma determinada sociedade.
Entretanto, de acordo com Alexandre Costa (2001), nem todas as normas
são jurídicas (possuem sanções institucionalizadas); também há normas morais
(preocupam-se com a ética), normas religiosas e convenções sociais. A separação
entre normas jurídicas e religiosas é um acontecimento contemporâneo presente
nos sistemas de direito seculares, como o Common Law (Direito Britânico) e o Direito Romano-Germânico, de forma que o âmbito jurídico seja autônomo ao âmbito religioso.
Por fim, é importante ressaltar que essa separação não é presente nos países
regidos pelo Direito Islâmico, em que as normas religiosas influenciam as normas
jurídicas, tanto em sua formação quanto em sua aplicação. Por isso, ao tratar de
Direito Islâmico, suas normas não são apenas “normas de conduta obrigatórias,
estabelecidas ou autorizadas pelo poder estatal” (COSTA, 2001, p. 20), pois as escolhas estatais são condicionadas às normas religiosas, no sentido de terem que estar
468
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
de acordo com elas. Contudo, a intensidade da influência religiosa sobre as normas
jurídicas varia entre os diversos países islâmicos, fazendo com que não haja um
único Direito Islâmico (GILISSEN, 2003, p.118).
3.1.Direito Islâmico como esfera religiosa
A palavra árabe para Direito é Sharia, que em sua tradução literal significa
“caminho a seguir” (SOURYAL, 1987, p.05). O Direito Islâmico surgiu paralelamente à religião islâmica, de modo que sua normatização ocorreu com a escrita dos
dois principais livros do Islã, o Alcorão e a Sunna, que, escritos ao longo do século
VI e VII, tratavam da vida do profeta Maomé11. (HANINI, 2007, p.10).
O Alcorão é o conjunto de revelações de Deus transmitidas por Maomé, tal
que, para Gilisissen (2003, p.119), “o Alcorão não é um livro de Direito, mas uma
mistura de história sagrada e profana, de máximas filosóficas, e de regras respeitantes aos rituais”. Assim, o Alcorão foi escrito, originalmente, em árabe, na forma
de versos, sendo ditado por Maomé a um escravo. Já a Sunna, o segundo livro mais
importante, foi escrita pelos discípulos mais próximos do profeta, compilando suas
frases máximas, vivências e normas de agir. Então, nota-se que a Sharia rege tanto
o aspecto religioso da vida das pessoas, quanto seu aspecto jurídico e, por isso,
GILISSEN (2003, p. 118) alega que o Direito Islâmico é apenas uma das faces da
religião islâmica.
Dessa forma, a Sharia não é simplesmente um sistema jurídico, mas sim um
sistema religioso, cujas características, de acordo com HANINI (2007, p. 53) são
a imutabilidade, a unidade e a indivisibilidade. A imutabilidade significa que os
princípios da lei islâmica são os mesmos em todos os lugares e tempos, pois todas
as leis são reflexos dos pedidos, desejos, autorizações e proibições de Deus, perante
os comportamentos humanos. A unidade garante a não separação entre espírito e
matéria, ou seja, a religião está presente em todos os aspectos da vida, tratando da
família, da cultura, da moral, do comércio e das leis. Consequentemente, tem-se
que a indivisibilidade significa que não é possível aplicar os mandamentos islâmicos somente para algumas esferas da vida: o muçulmano deve se sujeitar totalmente
à Sharia.
Entretanto, essa sujeição do indivíduo à Sharia, não implica na sujeição do
Estado. Ou seja, um Estado, mesmo quando sua população é majoritariamente
muçulmana, não necessariamente terá um sistema jurídico baseado na Sharia. Isso
significa que a adoção da Sharia como o sistema jurídico é opcional. Então, percebese a importância de diferenciar a Sharia sistema religioso – adotado completamente
por todos muçulmanos – da Sharia sistema jurídico – cuja adoção pelo Estado é
facultativa (HANINI, 2007, p. 31). Isso implica que o sistema religioso independe
de fronteiras territoriais e instituições estatais, de forma que um muçulmano deve
agir sob seus princípios independentemente de estar sob a égide de um sistema
11
Mohamed.
Maomé é o nome ocidentalizado dado ao profeta
469
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
jurídico islâmico ou não.
3.3. Fontes do Direito Islâmico
3.2.Formação das vertentes do Direito Islâmico
Os h’adits são conjuntos de tradições referentes aos propósitos e ensinamentos do profeta, relatados por seus primeiros seguidores e transmitidos por cadeias
de fiéis ao longo dos séculos VI a IX, quando foram normatizados em livros, sendo
que cada livro deu origem a uma escola de pensamento jurídico islâmico (HANINI,
2007, p. 26). Por terem se solidificado somente após a morte de Maomé, os h’adits
sofreram a influência das divergências entre sunitas e xiitas, o que resultou em alguns h’adits diferentes para cada uma das vertentes, levando a escolas jurídicas de
tradição sunita e outras de tradição xiita (NASR, 2007, p.54).
Então, a normatização dos h’adits influenciou, a partir do século IX, o surgimento dos Idjmâs, que são conselhos, reuniões periódicas dos principais juristas
islâmicos, cujas decisões devem ser tomadas por consenso. A confiança da Ummah
na decisão tomada pelos Idjmâs se baseia em dois h’adits: “a minha comunidade
nunca se conciliará sob um erro” e “o que os muçulmanos considerarem justo, é
justo para Deus” (DAVID, 1986, p.516). É importante ressaltar que, segundo Nars
(2007, p.78), esses h’adits são aceitos tanto por sunitas quanto por xiitas.
De acordo com Hanini (2007, p.27), as decisões tomadas pelo Idjmâ são
chamadas de Fatwa e possuem o caráter de jurisprudência islâmica, que é a Fiqh.
Ou seja, a Fatwa corresponde a uma interpretação do Alcorão e da Sunna de acordo
com os h’adits da escola jurídica adotada, de modo que a Fatwa seja a aplicação da
Sharia ao Direito. Entretanto, a atuação dos Idjmâs não constitui poder legislativo,
pois não há criação de novas leis, apenas interpretação da palavra divina.
Assim, para Souryal (1987, p.433), a Fatwa categoriza as ações realizadas
pelo muçulmano como obrigatórias (Fard ou Hallam), recomendadas (Mandud),
indiferentes (Mabah), censuráveis (Makruh) e proibidas (Haram, pecado). As ações
podem ser feitas pelo muçulmano em relação a Deus, a comunidade ou ao indivíduo. Com isso, os crimes são classificados em três tipos: Quissas, crimes contra o
indivíduo (menos ofensivos); Tazir, crimes contra a sociedade; e Huddud, crimes
contra Deus (mais ofensivos).
