File - Capitulo Paz e Progresso de Birigui

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Piers Paul Read
OS templários
1. Templários - História. I. Título. II. Série.
00-1475.
CDD - 271.7913 CDU - 271.024
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da Editora.
2001
(MAGO EDITORA Rua Santos Rodrigues, 201-A-Estácio 20250-430 - Rio de Janeiro - RJ Tel.:(21)5029092 - Fax: (21)502-5435 E-mail: [email protected] vdww.imagoeditora.com.br
Impresso no Brasil
Printed'in Brazil
Agradecimentos
Mapas
Prefácio
Primeira Parte: O Templo
1 O Templo de Salomão
2 ONovoTemplo
3 O Templo Rival
4 O Templo Reconquistado
Sumário
Segunda Parte: Os Templários
5 Os Pobres Soldados de Jesus Cristo
6 Os Templários na Palestina
7 O Ultramar
8 Saladino
9 Ricardo Coração de Leão
10 Os Inimigos no Lado de Dentro
11 Frederico de Hohenstaufen
12 O Reino de Acre
13 Luís da França
14 A Queda de Acre
Parte Três: A Queda dos Templários
15 O Templo no Exílio
16 O Ataque ao Templo
17 A Destruição do Templo
17 29 56 67
97 116 136 165 180 193 211 231 241 255
267 279 302
OS TEMPLÁRIOS
Epílogo: O heredicto da História
Apêndices
320
Agradecimentos
As Cruzadas Posteriores
335
Grão-Mestres do Templo
Bibliografia
Notas
347
Índice
359
342
343
Sou grato pela autorização para reproduzir trechos de The Je=h Irar (A Guerra dos Judeus), de
Josefo, com tradução e introdução de G. A. Williamson, Penguin Books,
1959 (Copyright © G. A. Williamson, Penguin Books, 1959); The Rude of the Templars (A Regra dos
Templários), de J. M. Upton Ward, The Boydell Press, 1992 (Copyright
© J. M. Upton Ward, 1992); e TheMurderedMagicians (O Assassinato dos Magos), de Peter
Partner (Copyright © Peter Partner, 1981), com permissão de A. M. Heath & Co.
Ltd em nome do professor Peter Partner.
Mapas
1
O apogeu do Islã
63
Z A cristandade ao tempo da Primeira Cruzada
3 A França ao tempo da Primeira Cruzada
85
84
4
Ultramar
99
5 Jerusalém e o monte do Templo no século XII
140
6
Principais fortalezas dos templários na Síria e na Palestina
7
Comunidades e castelos dos templários no Ocidente
em meados do século XII
160
198
Prefácio
Quem eram os templários? Uma das concepções sobre essa ordem militar origina-se dos
romances de Sir Walter Scott. Brian de Bois-Guilbert, o cavaleiro do Templo em
Ivanhoé, é um anti-herói demoníaco, "valente como os mais intrépidos de sua Ordem, mas com a
mácula de seus costumeiros vícios, orgulho, arrogância, crueldade e
luxúria: um homem insensível, que não teme nem a terra nem o céu". Os dois grão-mestres da
ordem não são muito melhores. Giles Amaury, de O Talismã, é traiçoeiro
e malévolo, ao passo que Lucas de Beaumanoir, de Ivanhoé, é um fanático hipócrita.
Em compensação, na ópera Parsifal, de Wagner, cavaleiros semelhantes aos templários
aparecem como os castos guardiães do Santo Graal.' O libreto, do século
XIX, baseou-se no poema épico do século XIII de Wolfram von Eschenbach, no qual os Templeisen
têm apenas semelhança superficial com os templários, mas o germe de
realidade foi suficiente para persuadir as gerações futuras de que há verdade na ficção. Assim, no
imaginário do século XIX, os personagens brutos e depravados de
Ivanhoé e O Talisvaã coexistiam com a valorosa confraria de Parsifal.
No século XX surgiu uma imagem mais sinistra dos templários como os protótipos dos
Cavaleiros Teutônicos, os quais, no 6m da década de 30, serviram de modelo
histórico para as SS de Himmler. Em associação com uma percepção comum dos cruzados como
um antigo exemplo de agressão e imperialismo da Europa Ocidental, os templários
passaram a ser vistos como fanáticos brutais que impunham uma ideologia pela espada. Ou, antes
pelo contrário, diz-se que eles se desencaminharam de seu compromisso
com a causa cristã em virtude de seu contato com o judaísmo e o islamismo no Oriente, fundando
uma sociedade secreta de iniciados por meio da qual os arcanos mistérios
do antigo Egito, transmitidos aos maçons do Templo de Salomão, foram passados às lojas
maçônicas dos tempos modernos. Também
* Esses cavaleiros são os TPJ71pIPlsPI1. (N. do 'E)
OS TEMPLÁRIOS
se afirmou que os templários foram infiltrados pelos heréticos cátaros após a Cruzada Albigense;
que através dos séculos protegeram os descendentes reais de uma
união entre Jesus e Maria Madalena; que seu estupendo tesouro foi descoberto por um padre no
Sudoeste da França no século XIX; e que eram os guardiães de relíquias
fabulosas, entre as quais a cabeça embalsamada de Cristo e o Sudário de Turim.
Meu objetivo neste livro foi revelar a verdade sobre a Ordem, evitando a especulação
fantasiosa e registrando apenas o que a pesquisa de historiadores bem-conceituados
estabeleceu. Estruturei a narrativa numa perspectiva ampla: as histórias dos templários que
começam com a fundação da ordem por Hugo de Payns em 1119, ou mesmo com
a proclamação da Primeira Cruzada no Concílio de Clermont em 1095, muitas vezes pressupõem
um conhecimento que o leitor comum talvez não possua. A meu ver, é difícil
entender a mentalidade dos templários sem examinar a importância atribuída ao Templo em
Jerusalém pelas três religiões monoteístas - o judaísmo, o cristianismo e
o islamismo - e sem recordar por que ele tem sido objeto de conflito desde o começo do registro
da história até os nossos dias.
Há outras questões pertinentes, às quais só se pode responder fazendo-se um exame
retrospectivo desde os primórdios do período medieval até o turbilhonaste
caos da Idade das Trevas. Num tempo em que se sugeriu que o papa se desculpasse pelas
cruzadas, é conveniente examinar os motivos que levaram seus predecessores
a iniciar essas guerras santas. Aqueles que já conhecem a história das cruzadas terão a impressão
de que parte do que escrevi é repetitiva; mas ao recontá-la tirei
proveito das pesquisas de uma nova geração de historiadores das cruzadas. Minha dívida para
com esses e outros estudiosos ficará patente a qualquer leitor deste
livro.
Também senti que valia a pena narrar de novo o que um cronista da época denominou "Feitos
de Deus por intermédio dos francos", não apenas por seu interesse
intrínseco, mas também por sua relevância para os dilemas com que somos confrontados hoje em
dia. Os templários eram uma força multinacional empenhada na defesa
do conceito cristão de uma ordem mundial, e sua extinção assinala o momento em que a busca do
bem comum dentro da cristandade passou a subordinar-se aos interesses
do Estado nacional - processo que a comunidade internacional está agora procurando inverter.
Existem extraordinários paralelos entre o passado e o presente na história dos templários. No
imperador Frederico 11 de Hohenstaufen encontramos um governante
cuja amoralidade idiossincrásica remete a Nero no passado remoto e a Hitler em tempos mais
recentes. O conceito medieval de
PREFÁCIO
um Sacro Império Romano era notavelmente semelhante às aspirações, para a União Européia,
daqueles que a criaram. Os assassinos na Síria são descendentes dos sicários
judeus e ancestrais dos homens-bombas do Hezbollah. A atitude de muitos muçulmanos do
Oriente Médio para com o moderno Estado de Israel é muito parecida com a de
seus ancestrais para com o reino cruzado de Jerusalém. Poder-se-ia perguntar quantos líderes
árabes, de Abdul Nasser a Sadam Hussein, ansiaram por tornar-se um Saladino
dos nossos dias, derrotando os invasores infiéis em outra Hattin, ou, a exemplo do sultão
mameluco al-Ashraf, fazendo-os recuar para o mar.
Expresso aqui minha gratidão a todos os historiadores cujas obras me ensinaram o que sei acerca
dos templários. Gostaria de agradecer em particular ao professor
Jonathan Riley-Smith o incentivo inicial e os conselhos, e ao professor Richard Fletcher a leitura
dos originais e o fato de ter-me chamado a atenção para vários
erros. A nenhum desses historiadores devem ser imputadas as deficiências de minha obra.
Gostaria de agradecer, ainda, a Anthony Cheetam, quem primeiro sugeriu que eu deveria
fazer alguma coisa na área de história e propõs um livro sobre os templários;
ao meu agente, Gillon Aitken, por me instar a levar a cabo o projeto; à minha editora, Jane Wood,
o seu estímulo constante e inestimável trabalho na primeira versão
do texto; e a Selina Walker a ajuda nos mapas e nas ilustrações. Também sou grato a Andrew
Sinclair, que me emprestou sua coleção de livros sobre os templários;
a Charles Glass por meter feito conhecer as memórias de Usamah Ibn-Munqidh; e à Biblioteca de
Londres e aos seus funcionários pela prestimosa ajuda na minha pesquisa.
13
przírneírza parzrte
0 TEMPLO
O Templo de Salomão
Nos mapas desenhados em pergaminho na Idade Média, Jerusalém figura como o centro do
mundo. Era então - e ainda é - a cidade sagrada de três religiões: o judaísmo,
o cristianismo e o islamismo. Para cada uma delas, Jerusalém era palco de importantes
acontecimentos que estabeleciam o vínculo entre Deus e o homem-o primeiro dos
quais foram os preparativos de Abraão para o sacrifício de seu filho, Isaac num afloramento de
rocha agora oculto por uma cúpula dourada.'
Abraão era um nômade rico originário de Ur, na Mesopotâmia, que cerca de 1.800 anos antes
do nascimento de Cristo, por ordem de Deus, mudou-se do vale do
Eufrates para o território habitado pelos cananeus situado entre o rio Jordão e o mar
Mediterrâneo. Ali, como recompensa por sua fé no Deus único e verdadeiro, foi
contemplado com aquela terra "em que jorram leite e mel" e prometeu uma prole incontável para
povoá-la. Abraão estava destinado a ser o pai de uma multidão de nações,
e, para selar seu pacto, ele e todos os homens de sua tribo tiveram de ser circuncisados, prática
que deveria continuar "geração após geração".
Essa promessa de posteridade era problemática, porque Sara, a mulher de Abraão, era estéril.
Quando se deu conta de que passara da idade de engravidar, Sara
convenceu Abraão a gerar um filho em Hagar, sua serva egípcia, que no devido tempo deu à luz
Ismael. Alguns anos mais tarde, enquanto Abraão estava sentado à entrada
de sua tenda, no maior calor do dia, surgiram três homens, os quais lhe disseram que Sara, então
com mais de 90 anos, teria um filho.
Abraão riu, e Sara também julgou tratar-se de um gracejo. "Agora que estou velha e velho
também está o meu senhor, terei ainda prazer?` Mas verificou-se
que a profecia estava correta: Sara concebeu e deu à luz Isaac. Ela então se voltou contra Ismael, a
quem via como um concorrente à herança
`
Referência à Cúpula da Rocha, mesquita de grande beleza construída em Jerusalém durante o
período omíada. (N. do T)
17
OS TEMPLÁRIOS
de Isaac, e pediu a Abraão que mandasse o menino e a mãe embora. Deus tomou o partido de
Sara, e Abraão, sempre submisso às ordens de Deus, mandou Hagar e Ismael
para o deserto de Bersabéia com um pouco de pão e um odre de água. Quando a água acabou,
Hagar, que não suportaria ver o filho morrer de sede, pensou em abandoná-lo
sob um arbusto. Mas Deus guiou os passos dela até um poço e prometeu que seu filho fundaria
uma grande nação no deserto da Arábia. Depois desses acontecimentos,
Deus pôs Abraão a uma derradeira prova, ordenando-lhe que oferecesse "teu filho, teu único, que
amas, Isaac (...) em holocausto sobre uma montanha que eu te indicarei".
Abraão obedeceu sem hesitar. Levou Isaac ao lugar indicado por Deus, um afloramento de rocha
no monte Moriá, empilhou a lenha nesse altar improvisado e colocou Isaac
deitado sobre ela. Mas no momento em que tomou da faca para matar o filho, recebeu ordem
para não fazê-lo. "Não estendas a mão contra o menino! Não lhe faças nenhum
mal! Agora sei que temes a Deus: tu não me recusaste teu filho, teu único. (... ) porque me fizeste
isso (...), eu te cumularei de bênçãos, eu te darei uma posteridade
tão numerosa quanto as estrelas do céu e quanto a areia que está na praia do mar (...). Por tua
posteridade serão abençoadas todas as nações da terra, porque tu
me obedeceste."Z
Terá Abraão de fato existido? Em tempos modernos, os pontos de vista acadêmicos acerca de sua
historicidade têm oscilado entre o ceticismo de exegetas alemães, que
o descartaram por considerarem-no uma figura mítica, e opiniões mais positivas, resultantes de
descobertas arqueológicas na Mesopotâmia.; Na Idade Média, contudo,
ninguém duvidava de que Abraão tivesse existido, e quase todas as pessoas que viviam entre o
subcontinente indiano e o oceano Atlântico afirmavam que descendiam
desse patriarca de Ur-os cristãos, de forma figurada; os muçulmanos e os judeus, literalmente. Os
judeus tinham um registro genealógico para provar isso: a compilação
de textos judaicos reunidos na Torá que contam a história dos descendentes de Abraão.
Por volta de 1300 a.C., de acordo com esses registros, a fome fez com que os judeus
deixassem a Palestina e fossem para o Egito, onde foram acolhidos como
hóspedes pelo ministro-chefe do faraó, o judeu José, que na juventude fora abandonado no
deserto por seus invejosos irmãos para ali morrer. Mas após a morte de José
e a ascensão ao trono de um novo faraó, os judeus foram escravizados e usados como mão-deobra forçada na construção da residência do faraó Ramsés em Pi-Ramsés.
Moisés, o primeiro dos grandes profetas de Israel, tirou os judeus do Egito e levou-os para o
deserto. Aí, no monte Sinai, Deus transmitiu-lhe
O TEMPLO DE SALOMÃO
seus mandamentos, gravados em tábuas de pedra. Para guardá-las, os judeus fizeram uma uma
portátil à qual chamaram Arca da Aliança. Após muitos anos vagueando pelo
deserto do Sinai, finalmente chegaram à terra prometida de Canaã. Em punição por uma
transgressão passada, Moisés teve permissão de vê-la apenas a distância. Coube
a seu sucessor, Josué, a reivindicação do direito de primogenitura dos judeus. Entre 1220 e 1200
a.C. eles conquistaram a Palestina, mas a luta com os habitantes
autóctones não foi justa, pois Deus tomou o partido dos judeus. Sua vitória nunca foi absoluta:
eram constantes as guerras com as tribos vizinhas dos filisteus,
dos moabitas, dos amonitas, dos amalecitas, dos idumeus e dos arameus. Mas os judeus
sobreviveram devido ao seu destino único, embora ainda indefinido.
O casamento entre Deus e seu povo eleito não foi nada fácil. Ele era um Deus ciumento, que
se irava quando os judeus se voltavam para outros deuses ou infringiam
o rígido código de comportamento que lhes fora imposto - rituais exigentes e complexas leis
resultantes dos Dez Mandamentos que Moisés recebera de Deus no cume do
monte Sinai. Os judeus, por seu turno, eram volúveis: afastavam-se de Deus para cultuar ídolos
como o Bezerro de Ouro' ou deuses pagãos como Astarte e Baal,s e tratavam
mal os profetas enviados por Deus para puni-los. Até mesmo os reis, os ungidos de Deus, eram
pecadores: Saul desobedeceu à ordem de Deus para exterminar os amalecitas,1
e Davi seduziu Betsabéia, mulher de Urias, o hitita, e mais tarde deu as seguintes instruções a
Joab, o comandante de seu exército: "Coloca Urias no ponto mais perigoso
da batalha e retirai-vos, deixando-o só, para que seja ferido e venha a morrer".
Na virada do primeiro milênio antes de Cristo, Davi conquistou Jerusalém a seus habitantes
originários, os jebuseus. Abaixo da cidadela, no monte Moab, nas imediações
do local escolhido por Deus para o sacrifício de Isaac por Abraão, existia uma eira de propriedade
do jebuseu Onã. Por ordem de Deus, Davi comprou-a para que ali
se erguesse um templo para abrigar a Arca da Aliança. Davi reuniu o material para o Templo, cuja
construção foi afinal empreendida por seu filho Salomão por volta
de 950 a. C.
O reinado de Salomão marcou o apogeu de um Estado judeu independente. Após sua morte,
Israel foi conquistado por poderosas nações situadas a leste: os assírios,
os caldeus e os persas. O Templo de Salomão foi destruído em 586 a.C. pelos caldeus, sob
Nabucodonosor, e os judeus foram levados como escravos para a Babilônia.
Por sua vez, os caldeus foram conquistados pelos persas, cujo rei, Ciro, permitiu que os judeus
voltassem para Jerusalém e reconstruíssem o Templo em 515 a.C.
OS TEMPLÁRIOS
No século IV a.C., a onda de conquistas diminuiu no Oriente, passando
a fluir do Ocidente: Gs persas foram derrotados pelos macedônios durante o reinado rio jovem
monarca Alexandre, o Grande. Após a morte prematura de Alexandre, seu
império foi dividido entre seus generais, e por algum tempo a Palestina foi disputada pelos rivais
ptolomeus, baseados no Egito, e selêucidas, baseados na Nesopotâmia.
Na ausência de um rei, o sumo sacerdote em Jerusalém assumia muitas funções deste entre os
judeus.
Em 167 a.C. uma sublevação contra os gregos por questões religiosas transformou-se numa
bem-sucedida luta pela independência política. Seus líderes, três
irmãos rnacabeus, fundaram a dinastia asmonéia de reis judeus, os quais recuperaram a maior
parte do território que fora governado por Davi e Salomão. No deco?rei
de seus constantes conflitos com os países vizinhos, fizeram um apelo ao novo e ascendente poder
de Roma. O rei judeu Hircano e seu ministro Antípater colocaram-se
sob a proteção de Cneio Pompeu, ou Pompeu, o Grande, general romano que havia conquistado a
Síria.
Jerusalém foi defendida por Aristóbulo, o pretendente rival ao trono. Depois de três meses de
cerco, as legiões de Pompeu capturaram a cidade. Foram poucas
as baixas entre os romanos, mas doze mil judeus morreram no conflito. No entanti, de acordo com
o historiador judeu Josefo, a perda dessas vi*d2.s foi uma calamidade
menos importante do que a profanação do Templo por Pompeu.
Entre os infortúnios daquele tempo, nada causou maior estremecimento à nação do que a exibição por estranhos do Lugar Sagrado, até então resguardado de todos os olhares.
Pompeu e seu estado-maior entraram no Santuário, o que a ninguém
era permitido pelo sumo sacerdote, e viram o que ele continha: o pedestal do candelabro, as
lâmpadas, a mesa, as taças para as libações e os incensórios, tudo de
ou-o maciço, e uma grande quantidade de especiarias e dinheiro sagrado (...).
Os romanos eram agora os árbitros do poder na nação judaica. Pompeu
restabeleceu Hirc2.no como sumo sacerdote, mas, ao perceber que se tratava de um governante
incompetente, atribuiu poder político a Antípater, o primeiro-ministro.
Quando Júlio César veio da Síria em 47 a.C., concedeu a cidadania romana a Antípater e o nomeou
comissário para toda a Judéia. Fasael, o filho mais velho de Antípater,
tornou-se governador da Judéia, e Herodes, seu segundo filho, então com vinte e seis anos, foi
nomeado governador da Galiléia. O cônsul Marco Antônio, confrade de
César, tornou-se amigo de Herodes por toda a vida.
Ern 40 a.C., w, partos invadiram a Palestina e Herodes fugiu para Roma,
passando pela Arábia e pelo Egito. O Senado romano proveu-o com um exér-
O TEMPLO DE SALOMÃO
cito e nomeou-o rei da Judéia. Herodes derrotou os partos e, não obstante se tivesse alinhado
com seu amigo Marco Antônio contra Otaviano, foi por este confirmado
como rei da Judéia após sua vitória sobre Marco Antônio na batalha de Áccio.
Então no auge da glória, Herodes embelezou seu reino com magníficas
c'dades e imponentes fortificações, muitas das quais receberam o nome de seus patronos e de
membros de sua família. No trecho do litoral entre Jafa e Haifa, construiu
uma cidade a que deu o nome de Cesaréia, e em Jerusalém, a fortaleza que chamou de Amônia.
Ampliou a fortaleza de Massada, onde sua família se refugiara dos partos,
e nas colinas voltadas para a Arábia construiu uma fortaleza denominada Heródio em homenagem
a si mesmo.
Homem de coragem e habilidades excepcionais, Herodes percebeu que a sua manutenção no
poder na Palestina dependia de satisfazer as expectativas dos romanos
sem ferir as suscetibilidades religiosas dos judeus. Para os romanos, o controle da Síria e da
Palestina era considerado essencial à segurança e bem-estar de seu
império, que estendera as rotas por terra entre o Egito e a Mesopotâmia e dominava o
Mediterrâneo oriental. A própria cidade de Roma dependia do suprimento de grãos
do Egito, suprimento esse que estaria ameaçado, caso os portos na costa oriental do
Mediterrâneo caíssem nas mãos dos partos.
A situação dos judeus era mais problemática. Sob domínio cultural dos gregos desde a época
de Alexandre, o Grande, e agora politicamente subordinados aos
romanos, eles conservavam sua percepção do destino como O povo eleito de Deus. Sua
extraordinária fidelidade a suas crenças e práticas ao mesmo tempo impressionava
e exasperava os pagãos de seu tempo. Ao sitiar o remanescente da resistência judaica no Templo,
Pompeu
iscou pasmado com a inabalável persistência dos judeus, em especial sua manutenção de todas as
cerimônias religiosas em meio a um ataque de projéteis. Como se profunda
paz envolvesse a cidade, os sacrifícios diários, as oferendas aos mortos e todos os outros atos de
adoração eram meticulosamente executados para a glória de Deus.
Nem mesmo durante a captura do Templo, quando eram brutalmente mortos em torno do altar,
eles renunciaram às cerimônias preceituadas para o dia.R
Todavia, seu exclusivismo - a crença de que se contaminavam pelo contato com os gentios provocava a hostilidade de seus vizinhos. Nessa época, os judeus
já não estavam confinados à Palestina: havia importantes comunidades em muitas das principais
cidades do mundo greto-romano e
do império persa além do Eufrates. Em Alexandria, já no século III a.C., fizeram-se críticas ao
exclusivismo judeu. Em Roma, onde obtiveram isenções
OS TEMPLÁRIOS
fora do comum de participar de cultos pagãos e permissão para observar o Slaabat, Cícero, em seu
Pro Flanco, queixou-se de seu apego às tradições de seu clã e excessiva
influência; e Tácito, em suas Histórias, do que considerava misantropia dos judeus: "A qualquer
outro povo eles sentem apenas aversão e hostilidade. Sentam-se isolados
para fazer as refeições e dormem à parte, e, apesar de, como raça, estarem inclinados à
concupiscência, abstêm-se de manter relações sexuais com mulheres estrangeiras;
todavia, entre eles próprios nada é ilícito". 9
Contudo, foi na sua própria pátria que o senso de superioridade dos judeus sobre todas as
nações pagãs teve sérias implicações políticas. Muitas vezes, após
terem sido conquistados por nações vizinhas maiores e mais poderosas - os egípcios, os persas, os
gregos e agora os romanos -,eles se insurgiam contra seus opressores
por acreditarem que Deus estava do seu lado. E a um triunfo inicial seguia-se sempre uma feroz
repressão.
Embora cidadão romano e de origem árabe, Herodes era escrupuloso em sua observância da
Lei judaica; e, para granjear ainda mais a simpatia dos adeptos da
religião que adotara, anunciou que reconstruiria o Templo, provocando uma reação de suspeita
por parte dos judeus. Para reassegurá-los de que levaria a cabo esse
ambicioso projeto, Herodes prometeu que não demoliria o antigo Templo até que tivesse reunido
todo o material para a construção do novo. Uma vez que apenas sacerdotes
poderiam entrar no recinto do Templo, ele treinou mil levitas como pedreiros e carpinteiros. Os
alicerces do Segundo Templo foram grandemente aumentados pela construção
de gigantescos muros de retenção a oeste, ao sul e a leste. Galerias cobertas estendiam-se ao
longo das extremidades da grande plataforma, sustentada por aterros
ou por suportes em forma de arco. Uma cerca estendia-se ao redor da área sagrada, e em cada um
dos seus treze portões havia uma inscrição em latim e em grego advertindo
que qualquer gentio que a ultrapassasse seria punido com a morte.
No centro, emoldurado pelas colunatas, ficava o Templo propriamente dito. De um lado
localizava-se o Pátio das Mulheres, e no outro lado da Porta Formosa,
o Pátio dos Sacerdotes. O acesso ao Santuário era através de duas portas cobertas de ouro, diante
das quais pendia uma cortina de tapeçaria babilônica bordada com
desenhos azuis, escarlates e purpúreos simbolizando toda a criação. O Lugar Santo interno,
protegido por um enorme véu, era o Santo dos Santos, no qual apenas o
sumo sacerdote poderia atrever-se a entrar em certos dias do ano. A rocha sobre a qual Abraão
preparara Isaac para o sacrifício era o altar onde cabritos e pombos
eram mortos. A cavidade que ainda pode ser vista na extremidade norte da rocha era usada para a
colheita do sangue do sacrifício.
O TEMPLO DE SALOMÃO
A escala do Templo era estupenda e, como ele estava sobranceiro ao vale do Cédron, atingia
uma altura estonteante. Seu esplendor não poderia deixar de causar
nos súditos de Herodes a impressão de que seu rei, a despeito da origem árabe, era um judeu
virtuoso. Mas Herodes nada deixou ao acaso. A fortaleza de Antôma fazia
parte da muralha norte do complexo do Templo e era permanentemente guarnecida por um
contingente da infantaria romana. Durante os festejos mais importantes, esse
contingente, fortemente armado, desdobrava-se ao longo das colunatas.
O Templo foi a realização máxima de uma das mais extraordinárias figuras do mundo antigo. No
vigor da mocidade, Herodes alçou Israel a um nível de esplendor que
este jamais vira antes e que não tem visto desde então. Sua munificência estendeu-se a cidades
estrangeiras como Beirute, Damasco, Antioquia e Rodes. Experiente
em combate, hábil caçador, atleta entusiástico, Herodes patrocinou e presidiu os jogos Olímpicos.
Usava sua influência para proteger as comunidades judaicas na Diáspora
e foi generoso com os necessitados em todo o Mediterrâneo oriental. No entanto, não conseguiu
estabelecer uma dinastia estável, porque, à medida que envelhecia,
foi sendo dominado por uma paranóia que transformou o déspota benévolo num tirano.
Quase não resta dúvida de que Herodes estava cercado por conspiração e intriga. Seu pai e
seu irmão tinham tido morte violenta, e ele próprio possuía inimigos
poderosos não só entre os fariseus, facção que se ressentia do governo de um estrangeiro
submisso a um imperador pagão em Roma, mas também entre os partidários de
membros da dinastia asmonéia que reivindicavam a coroa da Judéia. Para aplacar estes últimos,
Herodes divorciou-se de Dóris, com quem se casara na juventude, e desposou
Mariamna, neta do sumo sacerdote Hircano.
Hircano tinha sido aprisionado pelos partos quando eles invadiram a Palestina, mas fora
libertado devido à intercessão dos judeus que viviam além do Eufrates.
Encorajado pelo casamento de sua neta com Herodes, regressou a Jerusalém, onde este
imediatamente o executou, não, conforme afirma Josefo, por ter reivindicado o
trono, "mas porque o trono realmente era seu".'° Outro adversário potencial era Jônatas, irmão de
sua mulher, o qual, aos 17 anos, foi feito sumo sacerdote por Herodes;
mas quando o rapaz vestiu os trajes sagrados e se aproximou do altar durante uma festa, todos os
presentes choraram de emoção, e portanto Herodes mandou sua guarda
pessoal gaulesa matá-lo afogado.
O que no âmbito político talvez tenha sido oportuno, no âmbito familiar foi um desastre.
Herodes apaixonara-se intensamente por Mariamna, que,
OS TEMPLÁRIOS
após o que acontecera com seu irmão e seu avô, odiava-o com a mesma intensidade. Além do seu
ressentimento, havia o desdém de uma princesa real judia por um novo-rico
árabe, o que não só atormentava Herodes, mas também deixava sua família furiosa, sobretudo
sua irmã Salomé. Desempenhando o papel de lago diante do Otelo de Herodes,
Salomé persuadiu o irmão de que Mariamna havia cometido adultério com José, seu marido.
Herodes ordenou a imediata execução de ambos. Em seguida, sua paranóia voltou-se
contra seus dois filhos com Mariamna: convencido de que estavam conspirando contra ele,
mandou estrangulá-los em Sebaste no ano 7 a.C. Pouco antes de sua morte,
enquanto ele agonizava no leito com "uma comichão insuportável por todo o corpo, dores
constantes na porção inferior do intestino, edemas nos pés como na hidropisia,
inflamação do abdome e gangrena dos órgãos genitais, dos quais brotavam vermes", disseram-lhe
que Antípater, seu filho mais velho e herdeiro, tinha planejado envenená-lo.
Antípater foi executado pela guarda pessoal do pai. Cinco dias mais tarde, o próprio Herodes
estava morto.
Não foram apenas essas tragédias familiares que transformaram um potencialmente grande rei
num tirano, mas sobretudo a impossível tarefa de reconciliar o povo eleito
de Deus com um governo pagão. Por ocasião do censo de 7 a.C., seis mil fariseus haviam se
recusado a prestar juramento de lealdade a Otaviano, agora imperador Augusto;
e, pouco antes da morte de Herodes, cerca de quarenta seguidores de dois rabinos de Jerusalém,
bastante conhecidos como expoentes da tradição judaica, haviam descido
em cordas do teto do Templo para remover um ídolo pagão, a águia dourada que Herodes
colocara acima do Grande Portão. Por causa disso, os dois rabinos foram presos
e, por ordem de Herodes, queimados vivos.
Os sucessores de Herodes tiveram menos êxito do que ele em manter essa incipiente
insubordinação sob controle. De acordo com o testamento de Herodes, que
ele alterara várias vezes, seu reino deveria ser dividido entre seus três filhos: Arquelau, Herodes
Antipas e Filipe. O imperador Augusto confirmou esse arranjo,
mas negou a Arquelau o título de rei, fazendo-o tão-somente etnarca, ou governador, da Judéia e
da Samaria, até que, depois de nove anos de administração incompetente,
ele o exonerou de ambas as funções e o exilou na cidade de Vienne, na Gália. A Judéia foi colocada
sob o governo direto de um procurador romano - primeiro Copônio,
em seguida Valério Grato e, em 26 d.C., Pôncio Pilatos.
Essa solução não garantiu a estabilidade da Palestina. Enquanto a aristocracia judaica e o
establishment saduceu fizeram o possível para conter o ressentimento
de seu povo, os pesados impostos cobrados pelos romanos e sua
24
O TEMPLO DE SALOMÃO
insensibilidade às crenças religiosas dos judeus levaram a revoltas esporádicas e, por fim, à guerra
total. Rebeldes judeus tomaram Massada e assassinaram a guarnição
romana. No Templo, Eleazar, Filho do sumo sacerdote Ananias, convenceu os sacerdotes a abolir
os sacrifícios oferecidos a Roma e a César. Essa atitude de desafio
progrediu para uma insurreição geral: a fortaleza de Antônia foi capturada, Anamas assassinado e
os romanos rechaçados para as torres fortificadas do palácio de
Herodes. Em Cesaréia, a capital administrativa dos romanos no litoral, a população gentia atacou a
colônia judaica, massacrando todos os seus membros. Essa atrocidade
exaltou o ânimo dos judeus por toda a Palestina, os quais saquearam cidades gregas e sírias, como
Filadélfia e Pela, matando seus habitantes em represália.
Em setembro de 66, o legado romano na Síria, Céstio Galo, partiu de Antioquia com a Décima
Segunda Legião, a fim de restaurar a ordem na Palestina. Em Jerusalém,
os rebeldes judeus prepararam-se para resistir. Após algumas escaramuças fora da cidade, Céstio
bateu em retirada, que acabou transformando-se em fuga desordenada.
Os judeus eram agora senhores em sua própria terra e começaram a organizar suas defesas contra
o retorno dos romanos.
Levando em consideração a catástrofe que estava para se abater sobre eles, não deixa de ser
surpreendente o fato de os judeus terem imaginado que poderiam desafiar
o poder de Roma. Decerto havia alguns "que viram com toda a clareza a desgraça iminente e
deram vazão a seu pesar";" mas a grande maioria estava absolutamente convencida
de que era chegado seu momento de sorte. Afinal, eles eram o povo eleito de Deus, e desde o
começo dos tempos seus profetas haviam prometido não apenas a libertação,
mas também um libertador, ao qual se referiam como "o ungido", ou, em hebraico, Messias. Deus
prometera a Abraão e Isaac que um tipo não especificado de salvação
deveria ocorrer através de seus descendentes, mas em seguida esse conceito de salvação foi
combinado com a idéia de um rei da linhagem de Davi cujo reino seria eterno.
Ele teria de ser um herói caracteristicamente judeu ("Eis que dias virão (...) em que suscitarei a
Davi um germe justo; um rei reinará e agirá com inteligência e
exercerá na terra o direito e a justiça. Em seus dias, Judá será salvo e Israel habitará em
segurança")," mas sua soberania seria universal ("que ele domine de mar
a mar, desde o rio até aos confins da terra. (...) todos os reis se prostrarão diante dele, todas as
nações o servirão").'30 que deu coragem aos judeus para desafiar
o poder de Roma foi a intensa sensação de expectativa messiânica entre eles na Palestina do
século I.
OS TEMPLÁRIOS
A principal divisão entre os judeus era entre os saduceus e os fariseus: os saduceus eram o
partido do establisliment, que controlava o Templo, e eram mais
condescendentes em sua interpretação da Lei; os fariseus eram mais rígidos, mais radicais e mais
austeros, e usavam a tradição oral para impor minúcias legalistas
a todos os aspectos da vida judaica. Uma das principais diferenças nas crenças das duas facções
dizia respeito à vida após a morte: os saduceus eram agnósticos e
os fariseus insistiam na imortalidade da alma, na ressurreição dos mortos e nas recompensas
divinas para a virtude e na punição para o pecado no mundo vindouro.
Os fariseus foram os mais vociferantes na sua oposição ao domínio romano, e entre eles havia
seitas austeras e fanáticas, como os essênios, que viviam em
comunidades semimonásticas, e os zelotes, uma facção terrorista que desprezava não só os
romanos, mas todos os judeus colaboracionistas. Eles enviavam assassinos
conhecidos como sicários (do grego sikaroi, através do latim sicarii, literalmente "homens do
punhal")para se mesclarem à multidão e assassinar seus inimigos. Um
contingente de zelotes da Galiléia que se refugiara em Jerusalém travava guerra de classes contra
seus anfitriões.
Sua paixão pela pilhagem era insaciável: eles saqueavam as casas de homens ricos, assassinavam
homens e violentavam mulheres por prazer, e brindavam aos seus espólios
regados a sangue. Devido a puro tédio, entregavam-se descaradamente a práticas efeminadas,
adornando o cabelo e vestindo roupas femininas, encharcando-se de perfume
e pintando a área sob os olhos para tornar-se atraentes. Imitavam não apenas o vestuário, mas
também as predileções femininas, e em sua extrema torpeza inventavam
prazeres ilícitos; chafurdavam no lodo, convertendo a cidade inteira num bordel e poluindo-a com
as práticas mais sórdidas. Muito embora tivessem feições femininas,
suas mãos eram de assassinos; aproximavam-se com o seu jeito afetado de andar,
inesperadamente transformavam-se em lutadores e, sacando a espada de sob seus mantos
coloridos, trespassavam quem por ali estivesse passando.14
Quando recebeu a notícia da derrota de Céstio Galo, o imperador Nero recorreu ao veterano
general Vespasiano e entregou-lhe o comando das forças romanas na Síria.
Vespasiano enviou seu filho Tiro aAlexandria para buscar a Décima Quinta Legião e juntar-se a ele
em Ptolemaida. Esse exército misto marchou para a Galiléia e, com
extrema dificuldade, conquistou as fortalezas em poder dos rebeldes judeus e massacrou ou
escravizou seus habitantes. Cada cidade foi ferozmente defendida, em particular
Jopata, comandada por José ben-Matias, que mais tarde se bandeou para os romanos, mudou o
nome para Josefo e fez um relato do conflito em sua Guerrados Judeus.
26
O TEMPLO DE SALOMÃO
Durante essa campanha.
Nero foi assassinado, e mais tarde Galba, seu
sucessor. Seguiu-se uma guerra civil entre Oto e Vitélio, os rivais que reivindicavam o trono, da
qual Vitélio saiu vencedor. Em Cesaréia, as legiões repudiaram
Vitélio e proclamaram Vespasiano imperador. O governador do Egito, Tibério Alexandre, e as
legiões na Síria o apoiaram. Em Roma, os simpatizantes de Vespasiano destituíram
Vitélio e proclamaram Vespasiano herdeiro do trono imperial. Ele recebeu a notícia em Alexandria,
de onde embarcou para Roma, deixando ao encargo de Tito a subjugação
dos judeus insurretos.
OS redutos dos judeus haviam se reduzido a algumas fortalezas longínquas e à cidade de
Jerusalém, que já havia sido atacada pelas legiões romanas. A resistência
foi feroz: quando o renegado Josefo transpôs os muros da cidade, pedindo a seus compatriotas
que se rendessem, a resposta foi escárnio e insultos. A fome já grassava
na cidade, e Josefo, que em sua narrativa quis demonstrar que a depravação dos rebeldes
invalidava a justeza de sua causa, relata com certo vigor como a fome induzia
esposas a roubar seus maridos, filhos a seus pais, e "o mais terrível de tudo, mães a seus bebês,
arrebatando o alimento de suas bocas; e quando seus filhinhos queridos
estavam morrendo em seus braços, não hesitavam em privá-los dos nacos que poderiam tê-los
mantido vivos". O auge desse comportamento antinatural foi a história de
uma certa Maria, da aldeia de Bethezub, que matou seu bebê, "em seguida assou-o e comeu a
metade, escondendo e reservando a sobra".'S
Não havia a menor dúvida quanto ao desfecho do conflito, mas cada setor da cidade era
violentamente disputado. Primeiro a fortaleza de Antôma caiu em poder
dos romanos, mas o Templo resistiu. Durante seis dias os aríetes das legiões romanas golpearam
os muros do Templo, sem nem ao menos deixarem marcas nos enormes blocos,
que os pedreiros de Herodes haviam talhado de forma tão plana e unido tão firmemente. A
tentativa de solapar o portão norte também fracassou. Como não estava disposto
a correr o risco de sofrer outras baixas num assalto total pelas muralhas do Templo, Tito deu
ordem a seus soldados para atearem fogo às portas. O revestimento de
prata derreteu com o calor e a madeira foi consumida pelas chamas. O fogo propagou-se até as
colunatas, abrindo caminho para os soldados romanos através da alvenaria
que ardia lentamente. O ódio deles aos judeus era tão intenso que civis foram massacrados junto
com os combatentes, De acordo com Josefo, que estava ansioso para
justificar seu protetor aos olhos dos judeus na Diáspora, Tito fez o possível para poupar o
santuário, mas os soldados o incendiaram com seus archotes. Assim foi
destruído o que Josefo descreve como "o edifício mais magnífico jamais visto ou de que se ouviu
fa-
27
OS TEMPLÁRIOS
lar, não só por suas dimensões e arquitetura, mas também pela excessiva perfeição nos detalhes e
pela glória de seus lugares santos".
A solidez de suas fortificações e a determinação de seus defensores eram tamanhas, que Tiro e
suas legiões levaram seis meses para capturar Jerusalém: de março a
setembro do ano 70 d.C. A população foi quase dizimada. Os que haviam se refugiado nos esgotos
da cidade morreram de fome, suicidaram-se ou foram mortos pelos romanos
ao deixarem seu esconderijo. Josefo estimou que mais de um milhão de pessoas morreram no
cerco de Jerusalém, e os sobreviventes foram escravizados. Tito deixou uma
guarnição na cidadela e ordenou que o resto da cidade, incluindo os escombros do Templo, fosse
arrasado. Retirou-se para Cesaréia e celebrou seu aniversário em 24
de outubro, vendo os prisioneiros judeus serem mortos na arena por feras, ou uns pelos outros,
ou então vendo-os ser queimados vivos. Ao regressarem a Roma, Vespasiano
e Tito, vestindo túnicas escarlates, comemoraram seu triunfo. Carroças carregadas com os
esplêndidos tesouros pilhados de Jerusalém foram puxadas pelas ruas, entre
eles o pedestal de ouro do candelabro do Templo, junto com colunas de prisioneiros
acorrentados. Quando o cortejo chegou ao Fórum, o líder dos judeus revoltosos,
Simão ben-Gioras, foi cerimonialmente executado, e a seguir os vencedores retiraram-se para
regalar-se com o suntuoso banquete preparado para eles e seus convidados.
Na Palestina, grupos de rebeldes ainda resistiram nas inexpugnáveis fortalezas de Herodes:
Heródio, Maqueronte e Massada. Heródio caiu sem dificuldade, Maqueronte
rendeu-se, mas Massada continuou nas mãos dos zelotes sob Eleazar ben-Jair, um descendente de
Judas, o Galileu. Nessa fortaleza extraordinária, construída num planalto
isolado, a cerca de quatrocentos e quarenta metros acima da margem oeste do mar Morto,
encontravam-se mil homens, mulheres e crianças. O governador romano, Flávio
Silva, circundou a fortaleza com um muro e construiu uma rampa, a fim de que um aríete pudesse
abrir uma brecha no muro.
A princípio os zelotes resistiram, mas, quando ficou claro que os romanos abririam uma
brecha no muro no dia seguinte, Eleazar persuadiu seus seguidores
de que seria melhor eles morrerem por suas próprias mãos do que serem mortos pelo romanos.
Após ter queimado seus bens, cada pai matou seus familiares próximos;
em seguida, foram escolhidos por sorteio dez homens para liquidar seus companheiros; e afinal
um deles, também escolhido por sorteio, matou os outros nove antes
de tombar pelo fio de sua própria espada.