Por fim, os Qiyâs são os julgamentos realizados por analogia, ou seja, buscam-se casos semelhantes nos livros de Fiqh, e então o julgamento é feito baseado
nas Fatwa estabelecidas anteriormente.
1.2
Adaptações à contemporaneidade
A estruturação das fontes do Direito Islâmico ocorreu séculos atrás, de forma que se pode questionar se seus princípios ainda seriam válidos e aplicáveis nos
anos 1990. Porém, ao se pensar sobre a possibilidade de secularização do Direito
Islâmico, Nars (2007, p.113) afirma que:
Se os muçulmanos tivessem que aceitar o princípio de separação
da religião do domínio público da vida (que se tornaria secularizada, assim como ocorreu no Ocidente principalmente após o Renascimento), eles teriam que abandonar a doutrina da unidade que está no
coração da mensagem islâmica. Eles teriam que agir contra a Sunna
do Profeta e quatorze séculos de desdobramentos da tradição islâmica.
471
Maomé foi o primeiro líder religioso do Islã. Como à formação religiosa
ocorreu em paralelo à formação jurídica e estatal, tem-se que Maomé também foi
o primeiro líder político e religioso do Islã (JURJI, 1940, p.44). Entretanto, após a
morte do profeta, iniciaram-se as disputas sobre quem deveria assumir o comando
religioso e político. Nesse momento, o fato de não existir uma resposta definitiva
no Alcorão levou à formação das duas principais vertentes do Islã: o sunismo e o
xiismo12.
Por isso, conforme explica NARS (2007, p.11), com a morte de Maomé, a
maior parte da Ummah13 apoiou um amigo do profeta chamado Abu Bakr para ser
seu sucessor no controle dos Califados. Porém, alguns apoiaram o primo e cunhado
do profeta, Ali, como futuro Califa. Os apoiadores de Bakr, então, ficaram conhecidos como sunitas e os apoiadores de Ali como xiitas. Contudo, a disputa representava mais do que diferenças de personalidades, pois o principal ponto de discórdia
era sobre como deveria ocorrer o processo sucessório dentro do Islã e a forma com
que isso afetava o entendimento que se tinha sobre a comunidade muçulmana, conforme explicado por NARS (2007, p.12):
Os sunitas acreditavam que a função dessa pessoa [Califa] deveria ser proteger a Lei Divina, agir como um juiz e governar a comunidade, preservando a ordem pública e as fronteiras do mundo islâmico. Os xiitas acreditavam que tal pessoa [Califa] também deveria
ser capaz de interpretar o Alcorão e as Leis, através de conhecimentos
interiores. Portanto, ele tinha que ser escolhido por Deus e pelo Profeta,
não pela comunidade.
Isso mostra que desde o início da formação dos Califados, quinze séculos
atrás, houve divergências acerca da interpretação dos versos do Alcorão e dizeres
da Sunna. A necessidade de estabelecer interpretações acerca dos livros originou
outras fontes de direito, os h’adits, o Idjmâs e o Quiya, de modo que com o passar do
tempo o Alcorão e a Sunna tivessem uma importância mais histórica do que prática
para o Direito Islâmico (DAVID, 1986, p.518).
12
A divisão entre sunitas e xiitas permanece até os dias atuais.
Os sunitas continuam sendo a maioria, correspondendo a 83% da população
islâmica, enquanto os xiitas correspondem a 14%. Os países de maioria xiita são,
principalmente, o Irã, o Iraque e o Azerbaijão. Em países como Afeganistão, Arábia
Saudita, Kuwait, Líbano, Paquistão, Qatar e Turquia, os xiitas correspondem a mais
de 15% da população (NARS, 2007, p.10).
13 Ummah se refere à comunidade muçulmana formada por todos
os muçulmanos, independentemente de fronteiras estatais.
470
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
Resta, entretanto, para a sociedade islâmica contemporânea desenvolver instituições políticas que são autenticamente islâmicas e que, ao
mesmo tempo, respondem aos desafios atuais.
Dessa forma, David (1986, p. 525-531) afirma existirem três processos possíveis de adaptação do sistema jurídico à contemporaneidade, que, no entanto,
ocorrem sem alterar o sistema religioso. O primeiro processo foi a ocidentalização
do Direito, que levou à formação de códigos e regulamentos positivados, principalmente nos âmbitos do direito administrativo, civil e comercial. O segundo processo
foi a codificação do estatuto pessoal, que enfrentou uma maior oposição por se
tratar dos direitos da família, pessoas e sucessões, assuntos claramente abordados
pela Sharia. O último é a decadência das jurisdições tradicionais, podendo resultar
em um pluralismo jurídico quando o surgimento de tribunais positivados não leva
ao encerramento dos tribunais religiosos.
Ademais, a positivação do direito nos Estados Islâmicos não ocorreu de
forma homogênea, por causa das diferentes origens históricas e tradições em que
esses Estados se fundamentam (DAVID, 1986, p.539). Isso significa que cada Estado pode ter uma concepção diferente sobre a linha que separa a esfera jurídica
da esfera religiosa, tal que a positivação, caso ocorra, será somente no sentido de
não transgredir o limite entre essas duas esferas, mantendo os princípios religiosos
intactos.
giosa de acordo com a crença e religião individual”.
É importante notar que esse é o único Artigo que se referem à religião em
toda a Constituição da Indonésia, algo que não ocorre nas Constituições dos países
que adotaram a Sharia para a maior parte dos casos14 ou para os países islâmicos
teocráticos, cuja Constituição é totalmente baseada na Sharia. Um exemplo desse
último tipo de Constituição é a carta do Reino da Arábia Saudita, que já no primeiro Artigo afirma que “o Reino da Arábia Saudita é um Estado Islâmico Árabe
soberano que possui o Islã como religião; o Livro de Deus [Alcorão] e a Sunna do
Profeta, as preces e a paz de Deus são sua Constituição; o árabe é sua língua oficial
e Riyadh é sua capital”.
Segundo DAVID (1986, p.526), contudo, mesmo dentre os países teocráticos ainda há divergências em relação às leis aplicadas, principalmente devido à diversidade cultural. Os costumes locais, apesar de não serem fonte do Direito, influenciam na categorização das ações, podendo transformar ações recomendadas em
obrigatórias e ações censuráveis em proibidas.
Por fim, algo em comum em várias Constituições de países islâmicos, seja
a Constituição laica ou não, é o fato de haver pelo menos um Artigo tratando dos
Direitos Humanos. Apesar desses Artigos não refletirem um consenso sobre os
Direitos Humanos Islâmicos, eles ao menos mostram que esses países também se
preocupam com a questão.