DOIS
O Novo Templo
A queda de Massada não representou o fim das esperanças de uma nação independente
acalentadas pelos judeus que viviam na Palestina. Cerca de sessenta anos mais tarde
ocorreu uma segunda rebelião contra o domínio romano, chefiada por Simeon ben-Koseba
(Simeão bar-Kochba), reconhecido pelo rabi Akiba como o Messias prometido. Como
no passado, a revolta teve êxito no início: as forças de Tinéio Rufo, o legado romano na Judéia,
foram derrotadas. O imperador Adriano enviou para a Palestina o
legado na Bretanha, Júlio Severo, que no ano 134 d.C, recapturou Jerusalém. A guerra continuou
por mais dezoito meses - até agosto de 135 -, quando Beter, a última
de aproximadamente cinqüenta fortalezas em poder dos rebeldes, se rendeu a Severo e Simeão
bar-Kochba foi morto.
A punição dos romanos por essa segunda rebelião foi severa. Os judeus cativos ou eram
mortos ou escravizados. A Judéia foi abolida, tornando-se a província
da Síria-Palestina. A cidade de Jerusalém transformou-se numa colônia romana da qual todos os
judeus foram excluídos. No monte do Templo ergueram-se santuários ao
imperador divino, Adriano, e a Zeus, o pai de todos os deuses.
No entanto, nessa ocasião havia em Jerusalém outros sítios sagrados para outra religião que
Rufo, o legado romano, percebeu que deveria cauterizar pela sobreposição
de templos pagãos. Num terreno que um século antes fora usado para execuções públicas e sobre
um túmulo contíguo, ele construiu templos a Júpiter, Juno e Vênus,
a deusa do amor. Tais sítios não tinham a menor importância para os judeus, mas eram sagrados
para os seguidores de Jesus de Nazaré, ou Jesus Cristo, outro reivindicante
ao título de Messias.
No curso dos vinte séculos decorridos desde sua vida e morte, Jesus Cristo tem permanecido
uma figura controversa, hoje quanto no passado. A doutrina tradicional
da maioria das Igrejas cristãs é de que sua vinda foi prenunciada pelos profetas da nação, mais
especificamente por seu primo, um pregador popular chamado João Batista,
e de que ele foi milagrosamente
29
OS TEMPLÁRIOS
concebido no ventre de uma virgem, nasceu num estábulo na cidade de Belérp, pregou na Galiléia
e na Judéia e realizou vários milagres espetaculares, a começar pela
transformação da água em vinho num casamento em Caná. Epttre esses milagres houve muitos
casos de cura de enfermos, mas Jesus tarrlbém demonstrou ter poderes sobre
a natureza ao caminhar sobre as ágqas e acalmar tempestades. A exemplo de seu precursor João
Batista, ele chamou o homem ao arrependimento e advertiu-o do julgamento
e castigo eterno para os que morressem em pecado.
Em contraposição à brutalidade que o rodeava na Palestina sob ocupação romana, Jesus
louvava a brandura e a simplicidade: abençoava os pobres e oá mansos
e dizia que aspirava à inocência de uma criança. Os valores que incentivava eram contrários aos
que ele chamou de "o mundo" - a cultura do egoísmo e do comodismo.
Não deveríamos lutar por riqueza, poder e ascedsãO social, mas ocupar à mesa o lugar menos
importante. Não deveríamos toRiar represálias contra ações da justiça,
mas, esbofeteados, deveríamos "oferecer a outra face". Não se tratava simplesmente de uma
questão de passividade: ao ódio de um inimigo devia-se responder com amor.
Jesus ins1 ti
idas vezes que a virtude não residia nas cerimônias externas do
's lu repet ti[,? praticado pelos judeus, mas dependia de nossa disposição interna nossos
sentimentos e devaneios, bem como nossos atos.
Essa denegrição do ritual e da cerimônia religiosa, junto com a pretensãp de Jesus de ser o
Messias e Filho de Deus, de perdoar pecados e de personificar
o único meio de alcançar a vida eterna, era considerada blasfema e sediciosa pelos líderes judeus os escribas fariseus e os anciãos saduceus - que conseguiram
convencer o procurador romano Pôncio Pilatos a crucifie,ir Jesus. Após sua morte, desceram-no da
cruz e sepultaram-no num túmI,,lo próximo, mas três dias mais tarde,
de acordo com seus discípulos, ele ressuscitou dos mortos.
Mesmo deste ponto afastado no tempo, e caso seja considerada como passagem de obra de
ficção, a pessoa de Jesus, conforme retratada nos Evangelhos, causa
uma forte irrpressão no leitor. Ao contrário dos livros do Velho Testamento, que demonstram a
majestade de Deus por meio da "complexida~le da vida, das emoções e
desejos além do alcance do intelecto e da linguagem", os Evangelhos são narrativas frugais
virtualmente destituídas de caracterização que, não obstante, nos persuadem
de que "foi assim e não de outra forma que as coisas se passaram".'6 Para o crítico literário Gabriel
Josipo~ici, Jesus se parece "corri uma força, um furacão que
arrasta o que encontrapela frente e obriga todos aqueles que cruzam seu caminho a reconsiderar,
completamente suas vidas. Ele tem acesso, menos a um segredo de sabedo¢a
do que a uma fonte de poder". Jesus fala com extraordinária convicção
O NOVO TEMPLO
e autoridade, mas reivindica para si o que seria de esperar de um lunático. Porém, como G. K.
Chesterton assinalou, "ele era exatamente o que o homem em delírio
nunca é: um bom juiz. O que dizia era sempre inesperado, mas sempre inesperadamente
magnânimo e muitas vezes inesperadamente moderado"."
Até que ponto essas descrições de Jesus são historicamente acuradas? Os esforços para se
chegar a um ponto de vista objetivo são com freqüência dificultados
por preconceitos contra ou a favor da religião cristã. O estudioso da Bíblia E. P Sandersjulga que é
possível chegar ao cerne do fato histórico.
Sabemos que ele começou sob João Batista, que teve discípulos, que esperava o "reino", que foi
da Galiléia para Jerusalém, que praticou algo hostil contra o Templo,
que foi julgado e crucificado. Em última análise, sabemos que após sua morte seus seguidores
vivenciaram o que descreveram como a "ressurreição": a aparição de uma
pessoa viva mas transmudada que de fato morrera. Eles acreditaram nisso, vivenciaram isso e
morreram por isso.'$
Verificou-se que essa fé em Jesus dos que o conheceram era contagiosa. "Seja qual for a
importância afinal atribuída ao título `o Cristo"', escreve Geza
Vermes em Jesus theJew (Jesus, o Judeu), "pelo menos um fato é certo:
aidentificação de Jesus, não apenas com um Messias, mas com o esperado Messias do judaísmo,
relacionava-se com o âmago, com a essência da fase inicial da religião
cristã."'9 Contudo, esse messias não era um rei belicoso que conduziria os judeus ao triunfo e à
supremacia neste mundo, mas algo muito mais profundo e paradoxal:
um bode expiatório sacrificial que, através do seu sofrimento, confundiria Satã e venceria a morte.
Os prenúncios mais explícitos sobre esse salvador, tão diferente do que a maioria dos judeus
esperava, encontram-se nas profecias que Isaías fez no Templo
em 740 a.C. Em sua visão Deus afirma: "Eis o meu servo que eu sustenho, o meu eleito, em quem
tenho prazer". Deus fará dele a "luz das nações, a fim de que a minha
salvação chegue até às extremidades da terra"; todavia, ele será "desprezado e abandonado pelos
homens, um homem sujeito à dor, familiarizado com a enfermidade,
como uma pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos caso nenhum dele.
E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as
nossas dores que ele carregava".'o
Também nos Salmos encontramos o tipo de lamento que se repete muitos séculos mais tarde
no sofrimento de Cristo antes da crucificação: "tornei-me um ultraje
para eles, os que me vêem meneiam a cabeça."z' E os tros autores dos Evangelhos chamam a atenção, de forma bastante
para os episódios na vida de Cristo que satisfazem os vaticír•'
OS TEMPLÁRIOS
João salienta que, quando após Cristo ter sido crucificado os soldados romanos repartem as vestes
dele entre si e lançam dados para ver com quem ficará a túnica,
que não tinha costura, isso cumpre o versículo 19 do Salmo 22: "repartem entre si as minhas
vestes, e sobre a minha túnica tiram sorte". Alguns estudiosos céticos
de hoje acreditam que os fatos foram acrescentados após o episódio, a fim de condizerem com as
profecias, e que, por exemplo o nascimento de Jesus de Nazaré foi
situado em Belém, e não em Nazaré, porque isso fora vaticinado pelo profeta Miquéias. O
historiador Robin Lane Fox, apesar da distância no tempo, confia o suficiente
em suas próprias pesquisas para decidir que o"relato de Lucas é historicamente impossível e
internamente incoerente (...). Por conseguinte, é falso"."
Será que podemos descobrir alguma coisa a respeito de Jesus de outras fontes além dos
Evangelhos? As únicas referências a ele feitas por um quase contemporâneo
seu encontram-se nas Antiguidades Judaicas, de Josefo, e numa versão de sua História da Guerra
dos Judeus, provavelmente escrita em aramaico por um círculo de leitores
judeus que viviam do outro lado do Eufrates. Essas passagens são controversas: uma teoria afirma
que elas foram extraídas de uma edição grega publicada em Roma,
a fim de não despertarem o antagonismo do imperador Domiciano, que na época estava
perseguindo os cristãos; de acordo com outra teoria, trata-se de interpolações
forjadas muitos anos mais tarde por monges bizantinos. Todavia, uma controversa passagem nas
Antiguidades Judaicas é citada na mais antiga história da Igreja cristã,
escrita por Eusébio no século IV E mesmo que não seja provável que tenham sido acrescentadas
por cristãos, as passagens em A Guerra dos Judeus discorrem tanto sobre
João Batista quanto sobre Jesus. João é "uma criatura estranha, em nada se parece com um
homem". Seu rosto é "como o de um selvagem". "Ele vivia como um espírito
desencarnado (...) usava pêlos de animais nas partes de seu corpo não cobertas por seus próprios
pêlos."
Josefo relatou que Jesus era notável por seus milagres: "ele fez milagres tão maravilhosos e
assombrosos que, pelo que me toca, não posso considerá-lo um
homem; todavia, em virtude de sua semelhança conosco, não posso considerá-lo um anjo (...)".
Josefo descreve como
Muitas das pessoas comuns iam em bandos atrás dele e seguiam seus ensinamentos. Havia uma
onda de ansiosa expectativa de que ele capacitara as tribos judias a livrar-se
do jugo romano. (...) Quando viram que ele era capaz de fazer o que quisesse usando a palavra,
disseram-lhe que queriam que ele entrasse na
cidade, destruísse as tropas romanas e fizesse de si mesmo rei; mas ele não lhes
deu atenção .23
O NOVO TEMPLO
De acordo com Josefo, os líderes judeus influenciaram o governador romano da Judéia, Pôncio
Pilatos, a consentir que crucificassem Jesus por sentirem inveja de sua
popularidade. Ele também descreve como, no exato momento da execução de Cristo, o véu do
Templo "subitamente rasgou-se de cima a baixo"; e; na sua prolixa descrição
do Templo, menciona uma inscrição afirmando que "Jesus, o rei que nunca reinou, foi crucificado
pelos judeus porque predisse o fim da cidade e a completa destruição
do Templo",z4
Encontramos a mesma profecia nos Evangelhos. "Como alguns estavam dizendo a respeito do
Templo que era ornado de belas pedras e de ofertas votivas, ele [Jesus]
disse: `Estais contemplando essas coisas... Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra sem ser
demolida!""' No Evangelho de João, Jesus sugere com mais audácia
que o Templo, após a destruição, subsistirá nele. "Destruí este templo, e em três dias eu o
levantarei", uma afirmação que foi considerada blasfema e mais tarde
fez parte da acusação contra ele. "Este homem declarou: Posso destruir o Templo de Deus e
edificá-lo depois de três dias."
Mais uma vez, existem teorias conflitantes a respeito das predições de Cristo de que não
apenas o Templo, mas também Jerusalém seriam destruídos. Os cristãos
pensam que isso explica por que a incipiente comunidade cristã em Jerusalém mudou-se para Pela
antes de os romanos sitiarem a cidade. Os céticos sugerem que essas
"profecias" eram acrescentadas pelos evangelistas após o evento. O que está claro, contudo, é que
os cristãos primitivos consideravam a destruição do Templo em Jerusalém
tanto como parte essencial da nova aliança entre Deus e o homem quanto como punição de Deus
pelo repúdio dos judeus a seu Filho unigênito. Após a passagem que citei
atrás, que descreve uma mãe devorando seu próprio bebê durante o cerco de Jerusalém, Eusébio,
o primeiro cronista cristão, acrescenta:
Essa foi a recompensa pelo tratamento iníquo e cruel dispensado pelos judeus
ao Cristo de Deus. (...) Depois da paixão do Salvador, e dos gritos com que a
turba de judeus clamava pela suspensão da pena do bandido e homicida [Bar
rabás], e rogava que o Autor da Vida fosse morto, sucedeu desgraça a toda a
nação.zH
Da perspectiva do século XX, que assistiu a uma tentativa de exterminar o povo judeu mais
implacável e sistemática do que a empreendida no tempo de Vespasiano
e Adriano, é difícil não perceber esse julgamento como uma das fontes do anti-semitismo no estilo
dos próprios Evangelhos. São Mateus, por exemplo, exprime o protesto
de Pôncio Pilatos: "Estou inocente desse sangue. A responsabilidade é vossa". A isso todo o povo
respondeu:
33
OS TEMPLÁRIOS
"O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos".29 Mas até onde se pode julgar, isso não
significou uma condenação dos judeus, como raça, do tipo que encontramos
no culto da limpiesa de sangre' na Espanha, no século XVI, ou nas teorias raciais de um Houston
Stewart Chamberlain" no século XIX. Notavelmente, ao que parece,
o preconceito racial nu e cru inexistia tanto na Antiguidade como na Idade Média. Afinal de
contas, os discípulos de Cristo, os apóstolos e os evangelistas eram
todos judeus.
A hostilidade que surgiu entre os judeus e os cristãos não era de ordem racial, mas religiosa,
e, em virtude das contradições intrínsecas, é difícil saber
como poderia ter sido evitada. A destruição do Templo, que Cristo predisse, foi mais do que um
fato concreto: foi uma metáfora para a morte do judaísmo. Deus havia
escolhido o povo judeu como uma crisálida para o Messias: uma vez que ele nascera, ela tinha
servido a seus propósitos.
A julgar pelos Evangelhos, é bastante evidente que isso foi entendido pelos líderes judeus no
Sinédrio naquela época. Independentemente de seu temor de que
Cristo provocasse os romanos ter sido sincero ou não (devido à relutância de Pilatos de se
envolver, provavelmente não foi), sua inquietação com a crescente popularidade
de Cristo parece sensata, em virtude da importância dos ensinamentos dele.
Talvez eles tenham sido otimistas demais ao acreditarem que tais ensinamentos morreriam
com ele; mas se era isso mesmo o que pensavam, então não foi desarrazoado
o fato de o sumo sacerdote Caifás ter decidido que "é de vosso interesse que um só homem morra
pelo povo e não pereça a nação toda".3°
No entanto, as reivindicações de Cristo não morreram com ele, vindo a ser aceitas por um
crescente número de judeus. Deixando de lado as questões de se Cristo
ressuscitou dos mortos ou não, ou de se um "espírito santo" desceu sobre o resto de seus
seguidores sob a forma de línguas de fogo, não resta dúvida de que a crucificação
de Jesus de Nazaré não dissuadiu seus discípulos de pregar abertamente que ele era "não só
Senhor, mas também Cristo".
Na Espanha dos séculos XVI e XVII, a questão da descendência cristã pura tornou-se de capital
importância, e isso significava pertencer a uma família cuja genealogia
ou representantes vivos não exibissem o menor traço de "cristãos-novos" de origem judia. Assim,
a categoria de limpieza de sangre ("pureza de sangue") tornou-se
o padrão para se estabelecer um "bom nome" (honra). (N. do T)
Houscon Scewarc Chamberlain (1855-1927), autor de obras anti-semíticas, proclamava a
superioridade do povo alemão, e suas idéias de pureza racial exerceram grande
influência sobre as teorias racistas de Hitler. (N. do T)
34
O NOVO TEMPLO
Outrossim, está claro que os líderes judeus fizeram o possível para reprimir esse nascente
movimento de judeus sediciosos. Pedro foi preso e Estêvão, apedrejado
até a morte. Herodes Agripa I, neto de Herodes, o Grande, decapitou o apóstolo Tiago, irmão de
João. Apenas os poderes reservados pelo procurador romano inibiram
uma perseguição irrestrita; mas em 62 d.C., durante o breve interregno entre a morte de Pórcio
Festo e a chegada de Lucéio Albino, o sumo sacerdote Anan condenou
um segundo apóstolo chamado Tiago, conhecido como "o irmão do Senhor", a ser lançado da
muralha do Templo e morto a pauladas.
A verdadeira bête noire dos líderes judeus, contudo, não foi um dos doze apóstolos originais
de Cristo, mas Paulo de Tarso, um homem que não conhecera Jesus
e era zeloso na perseguição aos cristãos, até que, a caminho de Damasco com mandados de prisão
de cristãos assinados pelo sumo sacerdote, Jesus apareceu-lhe numa
visão e designou-o como seu "instrumento de escol para levar o meu nome diante das nações
pagãs, dos reis, e dos filhos de Israel".3" Não se tratava apenas do fato
de Paulo ser um apóstata, mas de ele ter levado o repúdio ao judaísmo um passo adiante,
insistindo num ponto que de modo nenhum estava claro para os primeiros apóstolos
de Crista - a saber, que se poderia ser cristão sem se tornar primeiro judeu.
A controvérsia acerca de Paulo continua até hoje. A ele se atribui a invençâo do cristianismo elevando "um exorcista galileu" à condição de fundador de
uma religião universal.3z Todavia, a animosidade dos líderes judeus da época era causada pelo
extraordinário êxito por ele alcançado em suas viagens de evangelização
pelo Império Romano. As cartas que Paulo escreveu àqueles que ele convertera em cidades como
Éfeso, Corinto e Roma
revelam grande respeito pela tradição judaica, mas uma insistência inflexível em que a Lei mosaica
é agora redundante, em que somente podemos ser salvos pela fé
em Cristo.
Esse repúdio radical à raison d'êLre dos judeus contrariou muitos dos judeus entre seus
companheiros cristãos e não foi aceito de imediato pela Igreja primitiva.
Também foi usado contra Paulo pelos líderes judeus, que o
levaram à presença de Galião, procônsul da Acaia, acusando-o de "persuadir os outros a adorarem
a Deus de maneira contrária à Lei". Com uma exasperação semelhante
à de Pilatos, Galião recusou-se a considerar as acusações:
"Se se tratasse de um delito ou ato perverso, ó judeus, com razão eu vos atenderia. Mas se são
questões de palavras, de nomes, e da própria vossa
Lei, tratai vós mesmos disso! Juiz dessas coisas eu não quero ser 11.33
Ao regressar a Jerusalém, Paulo foi preso outra vez e conduzido diante
do Sinédrio, mas, reivindicando seus direitos como cidadão romano, foi posto sob a proteção de
Lísias, um tribuno romano. Ao perceber que não pode-
35
OS TEMPLÁRIOS
ria livrar-se dele por meios legais, um grupo de judeus planejou assassiná-lo; mas o complô chegou
ao conhecimento de Lísias, que enviou Paulo para Cesaréia escoltado
por setenta soldados de cavalaria e duzentos de infantaria. Aí ele compareceu perante o legado
Félix junto com seus acusadores: o sumo sacerdote Ananias com alguns
dos anciãos e um advogado chamado Tertulo, que o acusou de criar problemas "entre todos os
judeus do mundo inteiro" e de ser "um dos da linha-de-frente da seita
dos nazareus". Paulo invocou seu direito de, como cidadão romano, apelar a César, e portanto
Félix o mandou para Roma como prisioneiro.
Segundo a tradição cristã, Paulo foi finalmente decapitado em Roma, não em conseqüência das
acusações feitas pelos líderes judeus, mas como vítima da primeira perseguição
aos cristãos empreendida pelos romanos pagãos sob Nero, no ano 67 d.C. Para o historiador
romano Cornélio Tácito, esse primeiro ataque aos cristãos não foi o produto
de um plano de ação ponderado do governo imperial, mas um capricho de Nero. Após o incêndio
que em julho de 64 destruíra grande parte da cidade de Roma, Nero conseguiu
livrar-se da suspeita de que ele próprio fora responsável pelo incêndio, atribuindo a culpa aos
adeptos dessa incômoda seita. À execução inicial dos suspeitos seguiu-se
a prisão em massa de cristãos, que foram condenados à morte de várias formas requintadas:
homens foram crucificados, ou besuntados dé resina e queimados, ou envoltos
em peles de animais para serem dilacerados e devorados por cães.
Embora Tácito julgasse que a crueldade de Nero fora longe demais, e de, fato suscitara a
compaixão dos cidadãos, ele não tinha dúvida de que os cris.tãos
mereciam "punição rigorosa e exemplar" devido ao seu "ódio à humani.dade". Seu desprezo pelo
mundo material, sua recusa em portar armas otl em participar de quaisquer
rituais pagãos mais ou menos importantes que= faziam parte da vida em Roma, as reuniões
secretas e as cerimônias obscuras nas quais eles "comiam" seu deus, e sobretudo
sua certeza de que seus semelhantes pagãos estavam destinados a eterno tormento enquanto
eles herdariam bem-aventurança eterna, tudo isso exerceu nos romanos um
efeitP semelhante ao do distanciamento dos judeus.
O número de judeus, contudo, era conhecido, e eles eram vistos como uma nação, não como
uma seita. Assim que a rebelião na Palestina foi sufocada, os privilégios
especiais de que antes gozavam os judeus - o direito de praticar o culto nas sinagogas, de
circuncisar seus filhos varões e de descansar no Shabat- foram restaurados.
A exclusividade dos cristãos, por outro lado, foi considerada não só ofensiva, mas também
sediciosa, e, por esse mcltivo, durante os dois séculos e meio seguintes eles foram periodicamente re--
O NOVO TEMPLO
primidos. "Seja qual for o princípio de sua conduta", escreveu Plínio, o Moço, "sua obstinação
inflexível parecia merecer punição." 35 Em conseqüência, na condição
de funcionário do governo imperial, Plínio, cujas obras o mostram como um homem bondoso,
refinado e magnânimo, pediu a execução daqueles que professavam a religião
cristã.
"Quanto mais nos dizimam, mais crescemos", escreveu Tertuliano, autor cristão do século II, "a
semente é o sangue dos cristãos." Conquanto houvesse decerto alguns
apóstatas que, diante da escolha entre serem estraçalhados por leões e tigres na arena e
espargirem um punhado de incenso no altar em honra de Zeus, escolheram a
segunda opção, a sistemática perseguição aos cristãos não impediu o crescimento da Igreja. Longe
de evitarem o martírio, muitos deles o aceitaram como uma imitação
do sofrimento de Cristo. Ao ser preso, Inácio, o terceiro bispo de Antioquia, proibiu seus
seguidores de fazerem o que quer que fosse para salvá-lo e implorou aos
romanos que o lançassem aos leões. "Incitai as feras a tornar-se meu sepulcro, sem deixarem
sobras de mim." Policarpo, bispo de Esmirna, foi mais judicioso mas igualmente
inflexível quando lhe deram o direito de escolher entre cultuar César e ser queimado vivo. "O fogo
queima por uma hora e se extingue rapidamente", disse ele ao governador
romano Tito Quadrato, "mas vós nada sabeis do fogo do Julgamento vindouro e do castigo eterno
reservado aos iníquos." Ato contínuo Quadrato pronunciou a sentença,
e "as turbas apressaram-se a buscar troncos de madeira e feixes de lenha em oficinas e banhos
públicos, e como sempre os judeus participaram com mais entusiasmo
do que qualquer outra pessoa",36
Essas atrocidades repetiram-se em todos os rincões do Império. Na Frísia (na Ásia Menor),
uma cidadezinha foi cercada por legionários
que em seguida a incendiaram, destruindo-a por completo, junto coma população inteira homens, mulheres e crianças -, quando esta invocou Deus Todo-Poderoso. E
por quê? Porque todos os habitantes da cidade sem exceção-o próprio prefeito e os magistrados,
bem como os funcionários públicos e toda a população-declararam-se
cristãos e recusaram-se terminantemente a obedecer à ordem de praticar idolatria.;
A perseguição foi particularmente impiedosa em duas cidades romanas às margens do rio Ródano:
Vienne e Lyon. Primeiro servos pagãos foram induzidos a acusar seus
amos cristãos de orgias incestuosas e canibalescas, a fim de incitarem o povo contra eles; em
seguida, as mortes mais atrozes foram Infligidas àqueles que não abjuraram
Cristo para cultuar deuses pagãos. Não só os líderes da comunidade, como o bispo Potino, mas
também os indivíduos
OS TEMPLÁRIOS
mais humildes foram torturados. Em Vienne, uma criada, Blandina, talvez um tanto feia ("através
dela Cristo provou que as coisas que os homens julgam insignificantes,
desgraciosas e desprezíveis são consideradas por Deus dignas de grande glória"), era tão
resistente que "aqueles que se revezaram para submetê-la a toda a sorte
de torturas, do amanhecer ao anoitecer, ficaram exaustos devido a seus esforços e confessaramse derrotados - eles não conseguiam pensarem mais nada para fazer a
ela". "Depois dos chicotes, das feras, da grelha, ela afinal foi colocada num cesto e arremessada
contra um touro. »3s
No século XIX Friedrich Nietzsche denegriu o cristianismo por ter recorrido a servos como
Blandina e, acima de tudo, ao enorme número de escravos, para quem
a garantia de igualdade espiritual compensava sua falta de valor como cidadãos. Contudo, o
cristianismo não se limitou às pessoas sem educação: estendeu-se às famílias
de senadores e até mesmo dos próprios imperadores. Filósofos e eruditos formidáveis, como
Justino, Orígenes, Tertuliano e Clemente de Alexandria, não apenas adotaram
o cristianismo, mas em seus próprios escritos aprofundaram a compreensão do credo cristão pela
Igreja. Orígenes escoimou as escrituras dos Evangelhos apócrifos e
firmou a autenticidade do Novo Testamento conforme o conhecemos hoje. Apolônio, descrito por
Eusébio como "um dos mais ilustres cristãos de seu tempo pela erudição
e conhecimentos de filosofia", teve uma audiência perante o Senado rornano, que no entanto o
condenou a ser decapitado, porque nenhum outro veredicto era possível
sob o estatuto: "A existência de um cristão é ilegal".
Antes de sua prisão, Apolônio refutara com vigor a heresia de um certo Montano, que negou
que a Igreja tivesse autoridade para absolver os pecados graves
dos penitentes. Essa heresia foi apenas uma entre muitas que haveriam de atormentar a Igreja
cristã desde seus primórdios e através de sua história. O próprio apóstolo
Pedro havia advertido que "Houve, contudo, também falsos profetas no seio do povo, como
haverá entre vós falsos mestres, os quais trarão heresias perniciosas (...
) ";39 e Paulo de Tarso condenou os gnósticos e os docetas em sua Epístola aos Colossenses. Inácio
de Antioquia usou a palavra herege como um termo de acrimoniosa
censura. Tertuliano, que por ironia mais tarde juntou-se aos montanistas, definiu um herege como
alguém que coloca seu próprio julgamento acima do da Igreja, quer
fundando uma seita, quer unindo-se a alguém que, em seus ensinamentos, se desvia das doutrinas
que os apóstolos receberam de Cristo.
A fim de refutarem falsos ensinamentos, os sucessores dos apóstolos realizaram concílios - o
primeiro em Jerusalém em 51 d.C., outro na Ásia Menor cinqüenta
anos mais tarde. Cada um desses "bispos" também possuía autoridade no seio de sua própria
comunidade, sendo os mais preemi-
O NOVO TEMPLO
nentes os das cidades mais importantes do Império, tais como Jerusalém, Antioquia, Alexandria e
Roma, os quais eram os patriarcas da religião nascente. O primeiro
entre seus pares no meio desses bispos e patriarcas surgiu na figura do sucessor de Pedro, o líder
dos apóstolos, que havia presidido a comunidade cristã em Roma.
Clemente, que se supõe tenha sido sagrado bispo por Pedro, escreveu no ano 96 a fim de resolver
uma disputa na Igreja de Corinto. Vítor, bispo de Roma em fins do
século II, estabeleceu a data para a celebração da Páscoa e excomungou um mercador de couro
chamado Teodato, que pregava que Jesus tinha sido um mero homem.
Vítor também é o primeiro bispo de quem se tem notícia que entrou em negociações com a
família do imperador: ele forneceu a Márcia, a amante cristã do imperador
Cômodo, uma relação de cristãos condenados às minas da Sardenha e conseguiu sua libertação.
Cômodo, filho de Marco Aurélio, apesar de ser um regente insatisfatório,
tolerava os cristãos por causa da influência de Márcia. A perseguição prosseguiu sob seu sucessor,
Sétimo Severo. Era esporádica, dependendo do ponto de vista do
imperador que estivesse no poder: alguns dos mais sagazes e esclarecidos, como os imperadores
antoninos e Marco Aurélio, foram inclementes na repressão aos cristãos.
A perseguição tornou-se acerba no tempo dos imperadores Maximiano, Décio e sobretudo
Diocleciano, que em 303 empreendeu o que veio a ser chamado "A Grande Perseguição",
que só terminou quando Diocleciano abdicou e retirou-se para seu palácio em Split, na costa da
Dalmácia.
Por julgar que o Império Romano era grande demais para ser governado por um só homem, antes
de se retirar Diocleciano nomeou quatro para uma junta de governadores,
ou tetrarquia, um dos quais Constâncio Cloro, a quem coube o quadrante norte do Império, que
incluía a Bretanha e a Gália. Quando Diocleciano abdicou em 305, Cloro
tornou-se o principal César no Ocidente, mas morreu um ano depois em York. Seu filho
Constantino foi proclamado imperador pelas legiões da Bretanha e, após uma série
de vitórias sobre pretendentes rivais, estabeleceu seu governo sobre todo o Império.
Constantino acreditava que havia chegado ao poder com a ajuda do Deus dos cristãos. Às
vésperas da crucial batalha contra o imperador rival Maxêncio na Ponte
Mílvio, junto dos muros de Roma, fora-lhe dito num sonho (ou possivelmente numa visão) que
pintasse um monograma cristão nos escudos de seus soldados com as palavras:
"Inhocsigno vintes" ("Com este sinal vencerás"). A perseguição havia abrandado nas províncias
ocidentais durante o governo de Cloro, seu pai, e agora cessara por
completo em todo O Império. De acordo com o Edito de Milão, de 313, todos os decretos penais
OS TEMPLÁRIOS
contra os cristãos foram revogados; os prisioneiros cristãos foram postos em liberdade e sua
propriedade restaurada. Mas a política de Constantino para com os cristãos
foi além da tolerância. Bispos converteram-se em seus conselheiros e receberam permissão para
usar o serviço postal do Império, um
privilégio inestimável numa época em que as viagens por terra eram perigosas e caras. Uma lei de
333 determinava que os funcionários do Império acatassem as decisões
dos bispos e acolhessem seu testemunho acima de outros depoimentos. Constantino doou a
propriedade imperial de Latrão ao bispo de Roma para a construção da basílica
e promulgou leis concedendo ao clero cristão privilégios fiscais e imunidades legais, "pois quando
eles são livres para prestar serviços supremos à Divindade, é
evidente que prestam grande benefício aos negócios de Estado". Ele apreciava a companhia de
bispos cristãos, chamava-os de irmãos, recebia-os na corte e, caso tivessem
sido flagelados e mutilados em perseguições passadas, beijava-lhes as cicatrizes
com reverência.
Como Herodes, Constantino também passou por tragédias em seu círculo familiar próximo.
Fausta, sua segunda esposa, acusou Crispo, filho dele com a primeira
esposa, de fazer-lhe propostas indecorosas. Crispo foi executado antes que Helena pudesse provar
ao imperador que as acusações eram falsas. Fausta foi então asfixiada
num banho quente demais,
Na esteira dessa tragédia, Helena - convertida ao cristianismo por Constantino - partiu numa
viagem penitencial à Palestina. Aí Constantino havia ordenado
a demolição dos templos e a construção de igrejas no local do nascimento de Cristo, em Belém, e
em outros sítios, como o da sua crucificação, em Jerusalém, e o túmulo
de onde ele ressuscitara dos mortos. Durante as escavações, descobriu-se o madeiro de uma cruz
com a inscrição "Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus". Se se tratava ou
não do que se acreditava ser, ou de uma mentira que impingiram a uma velha crédula, o madeiro
foi aceito por Helena e cristãos fiéis como a suprema relíquia de sua
Salvação e, em virtude de seu significado, foi colocado na igreja construída sobre o Santo Sepulcro
em Jerusalém.
A conversão de Constantino foi de momentosa importância para o cristianismo. De igual
importância para o futuro do Império foi sua decisão de transferir a capital
de Roma para Bizâncio, às margens do Bósforo. Tornara-se claro por algum tempo que Roma
estava muito mal situada como centro estratégico de um Estado cujas fronteiras
mais vulneráveis e províncias mais prósperas estavam situadas no Oriente. Os imperadores
haviam se tor-
nado antes de tudo comandantes militares, que para seu poder ou legitimi-
O NOVO TEMPLO
dade já não dependiam nem do Senado nem do povo de Roma. Bizâncio, com sua estratégica
posição entre a Europa e a Ásia, entre o mar Negro e o Mediterrâneo, e com
seu porto natural, conhecido como Como de Ouro, adequava-se com perfeição a esse papel.
Dentro de três semanas após sua vitória sobre Licínio, um de seus rivais,
nas proximidades de Crisópolis, em 324, Constantino assentou as fundações dessa "nova Roma". A
cidade, que já fora ampliada por um de seus predecessores, Sétimo
Severo, triplicou em tamanho e foi dotada de magníficas obras públicas, tais como o Hipódromo,
iniciado no tempo de Severo, um palácio imperial, casas de banho e
edifícios públicos, e de ruas adornadas com numerosas estátuas provenientes de outras cidades.
Cidadania plena e pão de graça eram oferecidos como estímulo a quem
se estabelecesse na cidade, e havia uma política de tolerância para com pagãos e judeus.
Rebatizada com o nome de Constantinopla em homenagem a seu fundador, a cidade
transformou-se num centro da religião que ele protegia. Várias grandes igrejas
foram construídas pelo imperador, e em 381 a cidade tornou-se a sede de um patriarca, que se
juntou aos de Roma, Antioquia, Alexandria e mais tarde Jerusalém. Constantino
solicitou que muitos dos primeiros concílios da Igreja se reunissem em Constantinopla ou em
cidades próximas, como Nicéia e Calcedônia.
A supremacia do cristianismo ainda não estava assegurada. Durante o reinado de Juliano, sobrinho
de Constantino que mais tarde veio a ser conhecido como "o Apóstata",
o paganismo foi restabelecido e a Igreja submetida a uma forma de perseguição renovada. Digno
de nota é o fato de uma das medidas iniciadas por Juliano para opor-se
aos cristãos, a quem ele cha-
mava de "os galileus", ter sido a reconstrução do Templo em Jerusalém; calamidades naturais
(consideradas como intervenções milagrosas pelos
cristãos) dificultaram o projeto, e ele foi abandonado por causa da morte do imperador em 363.
Juliano foi o último dos imperadores pagãos. Sob seu sucessor, Joviano, a igreja recuperou a
posição privilegiada de que gozara no tempo de Constan-
tlno e tornou-se tão intolerante para com o paganismo quanto este tinha sido para com o
cristianismo. Antes, sob Constâncio, filho de Constantino, os templos pagãos
tinham sido fechados e os sacrifícios aos deuses pagãos
proibidos sob pena de morte. Agora a proibição era absoluta, e as cerimônias pagãs continuaram
apenas secretamente, com freqüência à guisa de orgias ou de comemorações
sazonais. Os templos antigos foram abandonados e entraram em decadência ou foram destruídos.
OS TEMPLÁRIOS
A mesma intolerância foi demonstrada com os judeus. Por terem participado da perseguição
aos cristãos pelos pagãos e acolhido com prazer a contra-reforma
de Juliano, o Apóstata, eles eram agora objeto de opressão pelos estatutos imperiais e de
hostilidade por parte de turbas cristãs. O imperador Teodósio, um dos últimos
a governar um império indiviso, promulgou um decreto em 380 prescrevendo o Credo de Nicéia
como vínculo de todos os súditos. Isso se dirigia tanto contra cristãos
heréticos quanto contra os pagãos e os judeus, mas encorajou excessos entre zelotes cristãos. Em
388, em Calínico, às margens do rio Eufrates, a sinagoga foi completamente
destruída por um incêndio provocado por uma chusma cristã. Teodósio ordenou sua reconstrução
a expensas dos cristãos, mas foi persuadido por Ambrósio, arcebispo
de Milão, a revogar a ordem. "O que é mais importante?" perguntou o prelado ao imperador. "A
ostentação de disciplina ou a causa da religião?"4° Outra demonstração
do tipo de poder agora exercido pelos bispos ocorreu dois anos mais tarde, quando um massacre
punitivo em Tessalonica ordenado por Teodósio foi condenado por um
concílio da Igreja por instigação de Ambrósio, e o imperador só pôde voltar a comungar após
penitência pública.
Ambrósio mostra como, enquanto Roma se tornou cristã, o cristianismo se tornou romano,
adotando um sistema de administração e um corpo de leis como os do
Império e empregando o mesmo pessoal. Ambrósio era filho de um prefeito romano e membro da
classe senatorial. Fora educado em Roma e contratado como funcionário
público do Império, exercendo por volta de 371 o cargo de governador das províncias da Emília e
da Ligúria, cuja sede administrativa era em Milão. Intervindo em
sua condição oficial numa acirrada eleição episcopal em 373, foi inesperadamente escolhido por
aclamação popular para ser bispo. Embora sua família fosse cristã,
ele ainda não havia sido batizado. Foi admitido na Igreja em 24 de novembro e ordenado padre e
consagrado bispo em 1° de dezembro.
Foram os sermões de Ambrósio, feitos em Milão, que persuadiram um jovem professor de retórica
da cidade, Agostinho, a tornar-se cristão. Filho de pai pagão e mãe
cristã, ambos de origem berbere, Agostinho vivera no Norte da África até mudar-se para Milão. As
características marcantes de sua juventude foram a curiosidade intelectual
e a licença sexual. Antes sectário do maniqueísmo, a crença de que Deus e o Demônio são poderes
iguais, sendo Deus o criador do espírito e o Demônio da matéria,
e mais tarde neoplatônico, Agostinho foi persuadido por Ambrósio da verdade da doutrina cristã.
Mas ele era ambicioso e tinha uma forte pulsão sexual. Abandonou
sua amante de longa data, de quem tivera um filho, pela perspectiva de um casa-
O NOVO TEMPLO
mento vantajoso; e enquanto aguardava que sua futura noiva atingisse a maioridade, teve
romances com várias outras mulheres. Seu amor pelas mulheres tinha sido sempre
um obstáculo à sua conversão. Na adolescência ele havia rezado a Deus: "Concede-me castidade e
continência, mas não
". Ele receara que Deus talvez atendesse à sua prece depressa demais
"que tu me curasses rápido demais da minha doença da concupiscência, que eu preferia antes
satisfazer do que suprimir"." Agostinho tinha agora pouco mais
de rinta anos, e seus "antigos amores" impediam-no de se converter. Ele se encontrava num
estado de indecisão imobilizadora, até que uma tarde, no jardim de sua
hospedaria, ouviu uma voz etérea ("talvez fosse de um menino ou de uma menina") entoando
"toma e lê, toma e lê". Abriu ao acaso um livro das epístolas de Paulo de
Tarso, e seus olhos pousaram na Epístola aos Romanos: "Como de dia, andemos decentemente;
não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas
e ciúmes. Mas vesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne".az
Agostinho foi batizado por Ambrósio em 387 e regressou para o Norte da África, onde se
tornou padre. A princípio viveu numa comunidade retirada, mas depois
de cinco anos foi feito bispo de Hipona. Passou os trinta e cinco anos restantes de sua vida
cumprindo suas obrigações como bispo diocesano e escrevendo obras de
suma importância para o futuro da Igreja. Como veremos quando discorrermos sobre a fundação
dos Templários, foi a regra estabelecida por Agostinho para sua comunidade
de cristãos que a ordem inicialmente adotou; e foi a teoria de Agostinho de uma guerra justa que
se usou para defender as cruzadas.
Há dois outros desenvolvimentos notáveis no tempo de Ambrósio e Agostinho que vieram a
moldar a Europa na Idade Média. O primeiro foi a divisão do Império Romano
em dois. A metade oriental tornou-se o Império Bizan-
tino e com passar do tempo substituiu o uso do latim pelo do grego. A metade ocidental foi
governada nacionalmente de Roma, mas, de vez em quando, de Milão ou de
Ravena. A linha demarcatória era o mar Adriático e uma linha através da atual Iugoslávia que
permanece problemática até hoje.
Ambos os impérios estavam constantemente em guerra com as tribos e Povos além de suas
fronteiras: na Ásia, os persas; na Europa, no outro lado do Danúbio
e do Reno, as tribos bárbaras dos sármatas, ostrogodos, visigodos, francos, burgúndios, alamanos,
quados, vândalos, e atrás deles a feroz tribo d°s hunos, que das
estepes fora empurrada para a frente por razões desconhecidas.
agora
OS TEMPLÁRIOS
A linha não podia ser mantida, mas o que veio a ser descrito como a "Queda" do Império
Romano não foi a única derrota dramática ou mesmo uma seqüência de
derrotas dos exércitos imperiais seguidas de uma colonização sistemática pelos vencedores
bárbaros. "Essas invasões não foram ataques permanentes e destrutivos,
e muito menos campanhas de conquista organizadas. Foram antes uma `corrida do ouro' de
imigrantes de países subdesenvolvidos do Norte para as ricas terras do Mediterrâneo.
1141
Algumas tribos, como os francos e os alamanos, já tinham obtido permissão para se
estabelecer dentro das fronteiras do Império, no Nordeste da Gália; e os
ostrogodos e os visigodos, impelidos para oeste pelos hunos, foram autorizados a se mudar para a
Trácia. Os chamados "bárbaros" acabaram sendo recrutados pelo exército
romano e chegaram até a comandá-lo. Estilicão, um meio-vândalo, casou-se com a sobrinha do
imperador Teodósio e assumiu o controle do Império após a morte deste.
Mas esses eram tempos de violência, confusão e desordem, quando hordas temíveis e
freqüentemente famintas vagueavam pela Europa em busca de segurança e alimento.
Em 406, os vândalos e os suevos, seguidos pelos burgúndios e pelos alamanos, fugiram do avanço
dos hunos por sobre a superfície congelada do rio Reno e penetraram
na Gália. Em 407, os romanos retiraram suas legiões da Bretanha, deixando aos próprios b.retões a
defesa contra os pictos e os escotos no norte, e contra ataques
piratas na costa leste por anglos, saxões e jutos. Em 410, Alarico e seus visigodos capturaram e
saquearam Roma, em seguida voltaram para o norte, ao longo da costa
do Mediterrâneo, fixando-se no Sudoeste da França e posteriormente na Espanha. Em 429,
oitenta mil vândalos moveram-se impetuosamente pela Espanha e cruzaram o estreito
de Gibraltar, alcançando as províncias romanas do Norte da África. Agostinho morreu em 430,
durante o cerco deles a sua Hipona.
Foram feitas tentativas, em particular pelo general romano Aécio, de estabelecer um pouco
de ordem na solução da questão relacionada com as tribos bárbaras.
Houve alguns triunfos transitórios: Aécio venceu uma tropa huna sob o comando de Átila, a qual
então rumou para o sul, em direção à Itália, saqueando cidades na
planície do Pó, e só não atacou Roma porque o papa havia pago tributo. Mas, após a morte de
Aécio, os imperadores romanos do Ocidente não passavam de chefes nominais,
estando o verdadeiro poder concentrado nas mãos de chefes de tribos germânicas. Um desses
chefes, Odoacro, depôs o último imperador, Rômulo Augústulo, e governou
a Itália como rei bárbaro. Conceitualmente, ele o fez como regente do imperador do Oriente em
Constantinopla, mas na verdade o Império Romano do Ocidente, como entidade
política distinta, havia chegado ao fim.
44
O NOVO TEMPLO
Todavia, isso não significou "o desaparecimento de uma civilização: foi cão-somente a falência
de um aparato de governo que já não poderia ser sustentado".``''
Os bárbaros, que continuaram a ser minorias nas terras que conquistaram, não se opunham ao
Império, e a idéia de destruí-lo nunca lhes passou pela cabeça: "a concepção
de que o Império era universal demais, augusto demais, duradouro demais. Estava em toda a
parte ao redor deles, e eles não conseguiam lembrar-se de nenhuma época
em que não tivesse sido assim".''SA organização social e as tradições culturais do Império Romano
sobreviveram à extinção da administração centralizada única nos
condados, à medida que ducados e reinos começaram a tomar forma: o principado ostrogodo na
Itália; um Estado visigodo na Espanha e na Gália até o Loire; e mais ao
norte o reino dos francos sólios. Antes do fim do século V, os francos, sob seu rei Clóvis, haviam se
transformado na potência dominante ao norte dos Alpes. Após
a derrota dos alamanos e dos visigodos, o domínio franco estabeleceu-se entre o Reno e os
Pireneus. Por volta de 498, Clóvis tornou-se cristão junto com todos os
seus barões - conta-se que ele teria testemunhado um milagre no túmulo de Maninho de Tours.
O batismo de Clóvis, a exemplo da conversão de Constantino, foi de momentosa importância para
o futuro da Igreja cristã. Contudo, os dotes que cada parte agora trouxe
para essa união entre o secular e o espiritual eram muito diferentes do que tinham sido século e
meio antes. Clóvis não era o chefe de governo de um Estado imenso
e bem administrado, mas o líder de uma horda de lutadores ferozes e sem educação. Ele não
podia conceder aos bispos, como Constantino fizera, pródigas dotações,
privilégios fiscais e os emolumentos de funcionários civis graduados. Tudo o que ele podia
oferecer eram as almas de seu povo selvagem e o compromisso de proteger
a Igreja universal ou "Católica".
Por outro lado, a Igreja tinha muito a oferecer ao chefe bárbaro, pois possuía uma
organização intacta, à qual a do Estado romano servira de modelo. No topo
da hierarquia estava o patriarca do Ocidente, o bispo de Roma, agora chamado papa (do grego
pappas, ou "pai"), com cardeais como chefes de departamento de sua administração.
Abaixo dele, no que restara das maiores cidades do arruinado Império, estavam os arcebispos; e
na maioria das cidades de alguma importância, um bispo com um corpo
de diáconos e padres letrados. A Igreja era portanto rica, pois recebera de imperadores cristãos
generosas doações de propriedades rurais; por conseguinte, após
o colapso do comércio e da legalidade, tinha condições de prover tanto O bern_estar material
quanto moral aos povos sob seus cuidados. Com o colapso das instituições
políticas e administrativas do mundo romano, o
OS TEMPLÁRIOS
episcopado tornou-se a única força moral e, graças ao seu patrimônio imobiliário, o único recurso
econômico que restara para o povo. O bispo substituía o Estado
como provedor de serviços públicos, fornecendo alimentos aos pobres, resgatando prisioneiros e
cuidando do bem-estar dos presos. Hospícios', hospitais, orfanatos
e até estalagens eram anexos de igrejas e mosteiros.
A Igreja assumiu mais do que as funções do extinto Império: era o Império Romano na mente
do povo. Ser romano era ser cristão; ser cristão era ser romano.
Depois de Justiniano, "o mundo mediterrâneo passou a considerar a si mesmo não mais como
uma sociedade na qual o cristianismo era apenas a religião dominante, mas
uma sociedade totalmente cristã. Os pagãos desapareceram nas classes mais elevadas, e mesmo
no campo (...) o não-cristão constatava que era um fora-da-lei num Estado
unificado"."
Num sentido real e consciente, os bispos da Igreja Católica assumiram as responsabilidades da
classe senatorial romana: essa foi "a hipótese básica por trás
da retórica e do cerimonial do papado medieval 11.41 Desde os primórdios da Igreja cristã, o bispo
de Roma vinha reivindicando ascendência em questões espirituais
não apenas como patriarca do Ocidente, mas como o sucessor de Pedro, a quem o próprio Cristo
dera as chaves do reino do céu e o poder de "ligar e desligar", isto
é, de determinar o que era verdadeiro e o que era falso; e na época das invasões bárbaras, a
jurisdição romana era aceita em todas as dioceses do Império do Ocidente.
Agora, à supremacia espiritual do papa, na ausência de um imperador, foi acrescida a autoridade
de primeiro magistrado da cidade de Roma.
Mesmo que por algum tempo a cidade tivesse estado em declínio, ela continuava, de longe, a
maior e a mais populosa cidade do Ocidente. Alguns dos majestosos
edifícios e esplêndidos monumentos tinham sido desmantelados por seus habitantes para serem
usados como material de construção, mas ainda restava muito de seu glorioso
passado. Seu povo era conservador; as antigas famílias senatoriais ainda eram preeminentes; e as
influências pagãs continuavam fortes. Quando Alarico e seus visigodos
ameaçaram atacar a cidade em 408, o prefeito e o Senado propuseram sacrifícios aos deuses
pagãos.
Suas invocações fracassaram, e o mesmo aconteceu com a iniciativa diplomática do papa
Inocêncio I. Os visigodos, sob o comando de Alarico, capturaram e pilharam
Roma. Contudo, quase cinqüenta anos mais tarde, o papa Leão I foi a Mântua, onde Átila, o líder
dos hunos, conseguiu convencê-lo a permanecer longe de Roma. Em 455,
ele encontrou Gaiserico, líder dos vândalos, fora dos muros da cidade; e embora suas tentativas
de evitar
Casas de hospedagem para viajantes, dirigidas por uma ordem religiosa. (N. do T)
46
O NOVO TEMPLO
que pilhassem a cidade tivessem malogrado, a seu pedido eles desistiram de fazer mal à
população.
Mais de um século depois, outro papa, Gregório, o qual, a exemplo de Leão, veio a receber o
título de "o Grande", enfrentou uma invasão lombarda e tornou-se
ele próprio responsável pelo bem-estar dos cidadãos de Roma. Oriundo de uma família abastada e
aristocrática, e parente de dois papas anteriores, Gregório não apenas
fez uso de seus próprios recursos para mitigar o sofrimento dos pobres, como também nomeou
reitores para elevar ao máximo as receitas provenientes do "patrimônio
de São Pedro" - grandes propriedades espalhadas por toda a Europa que pertenciam ao papado.
Em 593, quando o rei lombardo Agilulf sitiou a cidade, Gregório assumiu
o comando das tropas e convenceu os lombardos a partir.
Na ausência de qualquer autoridade secular efetiva, Gregório tornou-se governante de facto
da Itália. Recrutou tropas, nomeou generais e celebrou tratados,
mas isso não foi percebido como um afastamento radical da tradição. "Ao tempo de Gregório, a
distinção mais tarde feita entre questões espirituais e seculares não
estava clara: os homens nunca haviam pensado num divórcio entre a autoridade política e uma
base religiosa. '141 Ele se empenhou com igual zelo em obter o bem-estar
da Igreja, impondo o celibato ao clero e um rígido código para a eleição de bispos. Era tolerante
com os judeus: em 599, ordenou reparação após a profanação de uma
sinagoga em Caraglio, no norte da Itália, e repreendeu os bispos de Aries e Marselha por
permitirem o batismo compulsório de judeus em suas dioceses. Como seu antecessor
Leão, insistiu na autoridade universal do bispo de Roma, combateu a heresia, e diz-se que a visão
de anglos louros pagãos sendo vendidos como escravos em Roma induziu-o
a enviar Agostinho e um grupo de quarenta monges beneditinos para pregarem o Evangelho em
sua terra natal.
Gregório, o Grande, foi o primeiro papa que era monge, e o crescimento do ri onasticismo é o
segundo progresso na história da Igreja cristã que influencia nossa
compreensão dos templários. A palavra "monge" procede do grego monos e significa "sozinho" ou
"solitário". Não foi usada pelos cristãos até o século IV porque até
meados do século III os monges cristãos eram desconhecidos. A Igreja primitiva era encontrada
sobretudo nas cidades e, a julgar pelos Atos dos Apóstolos, seus membros
mantinham seus bens em comum. "Nós partilhamos tudo", escreveu Tertuliano, "menos nossas
esposas."
Todavia, nem todos os homens e mulheres entre os cristãos primitivos se casavam. Desde o
começo a virgindade era considerada como um sinal de dedicação total
a Deus. Paulo de Tarso, a quem se atribui a pecha de não olhar as mulheres com bons olhos,
julgava que era bom se casar, mas melhor
47
OS TEMPLÁRIOS
permanecer celibatário: ele esperava um iminente fim do mundo e, portanto, via o casamento
como uma distração despropositada. Também salientou que aqueles que eram
casados tinham de considerar o bem-estar de seus cônjuges, ao passo que os solteiros podiam
dedicar-se integralmente a Deus. Uma leitura imparcial de suas epístolas
sugere que ele não era nem puritano nem misógino, conforme costuma ser retratado. No que se
refere às relações sexuais, ele recomendava a maridos e mulheres que
dessem um ao Nutro aquilo que por direito lhes cabia esperar. Apesar de a princípio prescrever
que os viúvos não deveriam contrair novas núpcias, mais tarde mudou
radicalmente de opinião, afirmando que é melhor casar-se do que viver atormentado pelo desejo
sexual ("é melhor casar-se do que ficar abrasado").
Contudo, parece certo que Paulo e os cristãos primitivos consideravam o casamento um
obstáculo à perfeição. O apreço pelo celibato, embora possivelmente
encontrado nas seitas essênias, foi um desvio da doutrina judaica de que homens e mulheres
deveriam obedecer à ordem de Deus no Li'ro do Gênesis: "Sede fecundos,
multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a"; mas veio do conselho do próprio Cristo quando ele
louvou "eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus",
acrescentando: "Quem tiv-,r capacidade para compreender, compreenda".49ISSO levou a um
culto da virgindade na Igreja primitiva que algumas vezes foi longe demais:
no século, III o jovem Orígenes foi censurado por ter interpretado ao pé da letra o que Jesus
dissera, infligindo-se uma automutilação que mais tarde ele veio a
lamentar.
Em sua história, Eusébio descreve com aprovação como jovens cristãs, durante os períodos de
perseguição, preferiram a morte à desonra. Dominina e suas duas
filhas "em plena flor de seu encanto juvenil", aprisionadas por serem cristãs e enviadas sob escolta
para Antioquia, "após terem viajadp metade do percurso (...)
recatadamente pediram aos guardas que as desculpassem por um momento e atiraram-se no rio
que corria ali perto".So
O cânon dos santos tem muitas dessas "virgens e mártires" desse período, mas ainda não
existiam freiras ou monges. Viver como cristão e estar pronto para
morrer por suas crenças era considerado o bastante. Somente após a conversão de Constantino e
a transformação da Igreja de uma seita perseguida numa instituição
rica e privilegiada é que se t)rnou vantajoso ser cristão e possível praticar essa religião com um
mínimo de, zelo. Entre a maioria dos cristãos, os padrões de piedade
declinaram, mas p--rmaneceu um pequeno número que conservava o espírito fervoroso da igreja
primitiva e tentava fugir das preocupações políticas e materiais do mundo.
A riqueza crescente da Igreja parecia contradizer a recomendação de Cristo ao jovem rico: "Vende
tudo que tens e distribui aos pobres". E a seguir: "Como é difícil
aos que têm riquezas entrar no Reino de Deus".5'
48
O NOVO TEMO
Os primeiros exemplos de cristãos que aceitaram as palavras de Cristo são encontrados no
Alto Egito - primeiro Paulo, que aos quinze anos, para escapar da
perseguição no tempo do imperador Décio, foi viver numa caverna perto de uma palmeira e de
uma fonte. Ele aí permaneceu pelos próximos noventa anos sem companhia
de nenhum outro ser humano, até ser encontrado por outro eremita, Antônio, pouco antes de sua
morte. Antônio, um rapaz de Hieracômpolis, também no Alto Egito, após
a morte de seus pais em cerca de 273, tomou providências para a educação da irmã, em seguida
vendeu todos os seus bens restantes e deu o produto da venda aos pobres.
Ele também foi morar numa caverna no deserto próximo, vivendo a pão e água, que consumia
uma vez ao dia. Vários admiradores juntaram-se a ele, que afinal fundou
dois mosteiros, para os quais formulou uma regra de vida. Sua fama era tamanha, que o
imperador Constantino pediu-lhe quf orasse por ele, ao passo que Atanásio,
bispo de Alexandria, escreveu un relato de sua vida.
O exemplo de Antônio foi contagiante. As décadas que se seguiram à sua morte
testemunharam um verdadeiro êxodo para o deserto de homens que procuravam aproximar-se
de Deus, vivendo sozinhos em lugares remotos, em cavernas, cabanas improvisadas ou edifícios
abandonados, comendo apenas o suficiente para a mera sobrevivência,
infligindo severas penitências a si mesmos e devotando sua vida de vigília à oração. A princípio,
esses eremitas reuniam-se apenas para assistir à missa e receber
conselhos de eremitas mais velhos; mas em seguida foram criadas comunidades que aceitavam a
direção de um líder ou "pai" escolhido. Pacômio, que viveu de 286 a 346
d.C., chefiou um grupo que acrescentou o voto de obediência à pobreza e à castidade e redigiu um
código penal para transgressões. Ele é considerado o primeiro abade,
palavra oriunda de abba, o equivalente hebraico de "pai°°,
O exemplo dos eremitas egípcios foi seguido na Síria e na Palestina. Na Síria, alguns
acorrentavam a si mesmos às paredes rochosas de suas cavernas ou viviam
ao ar livre, sem nenhuma proteção contra as forças da natureza. Sua reputação de santidade
atraía multidões de seguidores à procura de orações e conselhos. A fim
de evitá-los, refugiavam-se ainda mais no deserto; Simeão, o Estiliza, por exemplo, passou a viver
numa plataforma no alto de uma coluna de dezoito metros de altura,
de onde se podiam ouvir não os desvarios de um fanático, mas palavras sensatas e de
solidariedade. O imperador Marciano visitou-o incógnito, e sob influência de
Simeão a imperatriz Eudóxia deixou de apoiar os heréticos monofisitas e retornou ao credo
ortodoxo.
OS TEMPLÁRIOS
Jerônimo, um erudito romano que traduziu a Bíblia para o latim e trabalhou como secretário
do papa Dâmaso, viveu entre os eremitas no deserto a leste de
Antioquia. Basílio, oriundo de uma família rica e ilustre da Capadócia, na Ásia Menor, viajou pelo
Egito, pela Síria e pela Palestina a fim de visitar as numerosas
comunidades antes de regressar e fundar seu próprio mosteiro na propriedade de sua família em
Annesi, às margens do rio Íris, perto de uma comunidade de freiras
fundada por sua irmã Macrina. Ele rejeitou as proezas individuais dos eremitas em favor de uma
vida comunal em que a oração era mesclada com trabalho físico e obras
de caridade: um orfanato e uma oficina para os desempregados eram anexos a seu mosteiro.
Embora não tenha escrito nenhuma regra, Basílio é considerado o fundador
do monaquismo na Igreja do Oriente.
O movimento monástico propagou-se para o Ocidente. João Cassiano, monge primeiro em
Belém e mais tarde no Egito, foi enviado pelo patriarca de Constantinopla
numa missão a Roma e depois permaneceu no Ocidente, estabelecendo-se em Marselha. Ele
fundou dois mosteiros, um deles na Ìle des Lérins, e escreveu duas obras sobre
a vida monástica, Institutos e Conferências, que foram usadas pelo pai do monaquismo no
Ocidente, Bento de Núrsia, na formulação de sua regra.
Como vimos, Agostinho de Hipona pensava que a conversão sincera ao cristianismo levava
inevitavelmente a alguma forma de vida monástica, mas foi chamado
da reclusão monástica para ajudar a administrar a Igreja. O mesmo se deu com Martinho de Tours,
filho de um oficial do exército romano e ele próprio um soldado que,
embora tivesse nascido na Hungria, estava estacionado em Amiens, no norte da França, onde,
após dar metade de seu manto a um mendigo, teve uma visão na qual ele
cobria os ombros de Cristo. Após deixar o exército por volta de 355/6, Martinho viveu por algum
tempo como eremita, primeiro numa ilha da costa italiana e depois
numa pequena comunidade de eremitas perto de Poitiers.
Sua santidade e os milagres que lhe foram atribuídos fizeram com que fosse eleito bispo de
Tours. Foi consagrado em 4 de julho de 371, a despeito das objeções
de alguns outros bispos e da nobreza local de que ele não era fidalgo e parecia "desprezível, com
roupas sujas e cabelos em desalinho". Mesmo como bispo, viveu uma
espécie de vida de eremita num mosteiro que fundara fora de Tours. Era diligente na repressão do
paganismo, destruindo santuários e derrubando árvores sagradas.
Os poderes milagrosos que lhe eram atribuídos continuaram após sua morte e, como vimos,
supostamente levaram à conversão de Clóvis. Martinho foi o primeiro cristão
que morrera de morte natural a inspirar o culto a um santo.
O NOVO TEMPLO
Contudo, entre os bispos, Martinho era a exceção, e não a regra, e o progressivo
envolvimento do clero regular em assuntos seculares nos últimos anos do
Império Romano, associado à selvageria que prevaleceu após o colapso do Império no Ocidente,
levou aquelas pessoas de índole bondosa e pia a criar numerosas pequenas
comunidades isoladas do mundo
com nenhum interesse fora de seus muros, a não ser o de ajudar o próximo e os viajantes,
material e espiritualmente. Mesmo no interior dos muros não havia trabalho
específico. Os monges a princípio não eram nem sacerdotes nem eruditos, e não havia elaboração
de cântico ou ritual. Eles viviam juntos para servir a Deus e salvar
suas almas.5z
Esse pluralismo monástico sofreu uma transformação pela influência de Bento de Núrsia, a figura
mais importante no estabelecimento do monaquismo na Europa Ocidental.
Ele nasceu por volta do ano 480 numa família da pequena nobreza que vivia ao sul de Roma e nos
montes Sabinos. Enviado a Roma para ser educado, ficou tão estarrecido'com
a dissipação dos romanos que abandonou a cidade e viveu como eremita numa caverna na
encosta de uma montanha em Subiaco. Pouco depois vieram juntar-se a ele outros
rapazes que queriam partilhar seu modo de vida. Em algum momento entre 520 e 530, em
conseqüência de uma intriga, abandonou a comunidade em Subiaco com um grupo
de prosélitos e mudou-se para Cassino, onde, depois de demolir um templo a Apolo que
encontrara no cume de uma montanha, fundou o mosteiro de Monte Cassino.
Foi aí que ele escreveu sua regra, um código de conduta para seus monges que veio a
estabelecer o modelo da fé religiosa na Europa Ocidental pelos seiscentos
anos seguintes. Ao compô-la, Bento lançou mão das experiências de Basílio e das obras de João
Cassiano; mas o teor da obra reflete a extraordinária personalidade
de Bento. Em sua sensatez, ela baseia-se na herança romana do autor; em seu fervor, na intensa
fé que ele possuía. A regra demonstra uma judiciosa apreciação da
realidade da vida numa comunidade e uma verdadeira compreensão das forças e fraquezas
inerentes à natureza humana. O abade, escolhido pela comunidade, estava investido
de absoluta autoridade, mas ao exercê-la ele tinha a obrigação de "harmonizar todas as coisas de
modo que os fortes ainda possam ter algo por que ansiar, e os fracos
não tenham de recuar com temor". Os regulamentos para a vida diária determinavam o que os
monges deviam comer e beber e o que deviam usar. Seu hábito era preto,
e o material poderia variar a critério do abade, de acordo com o clima e a estação do ano.
OS TEMPLÁRIOS
A dieta dos monges era pobre: Bento insistia numa perpétua abstinênâa de carne e
estabelecia períodos de rigoroso jejum. Os monges tinham de cntoar o ofício
divino-orações e salmos-em determinados momentos do lia e da noite e, quando não estavam
orando, ou à mesa, ou na cama, tinham le passar o tempo estudando, pregando
e sobretudo executando algum tipo le trabalho braçal. Laborare est orares Trabalhar é orar. Os
monges trabalha•am nos campos, o que tornava cada mosteiro auto-suficiente,
e no escritó-
io, copiando textos em velino, não só os livros da Bíblia, mas também as abras de autores
clássicos. Todo mosteiro tinha de possuir uma biblioteca, e cada monge
devia ter uma pena e tabuinhas para escrever.
Bento viveu em tempos sombrios. Os godos haviam estabelecido um
eivo na Itália e lutavam para defendê-lo das forças de Justiniano, imperador lo Ocidente,
comandadas pelo grande general Belisário. Em 546, ano anteior à morte de
Bento, os godos capturaram Roma e deixaram-na em ruínas: a cidade foi completamente
abandonada por quarenta dias. Foi retomada por lelisário, sucumbiu de novo aos
godos, e sua libertação final pelo exército de ustiniano causou uma devastação tão grande que
Gibbon a considerou "a iltima calamidade do povo romano". Durante a
vida de Bento, a Itália tinha lassado do crepúsculo do mundo antigo para a escuridão da Idade das
Treus; mas naquela obscuridade os mosteiros beneditinos da Europa
Ocidenal "tornaram-se centros de luz e vida (...) preservando e mais tarde difun(indo o que
permanecera da cukura e espiritualidade antigas".53 Com o pasar do tempo,
eles tornaram-se parte essencial não só da cultura, mas ambém da economia européia, porque,
enquanto reinos eram guerreados e randes Estados se dissolviam, os mosteiros
freqüentemente continuavam atactos.
Antes de morrer, diz-se que Bento enviou um de seus monges, chamado
Mauro, para fundar um mosteiro em Glanfeuil, nas proximidades de Angers, ia França. Mosteiros
beneditinos agora cresciam perto dos estabelecimenos do missionário
celta Columbano existentes em Annegray, Luxeuil e
lontaine, nos Vosgos, que, junto com a Abadia de Bobbio, na Itália, também Lindada por
Columbano, abandonaram por fim o código rigoroso e inflexível lue Columbano
trouxera de Bangor, na Irlanda, em favor da regra mais Iranda de São Bento.
Como vimos, em 596 o papa Gregório I, que também era monge benediino, enviou Agostinho, prior da Abadia de Santo André, em Roma, com qua
enta de seus irmãos beneditinos, numa missão a Ethelbert, o rei pagão de
lent. Em 633, os beneditinos foram para a Espanha. Na Inglaterra, os missio
ários beneditinos entraram em contato com católicos celtas que haviam
ido afastados de Roma devido às invasões bárbaras. Em 664, no Sínodo de
O NOVO TEMPLO
Whitby, eles retornaram ao redil romano. Seguiu-se uma onda de entusiasmo religioso no norte
da Inglaterra. Benedict Biscop, companheiro de combate do rei Oswy da
Nortúmbria, abandonou a carreira militar para tornar-se padre e, após visitar Roma e tornar-se
monge na Ìle des Lérins, regressou à Inglaterra em 669 para fundar
mosteiros em Jarrow e Wearmouth. Em 690, um beneditino inglês, Willibrord, também da
Nortúmbria, embarcou com destino ao que são hoje os Países Baixos a fim de pregar
aos frísios pagãos. Acompanhou-o Bonifácio, outro beneditino inglês, desta vez de Devon, o qual
pregou o Evangelho às tribos pagãs da Alemanha. Foi morto por frísios
pagãos e enterrado no mosteiro por ele fundado em Fulda, no Hesse.
As façanhas desses missionários beneditinos foram asseguradas pelos estabelecimentos
monásticos que se seguiram na esteira deles. Nos dois séculos após a
morte de Bento de Núrsia, estes passaram radicalmente de refúgios remotos para comunidades
de eremitas a grandes complexos que administravam extensas propriedades.
Em regiões como a Borgonha e a Baviera, os mosteiros tornaram-se importantes centros cívicos e
eram muitas vezes alçados a sés episcopais, nas quais tanto a autoridade
política quanto a espiritual estavam combinadas no monge-bispo. Principados tais como Colônia,
Mogúncia e Würzburgo viriam a ser governados por seus bispos até serem
secularizados por Napoleão em 1802.
Os pagãos também tiveram seus mártires, e em certos casos era difícil distinguir conversão de
conquista. Após a conversão de Clóvis, os francos tornaram-se
os paladinos da Igreja, e esta, o patrono dos francos. Nessa altura ocorrera uma fusão entre os
galo-romanos e seus conquistadores francos. Casamentos mistos tinham
se tornado freqüentes, e era cada vez maior o número de "romanos" que haviam trocado seus
nomes romanos por outros francos. Por volta do século VII tinha surgido
uma aristocracia "francesa", descrita pelo historiador Ferdinand Lot como "uma classe turbulenta,
beli-
cosa e ignorante, que desdenhava as coisas do espírito, incapaz de mostrar-se à altura de qualquer
noção política séria, e fundamentalmente egoísta e indisciplinada
11.54
Em contraposição à sagacidade e à dedicação dos funcionários do Império da Antiguidade,
essa nova classe dominante buscava apenas seu próprio enaltecimento
e era indiferente ao bem público. Com o colapso do comércio, a terra era a única fonte de riqueza
e, portanto, sua propriedade a única
base de poder. Havia costumes, mas nenhuma lei que pudesse impor limites aos poderes dos reis.
O barbarismo dos francos, descrito com certo vigor pelo cronista Gregório
de Tours, alcançou seu nadir sob os sucessores merovíngios de Clóvis, quando, escreve Ferdinand
Lot, "o rei enlameava-se na libertinagem e seus cortesãos o imitavam.
Na segunda metade do século VII e no
OS TEMPLÁRIOS
século VIII era ainda pior: o soberano era literalmente um degenerado cheio de vícios que morria
jovem, vítima de seus próprios excessos".`
Devido à mediocridade desses monarcas merovíngios, o verdadeiro poder passou para as
mãos dos primeiros-ministros dos reis, conhecidos como "prefeitos do
palácio", mais notavelmente Carlos Martel. Seu filho, Pepino, o Breve, foi encorajado pelo papa
Zacarias a depor o último rei merovíngio, Childerico III, e foi coroado
rei dos francos em Soissons, em novembro de 751, por Bonifácio, o missionário de Devon, agora
arcebispo e legado pontifício.
Esse pacto entre o papado de um lado e os reis francos de outro permaneceria em vigor pelos
próximos quinhentos anos. Os mosteiros também foram beneficiados
com a aliança. A classe baronial vivia vidas mergulhadas em violência, traição e luxúria; todavia,
eles implicitamente acreditavam na doutrina cristã e, receosos
da danação, dotavam comunidades de monges, cujas orações e austeridade redimiriam seus
pecados. O mesmo sentimento levou bispos, comprometidos por seu envolvimento
no mundo secular, a fundar mosteiros em suas dioceses e assegurar-lhes privilégios e isenções. "A
partir do século VII não havia um único nobre ou bispo que não
quisesse assegurar a salvação de sua alma por meio de uma fundação desse tipo."56 Abadias
como a de Saint Germain-des-Prés, nos arredores de Paris, tinham se tornado
enormemente ricas ao fim do período merovíngio.
E assim como os guerreiros francos faziam uso das orações dos monges, os monges tiravam o
máximo proveito da bravura dos guerreiros. As guerras movidas pelos
francos contra os saxões a leste do Elba no século VIII não visavam apenas a proteger sua fronteira
e exigir tributo, mas "como guerras de cristãos contra bárbaros
que eram também pagãos, elas tinham desde o início um matiz religioso".5' A resistência dos
saxões não só aos francos mas também ao cristianismo era mais recalcitrante
do que se pensara a princípio, e duras medidas foram tomadas para persuadi-los das vantagens da
submissão e da conversão. Agora pela primeira vez entramos numa era
"na qual mosteiros são fortalezas, e o batismo, o símbolo da submissão". 18 Em 782, os francos
massacraram quatro mil e quinhentos prisioneiros saxões e deportaram
ou escravizaram o resto. Três anos mais tarde, o rei saxão Widukind rendeu-se e foi batizado,
acontecimento celebrado pelo papa com três dias de ação de graças.
-O rei franco que ordenou esse massacre foi Carlos, neto de Pepino, o Breve, que, como os
papas Leão e Gregório, veio a ser agraciado com o título de "o
Grande". Com ele, o pacto entre os reis dos francos e os papas de Roma atingiu sua realização
mais plena. No ano 800, Carlos, um prodígio de piedade, coragem e erudição,
e agora senhor da maior parte da Europa, chegou a
O NOVO TEMPLO
Roma à frente de seu exército, onde foi recebido com cerimônia e reverência por Leão III, que
havia ascendido ao trono papal cinco anos antes.
Durante os trezentos e vinte e quatro anos anteriores, nenhum imperador havia reinado em
Roma; agora julgava-se que em Bizâncio o trono estivesse vago, porque
a atual beneficiada, a imperatriz Irene, havia deposto e cegado seu filho, Constantino VI, e, ainda
mais importante, era mulher. No dia de Natal, Carlos foi assistir
à missa na basílica construída sobre o túmulo do apóstolo Pedro, usando as vestes e as sandálias
brancas de um patrício romano. Quando a leitura do Evangelho chegou
ao fim, o papa Leão levantou-se do trono, aproximou-se do chefe franco, que estava ajoelhado, e
depositou a coroa imperial em sua cabeça. Da assembléia de fiéis
romanos e francos que se comprimiam na basílica elevou-se um clamoroso grito: "A Carlos
Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador, vida longa e vitória!"
O sumo pontífice curvou-se em obediência ao novo César. "A partir daquele momento", escreve
Sir James Bryce, "teve início a história moderna."s9
OS TEMPLÁRIOS
No decurso de apenas alguns anos Maomé firmou sua autoridade em Mediria, e nesse caso
em conseqüência dos ataques de surpresa que organizou e mais tarde
liderou contra as caravanas dos mercadores de Meca. A princípio, tais ataques eram apenas
escaramuças em pequena escala: em abril de 623, um grupo de sessenta muçulmanos
interceptou uma caravana que se dirigia da Síria a Meca. Um deles disparou algumas flechas
contra a escolta, o primeiro ato de agressão em nome do Islã. No ano seguinte,
uma força de oitocentos homens de Meca investiu contra Maomé, mas foi derrotada na batalha
de Badr, que deixou um saldo de quarenta e cinco mortos e setenta prisioneiros.
Essa vitória fez sua autoridade e prestígio aumentarem. Quer sua vitória, como Maomé acreditava,
tenha sido uma prova da graça de Deus, quer não, ela convenceu alguns
dos que não haviam participado da batalha a aceitar o islamismo. Ao mesmo tempo, Maomé
estabeleceu vínculos com as tribos autóctones de Mediria, casando-se com várias
mulheres.
Dois dos homens capturados em Badr eram poetas: a suprema conquista cultural dos árabes
nômades desse período eram suas epopéias orais, relatos das bravas
façanhas de seus heróis recitados sob as estrelas. A desventura desses dois poetas foi o fato de
terem escrito versos criticando Maomé: um dissera que suas próprias
histórias eram tão boas quanto as do Alcorão. Ambos foram executados por ordem de Maomé. O
clã judeu dos qorayzah sofreu grave punição por ter conspirado contra
Maomé - os homens foram executados, e as mulheres e as crianças, vendidas como escravas. Mais
tarde, na medida em que os judeus abandonaram sua oposição ao islamismo,
Maomé permitiu que vivessem em Mediria sem serem molestados.
Em 630, Meca finalmente capitulou. Maomé, com dez mil seguidores, foi admitido no templo
sagrado, a Caaba, e a veneração da pedra negra foi a única concessão
que ele fez às antigas crenças dos árabes.ó3Todos os demais ídolos pagãos foram destruídos.
Conquanto nem todos os habitantes de Meca tivessem adotado o islamismo,
dois mil alistaram-se no exército que ele comandou contra uma coalizão de nômades hostis e,
quando ela foi derrotada, repartiram a presa entre si. As tribos da Arábia
estavam agora unidas sob Maomé e sujeitas à disciplina do islamismo; mas, uma vez que isso
implicava que eles não poderiam mais lucrar com a pilhagem uns dos outros,
foram forçados a procurar saques e conversos em outros lugares.
Em 630, Maomé seguiu para o norte à frente de trinta mil guerreiros, a fim de assegurar a
submissão dos governantes de Eilat, Adhruh e Jarba, na fronteira
com a Síria. Ele percebeu que "para seu contínuo bem-estar, o Estado islâmico tem de encontrar
rumo ao norte um meio para dar vazão à energia dos árabes"6" e que
isso significava desafiar o Império
O TEMPLO RIVAL
Bizantino. Regressou à Arábia, onde morreu em 632, após liderar uma peregrinação a Meca.
Como podemos explicar o poder de atração de Maomé? Ao contrário de Jesus, ele não fez
milagres. A visão que teve no ano 620, na qual cavalgava um corcel celestial,
el-Buruq, com o anjo Gabriel, até o monte do Templo, em Jerusalém, para encontrar Abraão,
Moisés e Jesus, e daí ascendia ao trono de Deus passando pelos sete céus,
essa visão é comparável ao relato da transfiguração de Cristo e foi uma das razões por que
Jerusalém se tornou uma cidade sagrada para o islamismo; mas ela "parece
ter sido uma experiência pessoal para o próprio Maomé, porque não continha nenhuma revelação
que pudesse ser incluída no Alcorão".6'
Pode-se dizer que o êxito de Maomé não resultou do exercício de um poder sobrenatural
sobre a natureza, mas de seu sagaz apelo ao egoísmo material e espiritual
dos árabes de seu tempo. Maomé prometeu o paraíso àqueles que morressem em batalha e
pilhagem aos que não o fizessem. Quando suas forças atingiram uma massa crítica,
passou a ser vantajoso para outras tribos juntar-se a elas; e seu monoteísmo singelo era fácil de
compreender. A autoridade do Profeta não apenas pôs fim à incessante
rixa entre as tribos, como também conferiu um senso de identidade aos árabes, como aquele que
os abissínios, os persas, os cristãos bizantinos e os judeus já possuíam.
O islamismo era uma religião árabe, e não, como as outras fés disponíveis, algo que viera de fora.
A estabilidade política causada pelo islamismo era útil para todos: mesmo os judeus e os
cristãos, "os Povos do Livro", podiam obter a proteção do Profeta
pelo pagamento de um imposto. Para eles, contudo, o credo do Islã era menos atraente. Os judeus
desdenhavam o uso de sua escritura por Maomé e achavam a improvisação
do anjo Gabriel um absurdo que dispensava explicação. Inicialmente, Maomé dissera a seus
seguidores que orassem voltados para Jerusalém; mais tarde, depois da rejeição
de sua mensagem pelos judeus, ele os acusou de falsificar a escritura, a fim de ocultar que a Caaba
havia sido de fato construída por Abraão, e instruiu os muçulmanos
a orar voltados para Meca. Para Maomé, "o Islã era a religião de Abraão ressuscitada impoluta e
que fora abandonada pelos judeus".66
Os cristãos também julgavam impossível dar crédito a revelações que reescreviam a história
de forma tão arbitrária e ingênua. A mais ofensiva de todas era
a insistência de Maomé em que Jesus não era o filho de Deus; na verdade, era uma blasfêmia
sugerir que Deus iria dignar-se de aparecer sob forma humana. Isso não
significava que ele desprezasse Cristo por considerá-lo uma fraude: antes pelo contrário, ele era
um profeta como Abraão e
OS TEMPLÁRIOS
Moisés, e Maria, sua mãe, uma virgem. E porque Deus amava tanto o filho de Maria, sua
crucificação tinha sido uma ilusão: Deus não permitiria um destino tão cruel
e ignóbil.
Havia outros aspectos do islamismo que o apologista cristão contrastava desfavoravelmente
com sua religião. Enquanto Jesus pregara o amor e a não-violência,
Maomé convertia pela espada. Enquanto Jesus abençoara os mansos e os pobres de espírito,
Maomé exaltava o guerreiro vitorioso. Enquanto Jesus insistia em que seu
reino não era deste mundo, Maomé fundou um império teocrático. Enquanto Jesus pedia a seus
seguidores que carregassem sua cruz e aceitassem o sofrimento, Maomé oferecia
o produto de pilhagens, concubinas e escravos. Jesus prometia o paraíso numa vida após a morte,
e Maomé, prosperidade nesta vida e o paraíso num mundo vindouro.
Não há contraste mais forte entre as duas religiões do que na sua doutrina sobre a moral
sexual. Jesus insistia na monogamia por toda a vida; Maomé permitia
que um homem tivesse até quatro esposas e quantas concubinas quisesse. Enquanto Jesus havia
rescindido a Lei de Moisés e proibido o divórcio, Maomé permitia que
um homem encerrasse um casamento com uma simples declaração. Jesus apreciava o celibato e
era celibatário; Maomé condenava o celibato e tinha uma concubina cristã
e nove esposas.
Muitos desses casamentos eram, sem dúvida, de conveniência, e seu objetivo era criar
vínculos com clãs até então hostis. Todavia, os homens do seu tempo
ficaram chocados pelo fato de uma das mulheres de Maomé ter desposado o filho adotivo dele.
Com outra, Aixa, ele se casou quando estava com cinqüenta e três anos
e ela apenas com nove. Ele havia mandado construir um aposento separado ou uma pequena
suíte para cada uma de suas mulheres em volta do pátio de sua casa em Mediria,
e supostamente se orgulhava de satisfazê-las todas numa única noite. Quando uma delas ficou
com ciúmes de seus afagos a uma prisioneira egípcia, o anjo Gabriel mandou
Maomé repreendê-la. "Os interesses de Deus em detalhes, em particular em detalhes
relacionados com a vida privada do Profeta, de vez em quando desnorteavam os fiéis
(... ), mas Alá apoiava o Profeta e silenciava seus críticos."6'
Evangelizadores cristãos deram grande importância a esses aspectos da vida de Maomé, bem
como a certos casos de traição que sugerem que, na causa do Islã,
ele acreditava que o fim justificava os meios. Mas está claro que ele não era considerado imoral
pelos homens do seu tempo, e na verdade elevou os padrões éticos
da sociedade em cujo seio nascera. Ele prescrevia honestidade, humildade e frugalidade. Proibiu o
infanticídio e insistiu no cuidado de membros vulneráveis da sociedade,
em particular viúvas e órfãos. Criou uma estrutura familiar e uma forma de seguro social que eram
um avanço considerável em relação ao que existia antes, e das tribos
nôma-
O TEMPLO RIVAL
des da Arábia fez uma nação que conquistou um vasto império e fundou uma grande civilização.
A escolha de um sucessor de Maomé (califa, do árabe khalifah) foi disputada entre diferentes
membros de sua família e acabou levando à divisão do islamismo em sunitas,
seguidores de Abu Bakr, pai de Aixa, a jovem esposa de Maomé, e xütas, seguidores de Ali, marido
de Fátima, filha de Maomé. A princípio, Ali e seus adeptos aceitaram
a eleição de Abu Bakr e, devido à sua morte, ocorrida dois anos depois da de Maomé, também
aceitaram a eleição de Ornar, outro genro do Profeta. Foi Ornar quem comandou
os muçulmanos numa vitoriosa campanha de conquista. A Síria bizantina e o Iraque capitularam
em 636. O Egito caiu em poder do exército de Ornar em 641, e no ano
seguinte ele era senhor da Pérsia.
Por que dois antigos impérios, a Pérsia e Bizâncio, foram incapazes de resistir à investida do
Islã? Ambos estavam enfraquecidos após uma longa guerra de
um contra o outro e, no caso de Bizâncio, contra as tribos bárbaras que o rodeavam ao norte, em
particular os ávaros. Àquela altura, importantes mudanças tinham
ocorrido nessa parte oriental do Império Romano. O latim fora substituído pelo grego e, sob o
imperador Justiniano no século VI, uma extensa área do Império do Ocidente,
abrangendo partes da Itália, da Sicília e do norte da África, tinha sido retomada de seus
conquistadores por exércitos bizantinos.
Heráclio, prefeito, ou exarca, da província norte-africana, com o hediondo derramamento de
sangue que invariavelmente acompanhava uma sucessão bizantina,
subira ao trono imperial em 610. Nos primeiros anos de seu reinado, a Ásia Menor e a Palestina
foram invadidas pelos persas. Em 614, eles capturaram Jerusalém com
a ajuda dos judeus, que, em retaliação conta os maus-tratos infligidos pelos bizantinos sob
Justiniano, aliaram-se aos persas na destruição de igrejas e lares cristãos."