1.3
A importância da Ummah
Em se tratando de Direitos Humanos Islâmicos, conforme afirma Donnelly
(1986) esses se diferenciam dos Direitos Humanos ocidentais por priorizarem a comunidade perante o indivíduo. Assim, enquanto o Ocidente reconhece os Direitos
Humanos a partir do momento em que o indivíduo possuiu direitos independentes
à sociedade, para os islâmicos o indivíduo não pode ser separado da sociedade. No
caso da Ummah, possuindo deveres para com ela (DONNELLY, 1986, pp.804-808).
As passagens religiosas que estabelecem o direito à proteção da
vida, na realidade são injunções divinas para não matar e para considerar a vida inviolável. Da mesma forma, o direito à justiça revela-se
um dever dos governantes de estabelecer a justiça, ao passo que o direito à liberdade é apenas um dever de não escravizar injustamente. De
fato, os direitos econômicos acabam por ser o dever de obter renda e de
ajudar os necessitados, assim como o direito à liberdade de expressão
é na realidade a obrigação de falar a verdade, ou seja, o direito não é
uma obrigação dos outros, mas uma obrigação do detentor do direito
(DONNELLY, 1982, p.306)
Então, direitos e obrigações são vistos como inseparáveis na perspectiva
islâmica, sendo que a mesma palavra, al-haqq, pode ser utilizada para ambos
(SMIRNOV, 1996, p.345), e em se tratando de passagens religiosas que definem
esses direitos/obrigações, percebe-se que a base dos Direitos Humanos Islâmicos
3.4. Constituições e a positivação do Direito
Ao longo do século XX, principalmente após a Segunda Guerra Mundial,
ocorreu o processo de independência de vários países islâmicos e não islâmicos
na África e Ásia, e foi durante esse período que ocorreu a positivação do Direito
da maior parte dos países islâmicos. Embora as Constituições dos países islâmicos
tenham sido escritas no mesmo período, elas se diferenciam amplamente entre si,
podendo ser de caráter islâmico ou não (NASR, 2007, p.184).
Entre os países de população predominantemente muçulmana a adotar
Constituições laicas, a Turquia foi um dos primeiros, fazendo-o na década de 1920.
A atual Constituição da Turquia foi aprovada em plebiscito em 1982 e, de acordo
com o Artigo 24 “todos possuem direito de liberdade de consciência, crença religiosa e convicções”. Outros que adotaram o direito laico são os países do centro
asiático que sofreram influência da União Soviética, adotando um sistema de direito socialista e laico (MOREIRA, 2001).
Já em relação aos países que adotaram a Sharia parcialmente, ou seja, países
que mantiveram a Sharia como princípio regulador de algumas esferas do Direito,
o grau com que isso ocorreu é variável. Alguns países, como a Indonésia, mantiveram a Sharia somente para a minoria dos casos, como o direito da família e das
sucessões. Assim, embora a Constituição da Indonésia no primeiro parágrafo do
Artigo 29 declare que “o Estado deve ser baseado na fé no Deus Único”, o parágrafo
seguinte afirma que “o Estado garante a todas as pessoas a liberdade de prática reli472
14
Para esses países, normalmente, apenas o direito
comercial não é regido pela Sharia (MOREIRA, 2001).
473
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
é a Sharia como sistema religioso. Isso pode ser comprovado ao se analisarem as
Constituições dos países islâmicos, mesmo aqueles cuja Constituição é laica, como
a Turquia, ou parcialmente desvinculada da Sharia, como a Indonésia.
O Artigo 12 da Constituição da Turquia aborda a natureza da liberdade e
dos direitos fundamentais e afirma que:
Todas as pessoas possuem liberdades e direitos fundamentais
inerentes, invioláveis e inalienáveis. Os direitos e liberdades individuais
também incluem os deveres e responsabilidades do indivíduo para com
a sociedade, sua família e outros indivíduos.
No caso da Indonésia, o Artigo 28C de sua Carta, em seu primeiro parágrafo
afirma que:
Todas as pessoas devem ter o direito de se desenvolverem através da realização de suas necessidades básicas, o direito de ter educação
e de se beneficiar da ciência, tecnologia, arte e cultura, para o propósito de aprimorar sua própria qualidade de vida e o bem-estar da raça
humana.
Em seguida, o segundo parágrafo do mesmo artigo afirma que “Todas as
pessoas devem ter o direito de melhorar a si mesmo através de lutas coletivas por
seus direitos de desenvolver sua sociedade, nação e Estado”.
Portanto, conforme analogia feita por Smirnov (1996, p.341), apesar do
pensamento islâmico ser formado por diferentes ramificações, que em alguns momentos podem parecer incompatíveis, todas são originárias do mesmo tronco, garantindo a existência de um caráter unificador. Então, ao se compararem suas diferentes vertentes, não se deve esquecer que, embora tenham diferenças, elas sempre
possuirão algum ponto em comum, permitindo que dialoguem entre si.
Atentar-se à existência de interpretações liberais e conservadoras dentro do Islã, as
quais moldam a forma como os Direitos Humanos são vistos, assim como ao fato
de haver países islâmicos nas várias regiões do globo, de diversas etnias e, portanto,
tradições locais variadas com jurisprudências próprias, também é importante, pois,
como nos afirma MOORA (2000-2001, p. 209), “é a localização do intérprete, a leitura do texto e as condições sociais que geram diferentes respostas a questões como
as de Direitos Humanos.”
Com isso, percebem-se mais claramente quais diferenças a Décima Nona
Conferência Islâmica de Ministros de Relações Exteriores teve de superar para fazer
sua declaração sobre Direitos Humanos Islâmicos. Ademais, o conhecimento de
como os aspectos locais influenciam no entendimento de temas específicos dos
Direitos Humanos e de como intelectuais muçulmanos têm tentado conciliar tais
direitos com a tradição islâmica esclarece esse processo, permitindo entendê-lo de
forma mais completa.
No que tange ao tema de Direitos Humanos especificamente, contudo, os
ramos do Islã – Sunismo ou Xiismo – não apresentam grandes discrepâncias em
decorrência de suas divergências religiosas (OH, 2007, p.37), havendo em ambos
os meios quem defenda uma visão mais tradicional e conservadora do Islã e quem
defenda uma interpretação mais progressiva e liberal dos textos sagrados. Tentarse-á, portanto, priorizar as diferentes vertentes de interpretação quanto aos Direitos
Humanos dentro do Islã às diferenças teológicas e históricas existentes. No entanto,
apontar quais aspectos relacionados à prática religiosa de cada comunidade tem
influência na forma de entendimento e aplicação dos Direitos Humanos não pode
deixar de ser feito.