A relíquia da Verdadeira Cruz foi transladada para a Pérsia como um troféu de guerra.
Em 626, Constantinopla foi cercada por um exército misto de persas e ávaros. Nesse
momento desfavorável de sua sorte, a fé cristã dos bizantinos é que veio
salvá-los, pois, no curso dos séculos VI e VII, a aliança entre a Igreja e o Estado havia se tornado
tão estreita que equivalia a uma fusão virtual. Em muitas partes
do Império, patriarcas, bispos e o clero haviam assumido as funções do serviço público imperial; e
o imperador, embora distinto do patriarca, considerava-se chefe
e paladino da Igreja. "A chave para compreender o Império Bizantino é a noção de que o
imperador era o instrumento de Deus designado por inspiração divina para realização
de Seus desígnios na terra mediante a difusão da fé cristã (...) ortodoxa. 1169
OS TEMPLÁRIOS
Essa profunda fé foi conservada pelos regentes
liturgia cantada e a composição de hinos, junto cot
Cristo, da Virgem Maria, dos apóstolos e dos santos 'y
estimularam um fervor no meio da populaça que era j
imperador Heráclio, quando ávaros pagãos e persas y
diante dos portões de Constantinopla. O patriarca
muros da cidade segurando alto um ícone de Cristo; ~~
teis do inimigo, pintavam-se nos muros imagens d
Jesus. O cerco aumentou e, numa campanha que p f"~,
descrita como uma cruzada, as tropas bizantinas iw'~
recuar de volta a Nínive, na Mesopotâmia, onde em P~
Em 630, num triunfo digno dos imperadores da rj
devolveu a Verdadeira Cruz a Jerusalém.
a
No entanto, apenas oito anos mais tarde Jerusal
eitos do Islã. Após a vitória sobre os persas, o exércl~
desmobilizado, e as forças que se reuniram para resìl~
mana foram derrotadas na batalha do rio Yarmuk. Mal )
que acolheram com alegria o invasor - os judeus,' Ç,
r~
tolerância oferecida pelos muçulmanos à perseguy~ cristãos ortodoxos, mas também a maioria
dos cri ¡, rejeitava a doutrina ortodoxa sobre a natureza dual q
prio patriarca e hierarquia e também havia sido perso~l crenças heréticas.
Além do mais, como recompensa pela rendição assegurado a vida e os bens dos habitantes
cristãos,~
santuários intactos. Leais aos preceitos do Profeta, p\ Povos do Livro foi leve. Se eles pagassem o
necessárì ~ freqüência mais baixo do que aquele então cobradó
b~ zantinos, as comunidades conquistadas poderiam s~
giões e viver de acordo com suas próprias leis. Os d~\~
maneceram a casta dominante e eram mantidos pep~ ditos, mas continuaram a ocupar fortalezas
nas froqp ~4P^i
Esse regime também foi uma das razões para os q~l sita do Egito, darem as boas-vindas aos
invasores m~ t~9J metrópole de língua grega no Mediterrâneo, que
~ ~'l província e sede de um patriarca ortodoxo, finalme~brp Daí as tropas árabes marcharam para
leste, ao longodtj j~ África. Por volta de 714 elas haviam chegado
à Ásiprrus' Índia, no Oriente, ao passo que no Ocidente tinha~l
de Gibraltar e, saudadas como libertadores pelos
OS TEMPLÁRIO,
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O TEMPLO RIVAL
do Império r= responsável í~ptão ansiosamente repletos de proezas culturais nas genros anos, de
ü0 a 950, alização hurAana.I°
r)7ai5 distilltis árers da real
ca doradourára das origens do islamismo foi a adoção da língua
ú¡Iica mar
Ias . Na Síria. e na Palestina, o árabe pouco a pouco
nas terras
1Irb~ìtulu o grego como língrlgua oficial no curso do século VII, e por volta do
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era de Isso comum, s`' sendo o gtego ou o aramaico falados apenas em
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o em partes do sul.' Embora uma tolerância bási
kt~ ~ do norte; o htbraico e Jivro" continuasse um princípio do governo islâom osPovas do Liv
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,e ursva o memesmo tratamento diante da Lei ou o direito de
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icial a fwordos crist;rstãos e contra os judeus foi mudando lentamen
lo o califa al-Mutawakkil, que reinou entre 847
;e ~npdo quePortxemplop '
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o aos cristãos fazendo-os "atar faixas de lã em tor
egyexpressou>ua versão ac
roda~abeça (.„ e sealgum hn homem entre eles tivesse um escravo, ele tinha de lutar duas iras de
pano ano de cores diferentes em sua túnica, na frente e
;, a perseguição era mais rigorosa. Gibbon registra aq~,~z ~m cert? ocasiões, a 1,
eomow',,Io Sul da iália,"a divertversão dos sarracenos era profanar e também pi
16~0, mosteiros= as igrejas", as", e como, no cerco de Salerno, um chefe mu
ç°Imae ,0 estende seudivã junrlunto à mesa de comunhão e, no altar, sacrificava
ca ,
uma freira".'3 O proselitismo cristão era proibido,
dar pite a virg¡~adede uma
e aa°c ~ açâo públia a Maomé ené era punida com a morte, mas esse tipo de martíri°P'~ece ter vi
(nado apenasenas aqueles que o procuravam, como, por exempl°~p,~lro
de Caltólia, um eren eremita da Transjordânia que em 751 foi apedrciad até a mos por pregar egar
abertamente contra o islamismo; e os cinqueqtriromens elulheres
que' que em Cérdova, em 850, pregaram em público Vhda~ Ne superiodo cristianis
ianismo e tiveram o mesmo destino.
OS::~)eregr¡no~cristãos tinh tinham permissão para visitar a Terra Santa e, Rla~ ~eo5 ocasioris de
de terneterminados governantes, não eram molestados.
FropaOciden1 Nr(-,,,rijnos da
cidental viaavam à Palestina ou por terra através
,
IVyo Brzanto, ou nos naus navios darepública mercantil de Amalfi, no sul ~li ~ Os merc~ores de
Am,- Amalfi co>tstruíram um hospício em Jerusalém ~0 °llidado de)eregrinos
duos doente;. Conquanto o comércio fosse uma ~to% Se core-,pado com o inn ° intensoiluxo no
apogeu do Império Romano, Vy°. seda do ciente (. „) e. ~ ~. ) eram vendidos
nos mercados de Pavio na déde~80; e c,mios mais taras tarde, no ruge das invasões viquingues, o
monbe Fle4ryìde descarréscarregar seu desprezo por aqueles homens
cuja taAZinha sìdorbrandada pada por artgos de luxo do Oriente, ricas vesti~oúlpura çOro, pedras
'edras preciosas e couro de Antioquia"'.'4
65
OS TEMPLÁRIOS
Em Jerusalém, a Igreja do Santo Sepulcro permaneceu sob o contra] dos cristãos. Contudo,
um santuário foi construído para rivalizar com o loc da Ressurreição
de Cristo: a Cúpula da Rocha. Anteriormente, ao entrar a ~ em Jesuralém (era a vez de seu servo
montar seu cavalo), o califa Ornar tin ido orar no monte do Templo,
abandonado desde que Juliano, o Apósta havia tentado reconstruí-lo, e agora usado pelos
habitantes bizantinos eo depósito de lixo. Para os muçulmanos, todavia, a
rocha era sagrada men por ser "o mais distante Templo" (em árabe masjidel-aksa) da Viagem Not
na do Profeta, como descrito em 17:1 do Alcorão, do que por ser o Tem
dos Profetas de Israel. Ele portanto construiu a mesquista ai-Aqsa na ext midade sudoeste do
monte do Templo, e Jerusalém tornou-se, junto c Meca e Mediria, um dos
três lugares de peregrinação muçulmana.
Cinqüenta anos depois, o califa omíada Abd al-Malik decidiu const uma segunda mesquista
sobre a rocha na qual Abraão havia preparado Is para o sacrifício
e da qual Maomé havia ascendido ao céu. Foi o primeiros
"`~
tuário importante construído pelo Islã e continua a ser uma das maravil' arquitetônicas do mundo.
Com um traçado matemático comparável ao rn soléu de Diocleciano
na Dalmácia, e seguindo os mesmos princípios usa na construção de algumas igrejas em Ravena no
século VI, foi decorada artesãos sírios cristãos com um esplendor
que intimidava seus visitante, que dava a judeus e cristãos a impressão de que suas religiões
tinham s suplantadas pelo islamismo. Como o Profeta havida condenado
como id tria a representação de seres animados, vegetação e motivos geométti formam o rico
fundo do mosaico que reproduz as jóias imperiais de gov, vantes bizantinos
e os ornamentos usados em imagens de Cristo.
Esses símbolos de outra fé lá estão como troféus de um Islã triunfam ~ para fazer a mensagem
ser compreendida por quem porventura não a tive, compreendido,
há uma inscrição onde se lê:
t.
Ó vós, povo do Livro, não ultrapasseis as fronteiras de vossa religião, e de D
dizei somente a verdade. O Messias, Jesus, filho de Maria, é apenas um apó .
lo de Deus, e de sua Palavra, que ele transmitiu a Maria, e de um Espírito
dele se originou. Acreditai, portanto, em Deus e em seus apóstolos, e não di
Três. Será melhor para vós. Deus é apenas um Deus. Que esteja longe de
glória ter um filho.
,,
Como Jerome Murphy-O'Connor escreve ao citar essa inscrição em inestimável guia da Terra
Santa, "Um convite para abandonar a crença' Trindade e na divina Filiação
de Cristo dificilmente poderia ser expresso termos mais claros 11.75
66
O Templo Reconquistado
Na península Ibérica, a conquista muçulmana mal havia terminado quando o contra-ataque cristão
ou Reconquista começou. Nobres visigodos que haviam se retirado para
as montanhas das Astúrias somaram suas forças às dos habitantes nativos para resistir aos
invasores, e por volta de 722, dez anos antes da derrota do exército muçulmano
por Carlos Martelem Poitiers, eles venceram em Covadonga uma força islâmica sob a liderança de
Pelágio. Mais tarde ocuparam a Galiza, na extremidade noroeste da
península, e estabeleceram uma fronteira ao longo do rio Douro entre a Espanha cristã e a
muçulmana.
No Oeste da Espanha, a feroz tribo dos bascos reconquistou a independência, e pouco antes
do fim do século VIII os francos de Carlos Magno invadiram a Catalunha,
capturando Barcelona em 801. Contudo, os acréscimos mais importantes à cristandade no
Ocidente, nos séculos IX e X, resultaram da derrota e conversão de tribos pagãs
no Norte e no Leste da Europa: os saxões, os ávaros, os vendes, os eslavos. A cristandade bizantina
também se expandiu por meio de uma mescla de conquista e conversão.
Embora ainda não houvesse uma clara divisão entre a Igreja Ortodoxa Bizantina e a Igreja Católica
Romana, havia certa competição pela sujeição de reis convertidos.
O patriarca de Constantinopla ficou com o reina dos rus,' cuja capital era Kiev, junto com a
Bulgária e a Sérvia; ao papa couberam a Hungria e a Polônia.
Apesar dos esforços missionários de Ansgário e Rembert no século IX, o cristianismo só criou
raízes na Escandinávia no século X. Os viquingues, cujos ataques
piratas quase haviam destruído o cristianismo celta, converteram-se tarde; entre os primeiros
estava Rolão, que em 918, com um grupo de seguidores, havia fundado
uma colônia no vale do baixo Sena com a san-
Entre os varegos, tribo escandinava que, durante a segunda metade do século IX, penetrou na
Rússia pelo Volga, destacavam-se os rus, grupo que deu origem ao nome
Rússia.
G7
OS TEMPLÁRIOS
ção do rei da França. Devido à sua proveniência, eles eram conhecidos como os homens do Norte Nordemann em alemão, normand em francês.
A ameaça do islamismo não saía da mente dos líderes cristãos, mas sua força' bélica era em
grande parte dissipada ao combaterem uns aos outros. Na Gália, sob os
reis merovíngios, onde contendas entre membros da nobreza: "nada mais pareciam do que a luta
de animais selvagens"," o Estado tinha sido incapaz de assegurar até
mesmo a mais rudimentar ordem pública. Parai sua própria segurança e a de sua família, um
homem não tinha alternativa. senão comprar a proteção de um vizinho poderoso,
prestando-lhe algum tipo de serviço, em geral como guerreiro em suas guerras particulares. Era;
também a única forma de proteger suas terras, as quais, com o colapso
do., comércio e a administração paga, eram a única fonte de subsistência. Ó~ termo usado para a
promessa do subordinado era vassalagem, e aquele par seu "pagamento"
era benefício, por via de regra a concessão de terras, mas às~ vezes a renda de instituições
eclesiásticas. O pacto era selado com votos solenes, e apesar de se
utilizar a linguagem da servidão, tornava-se "umas posição cobiçada, um sinal de honra pelo
menos quando implicava vassala gem direta ao rei"."
Teoricamente, esse sistema feudal era uma pirâmide que, em sua base abrangia toda a
sociedade ocidental. Na verdade, a posição no topo era dis putada entre
papas e imperadores; o vínculo era nocional entre imperador e reis, e problemático entre reis e
seus barões. Os laços mais eficazes era formados entre os grão-duques,
os condes e os príncipes - descendentes dos vassalos dos soberanos carolíngios -, cujos domínios
territoriais era grandes o suficiente para manter uma força permanente
de vassalos e, po, tanto, permanecer independentes do Estado. Seus vassalos, por sua vë
contavam com a lealdade de cavaleiros menos importantes, cujas posses m teriais
poderiam ser apenas um cavalo, uma lança, uma espada e um escud mas os que descendiam da
casta de guerreiros carolíngios tornavammembros da elite social. Em teoria,
se não na prática, essa lealdade era u questão de escolha: por mais que seus recursos fossem
parcos e sua orige
humilde, o cavaleiro permanecia um homem livre de acordo com a lei e tin o direito de ser julgado
num tribunal público.
Alguns vassalos dependiam inteiramente do senhor feudal, até mesm! no que dizia respeito a
cavalos e armaduras. Outros, apesar de receberel~ propriedades
como benefício, também poderiam possuir terras por direi próprio ou como arrendatários de uma
instituição eclesiástica. Embora
vassalo pudesse ter um profundo sentimento de lealdade para com o senh de quem era um
"homem", e por uma questão de honra se
O TEMPLO RE CONQUISTADO
gaçâo de participar de suas vinganças sua promessa não era por tempo ilimitado, e sim
determinada pelo costume e pela lei: por exemplo, sua obrigação de prestar
serviço militar limitava-se a quarenta dias. Sua lealdade também poderia mudar, caso uma das
partes não fosse capaz de cumprir com o seu dever; os cavaleiros prestavam
seus serviços a príncipes diferentes que pudessem fornecer-lhes cavalos ou remunerá-los. O elo
entre o senhor e o vassalo não era necessariamente hereditário, mas
tendia a tornar-se hereditário: as uniões consangüíneas produziam uma cousinagé que constituía a
base da lealdade ao clã.
A violência também era endêmica no império do Oriente e nos califados do Islã, onde cada
sucessão geralmente dava ensejo a uma guerra civil; mas, ao passo que um
imperador bizantino ou um califa podiam concentrarem suas mãos todas as rédeas do poder de
um Estado unificado, os diferentes principados que haviam surgido no
Império do Ocidente nunca mais se uniriam sob um único soberano depois de Carlos Magno.
Isso teve graves conseqüências para o papado, que, com a desintegração do império de Carlos
Magno sob seus belicosos sucessores, "foi deixado indefeso no
ninho de serpentes da política Italiana"."0 último papa eficiente desse período foi Nicolau I (85867). Durante os cem anos que se seguiram à sua morte, o posto
de sucessor de São Pedro tornou-se o disputado privilégio de influentes famílias romanas, tais
como os Teofilactos. Em 882, João VIII foi o primeiro papa assassinado:
sua própria comitiva espancou-o até a morte. Estêvão VI mandou exumar o cadáver de seu
predecessor, o papa Formoso, e entronizá-lo em seus trajes pontificais, a
fim de que ele pudesse ser condenado por perjúrio e abuso de poder. Os três dedos de sua mão
direita, que ele usara para abençoar seu rebanho foram decepados e seu
corpo atirado no rio Tibre. Pouco depois Estêvão foi deposto por partidários de Formoso,
encarcerado e em seguida estrangulado.
A depravação íntima de muitos desse s papas não significava necessaria
mente que eles fossem incompetentes n a administração da Igreja. João X,
conduzido ao trono de São Pedro pela influente família Teofilacto, organi
zou uma coalização de Estados italianos contra os muçulmanos, que haviam
devastado o território romano durante os Sessenta anos anteriores, e liderou
a força que após um cerco de três meses tomou a fortaleza deles na foz do
n° Carigliano. Dois dos papas nomeados pelo déspota romano Alberico II
óao VII e Agam
pito II) foram reformadores sinceros e eficientes. Até mes
João XI, o filho bastardo de Marózia Teofilacto, sancionou uma reforma
rciginal: parentesco de primos. (N. do T)
OS TEMPLÁRIOS
da Igreja estreitamente relacionada com a hiia dos templários: ele somou sob a proteção direta do
pontífice romancla comunidade de monges beneditinos de uma abadia
na Borgonha chanl Cluny.
Cluny foi fundada em 910 pelo duque de Aquia, Guilherme, o Pio, para expiar os pecados de sua
juventude e assegur,aa salvação no mundo vindouro. O homem por ele
escolhido para liderabmunidade foi Berno, eue descendia da nobreza burgúndia e era na
épocibade da remota Abadiade Baume. Com Berno, o duque escolheu um excnte local
para sua instituição nas colinas a oeste do rio Saône.
Durante o século anterior, o monacato beltino havia entrado em declínio. As generosas
dotações de gerações pasls haviam tornado os rnosteiros ricos e, portanto,
vulneráveis a demançAos descendentes de seus antigos benfeitores. Sua receita era usada
paarantir o futuro dos filhos mais jovens da nobreza local, os quais, mesm;m
vocação religiosa, eram impingidos às comunidades religiosas como pis ou abades. Os bispos
locais, com freqüência aparentados com os senis seculares, também usavam
esses cargos monásticos para recompens,us dependentes.
A fim de assegurar a eleição livre de seu ae, a comunidade de Gluny foi colocada pelo duque
Guilherme sob a prot) direta do papa em Roma, enquanto Berno
levou a cabo reformas para d o declínio da prática monástica e restaurar os rigores da regra
originalBento de Núrsia. O movimento floresceu, e fundou-se uma rede
de muros subsidiários que ficou sob a direção da comunidade em Cluny. Odo sucessor de Berno
como abade de Cluny, solicitou ao papa João XI queendesse a proteção
papal a um novo mosteiro em Deols. Como Berno, Odbrovinha da nobreza franca e estabeleceu a
tradição cluniacense de mongristocráticos mas genuinamente humildes,
sagazes mas devotados ao vemo, cultos mas também simples, e sempre espirituosos e joviais.
A origem nobre de Odon lhe possibilitav:riferenciar facilmente com papas e príncipes, e eles,
por sua vez, confiavnele. O papa Leão VII convidou Odon a Roma,
onde ele negociou um alo entre Alberico II e o rei Hugo da Itália e deu início a reformas das
lunidades monásticas em Roma e nos Estados Pontifícios, entre elas
aroeira abadia de Bento de Núrsia em Subiaco. Sucedeu-lhe uma série qbades capazes, virtuosos e
longevos -Aymard, Mayeul, Odilo, Hugo, PÇ-- Pedro, o Venerável -,
os quais, juntos, cobriram um período de duzen-- onze anos. A exemplo de Odon, eles tornaram-se
amigos e conselheiro; imperadores, reis, duques e papas. Em 972,
enquanto cruzava os Alpes, ;verendo abade Mayeul de Cluny caiu presa de atacantes sarracenos
proentes de sua base em Fra-
O TEMPLO RECONQUISTADO
aentum, na Provença. Ele foi mais tarde resgatado, mas esse escandaloso ato de banditismo
desencadeou uma reação que por fim expulsou os muçulmanos da França.`
A influência de Cluny no século seguinte à sua fundação viria a ser imensa: dos seis papas que
foram monges entre 1073 e 1119, três eram de Cluny; contudo,
não foi o zelo reformista dos beneditinos cluniacenses que tirou o papado da mira da corrupção,
mas a intervenção de imperadores alemães. Após a morte de Carlos
Magno, o princípio teutônico de divisão igual entre os herdeiros de um rei havia triunfado sobre o
princípio romano da transmissão de um império indivisível. Sua
herança havia portanto sido repartida em três: a França no oeste, a Alemanha no leste, e entre
ambas um longo e estreito reino que se estendia de Flandres a Roma
e que veio a ser chamado de Lotaríngia (em alemão, Lothringen; em francês, Lorraine) por ter sido
dado a seu filho mais velho, Lotário, que também herdou a coroa
imperial.
O século que se seguiu à morte de Carlos Magno assistiu "ao nadir da ordem e da
civilização"," e só quando os príncipes alemães escolheram os duques saxôes
como seus líderes é que o conceito do papa Leão III de um novo imperium romano renasceu de
forma modificada, com soberania sobre a Alemanha e partes da Itália conferida
a um príncipe alemão. Esse "Sacro Império Romano" foi essencialmente um produto da
imaginação criativa do duque da Saxônia, Óton I, ou Óton, o Grande, que, depois
de vencer os magiares, marchou através dos Alpes em 951 a fim de reivindicar seus direitos sobre
a Itália. Tendo sido reconhecido como rei da Itália e de Pavia,
ele conduziu seu exército aos portões de Roma, onde, após comprometer-se a respeitar as
liberdades da cidade e a proteger a Santa Sé, ascendeu ao altar da Igreja
de São João de Latrâo com sua rainha, Adelaide, e foi coroado imperador pelo corrupto e jovem
papa João XII.
Essa revivescência do Império Romano não foi apenas um expediente político ou uma ficção
pitoresca. A Europa Ocidental havia atingido a compreensão de si
mesma como "uma sociedade singular, num sentido em que não fora antes e que não tem sidó
desde então".8" Embora a lealdade imediata de um homem fosse devotada a
seu senhor feudal, ele não se autodefinia como inglês, francês ou alemão, mas como cristão, cujo
domínio universal da fé era visível não só na Igreja, mas também
no Estado. `A primeira lição do cristianismo era o amor, um amor que devia unir num só corpo
aqueles que a suspeita, o preconceito e o orgulho da raça até então
haviam mantido separados. Assim, por intermédio da nova religião, formou-se uma comunidade
dos fiéis, um Sacro Império (...)", que transformou "em sinônimos os nomes
romano e cristão".82 Não poderia haver igrejas nacionais, porque ainda não
71
OS TEMPLÁRIOS
existiam naçôes; se o homem apolítico da Idade Média tivesse sido capaz de conceituar seu senso
de comunidade, ele teria dito que vivia num Estado universal.
Lamentavelmente, raras vezes se obtinha a cooperação do papa e do imperador, da qual esse
governo universal dependia; e à medida que os reformadores cluniacenses
iam ganhando terreno dentro da Igreja, sua determinação de emancipar o clero da interferência
de poderes laicos chocava com a autoridade dos imperadores. Um fator
agravante era a importância atribuída pelos papas em Roma à sua posição como príncipes
seculares. A base legal para sua reivindicação de uma extensa área da Itália
central era a suposta "Doação de Constantino", o qual, em agradecimento de uma milagrosa cura
de lepra nas mãos do papa Silvestre I, tinha legado Roma e partes indefinidas
da Itália aos sucessores de São Pedro. O documento que comprovava essa doaçâc foi forjado em
meados do século VIII, após o rei franco Pepino ter salvado:) papa Estêvão
II dos lombardos e confirmado a Doação de Constantino como a Doação de Pepino. Fosse qual
fosse o caráter legal da falsificação, os francos aceitaram-na como válida,
e poder-se-ia pensar que o direito de conquista levou os Estados Pontifícios a constranger Pepino
a fazer a doação. Todavia, ela foi contestada com veemência pelos
imperadores bizantinos - que, como vimos, reclamavam grandes partes da Itália e governavam de
Ravena por meio de seus exarcas-e também acabou sendo pleiteada por
imperadores do Ocidente, que se consideravam os herdeiros dos Césares e, por conseguinte,
plenos soberanos de todos aqueles territórios que um dia tinham feito parte
do Império Romano.
Em conseqüência dessas alegações em contrário dos imperadores do Oriente e do Ocidente, a
política dos papas em Roma visava sempre a manter um equilíbrio
de poder na Itália, o que lhes permitia fazer os pratos da balança pender a seu favor. Mas a
soberania sobre os Estados Pontifícios de modo algum era a única diferença
entre os papas e os imperadores alemães. Os príncipes seculares tinham mais poder ainda para
fazer nomeações eclesiásticas dentro de seus domínios. Teoricamente,
um abade era escolhido por sua comunidade e um bispo pelo clero de sua diocese, mas, como
vimos no caso de Maninho de Tours, a eleição deles era com freqüência contestada.
Não se tratava apenas de uma questão da capacidade espiritual de um candidato, mas sobretudo
de suas lealdades e filiações políticas. Por todo O antigo Império Romano
os bispos tinham assumido a tarefa da administração secular em suas dioceses. Graças a doações
anteriores, eles também haviam se transformado em poderosos proprietários
de terras, com vassalos armados às suas ordens. Em particular na Alemanha, dioceses como as de
Colônia, Münster, Mogúncia, Würzburgo e Salzburgo eram principados
O TEMPLO RECONQUISTADO
soberanos. A lealdade do homem que brandisse a croça era portanto de importância decisiva para
o imperador do Sacro Império Romano e para os príncipes alemães; mas
o direito à croça vinha com o pálio, a faixa de lã branca usada sobre os ombros que era o símbolo
de seu posto e que cabia ao papa conceder.
As crescentes dissensões entre o papa e o imperador resultaram numa ruptura ^,shlica
durante o pontificado de Hildebrando, homem descendente de uma Família
modesta da Toscam que tinha sido o indispensável conselheiro dos quatro papas anteriores, antes
de ter sido escolhido papa por aclamação popular em 1073, adotando
o nome de Gregório em homenagem a Gregório, o Grande. Como seu ilustre predecessor,
Gregório era um homem de inteligência e capacidade excepcionais, com longa experiência
na administração da Igreja. Dedicou-se com todo o empenho à promoção da reforma,
promulgando decretos contra a simonia (a venda de nomeações eclesiásticas) e o casamento
de sacerdotes, mas também proibiu a investidura leiga de bispos, medida que provocou um
conflito direto entre ele e o imperador Henrique IV Este convocou um sínodo
de bispos alemães para depor Gregório, o qual, por sua vez, excomungou Henrique e desobrigou
seus súditos dos votos de vassalagem, pois entre as exigências que ele
fez para o pontífice romano em seu Dictatus papae estava um supremo poder legislativo e
judiciário sobre todos os príncipes, tanto os temporais quanto os espirituais.
A desobrigação de seus votos de fidelidade pelo papa foi aproveitada pelos opositores de
Henrique e obrigou o imperador, em 1077, a procurar Gregório no
castelo de Canossa, no norte da Itália, e professar arrependimento e pedir perdão, permanecendo
descalço na neve diante do portão. Mas a humilhação de Henrique em
Canossa não pôs fim ao conflito, que, em parte devido à natureza obstinada de Gregório,
continuou durante o seu reinado. Em 1084, ele perdeu Roma para as forças
de Henrique e só foi libertado por uma nova potência que havia surgido ao sul dos Estados
Pontifícios: o reino normando da Sicília.
"A fundação dos reinos de Nápoles e da Sicília pelos normandos", escreveu Gibbon, "é um evento
mais romântico na sua origem, e nas suas conseqüências mais importante,
não só para a Itália, mas também para o Império do Oriente."83 Apenas algumas gerações depois
de Rolão e seus viquingues terem se fixado no norte da França, o ducado
da Normandia, cristão e francófono, tornara-se uma potência européia. Em 1066, o tetraneto de
Rolão, GuiOS TEMPLÁRIOS
lherme, venceu o rei Haroldo da Inglaterra na batalha de Hastings e assegurou seu direito ao trono
inglês.
Ao contrário da conquista normanda da Inglaterra, a incursão normanda no sul da Itália foi
uma iniciativa privada tomada num santuário do Arcanjo Miguel
no monte Gargano, que se projeta no mar Adriático, na Apúlia - a espora, por assim dizer, da bota
italiana. Aí, no início do século XI, um grupo de peregrinos normandos
encontrou um exilado grego da vizinha cidade de Bari, então nas mãos do Império Bizantino. Ao
regressarem à Normandia, os peregrinos recrutaram um exército de aventureiros
que cruzavam os Alpes disfarçados de peregrinos e, embora seu assalto a Bari tivesse fracassado,
transformaram-se num formidável bando de mercenários muito solicitado
pelas potências em conflito na parte inferior da península Itálica - sua bravura, energia, agressão e
destreza em combate levaram-nos a esmagar repetidas vezes as
forças consideravelmente maiores desdobradas contra eles pelas duques lombardos de Nápoles,
Salerno e Benevento, ou pelos agentes dos imperadores em Constantinopla.
Para os rudes nortistas, era o momento oportuno para tomar esses ricos territórios
governados por "tiranos efeminados" - e no curso de algumas décadas eles
estabeleceram seu domínio sobre o sul da Itália, e apenas as cidades do litoral permaneceram nas
mãos dos bizantinos. Depois de a princípio apoiarem os bizantinos
em suas tentativas de reconquistar a Sicília aos muçulmanos, que a haviam dominado por
duzentos anos, os normandos traçaram seus próprios planos. A numerosa família
dos Hautevilles, da pequena nobreza normanda, obteve ascendência sobre seus pares barões. Em
1060, Rogério Guiscard capturou Reggio e Messina, na costa da Sicília,
e, após trinta anos de lutas contra os muçulmanos, conquistou a ilha inteira, ao passo que no
continente italiano as cidades de Bari e Salerno renderam-se a seu
irmão Roberto.
A princípio, os papas em Roma ficaram alarmados com ascensão desses Estados normandos, e
em 1053 o papa Leão IX comandou um exército contra eles, o qual
foi derrotado na batalha de Civitate. O papa Leão foi feito prisioneiro, mas foi bem-tratado pelos
normandos, porque a concessão da coroa que estes cobiçavam era
um direito dele. Ao perceberem uma vantagem num poder que poderia contrabalançar o dos
imperadores alemães, a política dos papas modificou-se radicalmente. O papa
Nicolau II, aconselhado por Hildebrando, o futuro papa Gregório VII, investiu os normandos com
seus principados na Apúlia e na Sicília em retribuição pelo reconhecimento
de sua suserania total e pela promessa de assistência militar. O papa Alexandre II, também
seguindo os conselhos de Hildebrando, enviou estandartes e concedeu indulgências
a cavaleiros normandos e franceses que lutavam con-
O TEMPLO RECONQUISTADO
tra os muçulmanos na Sicília e na Espanha. A política deu bons resultados quando os normandos,
sob Roberto Guiscard, salvou Hildebrando do exército do imperador
alemão Henrique IV. Todavia, os normandos opuseram-se tanto aos cidadãos de Roma, que o
papa teve de fugir para Monte Cassino e depois para Salerno, onde morreu,
insistindo em que morria no exílio apenas porque tinha "amado a justiça e odiado a iniqüidade".
As reivindicações de Hildebrando de uma autoridade total sobre os poderes secular e espiritual
para o cargo de papa trouxeram consigo um senso de responsabilidade
para com os bens da cristandade; e uma de suas ambições não realizadas foi o envio de um
exército cristão contra o Islã. Até então, a ameaça sarracena tinha estado
suficientemente perto de Roma, de modo que os papas deixaram os bizantinos combater na
frente oriental. Além disso, havia tanto uma rivalidade endêmica com os gregos
bizantinos quanto desprezo por eles. Não foi apenas a tendência dos imperadores bizantinos de
arrancarem os olhos de seus rivais que afrontava os cristãos católicos;
os próprios papas haviam recorrido a barbaridades do mesmo tipo. Mas os gregos eram vistos
como um povo traiçoeiro corrompido pela decadência do Oriente. Os imperadores
bizantinos empregavam eunucos não apenas como guardiães de suas esposas, mas também como
altos funcionários da Igreja e do Estado. Apenas quatro cargos lhes eram
vedados, e "como era de esperar, muitos pais ambiciosos mandavam castrar seus filhos caçulas
11.14 O bispo italiano Liudprand de Cremona, que foi enviado pelo imperador
do Ocidente, Óton I, numa missão diplomática a Constantinopla, descreveu-a como "uma cidade
repleta de mentiras, ardis, perjúrio e cobiça, uma cidade rapace, gananciosa
e jactanciosa". Mas em todos esses juízos de valor ocidentais acerca da capital bizantina havia sem
dúvida certa dose de ressentimento contra a arrogância dos bizantinos
e inveja de uma metrópole que ultrapassara Roma em tamanho e esplendor, que nunca fora
saqueada por um exército bárbaro e que, a despeito de toda a crueldade ocasional
empregada no exercício do poder, era uma sociedade profundamente religiosa, na qual as
capacidades intelectuais eram tidas em alta estima e o analfabetismo entre
as classes média e alta era virtualmente desconhecido.
Em outras palavras, o Império do Oriente, apesar de sua suscetibilidade a influências
orientais, havia conservado mais da pujança do Estado romano unificado
da Antiguidade do que o Império do Ocidente. Ele havia mantido um serviço público assalariado e
um exército permanente disciplinado e profissional. Ao contrário
dos exércitos adhoc de indivíduos indisciplinados encontrados na Europa Ocidental, reunidos por
períodos limitados de acordo com o costume feudal, as unidades regulares
do exército bizantino poOS TEMPLÁRIO
diam ser treinadas para obedecer às ordens complexas de um estrategista treinado na ciência
militar. O Estado mais bem administrado do mundo tinha nessa época seu
exército mais etlcaz.
Sérias divergências tinham surgido entre os ramos oriental e ocidental da Igreja cristã sobre
questões, tais como a primazia das duas sés patriarcais, a
obediência religiosa de povos recentemente convertidos, como os búlgaros, e sobre a doutrina não só a notória cláusula filioque` no ~-c,~o, a qual permanece incompreensível
para quase todos os teólogos mais eruditos, mas sobretudo a veneração de imagens ou ícones de
Cristo e dos santos. No século VIII, os imperadores do Oriente haviam
se aproximado da posição muçulmana de que a veneração de ícones era indistinguível da
adoração de imagens esculpidas e, portanto, deveria ser proibida. A controvérsia
subseqüente levou a um século de violência e perseguição: os papas em Roma haviam condenado
o iconoclasmo, o qual, se tivesse triunfado através da cristandade, teria
matado na origem a arte pictórica, que veio a ser uma das mais sublimes manifestações da
civilização ocidental - não teria havido nem Fra Angelico, nem Rafael, nem
Leonardo da Vinci. Todavia, o conflito havia afetado de maneira adversa as relações entre os
ramos grego e latino da cristandade, as quais atingiram seu nadir com
a troca de anátemas e excomunhões em 1054.
Contudo, quando sobreveio o endêmico conflito entre Bizâncio e o Islã, nunca houve a menor
dúvida de que os latinos dariam uma prova de lealdade a seus pares
cristãos do Oriente. Durante algum tempo, após a primeira onda de conquista muçulmana, uma
fronteira tinha sido estabelecida entre o Império Bizantino e o califado
abácida de Bagdá na cordilheira de Tauro além de Antioquia, no extremo sul da Ásia Menor. No
início do século X, sob dois generais armênios, as forças imperiais
empenharam-se numa campanha de reconquista que culminou com a retomada de Chipre e do
norte da Síria, incluindo a cidade de Alepo. Embora Jerusalém ainda permanecesse
nas mãos dos califas fatímidas que governavam do Cairo, Antioquia, cidade muito maior e também
sede de um patriarca, estava de novo nas mãos dos cristãos. Por volta
de 1025, o Império Bizantino estendia-se do estreito de Messina e do norte do Adriático, no oeste,
ao rio Danúbio e à Criméia, no norte, e às cidades de Melitene
e Edessa do outro lado do Eufrates, no leste.
Todavia, essa supremacia militar não se manteve. Internamente, uma mudança social a favor
dos grandes latifundiários do Império tinha levado ao desaparecimento
da classe de pequenos proprietários na Anatólia, os quais
Filioque, palavra latina que significa "e do filho", pertencente à frase do credo católico: "Creio no
Espírito Santo (...) que procede do Pai e do Filho". (N. do
T)
O TEMPLO RECONQUISTADO
até então haviam fornecido tropas para o exército bizantino, e, por conseguinte, a uma crescente
confiança em tropas mercenárias; e externamente havia aparecido
nas fronteiras orientais do Império Bizantino uma nova onda de conquistadores islâmicos, os
turcos seldjúcidas.
Os seldjúcidas eram uma tribo de saqueadores nômades originários das estepes da Ásia Central
que no século X haviam conquistado o território do califado de Bagdá
e, adotando o islamismo, se autoproclamado os paladinos dos muçulmanos sunitas. Ondas
posteriores de membros de uma tribo turcomana afim inspirados pela mesma mescla
de zelo religioso e paixão pela pilhagem, como os fundadores árabes do islamismo, aproximaramse com intenção predatória das fronteiras orientais do Império Bizantino.
Em 1071, sob o sultão Alp Arslan, os seldjúcidas avançaram contra um enorme exército
bizantino em Manzikert, perto do lago de Van, na Armênia, composto em
grande parte de mercenários que tinham sido reunidos pelo imperador Romano IV Diógenes. Os
bizantinos foram derrotados e o próprio imperador feito prisioneiro por
Alp Arslan. Nada agora detinha o avanço das tropas turcas: as tribos turcomanas moveram-se
impetuosamente pela Ásia Menor, e antes de 1081 haviam tomado Nicéia,
a menos de cento e sessenta quilômetros de Constantinopla, e fundaram uma província na Ásia
Menor que, por ter feito parte do Império Romano, foi denominada sultanato
de Rum.
A força dos bizantinos havia sido minada por sua necessidade de combater numa segunda
frente. No mesmo ano da batalha de Manzikert, Bari, seu último baluarte
na Itália, havia se rendido aos normandos da Sicília, sob o comando de Roberto Guiscard, que
havia cruzado o Adriático, tomando o porto de Dyrrhachium (Durazzo)
e planejado um avanço em direção a Tessalonica. Os bizantinos eram impotentes para resistir a
eles. AÁsia Menor, agora dominada pelos turcos seldjúcidas, tinha sido
sua principal fonte de cereais e fornecido metade de seu potencial humano. O outrora poderoso
Império do Oriente tinha sido reduzido a um pequeno Estado grego resistindo
ao aniquilamento. Nessa crise, os bizantinos tiveram o bom senso de alçarAleixo Comneno, seu
general mais competente, ao trono imperial. A Providência também veio
em seu auxílio com a morte do líder dos normandos, Roberto Guiscard, e do sultão seldjúcida Alp
Arslan. Entretanto, a situação dos bizantinos continuou crítica,
e portanto o imperador Aleixo apelou para seus confrades cristãos do Ocidente.
A primeira aproximação de Aleixo da cristandade ocidental foi a Roberto, conde de Flandres,
que por volta de 1085 havia enviado um pequeno contingente de
cavaleiros a Constantinopla. Talvez tenha sido Roberto
77
OS TEMPLÁRIOS
quem informou Aleixo de que o papa agora possuía muito mais peso na Europa Ocidental do que o
imperador do Oriente, e na primavera de 1095 delegados bizantinos chegaram
para o concílio da Igreja que estava sendo realizado em Piacenza, no norte da Itália.
O papa que presidiu o Concílio de Piacenza foi um burgúndio chamado Odon de Lagery, filho
de uma família da pequena nobreza que vivia em Châtillon-sur-Marne.
Sua origem era portanto a mesma dos líderes da reforma ciuniacense, e sua educação também o
tinha imbuído de zelo religioso. Ele teve aulas nas escolas da catedral
em Reims com o excepcional Bruno, que em 1084 havia fundado uma comunidade de monges
num local remoto dos Alpes, próximo a Grenoble, a casa-mãe da ordem dos Cartuxos,
Lã Grande Chartreuse (A Grande Cartuxa). Odon de Lagery fora ordenado padre em Reims, e
galgara todos os postos da administração arquiepiscopal até tornar-se arcediago
da catedral, mas em 1070 abandonara o clero regular para tornar-se monge em Cluny. Durante
algum tempo ele serviu como prior sob o abade Hugo, mas em seguida foi
chamado a Roma, onde Hildebrando, então papa Gregório VII, o nomeou cardeal-bispo de Óstia.
Em 1088, foi eleito papa e adotou o nome de Urbano II.
Homem cortês, conciliador e de boa aparência, Urbano tinha em comum com seu mentor,
Gregório VII, a mesma alta apreciação de seu cargo, mas era muito mais
diplomático no exercício de sua autoridade nas difíceis circunstâncias da época. Sua política de
conciliação estendeu-se a Bizâncio: em 1089, no Concílio de Melfi,
ele havia suspendido o interdito de excomunhão do imperador Aleixo e sido recompensado com
gestos igualmente conciliatórios em Constantinopla. A reconciliação encorajou
Aleixo a solicitar auxílio à Igreja latina. Seus embaixadores foram admitidos no Concílio de
Piacenza, e os padres do concílio ouviram sua eloqüente descrição dos
sofrimentos de seus confrades cristãos no Oriente. No encerramento do concílio, os bispos se
dispersaram com uma clara compreensão da ameaça representada pelo avanço
dos infiéis; ao passo que Urbano II, ao partir para a França, levou consigo todo O ônus de sua
responsabilidade pessoal, como O Príncipe dos Apóstolos, paia com
o destino da Igreja universal de Cristo.
Após ter cruzado os Alpes, Urbano II foi primeiro para Valence sobre o Ródano, e então para Le
Puy, onde o bispo era outro prelado aristocrático, Ademar de Monteil.
Ademar fora em peregrinação a Jerusalém alguns anos antes e poderia ajudar o papa com sua
experiência. De Le Puy, o papa Urbano convocou os bispos da Igreja Católica
para encontrá-lo em Clermont, em novembro do mesmo ano. Em seguida, tomou o rumo do sul,
viajando para Narbonne, a apenas uns cento e sessenta quilômetros da frente
ocidental da
O TEMPLO RECONQUISTADO
cristandade, no outro lado dos Pireneus. Ele agora estava na Provença, na época governada por
Raimundo de Saint-Gilles, conde de Toulouse e marquês da Provença,
um experiente veterano que lutara contra os sarracenos na Espanha. De Narbonne, Urbano II
seguiu para leste, ao longo da costa do Mediterrâneo, até Saint-Gilles,
no estuário do Ródano, e depois de novo para o norte, através do vale do Ródano, até Lyon, aonde
chegou em outubro. Daí ele foi para Cluny, na Borgonha, onde já
tinha sido prior, e consagrou o altar-mor da grande igreja, que por muitos anos seria a maior da
Europa Ocidental. De Cluny ele cominou para o norte, até Souvigny,
a fim de orar no túmulo do abade Mayeul, que no século anterior fora seqüestrado pelos
sarracenos enquanto cruzava os Alpes, recusara a tiara pontifícia e era agora
reconhecido como um dos mais santos abades de Cluny.
Quais eram os pensamentos de Urbano enquanto rezava junto ao túmulo de Mayeul? Sem
dúvida, ele sentia que alguma coisa teria de ser feita para ajudar o Império
Bizantino na sua luta contra os turcos seldjúcidas. Mas também havia um interesse urgente da
Igreja do Ocidente: o livre trânsito de peregrinos para a Terra Santa.
Por muitos séculos, a peregrinação tinha sido parte essencial da vida devocional dos cristãos. Todo
ano, milhares e milhares de peregrinos viajavam pela Europa para
orar nos santuários preferidos - o do Arcanjo Miguel, no monte Gargano, que atraiu os cavaleiros
normandos para o sul da Itália; o do apóstolo Tiago, em Compostela,
na Galiza, no noroeste da Espanha -, às vezes começando na Abadia de Vézelay, na Borgonha, que
abrigava as relíquias de Maria Madalena, ou na própria Abadia de Cluny.
Ou iam a Roma, a fim de orar diante dos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo - como vimos,
tratava-se de um grupo de peregrinos anglo-saxôes que foram feitos em pedaços
quando saqueadores sarracenos atacaram Roma no século IX.
Contudo, o destino mais almejado de todos os peregrinos era a Terra Santa, o solo pisado pelo
Deus que se fez Homem: Nazaré, a cidade de sua infância; Belém,
sua terra natal; e sobretudo o local de sua ressurreição dos mortos, a Igreja do Santo Sepulcro em
Jerusalém. A viagem era um empreendimento caro e perigoso. A maneira
mais fácil de viajar à Palestina era pelo mar, num navio dos mercadores de Amalfi, mas nesse caso
corria-se o risco de pirataria e naufrágio. A viagem por terra
tornou-se mais fácil com a conversão da Hungria ao cristianismo nos primeiros anos do século XI, e
até a invasão seldjúcida a rota de dois mil e quatrocentos quilômetros
através do Império Bizantino, de Belgrado a Antioquia, era relativamente segura; mas assim que
penetravam na Síria islâmica, os cristãos poderiam estar sujeitos
a ser molestados e a pagar onerosos pedágios.
79
OS TEMPLÁRIOS
Nada disso dissuadia os peregrinos, para quem os próprios riscos e sofrimentos que a sua
viagem implicava eram parte da sua finalidade. Para muitos, "a peregrinação
era uma forma de martírio"85 que asseguraria a salvação da alma do peregrino. Às vezes ela era
imposta como uma espécie de penitência que expiaria os pecados mais
graves; "a mais importante expressão da renovada espiritualidade no século XI - que se originou
em Gluny - foi a peregrinação penitencial";sb e alguns dos mais notórios
vilões do período, tais como Foulques Nerra de Anjou ou Roberto, o Diabo, conde da Normandia,
foram a Jerusalém para escapar da punição divina de seus crimes Foulques,
como a esposa de Bath, de Chaucer, três vezes.
Essas peregrinações penitenciais eram encorajadas e organizadas pela Igreja. Os monges de
Cluny apresentavam a peregrinação a Jerusalém como o clímax da
vida espiritual de um homem - uma ruptura dos laços que o prendiam ao mundo, com Jerusalém,
a Cidade Santa, como uma antecâmara do mundo vindouro. Assim como o bom
muçulmano era obrigado a ir em peregrinação a Meca pelo menos uma vez na vida, a ambição de
muitos cristãos pios era tocar o Santo Sepulcro de Cristo antes de morrerem.
"Na verdade, a atitude do cristão do século XI para com Jerusalém e a Terra Santa era obsessiva.
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De modo geral, no curso dos quatro séculos durante os quais a Palestina tinha sido governada
pelos sucessores do Profeta, o acesso a seus santuários sagrados
tinha sido permitido aos Povos do Livro. A única perseguição aberta a cristãos havia ocorrido no
começo do século XI, durante o reinado do califa egípcio al-Hakim,
um fanático que havia ordenado a destruição de todas as igrejas cristãs em seu domínio, entre
elas a Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, cuja reconstrução foi
autorizada por seu sucessor. Todavia, apenas uns trinta anos antes do momento em que o papa
Urbano se ajoelhou diante do túmulo do abade Mayeul, o arcebispo de Mogúncia,
junto com os bispos de Utrecht, Bamberg e Ratisbona, havia guiado um grupo de sete mil
peregrinos do Reno ao Jordão. Emboscado por um bando de muçulmanos nas proximidades
de Ramleh, na Palestina, o grupo foi obrigado a lutar em autodefesa.
Outra consideração que talvez tenha ocupado os pensamentos do papa Urbano, embora isso
jamais tenha sido estabelecido e permaneça essencialmente objeto de
conjeturas, era a necessidade de encontrar uma forma de dar vazão ao excesso de energia da
classe guerreira franca. Como era essa sua origem, Urbano II estava bastante
familiarizado com o problema representado por cavaleiros belicosos cujo único talento era sua
habilidade com a lança e a espada. Descendentes dos companheiros de
batalha dos reis merovíngios e carolíngios, eles eram agora uma classe distinta na sociedade: uma
eli-
O TEMPLO RECONQUISTADO
te militar. Mas o custo do equipamento necessário para um cavaleiro era considerável - a túnica
de cota de malha, o escudo, a espada, a lança, o capacete de aço
e o cavalo. Embora alguns costumes e precedentes do passado bárbaro mitigassem o uso da força,
a maioria das contendas era resolvida com a espada. O ataque repentino
às colheitas e aos animais domésticos de um vizinho era tão comum para os cavaleiros cristãos da
Idade Média quanto tinha sido para as tribos árabes antes do advento
de Maomé. "A violência estava em toda a parte, chocando-se com muitos aspectos da vida
cotidiano."R8 Mesmo quando as dissensões eram apresentadas perante uma corte,
esta sempre deixava Deus decidir a questão por meio de um duelo ou de um julgamento por
ordálio.
Para restringir o conflito endêmico entre os diferentes grupos no seio da nobreza rapace da
cristandade, e em particular para manter suas mãos longe dos
bens da Igreja, papas e bispos haviam tentado impor as usuais sanções de interdição (proibição de
assistir à missa e recusa dos sacramentos) e excomunhão (expulsão
da Igreja); mas também, mais recentemente, o conceito de "Trégua de Deus" - a designação de
certos dias santos ou períodos penitenciais do ano, tais como a Quaresma,
quando era proibido lutar. Todavia, só em parte esse estratagema fora bem-sucedido: a
cristandade ocidental continuava a ser escandalosamente afligida por disputas
fratricidas. Como seria mais sensato se se pudesse aprender uma lição do exemplo de normandos
como os Hautevilles, cuja agressão havia sido canalizada para a conquista
de novos reinos a expensas do Islã!
Com tais pensamentos na mente, o papa Urbano II ergueu-se do túmulo do abade Mayeul e
tomou o caminho para o sul, em direção a Clermont, a hm de encontrar
os cerca de trezentos bispos que tinham obedecido à sua convocação. De 19 a 26 de novembro, o
concílio, reunindo-se na catedral, aprovou vários decretos contra os
abusos comuns da investidura leiga, da simonia e do casamento dos sacerdotes. O rei Filipe da
França foi excomungado por causa de seu relacionamento adúltero com
Bertrada de Monfort, e o concílio endossou a idéia de uma Trégua de Deus.
Na terça-feira, 27 de novembro, os padres do concílio foram convocados para se reunir num
campo além dos limites do portão oriental de Clermont para uma
sessão aberta ao público. O trono pontifício havia sido colocado numa plataforma, de modo que o
papa Urbano II pudesse dirigir-se à multidão que havia se reunido
a fim de ouvir o que ele tinha a dizer. Apesar de os relatos de seu discurso terem sido escritos após
o evento e possivelmente coloridos pelo que o inspirou, parece
que o papa primeiro narrou os reveses dos cristãos bizantinos no Oriente e o sofrimento que eles
tinham suportado nas mãos dos turcos seldjúcidas; em seguida, continuou
a descrever a opresOS TEMPLÁRIOS
são e o molestamento de peregrinos cristãos que se dirigiam à cidade santa de Jerusalém,
conjurando imagens de Siâo que teriam sido completamente familiares a seus
ouvintes por causa da constante entoação dos Salmos. Com a cativante eloqüência e o genuíno
fervor de um pregador experiente, ele lembrou seus ouvintes do exemplo
dado por seus ancestrais no tempo de Carlos Magno. Exortou-os a parar de lutar uns contra os
outros por motivos ignóbeis de vingança e cobiça e, em vez disso, a
voltar suas armas contra os inimigos de Cristo. Por sua vez, como o sucessor de São Pedro, com
seus poderes concedidos por Deus paca "ligar e desligar" na terra,
ele prometeu que aqueles que se empenhassem nessa causa com um espírito de penitência
teriam seus pecados pregressos perdoados e obteriam total remissão das penitências
terrenas impostas pela Igreja.
O apelo de Urbano foi recebido com entusiásticos gritos de "Deuslevolt" ("Deus o quer"), e
num gesto dramático, que quase com certeza havia sido ensaiado
pelos dois líderes da Igreja, Ademar de Monteil, bispo de Le Puy, ajoelhou-se diante do papa e
pediu permissão para participar dessa Guerra Santa." Um cardeal da
comitiva do papa também se pôs de joelhos e liderou os ouvintes de Urbano no Confiteor, a
confissão dos pecados, após o que o sumo pontífice concedeu absolvição.
Um escritor do século XX descreveu o apelo do papa Urbano como uma "combinação de
piedade cristã, xenofobia e arrogância imperialista".9° Outros sugeriram
que, ao proclamar Jerusalém como O objetivo da cruzada quando o apelo do imperador Aleixo
tinha sido de ajuda militar na Anatólia contra os turcos seldjúcidas, o
papa estava tirando proveito da ignorância e credulidade de seu rebanho. No entanto, está claro
que formadores de opinião não são um produto do fim do século XX:
já no Concílio de Piacenza, os embaixadores do imperador Aleixo haviam dado ênfase à situação
de Jerusalém precisamente porque "viria a ser um eficiente slogan de
propaganda na Europa".9' Além disso, o objetivo do papa era "a defesa dos cristãos onde quer que
eles estivessem sendo atacados. `Pois de nada adianta libertar os
cristãos dos sarracenos num lugar e entregá-los noutro à tirania e opressão sarracenas"'.9Z
Será que o papa não sentiu nenhum drama de consciência quanto ao uso de violência? Na
Igreja primitiva, a exortação de Jesus a oferecer a outra face de modo
geral tinha sido tomada a sério, e a violência era portanto julgada pecaminosa em quaisquer
circunstâncias. Foi Agostinho de Hipona quem a considerou justificada
em legítima defesa, e sua doutrina, dispersa por várias de suas obras, foi reunida no século X1 por
Anselmo de Lucca. Essa doutrina foi absorvida pelo pensamento
papal durante o pontificado de Gregório VII com respeito à reconquista da Sicília e da Espanha; e,
sem dúvida, por oca-
O TEMPLO RECONQUISTADO
sião da notícia da derrota bizantina em Manzikert, quando em nome do apóstolo Pedro ele apelou
duas vezes aos fiéis que sacrificassem suas vidas para "libertar"
seus irmãos no Oriente.
Agora a doutrina de Agostinho estava ligada ao conceito de peregrinação penitenciai, fazendo
"atingir o auge uma onda em direção à Terra Santa de culto do
Santo Sepulcro que havia produzido regularmente peregrinações em massa a Jerusalém no
decorrer do século XI (... ) ".93 Os peregrinos eram armados, a fim de assegurar,
nas palavras do papa Urbano, que os sarracenos "não continuem a triturar sob seus tacões os que
crêem em Deus". As indulgências que ele prometeu e os privilégios
que concedeu aos cruzados eram quase indistinguíveis daqueles concedidos aos peregrinos:
"quando a marcha começou, tinha-se a impressão de que (...) pertencia inteiramente
ao universo tradicional da peregrinação a Jerusalém".9''
Nisso o papa, fiel à sua vocação cluniacense, mostrou que estava tão interessado no que a
cruzada poderia fazer pelo cruzado quanto no que o cruzado poderia
fazer pela "Igreja asiática". Ele se referia com freqüência à exortação de Cristo, a qual deveria ser
do conhecimento de todos que o ouviram, a abandonar esposas,
famílias e bens por amor dele, erguer suas cruzes e segui-lo. A fim de dar substância ao símbolo,
cruzes de pano foram distribuídas em Clermont a todos aqueles que
juraram partirem cruzada. Estas eram costuradas em seus mantos, na altura do ombro, não
apenas para significar seu compromisso sagrado, mas também para mostrar que
o cruzado gozava de certos privilégios e sanções legais. A família e o patrimônio do cruzado
tinham de ser protegidos pela Igreja. Ele estava isento do pagamento
de impostos e lhe era assegurada moratória de suas dívidas. Em troca, esperava-se que ele
cumprisse com seu dever: o homem que faltasse à sua promessa estava sujeito
a excomunhão automática.
Embora, como vimos, tivesse havido precedentes na Sicília e na Espanha para uma guerra
santa movida por cristãos contra muçulmanos, está claro que o apelo
feito pelo papa Urbano em Clermont foi visto como momentoso, "um choque para o sistema
comunal" e "algo diferente de tudo que fora tentado antes".95 Para consternação
de Urbano, a reação mais imediata e radical não foi entre a classe dos cavaleiros, na qual ele
pensara, mas entre os pobres. Enquanto Urbano prosseguia em sua viagem
predicante pela França> passando ao largo dos territórios controlados pelo rei Filipe, a quem ele
condenara no concílio, vários pregadores populares inflamaram o
populacho excitável e idealista no norte da Europa e formaram um exército mal armado e sem
disciplina que, sem mais nem menos, partiu para subjugar os sarracenos
e libertar Jerusalém.
oceano Atlântico
REINO DA
FRANÇA. _ l
ALEMANHA
A cristandade ao tempo
da Primeira Cruzada
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OS TEMPLÁRIOS
Seu líder era um carismático pregador da Picardia conhecido como Pedro, o Eremita, que
afirmava ter recebido uma carta do céu autorizando a cruzada. Os bispos
fizeram o possível para deter os velhos e os enfermos, e proibiram especificamente os monges e o
clero de partir na cruzada sem a permissão de seus superiores, mas
o movimento saiu de controle. O fascínio da aventura e a promessa de recompensa espiritual
acabaram sendo irresistíveis. Como ainda podemos constatar pelas imagens
esculpidas na estatuária de catedrais medievais, as pessoas viviam com um medo real dos
tormentos do inferno. Ali estava uma oportunidade de pôr um ponto final a
esses temores. Homens casados eram proibidos de partir sem permissão de suas esposas, mas
muitos ignoraram a proibição. Uma mulher manteve o marido em casa para
que ele não ouvisse a pregação da cruzada, mas quando ele ouviu através da janela o que estava
sendo oferecido, pulou para fora e tomou a Cruz.
O começo da cruzada foi catastrófico. As forças lideradas por Pedro, o Eremita, e por um
cavaleiro chamado Gualtério Sem-Haveres passaram pela Alemanha e
pela Hungria em razoável ordem; mas, enquanto marchavam ao longo do Reno, contingentes de
alemães sob o comando de um padre chamado Gottschalk e de um barão da pequena
nobreza, conde Emich von Leinigen, atacaram as comunidades judaicas que encontraram pela
frente em cidades como Trier e Colônia. Essa provavelmente não era a turba
indisciplinada que outrora se supunha. "Esses exércitos continham cruzados de, todas as partes da
Europa Ocidental, liderados por capitães experientes."96 Todavia,
eles eram sem dúvida praticamente incapazes de fazer uma distinção significativa entre
muçulmanos e judeus; é quase certo que devem ter contado com pilhagem en route
para financiar a viagem à Palestina; e apenas conseguiram fazer uma idéia da cruzada sob o
conhecido aspecto de uma vingança que os obrigava a desforrar-se do sofrimento
de seus confrades cristãos no Oriente. Em conseqüência, seguiu-se uma série de pogroms massacres, conversões forçadas e suicídio coletivo de judeus em santificação
de sua fé (kiddush ha-shem), como o dos zelotes em Massada doze séculos antes.
No começo do século, a Igreja percebera claramente o perigo a que comunidades judaicas
estariam expostas em circunstâncias desse tipo: o papa Alexandre VI
havia escrito aos bispos da Espanha ordenando-lhes que protegessem os judeus em suas dioceses,
"a fim de que eles não fossem mortos por aqueles que estão partindo
para lutar contra os sarracenos na Espanha".9' Assim sendo, em algumas cidades alemãs, os
príncipes-bispos e a nobreza local acolheram os judeus sob sua proteção,
e o clero ameaçou os here-
O TEMPLO RECONQUISTADO
ges infiéis de excomunhão. Mas foi quase inútil. Em Mogúncia, o cronista cristão Alberto de Aix
descreve como os pretensos cruzados,
depois de terem arrombado as fechaduras e posto as portas abaixo (...) aprisionaram e mataram
setecentas pessoas que inutilmente tentavam defender-se contra forças
muito superiores às suas; as mulheres também foram massacradas, e as criancinhas,
independentemente do sexo, foram mortas com a espada. Os judeus, ao verem os cristãos
insurgir-se como inimigos contra eles e seus filhos, sem o menor respeito pelas fraquezas da
velhice, por sua vez pegaram em armas contra seus correligionários,
contra suas mulliéres, filhos, mães e irmãs, e massacraram a si mesmos. Uma coisa horrível de
descrever: as mães pegavam a espada e cortavam a garganta das crianças
enquanto estavam ao seio, optando por se destruírem com suas próprias mãos em vez de
sucumbirem aos golpes dos incircuncisos.9H
As atrocidades não se restringiram à Renânia: em Speyer, Worms, e em lugares tão distantes
quanto Rouen, no oeste, e Praga, no leste, os cruzados investiram
contra os judeus. Sem dúvida, o zelo religioso da turba assassina "era apenas uma tênue tentativa
de encobrir o verdadeiro motivo: cobiça. Pode-se supor que para
muitos cruzados a pilhagem dos. judeus era a única forma de financiar uma viagem como
aquela".99 Mas os judeus não eram a única vítima da criminalidade dos cruzados:
na Hungria, a turba predatória começou a saquear os habitantes, que também foram todos
massacrados. Alberto de Aix escreveu mais tarde que muitos cristãos acreditavam
que isso fosse a punição por Deus daqueles "que pecaram diante dele por causa de sua grande
impureza e de relações sexuais com prostitutas, e.massacraram os judeus
errantes (...) mais por avidez de dinheiro do que pela justiça de Deus"."'
Nesse meio tempo, a força liderada por Pedro, o Eremita, e Gualtério Sem-Haveres havia
chegado a Constantinopla escoltada pela cavalaria dos recém-conquistados
pechenegos, os quais o imperador Aleixo usava como polícia militar. Apesar de terem sido
aconselhados a esperar o resto do exército cruzado, os seguidores de Pedro
foram ficando cada vez mais inquietos e começaram a saquear os subúrbios da cidade. Aleixo
providenciou para que fossem transferidos para o outro lado do Bósforo
e os alojou num acampamento militar perto do território controlado pelos turcos seldjúcidas. Um
ataque bem-sucedido de um contingente francês encorajou alguns alemães
a seguir o exemplo. Quando caíram numa cilada dos turcos, a força principal saiu para libertá-los e
foi aniquilada pelos turcos em 21 de outubro de 1096. Isso marcou
o ignominioso fim da "Cruzada Popular".
87
OS TEMPLÁRIOS
Dois meses após a derrota dessa vanguarda indisciplinada em Xerigordon, nas proximidades de
Nicéia, os primeiros contingentes do tipo de exército que o papa Urbano
tinha imaginado começaram a se reunirem Constantinopla. O primeiro a chegar foi o conde Hugo
de Vermandois, primo do rei da França, que tinha vindo por mar com um
pequeno grupo de cavaleiros e soldados. Em 23 de dezembro, chegou uma força muito maior,
liderada por Godofredo de Bouillon, duque da Baixa Lorena; por seus irmãos,
Eustáquio, conde de Boulogne, e Balduíno de Boulogne; e pelo primo deles, Balduíno de Lê Bourg.
Descendentes de Carlos Magno tanto pelo lado paterno quanto materno (e, segundo uma
lenda posterior, de um ganso), esses quatro eram exemplos clássicos de
guerreiros francos paladinos da Igreja. Seu séquito abrangia a diversidade do antigo império
franco, com cavaleiros de língua alemã e francesa. Godofredo havia conservado
o ducado da Baixa Lorena durante o governo do imperador Henrique IV, mas o fato de ele ter
vendido todas as suas propriedades e seu castelo em Bouillon para financiar
sua participação na cruzada sugere que não tencionava voltar para casa, embora não se saiba se o
seu objetivo era um principado no Oriente ou a coroa do martírio.
Em seguida chegou um contingente de normandos do sul da Itália comandado por Boemundo
de'Iàranto, então com quarenta anos, o filho mais velho de Roberto
Guiscard. Aqui havia menos ambigüidade: os antecedentes dos normandos sugeriam que eles
tinham intenções predatórias, e com justa razão fizeram o imperador Aleixo
sentir certa inquietação. Contudo, Boemundo havia tomado a Cruz com visíveis sinais de sincera
convicção enquanto fazia o cerco a Amalfi, tendo entregado pessoalmente
as cruzes de pano àqueles que queriam juntar-se a ele, entre os quais seu jovem e impetuoso
sobrinho Tancredo. Com seu contingente, eles haviam cruzado O Adriático
da Itália à Grécia, de onde continuaram em perfeita ordem para Constantinopla.
A mesma rota fora seguida por um grupo de poderosos nobres do norte da Europa - Roberto
II, conde de Flandres, cujo pai havia combatido em prol do imperador
Aleixo; Roberto, duque da Normandia, irmão do rei inglês, Guilherme, o Ruivo; e Estêvão, conde
de Blois, genro de Guilherme, o Conquistador -, ao passo que o maior
contigente de todos - provençais e burgúndios sob o conde Raimundo de Toulouse - tomou uma
rota intermediária ao longo da Dalmácia, depois através de Dyrrhachium
até Tessalonica, e daí até Constantinopla. Acompanhava-o Ademar de Lê Puy, designado por
Urbano II como seu legado e líder espiritual da cruzada.
A influência de Ademar era preciosa para conciliar as divergências entre os príncipes francos e
negociar a passagem do exército cruzado pelo Império
AR
O TEMPLO RECONQUISTADO
Bizantino. O imperador Aleixo não havia previsto uma força desse tamanho e apenas permitiu que
seus líderes entrassem em Constantinopla, mantendo as tropas fora
dos muros da cidade. Em abril de 1097, o exército cruzado atravessou o Bósforo sem encontrar
resistência. O sultão turco, Kilij Arslan, induzido por uma falsa sensação
de segurança em virtude de sua vitória anterior sobre o exército de Pedro, o Eremita, atacou os
cruzados fora de Nicéia. Ele aprendeu tarde demais que estava resistindo
a algo mais difícil de vencer: a cavalaria pesada composta de cavaleiros ocidentais. Ana Comneno,
filha do imperador Aleixo, escreveria na biografa do pai que "o
primeiro choque irresistível" de uma investida dos cavaleiros francos "faria um buraco nas
muralhas de Babilônia"."'
A derrota do sultão, seguida pelo cerco de Nicéia não só pelo exército franco, mas também
por uma esquadra bizantina trazida por terra até o lago contíguo
à cidade, fez com que a guarnição de Nicéia se rendesse ao almirante bizantino Butumites.
Embora tivessem desempenhado um importante papel na batalha, os cruzados
cumpriram as promessas que haviam feito ao imperador Aleixo de devolver suas antigas posses e
permaneceram do lado de, fora enquanto as tropas dele entravam na cidade.
Apesar de terem recebido presentes de considerável valor, não houve possibilidade para o tipo de
pilhagem que um exército vitorioso poderia ter esperado como espólios
de guerra.
Não obstante, eles estavam animados. "A menos que Antioquia se revele um obstáculo",
escreveu Estêvão de Blois numa carta à sua esposa, "esperamos estarem
Jerusalém daqui a cinco semanas." Mas a ida foi mais difícil do que haviam previsto, pois não
estavam acostumados ao calor do verão na Anatólia. Havia escassez de
água e, uma vez que os turcos haviam devastado a terra à sua frente, também faltavam alimentos.
Quando se aproximavam de Doriléia, a vanguarda, formada pelos normandos
italianos e franceses, por um contingente bizantino e por alguns flamengos, foi atacada pelo
exército de Kilij Arslan. Os turcos tinham aprendido de sua experiência
de Nicéia e executavam manobras a fim de evitar um ataque frontal da cavalaria dos cruzados.
Seus arqueiros montados cercaram os cruzados. Os soldados de infantaria
cristãos foram defendidos pelo exército de Boemundo e seus cavaleiros, que se mantiveram
firmes até que a retaguarda, sob o comando de Godofredo de Bouillon, Raimundo
de Toulouse e Ademar de Lê Puy, viesse em seu socorro e derrotasse os turcos. O acampamento
turco, abandonado pelo exército em fuga, foi tomado pelos cruzados, e
dessa vez a presa foi deles.
Depois desse segundo triunfo, o exército prosseguiu em sua marcha através da Anatólia. A
fome e a sede continuavam sendo um tormento, e as tropas tiveram
de combaterem duas outras batalhas antes de atingirem um
OS TEMPLÁRIOS
refúgio seguro no reino ristão da Arnênia Cilício, um Estado anômalo na região sudes e da Anatólia
Os armênia tinham sito primeiro aí instalados por imperadores
bizantinos ;orno recompensa pela prestação de serviço militar, e a eles vieram juntar-seos
compatriotas que os ;urcos haviam expulsado do torrão nato armênio, na;
proximidades do lago de Van.
w Após tm período dedescanso e recreação como hóspedes dos armênios em sua capital,
Marash,o exército cruzado, comandado por Ademar de Le Puy, desceu as
colinas, avançou lutando através do rio Orontes, e em 21 de outubro dc 1097 clregoL à cidade
deAntioquia. Á cidade era um espetáculo assustador com cerca ds cinco
quilímetros de extensão e um quilômetro e meio de lagura, fora construída empane na planície do
Orontes, em parte nas encostas escarpadasdo monte Sílpio, e suas
muralhas eram entrecortadas por quttrocentss to>res erguidas pelo imperador Justiniano e
reforçadas pelos bizaitinos cem aros antes; e no seu ponto mais elevado,
a trezentos metros soma da cidade, situava-se a cidadela. Antioquia tinha sido uma das
principaismetrópeles do Império Romano e permanecia não apenas a chave estratégia
para todo o norte da Síria, como também um rico e poderoso principado, com uma população
emgrande parte cristã, mas guarnecida pelos turcos que ahaviarr conquistado
aos bizanrinos doze anos antes.
Os líceres latinos são conseguam chegar a um acordo sobre se deveriam toma a cidade de
assalto ou esperar por reforços. Tirando proveito da hesitaçãoJos
cruztdos,os turcos fatiam sortidas, atacando os grupos enviados para Irocurar comida. O cerco
arrastava-se. Com frio, molhado e faminto, o exército cristão viu seu
moral baixar a ponto de os cruzados começarem a s: perguntar se, Deus não os havia abandonado
como punição por suas más sções. Tendo já perdido un grande número
de cavalos e mulas na marcha aravés da lrtatólia, de moda que três quartos dos cavaleiros tinham
de viajar r pé, eles agora comiam is animais que ainda estavam vivos.
O preço dos alimentos vindos da Armênia tornava-os acessíveis apenas aos ricos, e atuns
flamengos empobrecidos que haviam seguido Pedro, o Eremita, cometidos como
rafurs', comiam os turcos que matavam. "Nossas tropas", esceveu RaRulfode Caen, ";ozinhavam
adultos pagãos em panelas, empalavan crianças emespetos e a; devoravam
depois de grelhadas."'°Z Em janeiro de 1098, Pedro o Eremita, foi pego por Tancredo quando
tentava desertar c forçados regressar. Em fevereiro, o contingente bizantino
abandonou o arco. Para piorar a situação, os cruzados receberam a notícia de que um grancL
exército, comandado po Kerbogha de Mossul, estava em marcha para socorer
Antioquia.
* Denomi,ação oriunda do fato de eles usarem grosseiros mancos de pele. (N. do T)
90
O TEMPLO RECONQUISTADO
Nesse momento de crise, Boemundo de Taranto pôs as cartas na mesa. Ele tinha um traidor
submisso dentro de Antioquia, mas queria a promessa dos outros cruzados
de que a cidade seria sua se ele a capturasse. Pondo de lado as objeções de Raimundo de
Toulouse, o principal rival de Boemundo, o conselho de príncipes concordou.
Ao perceber que a rendição da cidade era iminente, Estêvão de Blois foi embora. No mesmo dia, o
resto do exército cruzado simulou uma retirada para longe dos muros
da cidade, mas voltou sob o manto da noite, foi introduzido na cidade pelo espião de Boemundo e
esta foi tomada. Quando Kerbogha de Mossul chegou a Antioquia, os
sitiantes transformaram-se em sitiados, mas, inspirados pela milagrosa descoberta, sob a catedral,
da Lança Sagrada que havia trespassado o flanco de Cristo, eles
fizeram uma sortida que pôs os sarracenos em fuga.
Gomo se julgou desaconselhável continuar rumo a Jerusalém sob o intenso calor do verão, o
exército cruzado permaneceu em Antioquia, e a data de sua partida
foi marcada para 1° de novembro, Dia de Todos os Santos. Nesse ínterim, os mais intrépidos
puseram-se a caminho, a fim de rivalizar com Balduíno de Boulogne, que
no início daquele ano havia fundado o primeiro Estado latino na área, em Edessa. Ao entrar na
cidade com uma força de apenas oitenta cavaleiros, ele fora saudado
pelo governante armênio, Thoros, e por ele adotado como filho. Todavia, Thoros não era
benquisto por seus súditos monofisitas, e apenas um mês mais tarde, provavelmente
com a conivência de Balduíno, foi deposto e assassinado, deixando Balduíno como o único
governante de Edessa.
Em julho, Antioquia foi afligida pela peste, que em 1° de agosto vitimou Ademar de Le Puy.
Como legado pontifício e líder espiritual da cruzada, e por natureza
sábio e conciliador, ele havia desempenhado um papel inestimável ao serenar os ânimos dos
briguemos e jactanciosos príncipes. Para escaparem da peste, muitos deles
haviam partido de Antioquia, e o moral do exército estava de novo baixo. O rancor existente entre
Boemundo e Raimundo refletiu-se num crescente antagonismo entre
seus seguidores normandos e provençais - a chacota favorita dos normandos era dizer que a Lança
Sagrada era uma fraude.
Em setembro, após regressarem aAntioquia, os príncipes escreveram ao papa Urbano
pedindo-lhe que viesse liderar pessoalmente a cruzada. A festa de Todos
os Santos chegou e passou. Raimundo afinal concordou que Boemundo conservasse Antioquia,
desde que participasse do assalto a Jerusalém, com o que este concordou;
mas a apatia parecia paralisar os líderes. Seguiram-se semanas de procrastinação, e foi apenas a
instâncias de soldados cada vez mais exasperados que os príncipes
finalmente concordaram em nomear Raimundo de Toulouse seu comandante-em-chefe.
OS TEMPLÁRIOS
O exército cruzado parou ae rxtml~yU~a ~•= 13 de janeiro de 1099, marchando entre as
montanhas e a costa do Mediterrâneo. A maioria dos emires locais, em
vez de impedir seu avanço, preferiu prestar apoio à progressiva horda do monstruoso Fraiej. As
forças mais significativas em Damasco, Alepo e Mossul observavam e
aguardavam, pois, a seu ver, não lhes interessava vir em auxílio dos califas fatímidas do Egito, que
no ano anterior haviam reocupado Jerusalém.
Em 7 de junho de 1099, o exército cruzado levantou acampamento diante dos muros da
Cidade Santa. Conquanto fosse menor do que Antioquia, e bem menos importante
em termos políticos e estratégicos, Jerusalém tinha permanecido bem fortificada desde que o
imperador Adriano a reconstruíra. Os bizantinos, os omíadas e os fatímidas
haviam todos renovado as defesas da cidade, e Iftikhar, seu governador fatímida, havia sido
amplamente advertido da aproximação dos cruzados. Os habitantes cristãos
haviam sido expulsos, mas não os judeus. As cisternas da cidade estavam repletas de água e havia
farta provisão de alimentos, enquanto os poços fora da cidade tinham
sido obstruídos ou envenenados. Os muros eram guarnecidos por tropas árabes e sudanesas, e se
havia solicitado ajuda ao Egito.
Conscientes de sua vulnerabilidade a uma força auxiliar, com escassez de alimentos e água, e
carecendo de equipamento pesado, como torres e manganelas, os
cruzados compreenderam que não tinham condições para fazer um cerco prolongado. Apenas um
terço dos que haviam partido da Europa Ocidental dois anos antes ainda
estava vivo - sem levar em conta peregrinos não-combatentes, entre os quais mulheres e crianças,
isso significava uma força de combate de aproximadamente doze mil
soldados de infantaria e mil e duzentos ou mil e trezentos cavaleiros. Eles sabiam que não podiam
contar com a ajuda dos bizantinos: com efeito, o imperador Aleixo,
em vez de ajudá-los, estava em negociações com o califa do Cairo.
Providencialmente, navios da Inglaterra e duas galeras de Gênova haviam chegado ao porto
de )afã, que tinha sido abandonado pelos muçulmanos. Sua carga abasteceu
o exército com alimentos, e também com pregos, porcas e parafusos. rIáncredo e Roberto de
Flandres foram até Samaria à procura de madeira adequada e regressaram
com troncos de árvores no lombo de camelos. Carpinteiros das galeras genovesas puseram-se a
construir torres móveis, catapultas e escadas para escalar as muralhas.
Na noite de 13 de julho teve início o assalto. A primeira torre a alcançar as muralhas foi a de
Raimundo de Toulouse, mas a defesa daquele setor era dirigida
pelo governador muçulmano, Iftikhar, e os provençais não conseguiram um ponto de apoio nos
muros. Na manhã de 14 de julho, a torre de Godofredo de Bouillon foi levada
para junto do muro norte, e por volta de
O TEMPLO RECONQUISTADO
meio-dia fez-se uma ponte do seu andar superior, de onde o próprio Godofredo e Eustáquio de
Boulogne comandaram o assalto. Os primeiros a cruzar a ponte foram dois
cavaleiros flamengos, Litold e Gilberto de Tournai. Atrás deles vieram os cavaleiros que lideravam
o contingente lotaringio, seguidos de perto por Tancredo e seus
cavaleiros normandos. Enquanto Godofredo enviou seus homens para abrirem os portões da
cidade, Tancredo saiu lutando pelas ruas até o monte do Templo, que alguns
muçulmanos tencionavam transformar em seu reduto, mas Tancredo era rápido demais para eles.
Ele tomou a Cúpula da Rocha, pilhou seu precioso conteúdo e, em troca
da promessa de um considerável resgate da parte dos muçulmanos que se renderam, permitiulhes refugiar-se na mesquita ai-Aqsa, ostentando seu estandarte como penhor
de sua proteção.
Iftikhar e sua guarda pessoal recolheram-se à Torre de Davi, que ele em seguida entregou a
Raimundo de Toulouse em troca do tesouro da cidade e de um salvo-conduto
para que ele e seu séquito pudessem deixar Jerusalém. Raimundo aceitou as condições, apossouse da cidadela e escoltou Iftikhar e sua guarda pessoal para fora da
cidade. Foram os únicos muçulmanos que escaparam com vida. Inebriados pela vitória, e ainda
impregnados do ardor da batalha, os cruzados começaram a chacinar os
habitantes da cidade com a mesma indiferença para com a idade ou o sexo das vítimas que fora
demonstrada mais de mil anos antes pelos legionários de Tiro. O estandarte
de Tancredo na mesquita al-Aqsa não bastou para salvar os que nela se haviam refugiado: foram
todos mortos. Os judeus de Jerusalém fugiram para a sinagoga em busca
de segurança, mas os cruzados incendiaram-na e os judeus foram queimados vivos.
Raimundo de Aguilers, capelão de Raimundo de Toulouse, não fez nenhuma tentativa de
minimizar o horror do que tinha visto quando mais tarde descreveu a captura
de Jerusalém em sua crônica. Durante sua visita ao monte do Templo, ele havia caminhado até os
tornozelos em sangue fresco e coagulado. "Em todas as (...) ruas e
praças da cidade, podiam-se ver montes de cabeças, braços e pés. As pessoas andavam, em
termos bem claros, sobre homens e cavalos mortos." Mas para ele os defensores
muçulmanos haviam apenas recebido o que mereciam. "Que puni çâo mais oportuna! O próprio
lugar que durante tanto tempo suportou blasfêmias contra Deus estava agora
encoberto pelo sangue dos blasfemos."
Apologistas muçulmanos não demoraram a chamar atenção para o contraste entre a
selvageria dos francos e a civilidade e humildade do califa Ornar quando capturou
Jerusalém em 638; os cristãos replicaram que os bizantinos haviam se entregado sem luta. Mas
essa polêmica surgiria mais tarde. Agora havia apenas júbilo pelo fato
de terem executado a missão que lhes
OS TEMPLÁRIOS
fora incumbida pelo papa Urbano e de as promessas dos cruzados terem sido cumpridas. Depois
de três anos de sofrimento e penúria, e de uma viagem de três mil e duzentos
quilômetros, em climas inclementes e através de terreno inóspito, os peregrinos haviam chegado
ao fim da viagem. Em 17 de julho, os príncipes, barões, bispos, padres,
pregadores, visionários, guerreiros e criados do acampamento seguiram em procissão pelas ruas
da cidade deserta até a Igreja do Santo Sepulcro. Aí deram graças a
Deus pela extraordinária vitória e celebraram o sacrifício da missa no santuário mais sagrado de
sua religião: o túmulo de onde Jesus de Nazaré, o Templo vivo da
Nova Aliança, ressuscitara dos mortos.
seflanaa parzrte
OS TEMPLÁRIOS
cinco
Os Pobres Soldados
de Jesus Cristo
Nos anos que se seguiram à captura de Jerusalém, foram criados quatro Estados diferentes nos
territórios conquistados, o que veio a ser conhecido como "Outremer"
(ultramar) na Europa Ocidental. No norte ficava o principado de Antioquia, governado por
Boemundo de Taranto, um normando do sul da Itália. A leste, na outra margem
do Eufrates, estava o condado de Edessa, governado por Balduíno de Boulogne. Ao sul de
Antioquia situava-se o condado de Trípoli, do qual se apropriara Raimundo
de Saint-Gilles, conde de Toulouse, que morreu durante o cerco da cidade em 1105. Ainda mais
para o sul, estendendo-se de Beirute, no norte, a Gaza, no sul, ficava
o reino de Jerusalém, governado por Godofredo de Bouillon, que, recusando-se a chamar-se rei
onde Cristo tinha usado uma coroa de espinhos, assumiu em vez disso
o título de "Defensor do Santo Sepulcro".
O papa Urbano II falecera em Roma duas semanas após o triunfo dos cruzados, mas antes que
a notícia da tomada da cidade chegasse ao Ocidente. Antes de morrer,
ele nomeara Daimbert, um arcebispo de Pisa, para suceder a Ademar de Le Puy como legado
pontifício da cruzada. Daimbert tornou-se patriarca de Jerusalém e logo após
a morte de Godofredo, em 1100, tentou fumar-se como um soberano teocrático em seu lugar. Os
cavaleiros francos não aceitaram isso e, ao invés, convocaram de Edessa
o irmão de Godofredo, Balduíno de Boulogne. Este teve menos escrúpulos em adotar o título de
rei, e no dia de Natal de 1100, na Igreja da Natividade, em Belém, o
derrotado Daimbert o coroou rei de Jerusalém.
A ordem social agora vigente na Síria e na Palestina latinas baseava-se no sistema feudal da
Europa Ocidental. Mas ao passo que um exército conquistador
com um líder forte, como Guilherme, o Conquistador, na Inglaterra ou Rogério de Hauteville na
Sicília, havia permitido que esse líder mantivesse o controle sobre
seus vassalos, a maneira pela qual Godofredo de Bouillon e depois Balduíno de Boulogne foram
escolhidos como os primeiros entre seus pares pelos líderes da cruzada
levou-os a enfatizar os direitos dos vassalos e a uma codificação daqueles direitos desconhecidos
no Ocidente. A
97
OS TEMPLÁRIOS
ot ofediênciaos príncipes de Trípoli e Antioquia e dos condes de Edessa aos
rereis de Jcrualém era tão tênue quanto a dos grandes condes e duques aos
reis da flana: eles só se colocavam sob a autoridade deles quando perce
biam yuesa própria segurança estava ameaçada por uma coalizão muçul-
m
nana. Ojovm sobrinho de Boemundo, Taneredo, que havia conquistado a
G
GalilëiacSlon, continuou vassalo do rei Balduíno, mas agia como um prín
ci
ciae so6arab. Também havia transferências dos príncipes dirigentes de um
p
pjincipado~íra outro, como pedras de um tabuleiro de xadrez: quando Boe
m
mundo t'oi apturado numa expedirão contra os turcos danishnaend, Antio
q
qua foigoprnada em sua ausência por Tancredo. Quando Balduíno de
B
Boulogict'~ convocado para o trono em Jerusalém, seu primo Balduíno de
L
Le Boucgccnou-se conde de Edessa. Depois do resgate de Boemundo, foi a
voz de Baldíno de Le Bourg ser capturado, após o que Tancredo assumiu o
g
governoda?dessa, mas voltou paraAntioquia como regente quando seu tio
B
Boemuadoegressou à Europa para buscar reforços.