Importa ainda ressaltar que a Declaração do Cairo, de perspectiva mais
conservadora no tocante à tradição islâmica, comparte da visão acerca de Direitos
Humanos e das convicções da maioria dos muçulmanos da época (BIELEFELDT,
1995, p.614). Contudo, o fato de haver países muçulmanos que privam suas mulheres até mesmo de poder dirigir, como a Arábia Saudita, e outros, como Turquia,
Tunísia, Malásia, Indonésia, Jordânia, etc. que lhes garantem maior igualdade de
direitos em relação aos homens, restringindo a poligamia e oficializando o direito
das mulheres de se divorciarem, por exemplo, mostra que mesmo uma perspectiva
conservadora compreende práticas bastante diversas (AFARY, 2004). Vê-se, portanto, que apesar de haver unidade formal de discurso, tal unidade não se reflete
na aplicação dos Direitos Humanos, o que apontaria certa discordância quanto ao
próprio conteúdo desse discurso.
Sem embargo, conforme abordadas por Heiner Bielefeldt (1995), podemse perceber diferentes vertentes de interpretação dos Direitos Humanos no Islã,
contendo perspectivas conservadoras, liberais e pragmáticas. Tais perspectivas permitem contrastar diferentes vozes dentro do Islã, como as de governos, das próprias
sociedades e de minorias reprimidas, dando maior percepção sobre a divergência
de interesses e visões acerca de como integrar o conceito de Direitos Humanos dentro da tradição islâmica.
4.Vertentes do Islã
Há mais de cinquenta Estados muçulmanos no mundo, com
grande variedade de sistemas políticos e legais, e não há um corpo único, político e religioso, que fale pelo mundo muçulmano como um todo.
(HALLIDAY, 1995, p.155)
A religião, como visto, fundamenta os mais variados aspectos do mundo
muçulmano, da vida privada dos fiéis às próprias normas jurídicas. Considerandose também os princípios da lei islâmica segundo HANINI (2007, p.53), imutabilidade, unidade e indivisibilidade, observar os processos de adaptação à contemporaneidade do sistema jurídico islâmico, com a decadência das jurisdições tradicionais
e o consequente surgimento de um pluralismo jurídico, conforme nos afirma DAVID (1986, p.528), mostra-nos o quão desafiante e importante tornou-se o debate
de Direitos Humanos dentro do Islã.
À luz das palavras de Fred Halliday que abrem esta seção do artigo, é preciso desconstruir a ideia de que o Islã constitua uma unidade homogênea, com
interpretações uníssonas dos textos sagrados e práticas iguais em todo o Ummah.
474
475
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Apontar, portanto, as diferenças existentes na aplicação e a defesa de tais
direitos nos diferentes países muçulmanos auxiliam no entendimento de suas particularidades. Para tanto, serão apresentados temas em que há maior controvérsia
entre os padrões internacionais de Direitos Humanos, conforme entendidos pelas
Nações Unidas, e as práticas de alguns países muçulmanos no que se refere aos direitos das mulheres, à liberdade religiosa, à liberdade de expressão e associação e às
punições. Note-se ainda que é importante perceber a existência de países seculares
e de países de constituição essencialmente islâmica, com o Islã regendo os mais diversos aspectos da vida pública, para que melhor se compreenda as práticas desses
países.
É importante, portanto, manter-se atento à multiplicidade de vertentes e
opiniões dentro do mundo muçulmano para que se possa entender o que estava
por trás da Declaração do Cairo de Direitos Humanos no Islã. Com isso, podemos
avaliar com maior competência e entender mais adequadamente quais os principais temas que suscitam discordância entre a perspectiva islâmica dos Direitos
Humanos, expressa pela DCDHI, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH), de 1948.
4.1. Perspectivas de Interpretação dos Direitos Humanos
no Islã
Conforme explica OH (2007, p.06), após a criação da DUDH a temática dos
Direitos Humanos foi ganhando espaço nas publicações dos estudiosos islâmicos,
recebendo comentários ora de exaltação, ora de duras críticas, e ganharam repercussões importantes que nos auxiliam a entender a visão dos muçulmanos sobre
essas questões. Merece destaque ainda o fato de que “quando o conceito de direitos humanos se desenvolveu numa ideia global, pensadores islâmicos adotaram-no
principalmente por causa dos princípios religiosos que viam nele” (OH, 2007, p.10),
mostrando que para os muçulmanos o que fundamenta a existência de Direitos Humanos é o próprio Islã e o entendimento que têm sobre ele. Dessa forma, veremos
que grande parte da argumentação das diferentes interpretações que os Direitos
Humanos suscitam numa esfera islâmica é feita buscando os princípios religiosos
que legitimem tais interpretações.
Reconhecendo, pois, o papel da religião para a fundamentação dos Direitos Humanos nos países islâmicos, fica fácil entender porque a própria maneira
de interpretar os textos sagrados ganha relevância nesse debate. Depende da maneira como as passagens do Alcorão e da Sunna são lidas, portanto, a forma como
os Direitos Humanos são recebidos pelos muçulmanos. Com isso em consideração, serão tratadas as abordagens conservadora e liberal dessa problemática, assim
como todo o espectro de perspectivas entre elas às quais se chama de pragmáticas.
476
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
4.1.1 Perspectiva Conservadora
Conforme aponta MAYER (1994, p.308), Irã e Arábia Saudita estariam “na
frente da campanha para persuadir a opinião internacional de que o Islã pressupõe
uma abordagem distinta de direitos”, sendo o posicionamento de seus governos,
portanto, grande referência à perspectiva conservadora de Direitos Humanos islâmicos. Dessa forma, no ano de 1983, sobressai-se a proclamação do embaixador
do Irã na ONU, Sa’id Raja’i Khorasani, ao rejeitar em discurso a universalidade
das normas internacionais de Direiros Humanos, afirmando que elas representam
valores ocidentais, os quais não encontrariam respaldo na tradição islâmica. Contudo, Raja’i Khorasani defendia a superioridade dos padrões do Islã, dizendo que
os países que não podiam adequar-se a eles, deveriam no mínimo garantir que as
normas internacionais fossem cumpridas (MAYER, 1994, p.315-316). Segundo
Khorasani, portanto, as normas internacionais de Direitos Humanos confeririam
a tais direitos uma proteção menor que aquela conferida pelos padrões islâmicos.
Como BIELEFELDT (1995, pp.602-603) mostra, também a abstenção
da Arábia Saudita em 1948, quando da confecção da DUDH, no voto referente à
liberdade religiosa, principalmente no que diz respeito ao direito de se mudar de
religião, reflete a relutância que um posicionamento conservador gera em certos
países para a adoção de Direitos Humanos segundo os padrões internacionais, de
caráter emancipatório. As diferentes objeções que iriam, nas décadas posteriores
à declaração, surgindo endossariam o posicionamento de que os Direitos Humanos, ainda que existentes e universais, seriam entendidos de uma forma diferente
sob uma perspectiva islâmica tradicional (BIELEFELDT, 1995, p.603), suscitando o
questionamento de que “as normas as quais recebem o rótulo de “universal” poderiam, afinal, não ser universais” (OH, 2007, p.20).