A r ca,cez de potencial humano era endêmica no ultramar desde o
c
começo.Nloutono de 1099, após aderrota do exército egípcio enviado para
socorrelJci)salém, a maioria dos cruzados sobreviventes iniciou a viagem
d
de voltaacsa. Em Jerusalém, Godofredo de Bouillon foi deixado com cerca
d
de trezcnrcl cavaleiros e mil soldados de infantaria. Ao ascender ao trono,
E
Balduíao ao tinha mais do que isso. Embora não houvesse ameaça imi
n
nente dona invasão fatímida e se pudesse contar com o apoio de cristãos
a
aUtôcmusa frágil situação do reine de Jerusalém só poderia ser assegurada
f
por expo ulterior, e em particular pela tomada dos portos mediterrâ
r
ricos. Casientes dessa necessidade, e ansiando tanto por glória quanto por
r
recomvOs espirituais com que )s primeiros e bem-sucedidos cruzados
t
tinhali cumulados, outros contingentes de franceses, lombardos e
k
bávarosp'aliram da Europa. Foram todos atacados e vencidos ao cruzarem a
f
Anatóli3,upenas um pequeno número escapou, regressando a Constanti
r
nopla.
ao rei Balduíno eram as esquadras das repúblicas marítimas
i
italianas-Pisa, Veneza e Gênova-, que, ao perceberem as oportunidades
c
oferecüas elo domínio latino da costa oriental do Mediterrâneo, barganha
r
rim sevapio no cerco dos portos em troca de privilégios comerciais quando
eles fusca tomados. Haifa, Jafa, Arsuf, Cesaréia, Acre, Sídon, um após o
outro esse' portos sucumbiram às forças latinas, até que, por fim, com a
quedade~iro em 1124, a armada fatímida perdeu todas as bases na Pales-
t
tina e aflolteira litorânea do ultramar ficou livre de perigo.
Apaa1cação do interior era mais problemática. As galeras italianas tam-
1
bém troustam um crescente número de peregrinos que foram inspirados a
98
~ Mediterrâneo
ARMËNIA CILÍCIA
CONDADO DE EDESSr1
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PRINCIPADO DE ANTIOQUI:1
-
ASSASSINOS
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CONDADO DE
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JERUSALÉM
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zoo km
100 milhas
OS TEMPLÁRIOS
fazer peregrinação a Sião devido à notícia da vitória dos cruzados. Alguns portavam armas, mas
outros estavam equipados apenas corri a sacola e o bastão dos peregrinos:
a distinção entre peregrino e cruzado continuava imprecisa. Estes não apenas oravam na Igreja do
Santo Sepulcro a fim de cumprirem suas promessas, como também saíam
em peregrinação a muitos santuários da Judéia e da Somaria que uma familiaridade com as
Escrituras e indiferença à historicidade transformaram num parque temático
da religião cristã. Em Jerusalém, havia a Cúpula da Rocha, agora transformada de mesquita em
igreja, santificando o lugar onde Jesus havia açoitado os cambistas
e conhecida pelos cruzados como o Templo do Senhor. Na extremidade sudeste do monte do
Templo encontrava-se a casa de São Simeão, que continha a cama da Virgem e
o berço e a banheira do menino Jesus; e ao norte da Porta de Josafá, uma igreja construída onde
antes fora a casa dos pais da Virgem Maria, Joaquim e Ana. Nos arredores
da Cidade Santa havia a casa de Zacarias, onde João Batista tinha nascido; o poço de Maria, de
onde eia e José haviam voltado para encontrar Jesus em Jerusalém;
o sítio onde fora abatida a árvore da qual se fez a cruz usada na crucificação de Jesus; e o lugar
onde ele ensinou o Pai-nosso a seus discípulos.
Um caminho bastante trilhado por peregrinos cristãos conduzia, a leste de Jerusalém, a Jericó
e ao rio Jordão, aonde muitos iam para um rebatismo em suas
águas. Aí eles passavam pelo bloco de rocha usado por Jesus para montar no jumento que
cavalgou até Jerusalém no Domingo de Ramos; pela cisterna na qual José havia
sido jogado por seus irmãos; pelo toco da árvore à qual Zaqueu havia subido para ver Jesus; pela
curva da estrada onde o bom samaritano havia encontrado a vítima
de uno assalto; pelo local onde a Sagrada Família havia descansado durante a fuga para o Egito; e
finalmente pelos baixios onde João tinha batizado Jesus com as
águas do Jordão.
Por causa da natureza do terreno e do descontentamento dos muçulmanos entre os
habitantes, o caminho não era mais seguro do que na época do bom ,,>amaritano.
A partir do momento em que desembarcavam em Jafa ou em Cesa.réia, os peregrinos eram
vulneráveis a ataques de saqueadores sarracenos e de bandoleiros beduínos que
viviam nas cavernas das colinas da Judéia. Os peregrinos aunados podiam defender-se, mas não
havia proteção alguma para os desarmados. As forças à disposição do
rei Balduínojá estavam espalhadas ao máximo, protegendo as fortalezas estratégicas e os portos
do Mediterrâneo.
Em 1101, o conde Hugo de Champagne foi à Terra Santa com um séquito de cavaleiros. De 'Iìoyes,
no trecho superior do rio Sena, ele governava um grande c rico principado
que tinha feito parte do reino franco ocidental dei-
OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO
lado por Carlos, o Calvo. Hugo era pio e infeliz no casamento, pois não tinha certeza se era mesmo
pai de seu filho mais velho. Entre seus vassalos estava um cavaleiro
chamado Hugo de Payns. Seu lugar de nascimento era provavelmente Payns, a alguns quilômetros
de Troyes a jusante do Sena. Ele, era parente do conde de Champagne,
tinha o feudo de Montigny e trabalhava como administrador na casa do conde.
I?m 1108, o conde Hugo regressou à Europa, mas em 1114 estava de volta a Jerusalém. Quer
Hugo de Payns o tivesse acompanhado ou não em sua primeira peregrinação,
quer tivesse ido só agora para a 'terra Santa, parece que aí permaneceu quando Hugo voltou de
novo para a Europa. A essa altura, ao rei Balduíno I, que não tinha
tido filhos, sucedera seu primo, Balduíno de Lê Bourg, e ao patriarca Daimbert,'Warmund de
Picquigny. Foi a eles que Hugo e um cavaleiro chamado Godofredo de Saint-Omer
propuseram a organização de uma comunidade de cavaleiros que seguiria a regra de uma ordem
religiosa, mas se devotaria à proteção dos peregrinos. A regra que tinham
em mente era a de Agostinho de Hipona, seguida pelos cônegos da Igreja do Santo Sepulcro em
Jerusalém.
A proposta de Hugo foi aprovada polo rei e pelo patriarca, e no dia de Natal de 1119, Hugo de
Payns e outros oito cavaleiros, entre eles Godofredo de Saint-Orner,
Archambaud de Saint-Aignan, Payen de Montdidier, Geoffroy Bissot e um cavaleiro chamado
Rossal ou possivelmente Rolando, fizeram votos de pobreza, castidade e obediência
perante o patriarca na Igreja do Santo Sepulcro. Eles chamaram a si mesmos "Os Pobres Soldados
de Jesus Cristo", e a princípio não usavam um hábito que os distinguisse,
e sim as roupas de sua profissão secular. A fim de proporcionar-lhes uma renda suficiente, o
patriarca e o rei dotaram-nos com vários benefícios. O rei Balduíno
II também lhes providenciou um lugar para viver, encontrando espaço no palácio em que ele
transformara a mesquita al-Aqsa, na borda sul do monte do Templo, conhecido
pelos cruzados como o Tenaplum Salomonzs- o 'Ièmplo de Salomão. Em conseqüência, eles vieram
a ser conhecidos sucessivamente como "Os Pobres Soldados de Jesus Cristo
e do Templo de Salomão", "Os Cavaleiros do Templo de Salomão", "Os Cavaleiros do Templo",
"Os'lèmplários" ou simplesmente "O Templo".
E possível que a intenção original de Hugo de Payns e seus companheiros fosse apenas retirarse para um mosteiro, ou talvez fundar uma confraria leiga comparável
ao hospício de São João, que havia sido fundado pelos mercadores de Amalfi antes da Primeira
Cruzada para cuidar dos peregrinos. fliguel, o Sírio, um cronista medieval,
sugeriu-que foi o rei Balduíno, mais do que consciente de sua incapacidade de administrar o reino,
quem persuadiu Hugo de Payns e seus companheiros a continuarem
a ser cavaleiros em
OS TEMPLÁRIOS
vez de se tornarem monges, "a fim de trabalharem para salvar a alma dele e de protegerem estes
lugares contra ladrões". Outro historiador das cruzadas medieval,
Jacques de Vitry, descreve a natureza dual de seu juramento: "defender os peregrinos contra
salteadores e estupradores", mas também observar "pobreza, castidade
e obediência, de acordo com as regras de padres ordinários".
A decisão de permanecerem em armas deve ter sido inspirada pela crescente insegurança dos
latinos no ultramar. Um grupo de setecentos peregrinos desarmados
que viajavam de Jerusalém ao rio Jordão na Semana Santa de 1119 foi emboscado pelos
sarracenos: trezentos foram mortos e sessenta levados como escravos. Saqueadores
sarracenos haviam chegado até os muros de Jerusalém, e havia se tornado perigoso sair da cidade
sem uma escolta armada. Mais tarde, ainda nesse ano, chegou ao reino
a notícia de uma catástrofe no principado de Antioquia: Rogério, atuando como regente de
Boemundo II, filho de seu primo Boemundo, havia sido assassinado numa emboscada
e suas forças aniquiladas no que veio a ser chamado de "Campo de Sangue". Isso levou a urgentes
pedidos de ajuda ao papa Calisto II, aos venezianos e até ao arcebispo
de Compostela, no Noroeste da Espanha. Como sempre, os reveses foram vistos como castigo
divino: achava-se que alguns dos latinos que tinham se estabelecido na Terra
Santa se haviam suavizado e corrompido pelos costumes lassos do Oriente. Uma reunião de
líderes leigos e espirituais em Nablus, em janeiro de 1120, saudou o projeto
de Payns tanto por seu potencial espiritual quanto prático.
Não se sabe se foi feita uma consulta ao papa Calisto II em Roma sobre a fundação dessa
confraria, mas, como filho do conde Guilherme da Borgonha, ele provavelmente
teria sido favorável às aspirações dos cavaleiros. Tampouco o que deve ter-se afigurado uma boa
idéia na época-a fusão de habilidades militares com vocação religiosa
- parece ter sido considerado como um desvio radical de qualquer norma. Já vimos como a
aprovação da luta por uma causa justa por teólogos católicos havia evoluído
para uma santificação da cruzada - parecia quase inevitável que o "mosteiro nômade" mais cedo
ou mais tarde tomasse a forma de uma ordem militar.
Em 1120, Foulques de Anjou, um poderoso nobre do centro da França, foi em peregrinação à
Terra Santa e associou-se aos Pobres Soldados de Jesus Cristo. Parece
que ele havia desenvolvido um elevado conceito do mestre deles, Hugo de Payns, e após seu
regresso dotou a Ordem com uma renda regular. Vários outros nobres franceses
fizeram o mesmo. Em 1125, Hugo, conde de Champagne, voltou a Jerusalém pela terceira e última
vez. Ele havia repudiado sua; nfiel esposa, deserdado o filho que acreditava
não fosse seu e transmitido o condado de Champagne a seu sobrinho Teobaldo.loa
OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO
Hugo renunciou então a todos os seus bens, materiais e fez os votos de pobreza, castidade e
obediência como um pobre soldado de Jesus Cristo.
Esse não foi o mais significativo ato penitenciai do conde Hugo. Uns dez anos antes, ele havia
dado uma extensão de terra inculta e reflorestada, a mais
ou menos sessenta e cinco quilômetros a leste de 'Iroyes, a um grupo de monges liderados por
Bernardo de Fontaines-les-Dijon, um jovem nobre burgúndio. Essa fundação
em Clairvaux era um ramo da Abadia de Citeaux, da dual uma nova ordem monástica, os
cistercienses, tomou seu nome. Citeaux fora fundada em 1098 por um abade beneditino,
Roberto de h-lolesme, que percebeu que as comunidades cluniacenses haviam abandonado os
rigores e a simplicidade da regra de Bento de Núrsia. Com suas dotações maciças
e poderes e responsabilidades conseqüentes, os abades e priores cluniacenses haviam sido
atraídos pelos negócios do mundo secular. Deixando aos servos o cultivo
de suas terras, os monges haviam abandonado o trabalho braçal para trabalhar ou como
funcionários da administração ou como "monges do coro" devotados a uma soberba
liturgia, elaborada com uma pletora de novas devoções. A igreja da abadia em Cluny, a maior da
Europa, 'era ricamente decorada e seus ornatos eram fabulosos. O dinheiro
jorrava nos cofres monásticos, proveniente não apenas das rendas, dos dízimos e dos direitos
feudais, como também do fluxo de peregrinos que partiam de Cluny e passavam
pelas estações de posta a caminho do santuário de São Tiago em Compostela, no noroeste da
Espanha.
Um breve relato dessa nova fase de renovação monástica revela os estreitos vínculos
daqueles envolvidos nos primeiros dias dos templários. Roberto de Molesme,
como Hugo de Payns, nasceu nas proximidades de Troves. Tornou-se monge beneditino aos
dezesseis anos e mais tarde foi abade do mosteiro cluniacense de São Miguel
de Tonnerre, a cerca de cinqüenta quilômetros de Châtillon-sur-Seine, onde Bernardo freqüentou
a escola. A pedido de um grupo de eremitas que viviam na vizinha floresta
de Colam Roberto abandonou seu cargo para ensiná-los a viver de acordo com a regra beneditina.
Mais tarde ele levou essa comunidade para terras pertencentes à sua
família, situadas num penhasco de onde se descortinava a vista do pequeno rio Laignes, entre
Zónnerre e Châtillon-sur-Seroe, onde fundaram o mosteiro de Molesme.
Dois outros monges à procura de um árduo caminho para a perfeição passaram por Molesme.
Um foi Bruno, nascido em Colônia, que havia estudado e mais tarde
ensinado na escola da catedral em Reims. Entre seus discípulos, estava o jovem nobre burgúndio
Odon de Lagery, que prosseguiu seus estudos até tornar-se monge de
Cluny e depois o papa que pregou a Primeira Cruzada, Urbano II. Depois de desavir-se com o
arcebispo de Reims,
OS TEMPLÁRIOS
Bruno retirou-se do mundo para viver como eremita perto de Molesme, ;nas, julgando seu refúgio
insuficientemente remoto, foi para o sul, para Savoy, e fundou um
conglomerado de eremitérios nas montanhas de Chartreuse. La Grande Chartreuse (A Grande
Cartuxa) tornou-se a casa-mãe da mais rigorosa de todas as ordens monásticas,
a dos cartuxos, com suas ramificações, ou cartuxas, por todo o mundo.
Um segundo monge que passou por Molesme foi um inglês, Estêvão Harding, membro da
nobreza anglo-saxã cuja família se tinha arruinado em conseqüência da Conquista
Normanda em 1066. Indo primeiro para a Escócia, e daí para a França, Estêvão estudou em Paris e
em 1085, aos vinte e cinco anos, fez uma peregrinação a Roma, onde
recebeu a tonsura de um monge beneditino, e depois retornou pelos Alpes para juntar-se à
comunidade de Molesme.
A essa altura, a reputação de santidade de Roberto tinha atraído dotações que, por sua vez,
haviam provocado em muitos dos monges uma lassidão que ele julgava
incompatível com seu conceito de vida beneditina. Em 1098, o ano anterior à rendição de
Jerusalém aos cruzados, Roberto deixou Molesme com quase vinte adeptos, entre
eles Alberico e Estêvão Harding, e, após uma breve estada na diocese de Langres, foram para o sul
a fim de fundarem uma comunidade em Citeaux, a aproximadamente
vinte e cinco quilômetros ao sul de Dijon. Aí eles puderam viver de acordo com o seu conceito da
regra de Bento de Núrsia. Abandonaram as longas litanias e orações
que ocupavam o dia inteiro dos monges do coro de Cluny e rejeitaram todos os vínculos com a
nobreza local. A comunidade devia ser auto-suficiente: o trabalho braçal
pesado tornou-se parte da rotina diária do monge. Como símbolo de sua dedicação a uma vida de
pureza, mudaram a cor do hábito de preta para branca. Recusavam-se
a aceitar oblatos infantis e não empregavam servos, mas aceitavam irmãos leigos para
trabalharem em suas propriedades, os quais - caso estas se situassem a certa
distância do mosteiro
viviam numa "herdade".
Na ausência de Roberto, Molesme tinha entrado em declínio. O papa Urbano II ordenou-o a
voltar. Sucederam-lhe como abades em Citeaux primeiro Alberico de
Aubrey e depois Estêvão Harding. Impressionados com a sua austeridade, os papas viriam a
conceder posteriormente aos cistercienses isenções do pagamento de dízimos
e tributos senhoriais; mas seu distanciamento afastou a nobreza da Borgonha, e a austeridade que
impressionou papas dissuadiu aqueles com vocação monástica. Nos
primeiros anos do abadado de Estêvão Harding, tinha-se a impressão de que o projeto fracassaria.
Então, em 1113, o jovem e carismático Bernardo chegou de Fontainesles-Dijon
com trinta e cinco parentes e amigos seus. A ordem cisterciense
(7S POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO
passou por um rejuvenescimento. Antes do fim do século haveria mil e duzentas comunidades
filiadas a Citeaux por toda a Europa.
Três anos após sua admissão em Citeaux, o próprio Bernardo levou doze outros monges para
darem início a um mosteiro no arborizado vale do Absinto, doado por Hugo,
conde de Champagne, e conhecido como um refúgio de salteadores. Eles mudaram o nome para
vale da Luz (Clairvaux) e começaram a desbravar o terreno e a construir
uma igreja e uma habitação. Clairvaux logo atraiu um intenso fluxo de fervorosos rapazes.
No fim do século XX, quando um monge é visto como algo excêntrico à margem da sociedade,
é difícil entender como tantos jovens que pertenciam à elite do
seu país haviam optado por uma vida de renúncia. Sem necessariamente pôr em dúvida a
sinceridade e convicção de cada um que estava respondendo a um chamado de Deus,
não se deve esquecer que a escolha de um descendente de uma casa nobre, ou mesmo da
pequena nobreza, era então, e continuaria a ser por algum tempo, entre lutar
e orar, entre a guerra e o ministério, entre o escarlate e o preto.
Por conseguinte, um rapaz com uma índole sensível ou estudiosa, ou simplesmente com
aversão à violência e ao derramamento de sangue, bem poderia ser direcionado
para a vocação religiosa por uma mãe pia e amorosa -- este parece ter sido o caso de Bernardo e
sua mãe, Arlete de Montbard. Aqueles que ingressassem num mosteiro
menos rigoroso como Cluny poderiam contemplar uma carreira como administrador eclesiástico
ou homem de Estado, terminando, a exemplo de Odon de Lagery, como papa.
Ou eram livres para dedicar-se à erudição e ao saber: Estêvão I-larding foi um erudito de primeira
ordem, que revisou o texto da Bíblia latina e pediu a rabinos
que o ajudassem a entender o hebraico do Antigo Testamento.
A decisão de Bernardo de escolher o portão mais estreito e o caminho mais íngreme para o
Reino dos Céus em Citeaux demonstra a pureza de sua vocação. Também
revela certo grau de autoconhecimento: pelo seu próprio relato, sua natureza irascível e até
mesmo violenta só poderia ser domesticada pela vida austera seguida
pelos cistercienses. Indícios dessa natureza são encontrados em sua discussão sobre um jovem
monge com Pedro, o Venerável, abade de Cluny. Em sua carta a Pedro,
Bernardo desdenhosamente contrastou a vida aprazível, fácil e luxuosa em Cluny com a dieta
frugal e o severo regime em Clairvaux. Arrebatado por sua própria retórica,
Bernardo censura severamente a degeneração moral da comunidade de Pedro. Ele é ardente,
provocador, obstinado, revolucionário: até mesmo a beleza de Cluny é um sintoma
de corrupção. Pedro, em sua réplica, é conservador, moderado, conciliador, gentil.
OS TEMPLÁRIOS
Outro aspecto da vocação monástica que surpreende e mesmo afronta as normas aceitas do
fim do século XX é o elevado valor atribuído à castidade. É difícil
não sentir pena das aristocráticas moças da Borgonha e da Champagne quando seus maridos
potenciais retiravam-se para trás dos muros dos mosteiros cistercienses.
Cristo tinha louvado aqueles que "se fizeram eunucos" por causa do Reino; e o apóstolo Paulo, nos
primeiros dias da Igreja, havia escrito que, embora fosse bom ser
casado, permanecer solteiro era melhor. Agostinho de Hipona, como vimos, pensava que uma
entrega sincera a Cristo era incompatível com o casamento; e uma das principais
campanhas do papado nesse período era a insistência no celibato para o clero.
Vários fatores concorrem para explicar o que no século XX talvez pareça uma neurose. Em
primeiro lugar, a equação fundamental da vida eremítica era que a
indulgência de instintos atávicos fechava os canais para o espírito de Cristo. A própria força e
intensidade do sexo, e o modo pelo qual ele compromete a vontade,
tornavam-no um obstáculo no caminho da santidade. Também havia a idéia proposta por
Agostinho de Hipona, nunca desenvolvida e mais tarde abandonada, de que o Pecado
Original de Adão e Eva tinha algo a ver com o sexo e que foi transmitido pelo ato sexual. Uma
sensação de repulsa pelo nosso aparelho reprodutor é encontrada, no
judaísmo, na impureza ritual de uma mulher durante o período menstrual, e nas Confissões, de
Agostinho, na aversão por ele expressa às suas emissões noturnas involuntárias.
Será que isso significava que mesmo dentro do casamento o sexo era errado? Por volta do
século XI, existiam duas correntes de pensamento contraditórias na
doutrina da Igreja. Por um lado, havia moralistas monásticos que julgavam que as relações sexuais
conjugais só poderiam ser justificadas se o seu propósito fosse
a procriação-e ainda assim a conjunção carnal continha certo grau de pecado. O expoente mais
radical desse ponto de vista era Pedro Damião, um dos principais ideólogos
das reformas gregorianas - um monge que fez carreira na administração pontifícia até tornar-se
cardealbispo de Óstia, vivia à base de pão grosseiro e água choca,
usava uma cinta de ferro ao redor dos quadris e submetia-se a freqüente e severa flagelação. Ele
considerava o casamento "como um disfarce obscuro para o pecado,
e se regozijava com qualquer expediente que desencorajasse os homens em quem a imagem
divina fora estampada de envolver-se em algo tão degradante"."'
Ao mesmo tempo, era crescente a insistência do papado na natureza sacramental do
casamento como uma condição sagrada que, para sua validade, dependia de
livre consentimento. Em meados do século XII, o papa
OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO
inglês Adriano IV decidiu que esse direito se aplicava até a escravos; e "embora se passassem
muitos longos anos até que a sociedade ocidental acreditasse em seus
próprios ouvidos, a decisão dele afinal prevaleceu"."'
Inevitavelmente, se o sexo era um pecado fora do casamento e uma fonte de imperfeição
mesmo dentro dele, era melhor evitar a fonte de tentação. Era axiomático
que monges não deviam misturar-se com mulheres, cujos olhares convidativos haviam induzido
muitos homens bons à perdição. "Nenhuma comunidade religiosa era mais
radicalmente masculina em sua têmpera e disciplina do que os cistercienses, nenhuma evitava o
contato com o sexo feminino com maior determinação ou erguia barreiras
mais difíceis contra a intrusão de mulheres." É claro que igualmente tentadores para as mulheres
eram os rapazes bonitos, e foi sem dúvida pensando na salvação de
suas almas, mas também em assegurar o futuro das mulheres solteiras de sua própria família e das
famílias de seus monges, que Bernardo fundou em Jully, próximo a
Molesmé, uma comunidade de freiras, entre as quais sua própria irmã caçula, Humbeline.
Será que essas moças se tornaram freiras voluntariamente? Segundo a hitaprima de Bernardo
de Clairvaux, Humbeline tinha sido casada e levado uma vida mundana
antes de ser persuadida pelo irmão a se arrepender e, com consentimento do marido, tornar-se
freira." Aconteceu o mesmo com Guido, o irmão mais velho de Bernardo:
ele era casado e tinha duas filhas, e no entanto foi convencido por Bernardo a renunciar a elas e
ingressar na comunidade em Clairvaux. É ,evidente que aqui estava
um profeta plenamente reconhecido em seu próprio país. Em que consistia a natureza do carisma
de Bernardo? Seu biógrafo na pita prinaa considerava-o bonito: o corpo
era esguio e frágil; a compleição, mediana; a pele, macia; os cabelos, louros e a barba,
avermelhada; a tez, fresca e rosada. Mas seu poder sobre os outros procedia
claramente de sua personalidade e convicção. "Sua face irradiava um intenso esplendor, cuja
origem não era terrena, mas celestial (...) até mesmo sua aparência física
era transbordaste de pureza interior e abundância de graça."'°9 É inútil especular como ele teria
aparecido na televisão; tudo o que precisamos saber em relação
aos templários é que Bernardo de Clairvaux, conforme sintetizado por Dom David Knowles, um
historiador beneditino contemporâneo nosso, era
um da pequena categoria de grandes homens no mais alto grau, cujos dons e oportunidades
foram exatamente harmonizados. Gomo líder, como escritor, como pregador e
como santo, seu magnetismo pessoal e sua força espiritual eram importantes e irresistíveis.
Homens vinham de todos os rincões da Europa para Clairvaux e eram enviados
de novo por todo o continente (... ). Por
Os TE \7PLARIOS
quarenta anos, Citeaux-Clairvaux foi o centro espiritual da Europa, c outrora São Bernardo teve
entre seus ex-mondes o papa, o arcebispo de York c muitos cardeais
e bispos.] 1,1
Em 1127, Hugo de Payns foi enviado pelo rei Balduíno II com Guilherme de Burros numa missão
diplomática à Europa Ocidental. O objetivo dessa missão era persuadir
Foulques de Anjou a desposar Welissanda, filha do rei Balduíno, e tornar-se herdeiro do trono de
Jerusalém - e recrutar tropas para um planejado ataque a Damasco.
Hlugo tinha um terceiro objetivo: conquistar recrutas e obter a sanção do papa para sua ordem, os
Cavaleiros do Templo. Não se sabe qual era o tamanho da Ordem nessa
ocasião: os cronistas mencionam apenas os nove fundadores, mas o próprio fato de que o mestre
tenha sido escolhido pelo rei Balduíno para essa importante müssão,
e de que ele se julgava capaz de fazer com duo alguns cavaleiros entrassem para o seu séquito,
sugere que a Ordem havia alcançado certo prestígio no ultramar.
Sem dúvida, o rei Balduíno julgou que sua oferta a Foulques e à nobreza européia fosse
atraente: cinco anos antes, sua posição tinha sido desesperadora,
mas agora ele podia fazer esse apelo de uma posição de poder. Corri Tiro nas mãos dos latinos, ele
podia contemplar um ataque ao interior do território muçulmano.
Em 1124, ele havia sitiado Alepo; em 1125, tinha derroxado um exército sarraceno em Azaz e feito
incursões no território damasceno. No início de 1126, com a força
militar completa de seu reino, havia penetrado ainda mais no território damasceno, com
considerável êxito. A própria Damasco parece ter estado ao seu alcance: com
reforços e uma derradeira arremetida, ela poderia ter caído, afastando a ameaça de muçulmanos
do interior, criando um novo principado para os latinos e fornecendo
quantidades fabulosas de presas de guerra.
Como Balduíno tinha três filhas e nenhum filho, era evidentemente indispensável para a
estabilidade em longo prazo do reino que Melissanda, sua filha mais
velha, se casasse com um homem de certa posição social. Independentemente do que os papas
pudessem dizer a respeito da validade de um casamento que dependesse do
livre consentimento do casal, era essencial à segurança do ultramar que cada feudo tivesse um
líder forte. Gomo concessão à maior probabilidade de um homem morrer
jovem, tinha-se convencionado que um feudo poderia ser herdado por sua mulher e filhos. No
entanto, nem uma mulher nem uma criança poderiam comandar cavaleiros em
batalhas. Portanto, era imperativo que, logo após a morte de um barão, sua mulher desposasse
alguém que pudesse fazê-lo. Não existem provas de
OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO
que as próprias esposas questionassem essa necessidade, embora, como veremos, seus
sentimentos às vezes influíssem na escolha.
A viagem de hlugo à Europa foi um enorme sucesso. Em abril de 1128, encontramo-lo em
Anjou visitando Fouldues em Le Mans. I?mjunho, Godofredo, filho de Foulques,
casou-se cota Matilda, a herdeira de Henrique I da Inglaterra, deixando Fouldues livre para mudarse para Jerusalém e desposar iylelissanda. O rei Henrique I reagiu
com generosidade à arrecadação de fundos de Hugo, dando-lhe "grandes tesouros, que consistiam
em ouro e prata ", o que sem, dúvida pavimentou o caminho para a bem-sucedida
viagem de Hugo pela Inglaterra, pela Escócia, pela França e por Flandres, recolhendo pequenas
doações de armaduras e cavalos e dotações mais significativas dos condes
de Blois e de Flandres, e de Guilherme II, castelão de Saint-Olner, na Picardia, pai"' de Godofredo
de Saint-Omer, que, junto com Hugo cie Payns, fora o co-fundador
dos Pobres Soldados de Jesus Cristo.
Não está de todo clara se a arrecadarão de fundos de Hugo foi especificamente para sua
Ordem ou, de modo mais geral, para a planejada campanha do rei Balduíno
IT contra Damasco. ACrôjr2caflyaglo-Saxã relata, sem dúvida com certo exagero, duo Hugo
conseguiu recrutar mais pessoas do que o papa Urbano II para a Primeira Cruzada.
Numerosas escrituras públicas mostram nobres francos vendendo seus bens ou levantando
empréstimos para financiar sua participação numa cruzada.
A autoridade que Balduíno deu a Hugo e seu sucesso no recrutamento de nobres importantes
para o assalto a Damasco sugerem que ele era uma figura investida
de mais autoridade do que antes se supunha. O selo primitivo dos templários exibia dois cavaleiros
montando um único cavalo para simbolizar sua pobreza, mas não
existe nada que sugira que Hugo viajou pela Europa dessa forma. Não obstante a turbulência
política na Europa possa ter impedido monarcas de primeira categoria,
tais como os reis da Inglaterra e da França e n conde de Flandres, de tomar a Cruz, eles haviam
reagido de maneira entusiástica ao pedido de Hugo de ajuda à sua
Ordem militar.
Mais importante ainda, contudo, foi a aprovação da nova Ordem pela Igreja. Como o
historiador Joshua Prawer assinala, "no uso medieval, oido significava
bem mais do que uma organização ou pessoa jurídica, porque
incluía a idéia de uma função social e pública. Os homens que pertenciam a
um O1-(Io não seguiam simplesmente seu destino pessoal, mas ocupavam
um lugar numa forma de organização política cristã"."' A fim de assegurar
essa aprovação, Hugo compareceu perante o concílio da Igreja reunido em
T royes em janeiro de 1129. O conde Teobaldo de Champagne era anfitrião
dos veneráveis sacerdotes, e na presidência do concílio estava o legado pon
tifício, Mateus de Albano. A maioria dos prelados presentes eram franceses
109
OS TEMPLÁRIOS
- dois arcebispos, de Reims e de Sens, dez bispos e sete abades, entre eles
Estêvão Harding, abade de Molesme, e Bernardo, abade de Clairvaux.
A despeito da sanção prévia do patriarca de Jerusalém, a aprovação do concílio não foi uma
conclusão precipitada. Uma carta de encorajamento, que se julga
ter sido escrita por Hugo aos irmãos em Jerusalém enquanto ele estava na Europa, sugere uma
crise no estado de ânimo deles. Havia - e continuava a haver - dúvidas
no espírito de alguns eminentes sacerdotes acerca da moralidade da guerra: alguns eram de
opinião que a reprimenda de Cristo a Pedro quando este decepou a orelha
do servo do sumo sacerdote significava que o uso da violência era incompatível com a vida de um
religioso professo. O culto lombardo Anselmo, arcebispo de Canterbury,
havia considerado o ato de tomar a Cruz para ir em cruzada imensamente inferior à vocação
monástica: "Para ele, a escolha importante era simplesmente entre a Jerusalém
celestial (...), que seria encontrada na vida monástica, e a carnificina da Jerusalém terrena neste
mundo, que, sob qualquer que fosse o nome, não passava de uma
visão de destruição (...)".'"
Todavia, Anselmo estava agora morto e a preeminência por ele conquistada em virtude de
sua santidade e sabedoria tinha passado para Bernardo de Clairvaux.
Apesar de sua vida encerrada em Clairvaux, Bernardo sabia da fundação da Ordem dos Templários
por intermédio do conde Hugo de Champagne, seu amigo e benfeitor. Ao
ouvir que Hugo havia entrado para a Ordem em Jerusalém, Bernardo escreveu-lhe congratulandoo, mas ao mesmo tempo lamentando-se de que ele não tivesse optado por
tornar-se monge em Clairvaux. Devido ao patrocínio anterior de Hugo, Bernardo deve ter tido
certa dívida de gratidão para com esse grande nobre que havia renunciado
ao mundo. Um homem ainda mais estreitamente relacionado com os templários era o tio mais
moço de Bernardo, André de Montbard, meioirmão de sua mãe. Ambos devem tê-lo
mantido informado das necessidades do ultramar: em 1124, quando o abade cisterciense de
Morimond propôs a fundação de um mosteiro na Terra Santa, Bernardo rejeitou
a idéia alegando que "as necessidades lá são cavaleiros que combatam, e não monges que cantem
e se lamentem". 114
Para atrair o apoio de Bernardo, Hugo de Payns lhe escrevera de Jerusalém pedindo-lhe ajuda
na obtenção de "confirmação apostólica" e na redação de uma Regra
de Vida. Ele enviou o pedido aos cuidados de dois cavaleiros, Godemar e André - é possível que
este último fosse o tio de Bernardo, a quem ele dificilmente se recusaria
a atender. Embora prostrado pela febre; Bernardo obedeceu a uma convocação imperativa para
participar do concílio da Igreja em Troyes e claramente dominou os debates:
Jean Michel, que registrou as atas do concílio, disse que o fez "por ordem do concílio e do
OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO
venerável padre Bernardo, abade de Clairvaux","5 cujas palavras eram "prodigamente elogiadas"
pelos prelados ali reunidos. A única oposição - cujas razões são desconhecidas
- veio de João, bispo de Orléans, descrito pelo cronista Ivo de Chartres como um "súcubo e
sodomita" e conhecido pela alcunha de "Flora"."`
I Iugo de Payns, acompanhado de cinco membros da Ordem - Godofredo de Saint-Omer,
Archambaud de Saint Armand, Geoffroy Bisot, Payen de NIontdldier e um certo
Rolando -, descreveu a fundação da Ordem e apresentou sua regra. Examinada atentamente e
revisada pelos padres do concílio, foi transcrita por Jean Michel num documento
de setenta e três artigos. A influência cisterciense logo se faz notar. O prólogo nada tem de bom a
dizer sobre a cavalaria secular: ela "desprezou o amor à justiça
que constitui seus deveres e não fez o que deveria, que é defender os pobres, as viúvas, os órfãos
e as igrejas, mas empenhou-sé em pilhar, roubar e matar";"' mas
agora àqueles que se juntavam aos templários oferecia-se a oportunidade de "abandonar a massa
da perdição" e de "revitalizar" a ordem de cavalaria e ao mesmo tempo
salvar suas próprias almas. Isso significava renúncia total e, quando não ocupados com obrigações
militares, viver a vida de um monge. "Vós que renunciais a vossos
próprios anseios (... ) para a salvação de vossas almas (... ) esforçai-vos em toda a parte, com
desejo sincero, por ouvir as matinas e todo o serviço de acordo
com a lei canônica (...)"; e se as circunstâncias tornassem isso impossível, "em vez de rezar as
matinas, ele deveria rezar treze pai-nossos: sete para cada hora
e nove para as vésperas".
Assim como nas ordens beneditina e cisterciense se fazia uma distinção entre o monge e o
irmão leigo, a diferença entre um cavaleiro do Templo e um sargento
ou escudeiro deveria tornar-se evidente pela sua vestimenta. "Ordenamos que os hábitos de
todos os irmãos sejam sempre de uma só cor, ou seja, brancos, pretos ou
marrons." O branco só poderia ser usado por um cavaleiro de profissão plena, "a fim de que
aqueles que renunciaram à vida de trevas reconheçam uns aos outros como
tendo sido reconciliados com o seu criador pelo símbolo de seus hábitos brancos, que significam
pureza e castidade absoluta". Castidade, isto é, celibato, era a
condição sinequa non do juramento do cavaleiro. "A castidade é a convicção do coração e a
sanidade d0 corpo. Pois se um irmão não fizer o voto de castidade ele não
poderá alcançar o descanso eterno nem poderá ver Deus, conforme a promessa do apóstolo que
disse (...) `Esforçai-vos para levar a paz a todos, conservai-vos castos,
sem o que ninguém pode ver Deus'."
Consentia-se que homens casados ingressassem na Ordem com a permissão de suas esposas,
mas não podiam usar o hábito branco, e as viúvas, embora fossem sustentadas
pela Ordem por causa do domínio feudal trazido
OS TEMPLÁRIOS
por seus maridos, deviam, como as outras parentas dos cavaleiros, ser banidas das comunidades
dos templários.
A companhia de mulheres é uma coisa perigosa, pois por causa dela o velho diabo tem desviado
muitos do reto caminho do Paraíso (...).
Acreditamos que seja perigoso para qualquer religioso olhar demais para o rosto de uma
mulher. Por esta razão nenhum de vós deve atrever-se a beijar uma
mulher, seja viúva, moça, mãe, irmã, tia, seja outra qualquer; e doravante os Cavaleiros de Jesus
Cristo devem evitar a qualquer preço os abraços das mulheres, pelos
quais os homens muitas vezes se arruinaram, a fim de que possam permanecer eternamente
perante a face de Deus com a consciência pura e a vida firme."
Seguindo a regra de Bento de Núrsia, possivelmente como precaução contra outras formas de
pecado sexual, o dormitório onde os cavaleiros dormiam deveria
estar "iluminado até de manhã"; e os templários tinham de dormir "vestidos com camisa e calções
e sapatos e cinto". Isso talvez visasse a capacitá-los a lutar em
pouco tempo: "ordenamos que todos façam o mesmo, de modo que cada um possa vestir-se e
despir-se, e calçar e tirar suas botas com facilidade". O fanqueiro da Ordem
visava a assegurar que as roupas dos cavaleiros lhes assentassem bem e que seus cabelos fossem
cortados curtos; todavia, não lhes era permitido barbear-se: todos
os cavaleiros do Templo usavam barba. Não devia haver variações de seus trajes de acordo com a
moda: "nenhum irmão terá uma peça de pele em suas roupas (...). Nós
proibimos sapatos de bico fino e cadarços e vedamos seu uso a qualquer irmão (...) pois é
manifesto e bastante conhecido que essas coisas abomináveis pertencem aos
pagãos",
Como os monges, os cavaleiros tinham de comerem silêncio no refeitório. Porque "se sabe
que o hábito de comer carne corrompe o corpo", o consumo de carne
era permitido apenas três vezes por semana - abster-se por completo, como os cistercienses,
enfraquecê-los-ia como combatentes. Aos domingos, os cavaleiros e o clero
tinham permissão para fazer duas refeições à base de carne, ao passo que os escudeiros e os
sargentos "devem contentar-se com uma refeição e ser gratos a Deus por
ela". Às segundas e quartas-feiras e aos sábados, os irmãos podiam fazer duas ou três refeições à
base de vegetais e pão. Eles tinham de jejuar às sextas-feiras,
e durante os seis meses entre Todos os Santos (1° de novembro) e a Páscoa deviam consumir uma
quantidade mínima de alimentos. Os doentes estavam isentos do jejum.
Um décimo da comida dos templários e todas as sobras eram destinados aos pobres.
OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO
Pode-se perceber nessa primitiva regra dos templários o medo de Bernardo de Clairvaux e dos
padres do concílio de que, sem a salvaguarda do enclausuramento
monástico, os cavaleiros do Templo resvalassem de volta para os hábitos do mundo. A Ordem
poderia possuir terras e beneficiar-se do trabalho de arrendatários e vilões,
os quais ela deveria governar de maneira justa. Também lhe era permitido receber dízimos como
parte de uma dotação leiga ou clerical. A falcoaria e a caça eram proibidas,
exceto ao leão, o qual, como Satã, "vem rodeando e procurando o que possa devorar". Não só
sapatos de bico fino e cadarços eram proibidos a um cavaleiro do Templo,
mas também ornamentos de ouro ou prata em suas rédeas e uma sacola de linho ou lã para
comida.
Os irmãos tinham de evitar a frivolidade em duas conversas - "palavras vãs e gargalhadas
pecaminosas" - e tampouco deviam passar o tempo tagarelando, "pois
está escrito (...) que conversa em excesso não é destituída de pecado". Eles não podiam jactar-se
de suas proezas passadas: "nós proibimos e impedimos com firmeza
qualquer irmão de narrar a outro ou a qualquer pessoa os atos de bravura por ele praticados na
vida secular, os quais deveriam.antes ser chamados disparates cometidos
na execução dos deveres de um cavaleiro, e os prazeres da carne que ele teve com mulheres
imorais". Eles tinham de evitar "a praga da inveja, do rumor, do ressentimento
e da maledicência"; e, presumivelmente uma injunção prática contra a inveja, "nenhum irmão
deveria pedir de modo explícito o cavalo ou a armadura de outro", e, se
o mestre decidisse dá-los a outro, ele "não deveria ficar aborrecido ou indignado"."9
Reconhecia-se que os cavaleiros deveriam ter algum contato com o mundo, mas eles não
podiam "ir à vila ou à cidade sem a permissão do mestre (...) exceto
para orar à noite no Sepulcro e nos lugares de oração que se situam dentro dos muros da cidade
de Jerusalém". Mesmo aí os irmãos tinham de ir aos pares, e, caso
fossem obrigados a hospedar-se numa estalagem, "nem irmão, nem escudeiro, nem sargento,
podem ir aos aposentos de outro para vê-lo ou falar com ele sem permissão".