Essa visão conservadora, ou tradicional, pode ser encontrada em alguns artigos da DCDHI, como no Artigo 1, no qual, ainda que se admita a igualdade em
termos de dignidade de todos os seres humanos, não se afirma a igualdade deles em
relação a direitos. Também no Artigo 6 da Declaração do Cairo, em que se afirma
a igualdade em dignidade de homens e mulheres, vemos o apoio ao entendimento
tradicional do homem como chefe e provedor da família. Quanto às punições tradicionais da Sharia, as quais se enquadrariam como punições cruéis segundo critérios
internacionais, a Declaração, ainda que não se refira a elas diretamente, faz ressalvas
quanto ao direito à vida e à proteção contra danos corporais sob razões especificadas pela Sharia. Por sua vez, no artigo referente ao direito de casar sem restrições de
raça, cor ou nacionalidade, não se faz menção ao direito de se casar independentemente de religião, endossando o entendimento tradicional islâmico de restrições a
casamentos inter-religiosos (BIELEFELDT, 1995, p.605).
Portanto, essa perspectiva conservadora, de caráter tradicional, baseia-se
numa concepção de Sharia que a considera divinamente inspirada e suficiente para
reger as vidas humanas, sem necessidade de emendas de outros códigos seculares ou filosóficos (HALLIDAY, 1995, p. 160). Trata-se, pois, da Sharia conforme
tradicionalmente é conhecida. Entretanto, é justamente essa visão de uma Sharia
477
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
fixa e imutável que os autores defensores de uma perspectiva liberal atacam para
construírem sua argumentação.
HALLIDAY (1995, p. 164) aponta à possibilidade de se interpretarem passagens do
Alcorão e da Sunna em termos mais liberais, ainda que, dados os contextos sociais dessas últimas décadas, admita dificuldades em realizá-lo nos países islâmicos.
Contudo, Ebrahim Moora (2000-2001, p. 201-202) afirma que pensadores muçulmanos modernos já “dão maior ênfase ao Alcorão e são menos fastidiosos com
fontes dos h’adits” devido a pequenas alterações na forma de o pensamento muçulmano moderno relacionar-se às fontes primárias do Islã.
Dessa forma, o uso desse método crítico de análise da Lei Islâmica e mesmo dos textos sagrados do Islã permitiu o desenvolvimento do conceito de “jurisprudência dinâmica”. Entendendo-se, pois, que a jurisprudência se altera conforme
local e época, foi possível a autores liberais afirmar que o tradicional papel dos
gêneros na sociedade e as provisões legais que o mantêm são, deveras, construções
sociais. Tais autores afirmariam, ainda, segundo métodos de raciocínio da jurisprudência islâmica, que certos princípios como o da igualdade de gêneros estariam
“na verdade enraizados nos ditames do Islã” (RAZAVI, 2006, pp.1228-1229).
Por essa perspectiva, portanto, não se encontrariam muitas objeções à
concretização dos Direitos Humanos conforme entendidos pelas Nações Unidas.
Como diz Bielefeldt (1995, p.610):
De um ponto de vista liberal, parece possível que os obstáculos tradicionais para o endossamento de direitos humanos possam ser
superados criticamente. Para muitos muçulmanos liberais, não há nenhuma contradição inerente entre princípios islâmicos e reivindicações
emancipatórias de direitos humanos como os incorporados nos padrões
internacionais existentes.
Não obstante, não é essa a perspectiva dominante dos países muçulmanos.
Como visto, a Declaração do Cairo representa uma visão mais conservadora e tradicional do Islã, com certas diferenças no entendimento de alguns Direitos Humanos
da DUDH. Porém, nota-se que, ainda que os países da Organização da Conferência
Islâmica concordem – em grande medida – intelectualmente quanto às diferenças
que o Islã geraria em relação aos Direitos Humanos, a aplicação e, portanto, prática
desses direitos nos países varia grandemente. Logo, a prática diferenciada desses
direitos aponta às perspectivas pragmáticas dos Direitos Humanos no Islã.
4.1.2 Perspectiva Liberal
Uma perspectiva liberal dos Direitos Humanos islâmicos, ainda que minoritária, distingue-se da conservadora no que é tangente à imutabilidade da Sharia, sendo-lhe, pois, bastante caro o conceito de “jurisprudência dinâmica” em detrimento
da “jurisprudência tradicional”. Seus defensores argumentam que certas questões
tratadas pela Sharia são sensíveis ao seu tempo e lugar, e que certos princípios gerais
de humanidade e moralidade devem ter precedência sobre especificidades da Lei
Islâmica que pertencem a outros contextos (RAZAVI, 2006, p. 1228)
HALLIDAY (1995, p. 160) defende que a Sharia originalmente não denotava
um código legal, e seria, pois, uma construção histórica humana. Em conformidade
com essa posição, o juiz egípcio Muhammad Said al-Ashmawy, ao priorizar o significado etimológico da Sharia, “caminho a seguir”, advoga que a Sharia não seria
um sistema legal palpável de normas e prescrições, mas consistiria em princípios
éticos e religiosos gerais. Teria sido somente com a junção de práticas legais medievais a esses princípios que a Sharia teria adquirido o formato que tem hoje. Seria
necessária, portanto, certa análise crítica dos textos para recuperar as exigências
normativas essenciais15 do Islã que teriam sido encobertas por regulações detalhadas de origem marcadamente histórica (AL-ASMAWY, 1989 apud BIELEFELDT,
1995, p.607).
Muçulmanos liberais, então, propõem o retorno ao sentido original da
Sharia de “caminho”, guia, que aponta a direção que o muçulmano deve tomar segundo os princípios fundamentais da religião. Defendem também a reabilitação
de um tipo de jurisprudência islâmica independente, a ijtihad, a qual exigiria dos
fiéis “esforços ativos de interpretação” dos textos sagrados, permitindo – por ser
mais pessoal – maior liberdade de interpretação. Conforme afirmam, a ijtihad só
teria sido substituída pela obediência aos ensinamentos instituídos das escolas de
jurisprudência após a petrificação crescente da Sharia (BIELEFELDT, 1995, p.607)
Outro estudioso, Abdullah Ahmed An-Na’im (1990 apud BIELEFELDT,
1995, p. 608), chega a olhar criticamente o próprio Alcorão, afirmando haver certa
hierarquia teológica entre as Suras16 que teriam sido reveladas em Meca e as de
Medina. As Suras de Meca corresponderiam aos ensinamentos eternos da mensagem islâmica, enquanto as de Medina se refeririam às necessidades particulares
da primeira comunidade muçulmana. Tal entendimento tornaria possível questionar a pertinência nos contextos atuais de certas normas que teriam surgido em
vista às necessidades específicas de uma comunidade. Graças a críticas como essa,
15
Por “exigências normativas essenciais” entendam-se os
princípios morais básicos que deveriam reger a vida do fiel.