A exemplo de um abade numa comunidade monástica, o poder do mestre era absoluto. "A fim de
executarem seus santos deveres e obterem a glória do regozijo do Senhor
e de escaparem do medo do fogo do inferno, é conveniente que todos os irmãos professos
obedeçam estritamente a seu mestre. Pois nada é mais caro a Jesus Cristo do
que a obediência. Pois assim que algo é ordenado pelo mestre ou por aquele a quem o mestre deu
autoridade, deve ser feito sem demora, como se o próprio Cristo o
tivesse ordenado." Se o desejasse, o mestre poderia aconselhar-se com os irmãos mais sábios e,
em se tratando de assuntos sérios, "reunir a congregação inteira para
ouvir os conselhos de
OS T:MPLÁRIOS
todo o capítulo". O mestre e o capítulo estavam autorizados a punir os irmãos que transgredissem.
Dos setenta e três artigos dessa rega aprovada no Concílio de Troyes para os Cavaleiros do
Templo, cerca de tri>ta baseiam-se na regra de Bento de Núrsia. Bernardo
e os padres do concílio pareciam mais ansiosos em transformar cavaleiros em monges do que
monges em cavaleiros. Há algumas referências à vocação militar dos irmãos-por
e~emplo, especificando o número de cavalos a serem colocados à disposição de cada cavaleiro - e
uma concessão às condições no ultramar: ser-lhes-ia permitido trocar
suas camisas de lã por outras de linho nos meses de verão. Mas em feral o foco da regra parece
ter sido a salvação das almas dos cavaleiros, e não a eficácia de
uma força de combate. Os padres do concílio não parecem ter previsto que a aplicação da
disciplina monástica a uma unidade militar resultada, pela primeira vez desde
o colapso do Império Romano do Ocidente, nutra cavalaria pesada disciplinada e uniformizada que
iniciava uma campanhaque não estava sujeita a oscilações de lealdades
pessoais ou às incertezas dos tributos feudais."'
Contudo, a Ordem dos Cavaleiros do Templo bem poderia ter mal
grado desde o início, se não tivesse recebido a aprovação da Igreja no Concí
lio de Troyes, em seguida confirmada pelo papa Honório II. Essa aprovação
deveu-se em grande parte ao apoio de Bernardo de Clairvaux, o qual ele
reforçou, após seu retorno a Clairvaux, escrevendo o tratado De laude novas
militae ("Em louvor da nova ordem de cavalaria"). Será que isso foi suscitado
por críticas à Ordem? Ao regressar a Jerusalém, Hugo de Payns recebeu uma
carta de Guigo, o quinto prior da Grande Cartuxa. Ele era um monge respei
tadíssimo e evidentemente sentiu que era seu dever convencer os templá
rios de que deveriam ver sua voca~âo antes de tudo como espiritual, e não
como marcial. "Na verdade, é inútil para nós atacarmos os inimigos externos
se não derrotarmos primeiro os internos.""' Ele enviou cópias de sua carta',
por dois mensageiros e pediu a Hugo que assegurasse que ela fosse lida para
todos os membros de sua Ordem. .!
i
Foi decerto para mitigar quaisquer dúvidas no espírito dos templários já existentes e de
recrutas potenciais que Hugo insistiu com Bernardo para escrever
De lande. Bernardo afirma na introdução que bastaram apenas três pedidos para que ele pegasse
na pena. O tratado é dirigido aos irmãos e no início os adverte de
que o Diabo tentará solapar a resolução deles, impugnando seus motivos para matar o inimigo e
levar os espólios de guerra, tentando desviá-los do ofício escolhido
com a quimera de um bem maior. Ele reconhecia que eles eram uma inovação na vida da Igreja,
"completamente diferente da maneira habitual da cavalaria","' cujos motivos
puros transfor-
OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO
oravam homicídio, o que era mau, em malecídio' - o homicídio do mal -, o que era bom. Não havia
dúvida no espírito de Bernardo de que a Terra Santa era o patrimônio
de Cristo injustamente confiscado pelos sarracenos grande parte do tratado era preenchida com
uma descrição das cenas de sua vida e Paixão. Era para o bem espiritual
dos templários que eles pisariam o mesmo solo que seu salvador. Acima de tudo, deparar com a
realidade material do Santo Sepulcro faz o cristão recordar-se de que
aqui ele também vencerá a morte.
Ide em frente em segurança, cavaleiros, e com alma intrépida afugentai os inimigos da cruz de
Cristo, certos de que nem a morte nem a vida podem separar-vos do amor
de Deus, que está em Cristo Jesús, repetindo para vós mesmos a cada perigo: Quer vivamos, quer
morramos, nós somos do Senhor. Quão gloriosos são os vencedores que
regressam da batalha! Quão abençoados são os mártires que morrem em combate! Regozijai-vos,
destemidos atletas, se viverdes e conquistardes no Senhor, mas exultai
e glorificai ainda mais se morrerdes e vos juntardes ao Senhor. A vida de fato é fecunda e a vitória
gloriosa, mas (...) a morte é melhor do que qualquer dessas
coisas. Pois se aqueles que morrem no Senhor são abençoados, quão mais abençoados são
aqueles que morrem pelo Senhor?
Malecide no original. (N. do T)
OS TEMPLÁRIOS
na, e um grupo de seus vassalos comprometeram-se a servir com os templários por um ano. Ele
também decretou que os templários, junto com seus dependentes, deveriam
ser dispensados da jurisdição de tribunais leigos.
Uma segunda ordem de monges militares com raízes na Terra Santa - os Cavaleiros do Hospital de
São João - também foi atraída para a Reconquista ibérica. Essa ordem
tinha sido fundada não como uma ordem militar, mas como uma comunidade leiga devotada ao
cuidado de peregrinos pobres pelos monges de Santa Maria dos Latinos, um
mosteiro fundado em Jerusalém antes da Primeira Cruzada por mercadores de Amalfi, os quais
naquela época exerciam o monopólio no comércio do Ocidente com o Levante.
Gomo os Templários primitivos e os cônegos da Igreja do Santo Sepulcro, os cavaleiros seguiram a
regra de Agostinho de Hipona e construíram seu hospício no local
onde a concepção de São João Batista tinha sido anunciada por um anjo.
Um bula papal de 1113 sancionando o Hospital chama seu fundador de irmão Gérard. Após a
captura de Jerusalém em 1099, sua piedade, associada a uma excepcional
competência como "o mais eficiente oficial de aquartelamento que os cruzados haviam
encontrado",'26 levou a dotações por Godofredo de Bouillon e seus sucessores
e por europeus pios impressionados com o que tinham ouvido dos soldados e peregrinos que
retornaram. Por volta de 1113, o Hospital havia fundado várias casas na
Europa para prestar assistência a peregrinos a caminho da Terra Santa.
O irmão Gérard morreu em 1120 e sucedeu-lhe Raimundo de Le Puy, um cavaleiro franco que
por princípios religiosos permanecera em Jerusalém depois da Primeira
Cruzada. Evidentemente, a necessidade imperativa de uma força para proteger os peregrinos era
tão óbvia para ele quanto para Hugo de Payns. Se Raimundo e seus confrades
tinham renunciado à espada e à armadura, eles agora as recobravam. Embora o Hospital nunca
abandonasse sua vocação original de cuidar dos peregrinos e dos enfermos,
acabou tornando-se uma ordem militar. Em 1128, enquanto Hugo de Payns estava na Europa, o
irmão Raimundo de Le Puy acompanhava o rei Balduíno II numa campanha contra
Ascalão.
As duas ordens expandiram-se lado a lado: a estrutura administrativa desenvolvida pelos
templários na Europa era baseada na que já havia sido criada pelos
hospitalários, ao passo que a aprovação da regra dos templários pela Igreja no Concílio de Troyes e
o tratado de Bernardo de Clairvaux em sua defesa sancionaram
e encorajaram a evolução do Hospital numa ordem militar comparável. Os hospitalários retiveram
a regra mais branda dos cônegos agostinianos, mas tiraram dos templários
o título de mestre para o
OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA
seu superior. Seus alojamentos junto da Igreja do Santo Sepulcro logo absorveram o mosteiro de
Santa Ana e possuíam um grande átrio com capacidade para dois mil
peregrinos e várias centenas de cavaleiros, "um edifício tão grande e maravilhoso que parecia
inacreditável, a menos que alguém o visse". 127
O rei Afonso de Aragão, "o Batalhador", apesar de todas as suas proezas como martelo dos
mouros, revelou-se incapaz de gerar filhos. Seu casamento com Urraca de
Castela foi dissolvido em 1114. Sem herdeiros, e possivelmente com a expectativa de prevenir
uma disputa pelo seu reino que levasse a dissensões após a sua morte,
redigiu um testamento, em outubro de 1131, deixando seu reino para os Cônegos do Santo
Sepulcro em Jerusalém e para as duas ordens militares, os hospitalários e
os templários. "A estes três concedo todo o meu reino (...) também a autoridade que tenho em
todas as terras de meu reino, tanto sobre os clérigos como sobre os
leigos, os bispos, os abades, os cônegos, os monges, os nobres, os cavaleiros, os burgueses, os
camponeses e os mercadores, os homens e as mulheres, os pequenos
e os grandes,'os ricos e os pobres, bem como os judeus e os sarracenos, com leis como as que meu
pai e eu temos tido até agora e que devemos ter."'z8
Não se sabe o motivo dessa decisão, mas, quando Afonso morreu em 1134, ela foi ignorada e,
a despeito do apoio do papa Inocêncio II, os três beneficiários
foram incapazes de fazê-la cumprir. Todavia, quando dez anos mais tarde se chegou a um acordo
em Gerona com Raimundo Berenguer de Barcelona, os templários foram
compensados com o domínio de meia dúzia de fortalezas, um décimo da receita real, isenção de
vários impostos e um quinto de todas as terras conquistadas aos mouros."'
Assim, não obstante sua relutância inicial, eles foram atraídos para a Reconquista e tornaram-se
uma das forças mais temíveis em Portugal e na Espanha.
O próprio fato de a Ordem do Templo ter sido capaz de assumir esse compromisso militar numa
segunda frente em 1114 demonstra seu êxito no recrutamento de cavaleiros.
Suas razões para alistar-se variavam, mas seria um erro subestimar o zelo religioso. O consenso
entre historiadores de que outrora as cruzadas eram um frágil pretexto
para pilhagem e rapina havia agora mudado em favor da motivação penitenciai. "O compromisso
de participar de uma cruzada (...) implicava pesadas despesas e verdadeiros
sacrifícios financeiros, e os ônus sobre as famílias eram ainda mais pesados se vários membros
decidissem partir."'3° O mesmo acontecia com um cavaleiro que se juntava
aos templários: "esperava-se que os postulantes providenciassem
OS TEMPLÁRIOS
suas próprias roupas e equipamento quando ingressavam na ordem",I" e suas famílias e amigos
muitas vezes arcavam com as despesas.
Com freqüência, doação e compromisso estavam associados. Hugo de Payns e Geoffroy de
Saint-Omer foram elogiados por trazerem seus bens consigo. No Norte
da Provença, Hugo de Bourbouton ingressou na Ordem do Templo em 1139, doando-lhe terras
suficientes para fundar a comunidade de Richerenches, que continua a ser
uma das mais bem preservadas até hoje. Ele afirmou que o fez em obediência à exortação de
Cristo no Evangelho de São Mateus: "Se alguém quer vir após mim, negue-se
a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas
o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la". 131
Seis anos mais tarde, seu filho Nicholas seguiu-lhe o exemplo e doou toda a sua propriedade à
Ordem, exceto as ovelhas, que deveriam prover à subsistência de sua
mãe. "Eu me submeto à mesma ordem de cavalaria de Deus e do Templo, a fim de servir como
servo e irmão, embora indigno, e que todos os dias da minha vida possa eu
merecer a indulgência de meus pecados e por herança [estar] com o eleito na eternidade."'33
A família Bourbouton procedia de uma classe social um pouco abaixo da dos grandes nobres
da Europa ocidental, com quem tinha relações de amizade, e o mesmo
se pode dizer de Hugo de Payns, de Geoffroy de SaintOmer e da maioria dos que proviam a
liderança da Ordem. Contudo, esta também apelava a cavaleiros mais pobres,
e no começo uma origem fidalga não parece ter sido um requisito necessário à admissão. É claro
que um postulante teria de ser treinado em combate a cavalo, com experiência
ou em batalhas ou pelo menos em justas. As ordens militares eram na verdade menos exclusivas
do que os mosteiros :134 a instrução não era uma exigência - poucos
dentre os cavaleiros sabiam ler ou escrever, e com certeza não em latim. Cabia aos capelães
recitar o ofício, e tudo o que se requeria dos irmãos era que eles rezassem
o número de pais-nossos prescritos nas horas determinadas.
Sem dúvida, havia postulantes cujos motivos eram mistos. Grandes do reino, como Hugo,
conde de Champagne, ou Harpin de Bourges, entraram para a Ordem do
Templo num estádio mais avançado de suas vidas, após perderem suas esposas-um devido à
separação, o outro por morte. Cavaleiros mais jovens e de recursos limitados
eram atraídos pelas "perspectivas de viagens e promoção no mundo".13= Também havia a
irresistível atração da Terra Santa. Há casos de cavaleiros que haviam viajado
à Palestina a suas próprias expensas, como, por exemplo, oprimo de Rogério, bispo de Worcester,
que ingressou numa ordem militar quando seus recursos acabaram.
OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA
Como a Ordem cresceu em poder e riqueza, ela oferecia uma estrutura de carreira
comparável à da Igreja. Em pouco tempo, os mestres das ordens militares tornaram-se
figuras de proa, não só na Síria e na Palestina, mas também na Europa Ocidental. Os mestres
provinciais e outros funcionários graduados, com recursos enormes à sua
disposição, passaram a pertencer à mesma categoria dos mais eminentes pares do reino. Sua
reputação de honestidade e discernimento os transformou nos conselheiros
de confiança de papas e reis.
Talvez tenha havido motivos mais românticos: baladas e canções de gesta gostavam de
sugerir que os cavaleiros entravam para a Ordem do Templo por causa de
amor não retribuído. Como veremos, dizia-se que Gérard de Ridefort, o décimo mestre, havia se
alistado por ter sido repudiado como marido por uma herdeira, mas nesse
caso um desgosto amoroso pode ter sido menos significativo do que expectativas frustradas;
todavia, não seria fantasioso inferir pelo menos uma analogia parcial
entre a Ordem do Templo e a Legião Estrangeira francesa. Embora um período probatório
constasse na regra primitiva, ele foi rejeitado sob pressão causada por atritos;
e mesmo no início da Ordem haviam sido tomadas providências para recrutar entre cavaleiros
excomungados. "Onde sabeis que cavaleiros excomungados se reúnem, ordenamo-vos
que ides lá."'36 Um cavaleiro acusado de homicídio poderia ingressar na Ordem para expiar seus
pecados. A penitência imposta aos cavaleiros que assassinaram o arcebispo
de Canterbury Tomás Becket, foi de quatorze anos de serviço na Ordem.
Por fim, havia o permanente apelo de camaradagem masculina em situações de perigo e
necessidade. Isso certamente era uma importante característica das cruzadas,
e sem dúvida atraía homens para as ordens militares. A tendência beneditina e cisterciense em se
desligar do mundo não se estendia à amizade entre homens. Muito
pelo contrário, os grandes abades, como Anselmo de Canterbury, Bernardo de Clairvaux e Aelred
de Rievaulx, viam-na como um dos maiores bens que esta vida tinha a
oferecer. Aelred escreveu um tratado sobre o assunto, De spiritualiamicitia. Bernardo, "embora
não excluísse mulheres de suas amizades, recusava-se ainda menos a
permitir que o amor de marido e mulher pudesse partilhar a qualidade da verdadeira amizade
humana"; não obstante, pensava que "o amor humano era infinitamente menor
do que o amor de Deus, [e] o amor conjugal, menor do que o amor entre amigos do sexo
masculino".13' Numa sociedade onde a violência era endêmica e a coroa era incapaz
de controlar barões rebeldes, os laços de parentesco e amizade eram de suma importância, e
verificamos que a cousinage com freqüência determinava quem entrava para
um mosteiro ou partia em cruzada. Durante duas gerações, vinte e cinco descendentes de
OS TEMPLÁRIOS
Guido de Monthéry tomaram a Cruz; ey nós vimoscomo Bernardo apareceu diante dos portíSes de
CiteaUX com trirrlta e cinco )arentes e amigos.
Será que havia um elernento sexual nesses laços masculinos? Com certeza, entre os monges
não havia proibiição do tipc de amitié particulière que mais tarde
não foi vista com bons olhos na históriada Igreja. Algumas cartas escritas por Anselmo, o arcebispo
benieditino de Canterbury, se parecem com cartas de amor: "Meu
bem-amado (...) já que não alimento dúvidas de que amamos urh ao outro com a mesmia
intensidaJe, tenho certeza de que cada um de nós deseja igualmente o olutro,
pois alueles cujos espíritos são fundidos juntos no fogo do amor sofrern de igual nodo se seus
corpos estão separados pelo lugar de suas atividades diárias (...)";
ou: "Se eu tivesse de descrever a paixão de nosso amor mútuo, receio qLe àqueles que não
conhecem a verdade eu daria a irrlpressão de; exagerar. Fortanto, tenho
de ocultar um pouco da verdade. Mas tu sabes quão profunda é a afeição que vivenciamos - olhos
nr3s olhos, beijo por beijo), abraço po- abraço".
Conquanto Anselmo estivesse escrevendo cerca de meio século antes da fundação da Ordem
do fémplo, seu caso é adequado à nossa consideração do modo de vida
semimorástico dos ttemplários. As inferências deduzidas pelo erudito arrlericano John
Boswel113's de passagens como as acima citadas, de que Anselmo considerava
os atos homossexuais como "fraquezas comuns, pelas quais quase tidos poderiam sentir empatia",
foram refutadas de maneira convincente pelo eminente historiacor Sir
Richard Southem. Esse autor assinala que "ninguém sabia coisa algurra a respeito de tendências
homossexuais inatas ou tilha interesse nelas; na medida em que se
sabia que elas existiatrn, eram vistas simplesmente com) sintomas da má conduta geral da
humanidade". A úuca forma de homossexualidade notada no século XI era a
sodomia, "e esta era mais ou nnenos equiparada com outra forma de sexo antinaturatl, a cópula
com animais ".`39
A condenação inequíwca da sodomia pela Igreja como um pecado contra Deus e contra a
natureza baseou-se nas doutrinas de Paulo de Tarso'` e de Agostinho de
Hipona,I" as quais eram bastan:e conhecidas dos instruídos beneditinas. Elas semdúvida tinham
menor importância para os barões e os cavaleiros analfabetos, e a sodomia
era com certeza praticada, no tempo de Anselmo, n~i corte do r-,i Guilherme, o Ruivo. "Deve-se
reconhecer que esse pecado se tornou tão ~omum", escreveu Anselmo,
"que quase ninguém se envergonha dele, e muitos, por serem ignorantes da sua enormidade,
abandonam-se a ele." Em -onseqüência do que viu, Anselmo, como arcebispo
de Canterbnlry, "foi no:ável por suar condenação desse pecado e de qualquer comportalmento
que pudesse erlcorajá-lo, como cabelos compridos e roupas efeminadas".I4z
OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA
Portanto parecia certo que, embora a oportunidade de amores homossexuais não fosse um
motivo para ingressar na Ordem do Templo, os padres do Concílio de
Troyes estavam cônscios do perigo: daí o regulamento de que o dormitório dos irmãos deveria
permanecer iluminado a noite inteira. A proibição de partilharem camas,
dormirem nus ou no escuro era "para que o Inimigo hostil não lhes desse ensejo para
pecarem".'43 Também está claro que havia casos em que cavaleiros ou sargentos
sucumbiam à tentação. A transgressão foi incluída no detalhado rol de penitências redigido pela
Ordem por volta de 1167, descrita como "o imundo e fétido pecado
da sodomia, o qual é tão imundo, tão fétido e tão repugnante que não deveria ser mencionado".
144 Sua gravidade era da mesma ordem que matar um cristão ou uma cristã
- e era considerado mais grave do que dormir com uma mulher.
Após o retorno a Jerusalém de seus emissários, Hugo de Payns e Guilherme de Burres, com forças
que haviam recrutado na Europa, o rei Balduíno II iniciou imediatamente
seu planejado ataque a Damasco. No começo de novembro, Balduíno saiu da fortaleza de Banyas à
frente de seu exército, que incluía um contingente de templários, e
chegou a menos de dez quilômetros de Damasco. Guilherme de Burres partiu numa expedição de
pilhagem com o contingente da Europa, o qual, ansioso por saquear, saiu
de controle. A trinta quilômetros do acampamento principal, esse contingente foi atacado pela
cavalaria damascena e apenas quarenta e cinco homens sobreviveram.
Balduíno, esperando pegar o inimigo desprevenido enquanto celebrava essa vitória, ordenou a seu
exército que atacasse. Mas assim que as tropas iniciaram a marcha
contra Damasco começou a chover torrencialmente e as estradas tornaram-se intransitáveis, de
modo que a ação teve de ser abandonada.
Existem poucas informações a respeito das atividades de Hugo de Payns e dos templários
primitivos durante os anos seguintes. A primeira fortaleza a ser transferida
para uma ordem militar, Bethgibelin, situada entre Hebron, nas colinas da Judéia, e Ascalão, no
litoral, foi entregue aos hospitalários em 1136. É provável que os
templários tenham concentrado seus recursos na tarefa para a qual tinham sido originalmente
destinados: a proteção das rotas em geral seguidas pelos peregrinos.
Na Cisterna Rubea, a meio caminho entre Jerusalém e Jericó, os templários construíram um
castelo, uma estalagem e uma capela. Havia uma torre dos templários mais
perto de Jericó, em Bait Jubr atTahtani; um castelo e priorado no cume do monte Quarantânia,
onde Jesus jejuou por quarenta dias e foi tentado por Satanás; e um
castelo às margens do rio Jordão, no local onde Jesus foi batizado por João Batista."
OS TEMPLÁRIOS
A primeira fortaleza importante transferida para os templários não foi noreirno de Jerusalém,
mas na fronteira mais ao norte das possessões latinas, no;
mentes Amanus. Essa estreita cadeia de montanhas estende-se ao sul da Ás.a M enor e, com picos
que atingem de d o is a três mil metros, cria uma barreira natural
entre o reino armênio da Cilicia e o principado de Antioquia, e também entre Alepo e o interior da
Síria e a costa mediterrânea.
A estrada por entre essas montanhas a partir de Alepo ou de Antioquia até os portos de
Alexandreta e Port Bonnel (Arsuz) é pelo desfiladeiro de Belen, também
conhecido como portões da Síria. Na década de 1130 os templários receberam a responsabilidade
de proteger a região montanhosa frentei riça entre o reino da Cilícia
e o principado de Antioquia - a fronteira deAmanus. Afim de guardarem o desfiladeiro de Belen
através da cordilheira deAmanus, eles ocuparam a fortaleza de Barghas,
que denominaram Gastou, um Castelo "que domina um cume inacessível, erguido numa rocha
inexpugnável e cujos alicerces tocam o céu".'46 Gaston ficava no lado oriental
da cordilheira, de onde se descortinava a planície de Alepo a Antioquia. Mais ao norte, para
protegerem o desfiladeiro de Hajar Shuglan, eles ocuparam os castelos
de Darbsaq e de Ia Roche de Roussel.
Eras 1130, o príncipe de Antioquia, Boemundo II, foi morto quando combatia os turcos
danishmend e sua cabeça embalsamada foi enviada pelo emir dCmishmend
Ghazi como presente ao califa de Bagdá. Sua viúva, Alice de Jerusalém, foi a segunda das três
admiráveis filhas de Balduíno de Le Bourg e Morphia, uma princesa armênia.
Melissanda, sua irmã mais velha e herdeira de Jerusalém, estava agora casada com Foulques de
Anjou. Constança, filha de Alice, herdou então o trono do pai em Antioquia,
mas, ao saber da morte do marido, Alice usurpou o trono. Logo se tornou evidente que esse não
era o limite de suas ambições: ela planejou deserdar a própria filha
e frustrar uras movimento de seu pai, o rei Balduíno de Jerusalém, para exercer seus direitos como
regente. Alice enviou um emissário a Zengi, o governador sarraceno
de Alepo, pedindo-lhe ajuda.
Esse infeliz mensageiro foi interceptado por Balduíno e enforcado. Alice fechou os portões de
Antioquia ao pai, provavelmente com o apoio de cristãos autóctones
entre seus cidadãos, mas os barões franceses não a apoiaram e reabriram os portões. Pai e filha
foram reconciliados. Alice foi banida para o porto de Latáquia, mas
sua deslealdade para com o pai sem dúvida apressou o firas dele. Regressando enfermo a
Jerusalém, Balduíno foi admitido como Cônego da Igreja do Santo Sepulcro e
morreu em agosto de 1131 usando o hábito de um monge.
OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA
Cinco anos mais tarde faleceu Hugo de Payns. O capítulo geral dos cavalei-
ros do Templo reuniu-se em Jerusalém para eleger um novo grão-mestre, Roberto de Craon, o
qual, embora fosse conhecido como "o Burgúndio", era na verdade de Anjou
e, portanto, foi sem dúvida o candidato preferido de Foulques. Contudo, ele também havia
firmado reputação como um notável administrador, e logo demonstrou sua compreensão
das necessidades da Ordem do Templo ao obter privilégios adicionais e excepcionais do papa
Inocêncio II na bula Omne datum optimum, publicada em 1139.
Tratado por "nosso querido filho Roberto", a bula decretava que a Ordem do Templo deveria
ser isenta de toda a jurisdição eclesiástica intermediária e estar
sujeita apenas ao papa. Até mesmo o patriarca de Jerusalém, em cuja presença os cavaleiros
fundadores haviam feito seus votos, perdeu toda e qualquer autoridade
sobre a Ordem. A bula consentia que a Ordem tivesse seus próprios oratórios e permitia que
padres nela ingressassem como capelães, o que tornou os templários completamente
independentes tanto no ultramar quanto no Ocidente. A Ordem foi autorizada a receber dízimos,
mas não precisava pagá-los - uma isenção que até então se aplicava
apenas à.Ordem Cisterciense; ela poderia ter cemitérios vinculados a suas casas e enterrar
viajantes e seus confrâtres - direitos com um considerável valor pecuniário.
Os templários também tinham o direito aos despojos tomados ao inimigo e deviam ser
responsáveis apenas perante seu mestre, que tinha de ser um deles e escolhido
pelo capítulo sem qualquer pressão dos poderes seculares.
O que estava por trás dessa generosidade do papa? Inocêncio II, nascido Gregório Papareschi,
procedia da classe alta romana, mas sua eleição tinha sido contestada,
e um candidato rival, que adotara o nome de Anacleto II, era apoiado pelo rei normando da Sicília,
Rogério II. Inocêncio fugiu para a França, onde recebeu o apoio
de Bernardo de Clairvaux, cuja influência era suficiente para trazer Luís VI da França e Henrique I
da Inglaterra para o seu lado. Norberto, o arcebispo de Magdeburgo,
persuadiu os bispos alemães e o rei Lotário III a apoiá-lo, e por fim apenas a Igreja na Escócia, na
Aquitânia e na Itália normanda reconheceu Anacleto II.
Anacleto morreu em 1138 e no ano seguinte Inocêncio regressou a Roma pondo fim ao cisma
de oito anos. Será que Omnedatum optimum foi a recompensa de Bernardo
por seu apoio? A gratidão talvez tenha sido um fator; todavia, as bulas que reforçavam os
privilégios dos templários, publicadas durante os pontificados subseqüentes
de Celestino II e Eugênio III Milites Templi em 1144 e Militia Dei em 1145 -, sugerem que o apoio à
Ordem era agora a política oficial da Cúria romana. Manter a
Terra Santa continuou a ser uma prioridade para quem quer que estivesse usando a tiara
125
OS TEMPLÁRIOS
papal, e a Ordem do Templo, que começara em conseqüência do carisma de alguns cavaleiros
pios, já se tornara o principal sustentáculo da guerra da cristandade contra
o Islã.
Se alguém duvidasse da necessidade de crescente ajuda ao ultramar, a demonstração veio logo
após a publicação de Milites Templi, na véspera do Natal de 1144, pela
rendição de Edessa ao exército do governador de Mossul, Irnad ad-Din Zengi. A notícia dessa
catástrofe alcançou o recém-eleito papa Eugênio III em Viterbo, no outono
de 1145. Italiano de origem humilde, Eugênio tinha sido monge em Clairvaux, tendo sido atraído
para a comunidade pelo magnetismo de Bernardo, e na época de sua eleição
era abade da casa cisterciense de São Vicente e Santo Anastácio, além dos limites de Ruma. Em
reação a esse revés no Oriente, Eugênio endereçou uma bula, Quantum
praedecessores, a Luís VII, rei da França, pedindo-lhe que tomasse a Cruz.
Agora, pela primeira vez, um monarca europeu assumia o desafio de uma cruzada. Luís era
descendente direto de Hugo Capeto, eleito rei dos francos por seus
barões em 987. Tendo herdado o trono de seu pai, Luís, o Gordo, aos dezessete anos, era casado
com Alienor, filha e herdeira de Guilherme, duque de Aquitânia. Apesar
de ter apenas vinte e cinco anos quando recebeu o apelo do papa, ele convocou seus barões
ajuntar-se a ele em Bourges por ocasião do Natal de 1145. Aí lhes disse
que planejava partir em cruzada e solicitou-lhes que fizessem o mesmo. Luís não mencionou nem
a exortação do papa, nem sua encíclica Quantum praedecessores, apresentando
a iniciativa como se fosse sua.
A reação foi insatisfatória. Os principais barões tinham pouco respeito por Luís, que, três anos
antes, havia precipitado uma guerra ao apropriar-se de terras
pertencentes a Teobaldo de Champagne, seu vassalo mais poderoso. Em Bourges, até mesmo seu
conselheiro mais eminente, o abade Suger de Saint-Denis, argumentou contra
a idéia de uma cruzada. Estadista perspicaz que percebia o valor de uma monarquia forte, Suger
receava que os barões franceses criassem problemas na ausência do
rei. O máximo que Luís ccnseguiu em Bourges foi um acordo para adiar a decisão sobre o assunto
até a Páscoa seguinte, quando a corte se reuniria em Vézelay, na Borgonha.
Sem se intimidar por esse contratempo inicial a seu plano, o rei Luís voltou-se para o único
homem na França cuja autoridade e prestígio excediam os do abade
Suger: Bernardo de Clairvaux. Fazia trinta e dois anos que Bernardo tinha aparecido diante dos
portões de Citeaux e trinta que ele fundara a comunidade cisterciense
em Clairvaux. Nesses anos, como vimos, ele havia firmado uma posição ímpar como mentor de
papas e reis. Não só
126
OS TEMPLÁRÍOS NA PALESTINA
Eugênio III havia sido um de seus monges, mas naquele mesmo ano o irmão de Luís VII, Henrique
de França, ingressara na comunidade em Clairvaux.
O poder de Bernardo não se originava apenas dessas relações influentes: num mundo em que
tantos pregavam, mas tão poucos praticavam as virtudes cristãs,
sua piedade e ascetismo o qualificavam a atuar como a consciência da cristandade,
constantemente punindo os ricos e poderosos e protegendo os pobres e os fracos.
Para alguns historiadores modernos, que vivem numa época em que a maioria das pessoas são
indiferentes ao que as espera após a morte, Bernardo se parece com um zelote
virtuoso a seus próprios olhos - alguém que "via o mundo com os olhos de uma fanático"'"' e
"tinha uma inquietante tendência a considerar natural e certo que seus
contemporâneos eram malvados que precisavam arrepender-se". 148 Entretanto, para Bernardo,
rodeado pela brutalidade secular e pela corrupção do clero, e absolutamente
convencido da realidade do inferno, não era possível fazer muita coisa para salvar uma alma
exposta ao perigo.
O fascínio do mal, a seu ver, residia não apenas na óbvia tentação da riqueza e do poder
temporal, como também na mais sutil e de resto mais perniciosa atração
de falsas idéias. Além de sua piedade, Bernardo era famoso pela extraordinária inteligência, que
demonstrou em seus sermões sobre Graça e Livre-arbítrio e sobre
o livro Cântico dos Cânticos, do Velho Testamento. Reconhecia prontamente idéias heréticas e era
implacável na perseguição de quem as pregava. Em 1141, no Concílio
de Sens, acusou o célebre téologo (e amante de Heloísa) Pedro Abelardo de heresia e persuadiu os
bispos convocados a condenar a doutrina exageradamente nacionalista
de Abelardo.
Em 1145, ao mesmo tempo que Eugênia III estava pensando numa nova cruzada, Bernardo
estava no Languedoc pregando contra as idéias heréticas de um pregador
popular, Henrique de Lausanne. Após ter cooperado para a reconciliação do rei Luís VII com o
conde Teobaldo de Champagne, Bernardo ouviu de forma acolhedora o pedido
do jovem rei. Não obstante, ele não gostaria de ver um arriscado empreendimento espiritual
liderado por um senhor secular e, portanto, encaminhou de novo a questão
ao papa Eugênio, o qual, em 1° de março de 1146, republicou sua bula Quantum praedecessores e
atribuiu a Bernardo a tarefa de promulgá-la na França.
No dia 31 de março, Luís VII e os nobres franceses reuniram-se em Vézelay, conforme fora
combinado. Como já se sabia que Bernardo iria pregar, admiradores
seus vieram de toda a França. Do mesmo modo como acontecera com o papa Urbano II em
Clermont, em 1095, a igreja que abrigava as relíquias de Maria Madalena não era
grande o suficiente para conter a multidão: um palanque teve de ser construído nas cercanias da
cidade. A eloqüên-
127
OS TEMPLÁRIOS
cia de Bernardo surtiu o efeito desejado. Quando terminou seu discurso, havia tantos homens
dispostos a tomar a Cruz que Bernardo teve de cortar seu hábito em tiras
de pano.
Primeiro veio o rei Luís, e depois dele seu irmão Roberto, conde de Dreux. Muitos dos que
seguiram os príncipes capetíngios "estavam seguindo, ou tinham
a intenção de seguir, as pegadas de pais e avós",14' como Afonso Jordão, conde de Toulouse, que
havia nascido enquanto seu pai sitiava Trípoli; Guilherme, conde
de Neves, cujo pai participara da desastrosa expedição de 1101; Thierry, conde de Flandres, que
era casado com a enteada da rainha Melissanda; e Henrique, herdeiro
do conde de Flandres. A eles juntaram-se Amadeu, conde de Savóia; Arquibaldo, conde de
Bourbon; e os bispos de Langres, Arras e Lisieux. Alguns dias mais tarde,
Bernardo escreveu ao papa: "Vós ordenastes, e eu obedeci, e a autoridade de quem deu a ordem
tornou fecunda minha obediência (...). Aldeias e cidades estão agora
desertas. Vós dificilmente encontrareis um homem para cada sete mulheres. Em toda a parte,
vereis viúvas cujos maridos ainda estão vivos"."'
A pregação de Bernardo não se limitou a Vézelay. Daí ele seguiu para o norte, para Châlonssur-Marne, de onde foi para Flandres. Aos recrutas potenciais
que não pôde encontrar pessoalmente ele remeteu cartas. Ao povo inglês escreveu:
O Senhor do céu está perdendo sua terra, a terra na qual apareceu aos homens, na qual viveu
entre os homens por mais de trinta anos (...). Sabe-se que vosso país
é rico em homens jovens e vigorosos. O mundo está repleto de louvores a eles, e o renome de sua
coragem está nos lábios de todos (...). Iç'
Ele enfatizou a boa sorte deles por lhes ter sido dada essa oportunidade de salvar suas almas.
Vós agora tendes uma causa pela qual podeis lutar sem pordes vossas almas em perigo; uma causa
em que vencer é glorioso e pela qual morrer não é senão ganhar (...).
Não percais esta oportunidade. Tomai o sinal da cruz. Imediatamente vós tereis indulgência de
todos os pecados que confessardes com o coração contrito. Não vos custa
muito comprar, e se a usardes com humildade, vereis que ela é o reino dos céus.
A princípio, nenhuma exortação semelhante foi feita aos alemães, porque o papa Eugênio
queria que o rei Conrado III o ajudasse contra o rei normando da Sicília,
Rogério II. Contudo, Bernardo foi chamado à Renânia pelo arcebispo de Mogúncia, a fim de deter
a pregação não autorizada de um monge cisterciense chamado Rodolfo,
pregação essa que estava incitando
128
OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA
pogroms contra os judeus. Bernardo já havia condenado tais atrocidades em suas cartas. "Os
judeus não devem ser perseguidos, mortos ou mesmo postos em fuga (...).
Para nós os judeus são as palavras vivas da Escritura, pois sempre nos fazem lembrar do que o
Senhor sofreu.""'
O monge Rodolfo foi posto no seu lugar, mas o entusiasmo pela cruzada que ele havia
despertado já não podia ser aplacado. Por conseguinte, decidiu-se incluir
os alemães, e Bernardo viajou de cidade em cidade apregoando essa maravilhosa oportunidade
para a remissão dos pecados. Sua ênfase recaía sempre sobre a vantagem
espiritual para o pecador - a excepcional oportunidade de escapar à punição de seus pecados -, e
Deus parecia validar o que ele oferecia, operando milagres por onde
ele passava.
A missão mais importante de Bernardo era persuadir o relutante rei Conrado a liderar os
cruzados alemães. Ele fracassou na primeira tentativa em Frankfurt,
em novembro de 1146, mas deram-lhe uma segunda oportunidade em Speyer no Natal. Embora
um intérprete, ele agora pedia a Conrado que imaginasse Cristo no Dia do Juízo
comparando o que fizera por Conrado com o que Conrado fizera por ele. "Homem, o que eu
deveria ter feito por ti e não fiz?" A resposta do rei foi ajoelhar-se e tomar
a Cruz.
Em janeiro de 1147, o papa Eugênio III cruzou os Alpes com destino à França. Ele encontrou-se
com o rei Luís em Dijon e prosseguiu até Clairvaux, a abadia
onde fora outrora monge. De Clairvaux foi para Paris, onde passou a Páscoa na Abadia de SaintDenis. No dia da Páscoa ele presenteou o rei Luís com o estandarte
real, a oriflamme, e um cajado de peregrino; então, no dia 27 de abril, a oitava da Páscoa,
compareceu à reunião do capítulo dos templários franceses em seu novo
enclave, construído um pouco ao norte da cidade de Paris.
Foi uma ocasião solene e grandiosa, que firmou a importância da Ordem. Eugênio designou o
irmão Aymar, tesoureiro dos templários em Paris, para receber a
renda de um imposto de um vinte avos sobre todos os bens da Igreja que o papa havia instituído
para financiar a cruzada.''' Acompanhavam o papa o rei Luís da França,
o arcebispo de Reims, quatro outros bispos e cento e trinta cavaleiros. O mestre da Ordem,
Everardo de Barres, havia tornado a chamar seus melhores homens de Portugal
e da Espanha. Com eles estavam pelo menos outros tantos sargentos e escudeiros. A visão dos
cavaleiros barbados em seus hábitos brancos impressionou todos os cronistas
que registraram o evento; e é quase certo que foi nessa ocasião que o papa Eugênio lhes deu o
direito de usar uma cruz escarlate sobre o peito, "de modo que o sinal
servisse triunfantemente como um escudo e eles nunca recuassem em face dos infiéis": o sangue
vermelho do mártir foi superposto ao branco do casto. 154
OS TEMPLÁRIOS
Vários dos nobres alemães haviam seguido o exemplo de Conrado de tomar a Cruz, mas alguns
dos que possuíam terras no Oriente, como Henrique, o Leão, duque da Saxônia,
e Alberto, o Urso, margrave de Brandemburgo, receberam os mesmos privilégios do papa Eugênio
para uma cruzada contra os vendes pagãos, nas fronteiras orientais da
Europa cristã. Apesar dessas defecções, um exército de aproximadamente vinte mil homens partiu
de Ratisbona em maio de 1147 para seguir a rota por terra da Primeira
Cruzada. O exército francês, que se havia reunido em Metz, seguiu poucas semanas mais tarde, o
rei Luís acompanhado por sua corajosa esposa, Alienor de Aquitânia.
Ao contrário de seu predecessor, Aleixo Comneno, o imperador bizantino Manuel Comneno
não havia solicitado ajuda à Europa Ocidental e suspeitava de suas
intenções. Ele estava em guerra com Rogério da Sicília e sentira-se obrigado a firmar um pacto
com os turcos seldjúcidas para lhe darem cobertura na retaguarda.
Para os cruzados ocidentais, esse pacto com o infiel só era compreensível como um sintoma de
traição, e a suspeita que Manuel alimentava sobre eles foi retribuída
ao décuplo.
Ansioso para seguir viagem, Conrado cruzou o Bósforo com seu exército de alemães, que se
separou em Nicéia. Oto, bispo de Freising, partiu com todos os não-combatentes
pela rota mais longa junto à costa - rota essa ainda sob o controle dos bizantinos -, ao passo que
Conrado seguiu à frente do exército pela rota direta através da
Anatólia. Em Doriléia os alemães foram atacados e vencidos pelos turcos seldjúcidas, e os
sobreviventes, Conrado entre eles, regressaram a Nicéia, onde os franceses
juntaram-se a eles. Os dois reis então conduziram suas tropas para Êeso, ao sul, lutando
constantemente com os bizantinos em busca de alimentos.
Em Éfeso, Conrado adoeceu e voltou por mar para Constantinopla. Os franceses dirigiram-se
para o interior, ao longo do vale do Meandro. O rei Luís já havia
descoberto o valor do mestre dos templários franceses, Everardo de Barres, e o enviou como um
de seus três embaixadores para tratar como o imperador bizantino, Manuel
Comneno. Agora ele passava a apreciar o valor de seus cavaleiros. Enquanto marchavam durante o
penetrante tempo invernal - a rainha e suas damas de honra tiritando
em suas liteiras -, os cruzados eram constantemente fustigados pela cavalaria ligeira dos turcos,
composta de soldados com um talento extraordinário para disparar
flechas enquanto cavalgavam. A cavalaria pesada dos francos, tão eficaz numa batalha campal,
não podia ser desdobrada nos estreitos desfiladeiros dos montes Cadmus.
Aí os turcos intensificaram seus ataques, e o exército francês estava em risco de desintegrar-se.
Nessa situação extrema, Luís voltou-se para Everardo de Barres,
que dividiu o exército em diferentes
OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA
unidades, cada uma comandada por um cavaleiro do Templo: "uma forma de organização
comunal remediou a situação; os cruzados formaram uma fraternidade com os templários,
a cujas ordens juraram obedecer°.'S5 Dessa maneira a coluna alcançou o porto bizantino de
Antália, de onde o rei Luís tomou um navio para Antioquia com a nata do
que sobrara de seu exército, deixando que o resto se encaminhasse para a Síria da melhor maneira
possível.