16
Nome dado a cada capítulo do Alcorão.
478
4.1.3 Perspectivas Pragmáticas
Sob tais perspectivas, encontram-se várias abordagens que se espalham por
uma escala que tem como extremos as perspectivas conservadora e liberal. Dessa
forma, se intelectualmente se observa uma preferência dos muçulmanos pelas interpretações mais tradicionais da religião, as quais por vezes preveem normativas
mais rígidas, nas suas ações vê-se um “humanitarismo pragmático”, ou seja, uma
prática de respeito à pessoa humana que sempre teria acompanhado a maioria dos
muçulmanos e inclusive teria moldado desde o princípio a Sharia (BIELEFELDT,
1995, p.610). De acordo com BIELEFELDT (1995, p. 610), então, é dentro dessa
479
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
perspectiva que se pode esperar maior sucesso em conciliar a Sharia tradicional
com a ideia moderna de Direitos Humanos.
Assim, pode-se notar que mesmo em países onde haja certa desvantagem na
lei entre grupos distintos de pessoas, como entre homens e mulheres no Irã, por exemplo, onde após a Revolução Islâmica de 1979 se observaram medidas regressivas
no que diz respeito aos direitos das mulheres, a situação do grupo “desfavorecido”
não significa necessariamente uma de inferioridade. No Irã que, após a revolução,
impôs a suas mulheres o uso obrigatório do véu islâmico, a sua expulsão do judiciário, a segregação forçada em escolas e universidades e o endurecimento de penas,
as mulheres iranianas não foram impedidas de conseguir espaço na vida pública,
angariando espaço maciço na educação e no mercado de trabalho (RAZAVI, 2006,
p.1225).
Ainda sob uma perspectiva pragmática, é interessante notar a defesa de que,
para alguns, a segregação e o uso do véu teriam na própria promoção da presença
ativa das mulheres na vida pública (RAZAVI, 2006, p.1226). Ou nas palavras de
ABU-LUGHOD (2002, p.785), em referência ao uso da burca em países como Afeganistão e Paquistão:
A burca, assim como outras formas de se cobrir, tem de muitas
maneiras marcado a separação simbólica entre as esferas masculina e
feminina, como parte da associação que geralmente se faz das mulheres com a família e o lar, e não com o espaço público onde estranhos se
misturam. Há vinte anos, a antropóloga Hannah Papanek (1982), que
trabalhou no Paquistão, descreveu a burca como ‘reclusão portátil’. Ela
notou que muitos viam-na como uma invenção liberalizante, pois permitia às mulheres sair de espaços de vivência segregada sem deixarem
de observar os ditames morais básicos de separar e proteger as mulheres
de homens estranhos.
Da mesma forma, no caso da poligamia, é observável que muitos países,
ainda que legalmente a permitam, imponham diversas restrições a sua realização,
desencorajando-a oficialmente (BIELEFELDT, 1995, p. 611). No que diz respeito
à liberdade religiosa, o historiador David Lewis (2010, p. 216) recorda que a conversão obrigatória sempre foi uma ideia estranha ao Islã, citando o exemplo da convivencia17 na Hispânia muçulmana como um estado de tolerância e coexistência
civilizada entre muçulmanos, cristãos e judeus. Por isso, mesmo que o “conceito
islâmico de tolerância somente se aplicasse às religiões monoteístas reveladas e excluísse explicitamente politeístas e ateístas[, n]a prática […] fiéis de outras religiões
sempre receberam tratamento igual ao dos monoteístas não islâmicos” (BIELEFELDT, 1995, p. 598). Também é notável o fato de que, ainda que a Sharia – segun-
do sua interpretação tradicional – proíba um não-muçulmano de tornar-se chefe
de Estado ou ocupar cargos em posições cruciais de segurança e inteligência de
um país muçulmano, não-muçulmanos tem servido governos islâmicos em altos
cargos ao longo da história sem serem vistos como uma ameaça à identidade ou à
segurança do Estado (MOORA, 2000-2001, p. 202-203)
Novamente, em relação às punições tradicionais do Islã, como apedrejamento, amputação e chibatadas, embora sejam, em princípio, ainda consideradas
legítimas, sua aplicação varia muito dependendo do contexto e, para muitos, são
um anacronismo inescusável nos dias e circunstâncias atuais (BIELEFELDT, 1995,
p.609). Em 1985, quando no Sudão se executou Mahmoud Muhammad Taha, líder
de um movimento islâmico liberal no país, após ter sido acusado de heresia, relatase que a população, mesmo contrária ao executado, ficou chocada, considerando
a execução como uma violação aos valores fundamentais do Islã (BIELEFELDT,
1995, p.612). Esse exemplo ilustra, pois, a afirmação de que há aceitação dos Direitos Humanos pelos muçulmanos, tanto em países mais seculares como em países de
governos mais religiosos (CHASE; ALAUG, 2004, p.117)
Observa-se, dessa forma, que, na prática, muitas das prescrições da Sharia tradicional não constituem uma realidade na maioria dos países muçulmanos.
Como aponta BIELEFELDT (1995, p.612), ainda que a Sharia continue a definir as
estruturas familiares nos países muçulmanos, a lei criminal da Sharia só é usada em
poucos países. Segundo o autor, isso se deve ao fato de a Sharia sempre haver tido
um foco muito maior em questões familiares que em leis criminais. Considerando-se, pois, que certas práticas tradicionais islâmicas, como as punições corporais
de apedrejamento e mutilação, tenham sido abandonadas na maioria dos países
muçulmanos desde tempos imemoriáveis (BIELEFELDT, 1995, p.612), restam considerações a serem feitas sob a restauração dessas práticas em alguns países. Outros
assuntos também despertam controvérsia, como o direito das mulheres, o de liberdade religiosa e o de expressão e associação, e a questão das punições tradicionais.
17
O historiador chama de “convivência” justamente
essa convivência entre cristãos, judeus e muçulmanos em Al-Andaluz (como os
muçulmanos chamavam a península Ibérica) a partir de sua conquista por estes
em 711 d.C., destacando a condescendência dos muçulmanos com os povos
conquistados.
480
4.2. Igualdade de gênero: Direitos das mulheres
Um dos principais aspectos de divergência entre a DCDHI e a DUDH está
no que se refere aos direitos das mulheres. Seja como querem as interpretações
conservadoras do Islã, pelo papel próprio que Alá lhes reservaria na comunidade
dos fiéis, doméstico e de submissão aos homens (marido, pai, irmão), ou fruto de
interpretações equivocadas, conforme interpretações mais liberais de feministas islâmicas, as quais afirmam que “são as atitudes patriarcais e a leitura incorreta de
fontes islâmicas, não os princípios islâmicos, que inspiram o padrão de discriminação contra as mulheres” (MAYER, 1994, p.323), o fato é que a Declaração do Cairo
superou dificuldades para chegar a uma visão comum acerca do que é a perspectiva
islâmica dos direitos das mulheres.
Em todo caso, saliente-se que essa perspectiva, ainda que comum, não gera
resultados idênticos. Vários países, conforme concordaram na assinatura da Decla481
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
ração do Cairo, a fim de promoverem a igual dignidade da mulher em relação ao
homem, protegem-nas com direitos que, embora tradicionalmente reservados aos
homens, seriam na verdade a própria realização dos direitos humanos islâmicos,
como no caso dos países do Maghreb em que “mulheres frequentemente tem cargos
públicos” (BIELEFELDT, 1995, p.597), em oposição a países como o Egito em que
o acesso das mulheres a certas posições administrativas era barrado18. Países como
Turquia, Malásia, Tunísia e Indonésia são os mais liberais no que tange os direitos
das mulheres, que gozam de várias proteções e de políticas públicas que visam a
promover-lhes bem-estar e igualdade em relação aos homens (AFARY, 2004). Para
tanto, a proibição da poligamia e do direito do homem de divorciar-se unilateralmente de sua mulher repudiando-a, assim como o combate ao casamento infantil e
o direito da mulher de receber a mesma porcentagem que um homem em matéria
de heranças são alguns pontos a serem destacados.
O direito de herança islâmico também levanta a questão da igualdade entre
homens e mulheres, uma vez que a parte que cabe aos herdeiros masculinos é o
dobro da que cabe às mulheres nos casos em que o parentesco da herdeira e do
herdeiro com o morto é o mesmo (como no caso da morte de um pai com um
filho e uma filha) (AWANG, 2006). A Sharia justifica essas diferenças com base em
versos como: “Os homens são os protetores das mulheres, porque Alá dotou uns
com mais (força) do que as outras, e porque as sustentam do seu pecúlio.” (Alcorão,
Sura 4:34).
A poligamia, ainda praticada na Arábia Saudita, nos Emirados e no Marrocos, também é uma questão em que se nota a desigualdade entre homens e mulheres
no mundo islâmico, uma vez que a prática é vedada às mulheres (BIELEFELDT,
1995, p.596). Embora permitida formalmente pela Sharia, a poligamia já foi abolida
em diversos países islâmicos, incluindo o Irã. Ainda que atualmente muitos muçulmanos desaprovem essa prática, sob a Sharia, o marido tem o poder de repudiar
unilateralmente a esposa (BIELEFELDT, 1995, p.597), enquanto o divórcio a que as
mulheres têm direito possui diversos procedimentos legais e é de difícil aprovação
pelas autoridades. A facilidade do divórcio, contudo, apresenta diferenças nos diversos países de maioria islâmica como, por exemplo, Malásia e Indonésia; no séc.
XIX e início do séc. XX a Malásia apresentava as mais altas taxas de divórcio no
mundo e na ilha de Java (na Indonésia) metade dos casamentos terminava em divórcio além de este “ser fácil também para as mulheres” (THERBORN, 2006, p.84).
Como visto, ainda que tradicionalmente a proibição da mulher de poder
viajar sem a companhia de seu marido ou de algum homem da família, seu direito
a metade do que cabe a um homem em matéria de herança, a reserva da poligamia
aos homens, o fato de poder ser repudiada pelo marido, mas ter que recorrer a mecanismos burocráticos para poder divorciar-se dele, sejam entendidos como práti-
cas islâmicas e sejam, portanto, considerados por alguns países perfeitamente condizentes com os direitos humanos, outros enxergam tais práticas de outra forma,
reprimindo-as ou restringindo-as.
18
A primeira juíza egípcia, Tahani al-Gibali, foi nomeada
em 2002. Human Rights Watch, 2010. Disponível em inglês em: http://www.hrw.
org/en/news/2010/02/23/egypt-open-all-judicial-positions-women. Acesso em 16
de dezembro de 2010.
482
4.3 Liberdade Religiosa
Conforme colocado na Declaração do Cairo, em seu artigo 10º, “O Islã
é a religião de natureza verdadeiramente incorrupta. É proibido exercer qualquer forma de pressão em alguém ou explorar sua pobreza ou ignorância a fim
de forçá-lo a mudar sua religião a outra ou ao ateísmo”19, o posicionamento que
se dá ao Islã na Declaração é um de superioridade em relação às outras religiões,
o que é esperado numa declaração que pretende tratar da perspectiva de países
de maioria islâmica sobre Direitos Humanos. A liberdade religiosa como tradicionalmente reconhecida no mundo islâmico está aquém da concepção moderna
ocidental de Direitos Humanos por não reconhecer a igualdade entre as diversas crenças (e a ausência delas) e por colocar entraves ao trabalho missionário de
todas as outras religiões. Essa situação dá abertura para a violação da liberdade
religiosa em alguns países, nos quais os fiéis de outras religiões se veem impossibilitados de construírem templos ou mesmo de praticar atos públicos de fé
(BIELEFELDT, 1995, p. 599).
O papel das minorias religiosas na sociedade islâmica deve ser avaliado com
cuidado, uma vez que essas possuem direitos e deveres especiais. O Islã encoraja a
atividade comercial em qualquer setor, exceto os que envolvam álcool, prostituição
e apostas. Essas restrições advindas da religião tornam comum que minorias religiosas concentrem suas atividades nesses ramos da economia em que não há competição dos muçulmanos (AWANG, 2006). Essa situação torna-os mais vulneráveis
à perseguição religiosa, por conjugar crenças religiosas diferentes com atividades
que são tabus entre os islâmicos.
Um dos deveres especiais das minorias religiosas é o pagamento da jizya
(variável de acordo com a época e o lugar), um imposto cobrado somente dos nãomuçulmanos em troca da proteção do Estado, como exposto na 9ª sura: “Combatei
aqueles que não crêem em Allah e no Dia do Juízo Final, nem se abstêm do que
Allah e Seu Mensageiro proibiram, e nem professam a verdadeira religião daqueles
que receberam o Livro, até que paguem de bom grado a jizya e se sintam submissos.” (Alcorão, Sura 9:29). Essa situação é justificada na perspectiva conservadora
ao se alegar que os não-muçulmanos não são obrigados a participar do alistamento
militar e os fiéis também são obrigados a pagar um imposto diferente, o zakat.
O respeito aos direitos de minorias religiosas no mundo islâmico muitas
vezes está relacionado ao papel que a religião assume em cada país. No Sudão, a
19
“Islam is the religion of true unspoiled nature. It is
prohibited to exercise any form of pressure on man or to exploit his poverty or
ignorance in order to force him to change his religion to another religion or to
atheism.”
483
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas - 10ª Edição
população negra e animista do sul, mesmo alguns convertidos ao Islã, sofre perseguição do governo islâmico e ditatorial do norte numa situação de guerra civil
que em 1990 já durava sete anos, tem-se, portanto, uma situação em que a religião
é usada como ferramenta política para atingir as metas do governo. No Irã, mesmo
que a Constituição garanta representatividade a minorias religiosas no parlamento
e lhes reconheça igual cidadania, discriminações persistem (BIELEFELDT, 1995,
p.598-599). No Paquistão, como no caso do Irã, ainda que a Constituição garanta
representatividade e igual cidadania a não-muçulmanos, estes ainda sofrem discriminações como no caso da aplicação da Sharia , que levanta questões no que
concerne o direito das minorias. Os não islâmicos, de acordo com a legislação vigente, não podem comparecer perante a corte da Sharia para testemunhar, embora
estejam sujeitos à jurisdição da corte (LITTMAN, 1999, p.11).
A apostasia consiste no abandono da fé, ou seja, no caso, converter-se do
Islã para outra religião ou tornar-se ateu. A pena de morte para a apostasia já não
é mais parte dos códigos penais de nenhum país de maioria islâmica, exceto Mauritânia e Sudão, embora ainda existam punições na lei civil de outros que tornam
o casamento de apóstatas inválido, percam o direito de custódia sobre os filhos e a
reivindicação sobre heranças (BIELEFELDT, 1995, p.600). Ainda que a condenação por tal prática tenha sido, de forma generalizada, abandonada, alguns países
insistem nela e alegam, novamente, fazer parte da cultura islâmica. É importante
notar que a separação – ou a ausência dela – entre religião e Estado no mundo
islâmico tem repercussões no campo da liberdade religiosa, uma vez que quando o
Estado é o guardião da fé e da unidade sagrada da comunidade, qualquer ataque a
esta é um ataque àquele. A conversão religiosa, que nas sociedades ocidentais seria
um assunto da esfera privada, possui uma dimensão pública no mundo islâmico
que não pode ser ignorada.
4.4. Punições
A aplicação das punições corporais previstas pela Sharia é causa de controvérsias. Embora em muitas partes do mundo islâmico essas punições estejam em
desuso (BIELEFELDT, 1995, p.612), desde o fim dos anos 70 alguns países voltaram
a aplicar punições como o apedrejamento, a amputação e a flagelação (chicotadas).
Segundo Bielefeldt, os países que reintroduziram essas penas em seus códigos legais
são Irã, Paquistão e Sudão (BIELEFELDT, 1995, p. 600), em todos esses países o
recrudescimento das punições foi acompanhado por transformações no processo
político que originaram uma valorização do papel da religião na sociedade.
É possível alegar, contudo, que a perspectiva conservadora é minoritária
nesse assunto dada a resistência popular em aceitar a legitimidade dessas punições
como uma forma de expressão da religião islâmica, como nos casos do Sudão e
Paquistão. E mesmo entre os conservadores não há consenso de que tais punições
devam ser aplicadas, uma vez que dificilmente são alcançadas as condições para que
seja possível uma condenação (número de testemunhas requeridas e a definição
484
Liberdade Identitária como Direito Fundamental
estrita do crime são os maiores obstáculos). (BIELEFELDT, 1995, p. 613-614).
5. Conclusão
O debate sobre Direitos Humanos se intensificou, principalmente, após a
segunda guerra mundial, atingindo os âmbitos domésticos e internacionais. Tratase de um debate complexo, que envolve diferentes perspectivas, sujeitas a diferenças
culturais, geográficas, históricas, étnicas e políticas. Também é importante notar
que mesmo dentro do Islã, que para muitos se trata de um grupo homogêneo, há
divergências. Assim, tem-se que:
Variações na geografia, história, tradições sunita e xiita expandem as possibilidades dentro do Islã quando relacionados a Direitos Humanos. Além disso,
as similaridades e diferenças em relação ao Islã contribuem não somente para as
discussões sobre religião e Direitos Humanos dentro do islamismo. Direitos Humanos surgem como uma parte do diálogo que ocorre dentro e fora da comunidade
acadêmica islâmica. (OH, 2007, p.112)
Segundo MESSER (1997, p.310), esse diálogo fez com que, no mínimo, os
Direitos Humanos se tornassem universais no sentido de serem amplamente aceitos
pelos governos, e, sendo um pouco mais otimista, pode-se pensar na universalidade
dos Direitos Humanos devido à existência de alguns pontos com que todos concordam. Entre esses pontos podem-se citar a necessidade de comida, água, abrigo
e convivência com outros humanos para sobreviver da infância até a fase adulta.
Além disso, todas as pessoas valorizam a liberdade, a paz, a saúde e são contra a
tortura, o terror e a tirania (OH, 2007, p.05).
Portanto, apesar de não haver uma perspectiva de Direitos Humanos que
prevaleça sobre as outras, o diálogo acerca desse tema, tanto dentro quanto fora do
Islã, é fundamental para criar uma perspectiva comum dentro dos Estados acerca
da importância e obrigação de proteger esses direitos (MESSER, 1997, p.299). Afinal, se nem a concepção de Direitos Humanos tivesse sido aceita e se as particularidades locais e culturais não fossem consideradas, não seria possível se pensar sobre
o próximo passo, ou seja, a aplicação desses direitos:
Abordagens de implementação dos Direitos Humanos em todos os níveis
sociais incluem meios legais, educacionais, políticos e culturais. Essas abordagens
envolvem o entendimento de conceitos e práticas locais em relação às normas internacionais e também nas formas com que os atores locais se projetam do quadro
internacional para promover os Direitos Humanos em contextos locais. (MESSER,
1997, p.307)
Portanto, um diálogo multicultural permite que as variações locais sejam
consideradas no contexto internacional. Somente dessa forma é possível pensar nos
Direitos Humanos como sendo universais, ou seja, aplicáveis em todos espaços e
tempos, de modo que as diferentes perspectivas acerca do tema sejam todas tratadas como contribuintes para os Direitos Humanos (OH, 2007, p.34).
485
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