Uma calorosa recepção aguardava o rei Luís e os cruzados franceses quando chegaram a
Antioquia. O príncipe regente era agora Raimundo de Poitiers, um dos filhos
mais novos do duque Guilherme de Aquitânia que alguns anos antes fora casado com Constança, a
jovem herdeira do principado. Ele era portanto tio de Alienor de Aquitânia,
e cavalgou até o porto de São Simeão para saudar sua sobrinha real e os cruzados franceses. Para
Raimundo e os barões latinos, o pequeno destacamento francês era
consideravelmente realçado pela presença da jovem rainha com suas damas de honra; e Alienor
também estava contente de ver seu destemido tio Raimundo. Bonita, inteligente,
vivaz, entusiasmada e com cerca de vinte e cinco anos, ela julgava que seus sentimentos pelo
jovem marido petulante e indeciso não haviam melhorado durante a terrível
viagem através da Anatólia.
A situação de Luís nessa conjuntura piorou devido à falta de dinheiro: ele havia gastado todo
o seu tesouro em alimentos e transporte, fornecidos a preços
extorsivos por seus aliados bizantinos. Mais uma vez voltou-se para o mestre francês dos
templários. Everardo de Barres tomou um navio até Acre, onde usou os recursos
da Ordem do Templo para arrecadar a quantia necessária. O rei escreveu ao abade Suger,
instruindo-o a pagar à Ordem dois mil marcos de prata, quantia equivalente
à metade da renda anual das propriedades reais,'"' o que demonstrava não apenas os elevados
custos de uma cruzada, como também os consideráveis recursos financeiros
da Ordem do Templo.
O prazer de Alienor em flertar era claramente apreciado por seu tio, e começaram a circular
mexericos em sua corte, em Antioquia, de que a afeição de um
pelo outro havia ido além dos limites do decoro. Não se sabe quais eram os sentimentos de
Constança, esposa de Raimundo; ela mais tarde demonstraria que também era
suscetível à paixão, mas nessa fase talvez fosse jovem demais para se dar conta do que estava
acontecendo. Mas não o rei Luís, cujo ciúme era agravado pelo apoio
direto de Alienor às idéias de Raimundo acerca do que deveria ser feito com a força expedicionária
francesa.
Raimundo queria que Luís atacasse Alepo a fim de aliviar a pressão sobre suas forças em
confronto com os turcos seldjúcidas no norte. Ele arguOS TEMPLÁRIOS
meltava que era também a melhor medida preparatória para a reconquista de ?dessa, cuja queda
tinha levado à cruzada. Luís talvez tivesse concordado,não fosse pela
suspeita de que Railmundo estava dormindo com sua muIhe~. Ao ser informado de que Conrada,
agora restabelecido, havia chegado a Acr, ele anunciou que apenas em Jerusalém
seu goto poderia ser cumprido e deu ordens a seu exército para marchar rumo ao sul. Alienor,
com a autocorifiança de uma mulher que sabe que é mais ripa do que o
marido, disse que ficaria e que solicitaria a anulação do casamento, mas Luís levou-a consigo à
força.
Apesar das perdas sofridas pelos exércütos alemão e francês enquanto cruzavam a Anatólia, uma
força considerável da Europa Ocidental reuniu-se em Acre em junho de
1148. Tropas lideuadas pelo marquês de Montferrat e pehs condes de Auvergne e de Savóia
haviam se juntado aos dois reis, Conrad) e Luís. Uma força provençal sob
d comando de Afonso Jordão, conde de Toulose, tinha chegado por mar. Também por mar veio o
que restou de um contingente de cruzados ingleses, flamengos e fdsiosque
fora desviado en rou,e por Afonso Henriques, rei de Portugal, para ajudá-lo a tomar Lisboa aos
mocos.
No dia 24 de junho, a reunião de latinos da Europa e do ultramar foi presidida pelo jovem rei
de Jerusalém, Ba.lduíno III, que governava juntamente core
a mãe, Melissanda. Faziam parte da sua comitiva os principais barões e bispos de seu reino. A
equipe local era superada em hierarquia pelos visitantes entre eles
o rei Comado e dois dos seus meios-irmãos, o duque da Áustria e o bispo de Freisingen, seu
sobrinho Frederico da Suábia, guelfo da Bavie-a, e os poderosos bispos
de Metz e Toul. Com o rei Luís estavam seu irmão Roberto de Dreux, Henrique de Champagne
(filho de Teobaldo,seu antigo inimigo) e Thierry, conde de Flandres. Também
estavam presentes os grão-mestres do Templo e do Hospital. Ás ausências marcantes foram as de
Raimundo de Poitiers, príncipe de Antioquia, agastado depois da rixa
core Luís, e de Afonso Jordão, conde de Toulouse, que morrera subitamente em Cesaréia.
O que se deveria fazer com esse poderoso exército? Um conselho de sábio3 teria concordado
com Raimundo de Antioquia que a maior ameaça aos francos vinha
de Alepo, governada por Nur ed-Din, filho de Zengi. Sua derrota também era a necessária
preliminar para a recuperação de Edessa. Ao sul, a estrada para o Egito estava
bloqueada pela fortaleza de Áscalâo, ainda nas mãos dos califas fatímidas. O terceiro objetivo
possível era Damasco, mas Damasco era o único domínio muçulmano na
região que se mostrara disposto a aliar-se aos francos contra Nur ed-Din. Essa consideração foi
des-
OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA
cartada tanto pelos barões locais, que estavam de olho na extensa faixa de terra controlada pelos
damascenos, quanto pelos monarcas europeus, que julgavam que Damasco,
uma cidade com ressonância bíblica, não lhes traria apenas presa de guerra, mas também renome.
A exemplo da força comandada pelo rei Balduíno II vinte anos antes, o exército cruzado
marchou através de Banyas e chegou a Damasco em 24 de julho, assentando
acampamento nos pomares ao sul da cidade, onde se preparou para o cerco. Os damascenos
fizeram sortidas e atacaram os francos com forças irregulares escondidas nos
pomares. Chegando à conclusão de que a cobertura do terreno estava ajudando o inimigo, os dois
monarcas europeus mudaram o acampamento para o terreno aberto a leste
de Damasco. Aí puderam desdobrar sua cavalaria pesada, mas não havia água, e eles tiveram de
enfrentar a seção mais bem fortificada dos muros da cidade.
Reforços muçulmanos entraram em Damasco pelo norte e juntaram-se às forças nativas em
repetidas incursões. Enquanto os líderes do invencível exército dos
cruzados discutiam uns com os outros sobre quem governaria a cidade assim que ela fosse
capturada, suas forças foram obrigadas a continuar na defensiva, e começaram
a circular rumores de que eles tinham sido traídos. Chegou ao acampamento a informação de que
Nur ed-Din estava a caminho para socorrer Damasco com a condição de
que lhe permitissem entrar na cidade. Os barões locais então se deram conta da insensatez de sua
estratégia e em 28 de julho persuadiram os monarcas europeus a abandonar
o cerco. Fustigado pela cavalaria ligeira damascena, o outrora invencível exército moveu-se com
dificuldade de volta à Galiléia. A humilhação dos cruzados era total.
Inevitavelmente, depois de uma derrota desse tipo, seus causadores procuraram bodes
expiatórios e os encontraram em muitas formas diferentes e contraditórias. Os
cruzados culpavam os barões do ultramar, que antes tinham tido relações tão amigáveis com os
damascenos. Eles já haviam recebido seu dinheiro; não era provável que
o tivessem recebido de novo? Mesmo os templários ficaram sob suspeita. Em novembro, o rei
Comado partiu desgostoso da Terra Santa. Com seu séquito, foi de navio
de Acre a Tessalonica, de onde foi atraído de volta a Constantinopla pelo imperador Manuel
Comneno. Se nutria suspeitas de traição dos gregos, ele as refreou: o
imperador grego e o rei alemão tinham um inimigo comum em Rogério da Sicília, e uma aliança foi
selada com o casamento do irmão de Comado com a sobrinha de Manuel.
Para o rei Luís VII, os bizantinos tinham sido a causa de todos os seus infortúnios e agora
estavam juntos com os sarracenos como inimigos da crisOS TEMPLÁRIOS
tandade. A despeito dos rogos do abade Suger para que ele retornasse, Luís demorou-se na
Palestina, meditando sobre a catástrofe, seu ódio aos gregos induzindo-o
a uma aliança com o rei Rogério. Quando afinal decidiu regressar à Europa Ocidental, escolheu um
navio siciliano. À altura do Peloponeso, a flotilha foi atacada
por uma esquadra bizantina, e quando o estandarte de Luís foi erguido, permitiram que seu barco
prosseguisse, mas alguns de seus companheiros e a maior parte de
seus bens, que estavam noutro navio siciliano, foram capturados e levados como presa para
Constantinopla.
Essa derradeira humilhação fez com que o fremente ódio de Luís aos gregos finalmente
estourasse. Em Potenza, com o rei Rogério, Luís planejou uma nova cruzada,
que incluía Constantinopla entre seus objetivos. Ele continuou a promover a idéia em sua viagem
para o norte, ignorando o ceticismo expressado pelo papa Eugênio
e recrutando vários cardeais da cúria, o abade de Cluny, Pedro, o Venerável, e até mesmo seu
principal mentor, o abade Suger de Saint-Denis.
Sem dúvida, a disposição de ânimo vingativa de Luís originava-se em parte da consciência de
que perdera muito mais no Oriente do que um excelente exército
e os lauréis da vitória: também perdera sua esposa, e com ela urr dote maior do que o reino da
França. Quando eles passaram por Roma na volta, o papa Eugênio tentou
reconciliar o casal real, cujo casamento problemático era então de conhecimento público,
insistindo em que dormissem na mesma cama e chorando ao abençoá-los quando
partiram."'
Apesar dos conselhos do papa, o casamento nunca se refez da humilhação de Luís durante a
Segunda Cruzada. Entre as lembranças do ainda jovem rei, a responsabilidade
pelo fiasco diante dos muros de Damasco pelo menos fora partilhada com outrem. Mas aquela
terrível marcha através da Anatólia, seu exército constantemente fustigado,
salvo da aniquilação não pela sua liderança, mas pela disciplina dos templários; seu abandono de
uma grande parte de seu exército no porto de Anatólia; e a desgraça
final de se descobrir um marido enganado na corte do tio de sua mulher - tudo isso era decerto
mais doloroso e, na sua própria opinião, provinha da traição dos gregos.
Visando a submeter-se a uma prova e a procurar vingança, Luís solicitou mais uma vez a
Bernardo de Clairvaux que pregasse essa nova cruzada. Como antes,
Bernardo sentiu que não poderia recusar. Sempre ansiando pela paz do claustro, ele não obstante
sentiu-se compelido a tentar recuperar algo do que fora perdido.
Ele havia se correspondido com a rainha Melissanda em Jerusalém e com o tio dele, André de
Montbard, o senescal dos templários no ultramar, e portanto sabia muito
bem que eles necessitavam de ajuda. Também estava cônscio de que muitos dos que tinham
tomado a
OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA
Cruz instigados por ele consideravam-no responsável pelo desastre. Ele se defendeu no segundo
livro de sua De consideratione. Os bodes expiatórios aqui não eram
barões traiçoeiros ou gregos ardilosos: para Bernardo, a derrota foi a punição de Deus por causa
dos pecados dos homens. Para seus críticos, essa hipótese em parte
tornou Deus inescrutável demais: alguns, como Gerhoh de Reichersberg, preferiam ver a cruzada
como a obra do Diabo.
Num concílio da Igreja realizado em Chartres em 1150, pediram a Bernardo que não apenas
pregasse como também liderasse uma nova cruzada. "Espero que a esta
altura vós já deveis ter sido informado", escreveu ele ao papa Eugênio,
como a assembléia em Chartres, numa decisão das mais surpreendentes, me escolheu como líder
e comandante da expedição. Estejais absolutamente certo de que isto nunca
foi, nem é agora, por conselho ou desejo meus, e que está completamente além de meus poderes,
conforme eu os avalio, fazer tal coisa. Quem sou eu para organizar
exércitos em ordem de batalha, para comandar homens armados? Eu não poderia pensarem nada
mais distante da minha vocação, mesmo supondo que tivesse a força e a habilidade
necessárias. Mas vós sabeis tudo isto, e a mim não me compete ensinar-vos.
O que aconteceu foi que a Ordem Cisterciense obstou a determinação do concílio. A nobreza da
Europa Ocidental também não reagiu ao apelo do abade de Clairvaux. Homens
demais haviam morrido bem recentemente, e em vão. O entusiasmo do rei Luís era
contrabalançado pelo ceticismo do rei Contado. A idéia de uma nova cruzada foi abandonada,
e dentro de três anos cinco dos principais atores haviam saído de cena. O abade Suger de
SaintDenis morreu em janeiro de 1151; o rei Conrado III, em fevereiro de
1152. Mais tarde, no mesmo ano, o grão-mestre dos templários, Everardo de Barres, renunciou ao
seu cargo para tornar-se monge em Clairvaux. O papa Eugênio III morreu
em julho de 1153, e o abade Bernardo de Clairvaux, um mês depois.
Sete
O Ultramar
NJa Europa, a decepção que se seguiu ao fiasco dia Segunda Cruzada obrigou O6 latinos na Terra
Santa a chegar a um tipo doe acordo com os infiéis que teria parecido
sacrílego às gerações de cruzados anteriores. Isto foi também a conseqüência de um processo de
aclimatação cultural que havia ocorrido durante mais de meio século
de vida no Oriente. Os primeiros cruzados tinham achado que encontrariam bárbaros incivrilizados
e pagãos depravados na Síria e na Palestina. Mas os que permaneceram
no Oriente Médio foram O1brigados a reconhecer que a cultura da Palestina árabe - muçulmana,
cristã e judaica-era mais desenvolvida esofistïcada do que a da sua
terra.
Alguns logo adquiriram costumes orientais. Balduíno de Lê Bourg, que se, casara com uma
armênia, passou a usar um cafetã oriental e jantava de c,Scoras no
tapete, ao passo que as moedas cunhadas por Tancredo mostravgm-no com o turbante de um
árabe. O cronista e diplomata damasceno LJsamah Ibn-Munqidh descreve um cavaleiro
franco reassegurando a um convidado muçulmano que nunca permitia que carne de porco
entrasse em st.ia cozinha e que seu cozinheiro era egípcio.'S9
Os francos empregavam médicos, cozinheiros, criados, artesãos e trabalhadores sírios. Vestiam-se
com trajes orientais e incluíam em suas dietas as frutas e os pratos
do país. Tinham vidros nas janelas, mosaicos no assoalho e chafarizes no pátio de suas casas, que
eram projetadas de acordo com o modelo sírio. Em suas festas havia
dançarinas e em seus funerais, carpideiras profissionais; eles tomavam banho, usavam sabão e
comiam açúcar.'6°
Procedentes de países de clima frio, onde não se encontravam produtos fiescos durante o
inverno, e onde até mesmo a batata ainda era desconhecida, o encontro
não só com o açúcar, mas também com figos, romãs, azeitonas, arroz, pasta de grão-de-bico,
pêssegos, laranjas, limões e bananas, com O$ condimentos originários da
região e com iguarias como uma espécie de sorvete de frutas, cujos nomes desde então entraram
no vocabulário gastro-
O ULTRAMAR
nômico do Ocidente, esse encontro deve ter convencido os cruzados de que não era apenas no
sentido espiritual que essa era a terra prometida. Decerto que o clima
quente era debilitante, e na verdade, em alguns casos,
verificou-se que era fatal; mas, entre os que sobreviveram, muitos adotaram o estilo de vida
fragrante e sensual que haviam julgado efeminado nos bizantinos.
Os francos não apenas se suavizaram pelo estilo de vida que encontraram na Síria e na
Palestina, como também foram obrigados a alcançar um modos vivendi
com os muçulmanos, que continuaram a ser a maioria da população. Contanto que pagassem seus
impostos, os suseranos francos estavam dispostos a permitir que as comunidades
muçulmanas escolhessem sua própria administração.- Como nos territórios reconquistados na
Espanha, havia insuficientes imigrantes cristãos para substituírem os muçulmanos;
por conseguinte, era importante que os proprietários de feudos os persuadissem a ficar. Da
prosperidade deles dependia a riqueza de um barão, cuja renda principal
não provinha da terra, como na Europa. 'A Terra Santa era uma área urbanizada par excellence",'6'
e os rendimentos de um barão originavam-se do arrendamento de propriedades,
de pedágios, de licenças para banhos públicos, fornos e mercados, de taxas portuárias e de
impostos sobre mercadorias. 'bz
Pelos padrões da época-e até pelos de hoje-,esses encargos e exações não eram pesados: o
imposto sobre a produção de um agricultor (terrage) era fixado em
cerca de um terço. Embora a lealdade fundamental dos muçulmanos fosse sempre para com o
Islã, há indícios de que não estivessem insatisfeitos com o domínio latino.
A administração dos suseranos francos era de fato mais leve do que no período anterior de
dominação muçulmana." O respeito dos francos pela lei feudal contrastava
de maneira favorável com as caprichosas exigências dos príncipes muçulmanos. Não há dúvida de
que os muçulmanos eram cidadãos de segunda classe; eles eram proibidos
de usar trajes francos, mas .tinham suas próprias cortes e funcionários. A conversão ao
cristianismo implicava plenos direitos civis e levava à assimilação à população
síria cristã. Entre os próprios francos não havia servos, fato que os distinguia das sociedades
feudais da Europa Ocidental. "Embora hierárquica, tratava-se de uma.
sociedade de homens livres, na qual mesmo os mais pobres e mais destituídos não só eram livres,
mas também gozavam de uma condição legal mais elevada do que os mais
ricos entre a população nativa conquistada. 1,164
Apesar das atrocidades anti-semíticas que haviam acompanhado a Primeira Cruzada, existia
um elevado grau de tolerância aos judeus nos Estados cruzados: eles
eram tratados muito melhor do que seus congêneres na
137
OS TEMPLÁRIOS
Europa Ocidental e podiam pratícar sua religião com relativa liberdade."' Tornaram-se mais
freqüentes as peregrinações aos lugares santos e a Jerusalém de judeus
procedentes de lugares tão distantes quanto Bizâncio, a Espanha, a França e a Alemanha.'` Os
latinos católicos não fizeram nenhuma tentativa de converter os muçulmanos
ou os judeus: havia uma notável falta de qualquer tipo de atividade missionária. As disputas
religiosas que aconteceram foram antes entre os católicos e os cristãos
ortodoxos, exacerbadas pela rivalidade dos latinos com Bizâncio, ou entre a Igreja Católica e a
Ortodoxa, de um lado, e as igrejas Jacobita, Armênia, Nestoriana
e Maronita, do outro.
A população autóctone - tanto a muçulmana quanto a cristã - também foi beneficiada com a
prosperidade resultante do aumento do comércio. Antes da conquista
pelos cruzados, um pequeno fluxo de comércio de produtos orientais, como sedas e especiarias,
chegava ao Oriente por intermédio dos mercadores de Amalfi. Com a captura
dos portos da costa do Mediterrâneo e a concessão de privilégios às crescentes potências
marítimas da Itália - Veneza, Gênova e Pisa -,foi estimulado um considerável
comércio com o interior do território muçulmano, financiado por uma moeda latina, o besant - "a
primeira moeda cristã de ampla circulação, cunhada cem anos antes
dos florins e dos ducados da Itália". 167
Os templários tiraram proveito dessa prosperidade através de seus feudos e também
acabaram oferecendo aos muçulmanos autóctones uma tolerância que chocava
os recém-chegados da Europa. Houve um incidente célebre quando Usamah lbn-Munqidh foi a
Jerusalém negociar um pacto contra Zengi, o governador sarraceno de Alepo.
Quando eu estava visitando Jerusalém, costumava ir à mesquita al-Aqsa, onde meus amigos
templários ficavam. Ao longo de um dos lados do edifício havia um pequeno
oratório no qual o Franj havia erigido uma igreja. Os templários puseram esse lugar à minha
disposição, a fim de que eu pudesse fazer minhas orações. Um dia eu entrei,
disse Allahn akbar [Deus é grande] e estava prestes a começar minha prece, quando um homem,
um Fraj, lançou-se sobre mim, agarrou-me e me virou para o leste, dizendo:
"É assim que nós oramos". Os templários precipitaram-se para a frente e o tiraram dali. Em
seguida preparei-me para orar de novo, mas o mesmo homem, aproveitando
um momento de descuido, voltou a se lançar sobre mim, virou meu rosto para o leste e repetiu: "É
assim que nós oramos". Mais uma vez os templários intervieram, levaram-no
e desculparam-se comigo, dizendo: "Ele é um estrangeiro que acabou de chegar da terra do Franj
e nunca viu ninguém orar sem voltar a face para o leste"."R
138
O ULTRAMAR
Apesar de sua amizade com os templários, a atitude de Usamah para com os francos foi de
desdém. Ele escarnece do julgamento por combate e do julgamento por
ordálio como uma forma de justiça, bem como de suas práticas médicas. De fato, os francos
desenvolveram uma abordagem pragmática da doença: o tipo de histeria religiosa
causado pela epidemia em Antioquia durante a Primeira Cruzada não se repetiu, "talvez porque
oração e penitência não funcionaram"; e em seguida os cruzados "parecem
ter abordado a medicina de uma maneira muito prática, talvez tenham tido menos para aprender
dos médicos nativos do que se supusera".'69 De modo geral, a única qualidade
dos latinos que se julgava digna de respeito pelos muçulmanos eram suas proezas militares. Eles
menosprezavam a cultura e as crenças dos cristãos. "De acordo com
o Balaral-Fava`id, os livros de estrangeiros não mereciam ser lidos (...) [e] qualquer pessoa que
acredite que seu Deus saiu dos órgãos genitais de uma mulher é
absolutamente louca; não se deveria dirigir-lhe a palavra, e ela não tem nem inteligência nem
fé.""°
Esse desdém pelas crenças religiosas do inimigo era, em geral, mútuo. Os templários podem
ter permitido que seu hóspede muçulmano rezasse na sua capela,
mas usavam a mesquita al-Aqsa como centro administrativo e depósito. Teodorico, um monge
alemão em peregrinação a Jerusalém na década de 1170, chamando-a de palácio
de Salomão, descreve como era usada para "armazenagem de armas, roupas e alimentos que eles
sempre têm prontos para guardar a província e defendê-la". Abaixo da
mesquita ficavam os estábulos dos templários, "erigidos pelo rei Salomão" e com espaço, segundo
seus cálculos, para dez mil cavalos. Contíguo à al-Aqsa ficava o
palácio originalmente ocupado pelo rei Balduíno e várias outras
casas, habitações e anexos para todos os fins, e é repleto de lugares para passear, gramados, salas
de audiência do conselho, alpendres, consistórios e esplêndidas
cisternas para o abastecimento d'água. (...) Do outro lado do palácio, que fica no oeste, os
templários construíram uma nova casa, cuja altura, extensão e largura,
e todos os seus porões e refeitórios, escadaria e telhado, ultrapassam em muito o costume deste
país. (...) Na verdade, eles aí construíram um novo Palácio, assim
como do outro lado têm o antigo. Aí também, na extremidade do pátio externo, construíram uma
nova igreja de dimensões e acabamento magníficos.'71
E difícil saber quantos homens viviam nesse complexo. No máximo, havia provavelmente cerca de
trezentos cavaleiros e mil sargentos no reino de Jerusalém."z Teria
havido um número irregular e indeterminado de cavaleiros servindo por um período definido na
Ordem, e havia os templários turcópolos - soldados de cavalaria ligeira
nascidos na Síria e empregados pela
BAIRRO DO
PATRIARCA
A Igreja do
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O Hospital
Jardim dos Cônegos
A idadela de avdo Umplo do Senhor
Porta das Aflições
Convento
dos Cônegos
BAIRRO
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ARMÊNIO
Cúpula da Bucha
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(-9S TEMPLÁRIOS
A regra reflete alguns dos Preconceitos do período - por exemplo, apesor cio compromisso
com a hu :Idade, por volta de meados do século XII, tornou-se nece;ário
que um cavaleiro do Templo fosse "o filho de um cavaleira ou desceniente do filho CJeum
cavaleiro" (regra 337). O hábito branco, que tinha sido Iscolhido para ~sImbolizar
a pureza, transformou-se então em .sinal de prestígo: as túnicas d As escudeiros e dos sargentos
eram marrons ou pretas. Os cavaeiros comiam no primeiro turno, e
os sargentos e os escudeiros, no segunde. Dado o fato ele que quase nenhum dos cavaleiros ou
sargentos sabia ler, f bem provável que a maioria dos estatutos simplesmente
refletisse os c)stumes que tinham evoluído e fossem assimilados pelos noilos recrutascomo novos
garotos numa escola pública. E como os castigos impostos nas ;scolas
públicas de antigamente, as punições infligidas aos templários qu, cometiam faltas pareciam
cruéis: eram açoitados, postos a ferros ou obrigidos a comer d o chão
como um cachorro. Essas punições eram semelhantes iquelas imposC as aos monges e normais
para a época.
Cada aspecto do dia-a-d ía do templário era regulado nos mínimos deta-
lhes. Quando- quanto deveria comer, como deveria comportar-se durante a refeição e ate mesmo
como deveria cortar o queijo (371), tudo isso está especificado ia regra.
Ele rlão podia erguer-se da mesa sem permissão, a menos que gesse um sangramento nasal,
houvesse um chamado às armas (c: nesse case ele tinha de estar seguro de
que o chamado fora feito por um irmão ou por"um homem respeitável"), um incêndio ou algum
problema com os caval)s. Ele não tinha propriedade privada: "todas as coisas
da casa são comuns,e faz-se saber que nem o mestre nem nenhuma outra pessoa têm autoridade
para permítir que um irmão possua algo de seu (...)". Se porventura :e
encontrasse dinheiro em poder de um irmão quando de sua morte, ele não podia ser enterrado
em solo abençoado.
O cuidado dos cavalos era de fundamental importância: o número destinado ao mestre é
estabelecido no primeiro estatuto, e os cavalos são mencionados em cgrca
de cem dos que se seguem. Havia vários tipos diferentes: cavalos de batalha para os cavaleiros,
corcéis mais leves e velozes para os tur,cópolos, palafréns, mulas,
cavalos de carga e rocins - transporte para os soldados. Cada cavaleiro recebia seu próprio cavalo,
ao passo que os demais eram mantidos num p0ol comum aos cuidados
do marechal da Ordem. Os cavalos eram criados em coudelarias no reino de Jerusalém e na
Europa Ocidental - por exemplo, na comunidade dos templários em Richerenches,
no norte da Provença. Havia regulamentos precisos para o cuidado dos cavalos, e uma das Snicas
justificativas para faltar às orações era levar um cavalo para o ferreiro
ferrar. 176
O ULTRAMAR
Poucos artigos da regra referem-se ao treinamento: esperava-se que um cavaleiro fosse
experiente em combate a cavalo antes de entrar para a ordem. Devido
ao peso do equipamento de combate, cada qual deve ter sido imensamente forte. Também se
esperava que um cavaleiro trouxesse seu próprio cavalo e equipamento. Se
estivesse servindo como confrère por tempo limitado, eles seriam devolvidos ao cabo desse
tempo, ou, se seu cavalo morresse a serviço dos templários, ele receberia
outro do pool. Fiéis ao espírito de Bernardo de Clairvaux, selas e rédeas não podiam ser
adornadas;
era necessário obter permissão para participar de corridas, e a aposta de dinheiro no resultado
delas era proibida.
Embora o modo de viver sugerido pela regra dos templários esteja imbuído de religiosidade
cristã e as práticas monásticas tenham obtido o mesmo
relevo dos regulamentos militares, há uma mudança na ênfase, em comparação com a regra
primitiva, da procura da salvação individual para um espritde corps regimental.
"Cada irmão deveria empenhar-se em viver honestamente e dar bom exemplo em tudo aos
cidadãos seculares e às outras ordens (...)" (340). As "outras ordens" não especificadas
eram principalmente os hospitalários e mais tarde os cavaleiros teutônicos. O estandarte preto e
branco do Templo, terminado em duas pontas, o confanon baucon, era
seu ponto de reunião em batalha. Era seguro pelo marechal, e dez cavaleiros eram desig-
nados para guardá-lo, um dos quais mantinha um estandarte sobressalente enrolado na sua lança.
Enquanto esse estandarte fosse conservado no alto pelo marechal, nenhum
templário poderia deixar o campo de batalha. Se um cavaleiro se separasse de seu contingente,
era-lhe permitido reagru-
par-se em torno do estandarte dos hospitalários ou de outro estandarte cristão (167).
O voto monástico de obediência era inestimável num contexto militar: severas punições eram
infligidas a um cavaleiro que não resistisse ao ímpeto,
tão comum entre os cavaleiros francos, de atacar o inimigo por sua própria iniciativa. As únicas
ocasiões em que lhe era permitido sair de formação eram para fazer
uma breve sortida, a fim de se assegurar de que sua sela e arnês estavam firmes, ou se tinha visto
um cristão sendo atacado por um sarraceno. Em quaisquer outras
circunstâncias, a punição era ser mandado a pé de volta ao campo (163).
Da mesma forma, não se faziam distinções entre transgressões religiosas e militares. Das nove
"coisas pelas quais um irmão da Casa do Templo pode ser expulso
da Casa", quatro eram pecados que intrinsecamente nada tinham a ver com a vida sob armas:
simonia, assassinato, roubo e heresia. A
revelação das atas do capítulo do Templo, a conspiração entre dois ou mais irmãos e a saída de
uma casa dos templários a não ser pelos portões determi-
143
OS TEMPLÁRIOS
nados eram infrações que teriam sido aplicadas a qualquer instituição
monástica. Apenas a punição da covardia e a deserção para o inimigo estavam relacionadas
especificamente com condições de guerra.
Assim, o ethos regimental nunca foi distinto do ethos cristão do Templo como comunidade
religiosa. Os regulamentos que prescreviam os jejuns e os dias de
festa, a recitação do ofício e de preces pelos mortos, eram absolutamente tão precisos quanto
aqueles relacionados com selas e rédeas. Os templários mostravam uma
particular devoção a Maria, a Mãe de Jesus: "E as horas de Nossa Senhora deveriam ser sempre
recitadas em primeiro lugar nesta casa (...) porque Nossa Senhora foi
o começo de nossa Ordem, e nela e em honra dela, se Deus quiser, será o fim de nossas vidas e de
nossa Ordem, assim que Deus o desejar" (306). Surgiram várias crenças
que vinculavam Maria com o Templo: por exemplo, dizia-se que a Anunciação havia acontecido no
Templo do Senhor (a Cúpula da Rocha), e uma pedra na qual Maria descansou
ficava do lado de fora da fortaleza do Castelo Peregrino, pertencente à Ordem do Templo. Havia
capelas de Nossa. Senhora em muitas das igrejas dos templários, e
várias de suas casas, como a de Richerenches,
eram dedicada:
a Maria: vários doadores referiam-se a Richerenches não
como o Templo, mas como "a casa da Abençoada Maria"."'
Um dos artigos mais reveladores da regra dos templários (325) relaciona-se com o uso de
luvas de couro, que era consentido apenas aos irmãos capelães, "que
têm permissão para usá-las em honra do corpo de Nosso Senhor, que eles com freqüência
seguram em suas mãos", e aos irmãos pedreiros (...) por causa do grande sofrimento
que têm de suportar e a fim de que não firam facilmente as mãos; mas eles não devem usá-las
quando não estiveram trabalhando"."' Não se conhece o número desses irmãos
pedreiros, mas, devido à importância das fortalezas no ultramar, suas habilidades devem ter sido
altamente apreciadas. Um castelo construído pelos templários ou
pelos hospitalários "parecia-se com uma fortaleza por fora, enquanto por dentro era um
mosteiro". 179 Com uma guarnição relativamente pequena, um castelo bem abastecido
poderia resistir ao cerco de um exército considerável. Caso esse exército a ignorasse, ela poderia
fazer sortidas para atacar sua retaguarda. Os cercos umam exércitos
que muitas v--zes só podiam ser mantidos juncos por um espaço de tempo limitado. Tropas nãomercenárias tinham de pensar na colheita e na proteção de
sias famílias contra saqueadores que tiravam proveito de sua ausência e, no caso dos francos, o
recrutamento nos feudos restringia-se a um Feríodo de quarenta dias.
O conflito entre cristãos e muçulmanos na Terra
tanta "raramente propiciava o espetáculo de dois
exércitos empenhados
Mapa-múndi do século XI com Jerusalém no centro e as Ilhas Britânicas no canto
~querdo inferior, reproduzido de um volume misto de conhecimentos sobre o mundo;
Wnchester ou Canterbury. (l3ritisla Gibr<n_~/I3rid~rrnan firt l.ibror1)
Bernardo, abade de Clairv?uY pregando a cruzada ao rei Luís VII em Vézclay, na Borgonha, em
1146. Iluminura do século XV dd, Sebastien iVlamerot. (Pibliothégue Aatioaale/
lkirloeznan Ai-t Librm _1,)
()assalto a Jerusalém duraste a Primeira Cruzada, em 1099.
Ilur»inara do século XIV (13iGlirthéque N<rtiouale/l3ritlgenzau ~Irt Liltr
A pilhagens de Jerusalém após sua caTtura pelos cruzados em 1(199. Iluminura do
século XV de Tean de Courev. (BiUiotlzégue Nationulell3rirlgezraan Ai -t l,ibr-rn.~)
Bernardo, abade de C;lairvaux. Iluminura do século XV de Jean Pouquet no Livro das Horas de
Etienne Chevalier. (.hlzz_sée G'ozzdé/GIraTUlozz/I3ridgerraarz 'li-1
l,ihrarl)
Hugo de Vaudemont abraçado pela esposa após seu retorno da cruzada Obra de talha em pedra
do século XII do Priorado de Belval, na Lorena. (dlrr.,~e dc., .llouruttrtrt.;
I ì~rn~rri.;/l,nron;-(:intitulou/l3ri~l~etnrnt flrt L,ihraty0
Um cavaleiro do 7cmplo, de
um mural do século XII na capela dos templários em Cressac-sur-Charente, na Aquitânia.
(WeitlrnfelrlAtrfüve)
tr
A mesquita al-Aqsa no monte do Templo, em ,lerusalétn, chamada de Templo de
Salomão pelos cruzados e sede dos templários até 1187. Guache sobre papel, do
Álbum Muraqqa. (Ghester 13eatty Lihrary arzd Gallery of
l n ar Sal. na ti m
,c
Ricardo Coração de Leão enristando com Saladino, de um manuscrito do século XI\'
ornado com iluminuras.(13rili.rh l.ibrar_rll3r-zd;zrnarz~lrtl•iGrar,y)
A torre do sino da Abadia de
Clum-, tudo o que resta da sua
d('.IIIOIição após a Revolução
Francesa de 1789.
(C,oÏrsao pnrtrirrlwlBullo~l
Reconstrução do mosteiro c: da abadia em CVuny feita por Kenneth John Conant.
O ULTRAMAR
em destruição mútua; o verdadeiro fim da atividade militar era a captura e a defesa de lugares
fortificados". "0
Um excelente exemplo foi a grande fortaleza de Ascalão, em poder dos califas fatímidas do
Egito. Suprida por terra através da península Sinaítica e por mar
desde Alexandria, ela protegia a estrada litorânea que conduzia ao Egito e servia de base para
ataques de surpresa a colônias cristãs. Numa tentativa de imobilizar
Ascalão, o rei Foulques a cercara com uma roda de fortalezas em Ibelin, Blanchegarde e
Bethgibelin: esta última foi transferida para os hospitalários e Ibelin para
um cavaleiro, provavelmente de origem italiana, que veio a ser conhecido como "Balião, o Velho".
Em 1150, o cerco foi completado com a construção de uma fortaleza nas ruínas de Gaza, a
cidade ao sul de Ascalão onde no Antigo Testamento Sansão fora aprisionado
pelos filisteus. Ela foi doada aos templários, que repeliram com êxito uma tentativa dos egípcios
de torná-la. O sul do reino de Jerusalém estava agora seguro, e
o rei Balduíno III poderia começara sitiar a própria Ascalâo. Em janeiro de 1153, ele reuniu suas
forças diante da cidade, incluindo a força de hospitalários, sob
o comando de seu mestre, Raimundo de Le Puy, e a de templários, liderada por Bernardo de
Trémélay. Sem dúvida conhecido de Bernardo de Clairvaux, Bernardo era um
burgúndio das proximidades de Dijon que havia sido escolhido para substituir Everardo de Barres
como grão-mestre quando, no ano anterior, Everardo se retirara como
monge para Clairvaux.
Abastecidos por mar, os egípcios em Ascalão não poderiam ser submetidos à fome até se
renderem: a cidade teria de ser tomada de assalto. Os francos construíram
uma torre de madeira mais alta do que os muros e que foi posicionada no setor guarnecido pelos
templários. Na noite de 15 de agosto, um grupo dos defensores fez
uma sortida a partir da cidade e ateou fogo a essa torre; mas, quando ela estava em chamas, o
vento mudou de direção e soprou as chamas contra os muros. A alvenaria
rachou e esboroou-se e parte do muro veio abaixo. Bernardo de Trémélay, o mestre dos
templários, aproveitou essa oportunidade e conduziu quarenta de seus homens
através da brecha; todavia, a força principal não conseguiu segui-los, e os templários foram
cercados e mortos pelos defensores. No dia seguinte, seus corpos decapitados
foram pendurados nos muros, entre eles o do grão-mestre, Bernardo de Trémélay.
No seu relato dessa desgraça, o cronista latino Guilherme de Tiro escreveu que os templários
se haviam .tornado vítimas de sua própria ambição: Bernardo
de Trémélay havia ordenado a seus cavaleiros que impedissem que quaisquer outras pessoas se
juntassem a eles nesse assalto inicial, porque queria reservar para a
sua Ordem a glória de tomar a cidade e a parte do
153
OS TEMPLÁRIOS
leão dos despojos de guerra. No entanto, a pesquisa mais recente sugere que "a versão de
Guilherme desse incidente parece estar distorcida", tendo-se baseado nos
relatos defensivos dos comandantes latinos, que haviam sido criticados "por não terem
conseguido seguir os templários através da bre-cha";` contudo, a calúnia propagou-se
amplamente e manchou a reputação da Ordem na Europa Ocidental.
A perda dos templários não afetou o
resultado do cerco. No dia 19 de
agosto a cidade rendeu-se ao rei Balduíno e foi evacuada pelos egípcios, permitindo-se a seus
habitantes levar consigo seus bens móveis. Para trás iscaram enormes
quantidades de tesouros e suprimentos de armas. Para o rei Balduíno, Ascalão era um prêmio
extraordinário e sua captura marcou o ponto alto de seu reinado. Ela foi
doada como feudo a seu irmão Amauri, conde de Jafa. A mesquita foi consagrada como catedral e
dedicada ao apóstolo Paulo.
Para substituir Bernardo de Trémélay, o capítulo dos templários elegeu André de Montbard, o
tio de Bernardo de Clairvaux que até então tinha ocupado o cargo de senescal do reino de Jerusalém. Apesar da perda de quarenta cavaleiros, eles
continuaram a guarnecer sua fortaleza em Gaza, usando-a como uma base
a partir da qual patrulhavam as rotas seguidas pelas caravanas que viajavam entre o Cairo e
Damasco. Em 1154, o ano após a queda de Ascalão, um contingente de templários
emboscou uma força egípcia que escoltava o vizir egípcio Abbas e seu filho Nasir al-Din, ambos em
fuga coe
um enorme tesouro, depois do fracassado golpe contra
o califa. Abbas foi
morto no ataque, mas Nasir al-Din foi feito prisioneiro pelos templários. Mais tarde Guilherme de
Tiro afirmaria que sob sua custódia ele aprendera latim e estava
disposto a tornar-se cristão, mas isso não foi considerado pelos templários uma razão boa o
suficiente para abrirem mão da substancial soma
E ito ofereciam por ele
.
de dinheiro que seus inimigos no g
Nasir al-Din foi
devidamente devolvido aos partidários do califa e, tão logo chegou ao Cairo, foi primeiro
"mutilado pessoalmente" pelas quatro viúvas do califa` e então "feito em
pedaços pela turba".'8Z
Essas acusações de cobiça contra os templários foram feitas por cronistas que tinham
interesses pessoais, como Guilherme de Tiro e Walter Map, e desta distância
no tempo são difíceis tanto de comprovar quanto de refutar. Também não se deve esquecer que a
pilhagem era considerada uma forma legítima de renda e provia os meios
para promover o trabalho de sua Ordem. As despesas em que as ordens militares incorriam eram
estupendas: os hospitalários estiverem à beira da falência na década
de 1170.
154
O ULTRAMAR
André de Montbard morreu em 1156, após apenas três anos como grão tre. Em 1158, seu
sucessor, Bertrand de Blanquefort, com oitenta e irmãos e trezentos cavaleiros
seculares, foi emboscado e capturado po força sarracena quando atravessava o vale do Jordão.
Devido ao terreno montanhoso na Síria e na Palestina, e porque a c de informações dos
sarracenos era em geral melhor do que a dos cr (eles usavam pombos-correios
e a maior parte da população rural era m mana), era difícil proteger-se contra vicissitudes desse
tipo. A despei sua bravura ocasionalmente insensata, sem dúvida
inspirada pela conl em que Deus ficaria do seu lado, os templários, em particular, e os cava
francos, em geral, tornavam-se mais circunspectos à medida que o t passava.
Eles haviam aprendido da experiência que os sarracenos tan eram hábeis combatentes que com
freqüência tiravam proveito da cor dos francos com sua astúcia. Eles apreciavam
"que eles devessem perr cer firmes apesar dos arqueiros e do cerco, ignorar a tentação oferecida
(...) fuga simulada, preservar sua solidariedade e coesão até que
pude escolher o momento de lançar sua carga com a certeza de atingir a prir formação militar do
inimigo (...)".Ig4A impetuosidade desenfreada do zados primitivos
era agora coisa do passado. "De todos os homens", esc~ o diplomata damasceno Usamah, "os
francos são os mais cautelosa guerra."
A mesma circunspecção era evidente na diplomacia do rei Balduín o mais sagaz dos reis de
Jerusalém. Foulques, seu pai, fora morto du uma caçada, quando Balduíno
era ainda criança, e, embora coroado rc
1143 por insistência dos barões, foi com grande dificuldade que se libda tutela da mãe,
Melissanda. A mais velha das três extraordinárias filh rei Balduíno II de
Jerusalém, Melissanda, como sua irmã Alice em A quia, havia se recusado a aceitar que, por ser
mulher, lhe faltasse comp~ cia para governar. Na década de 1140 ela
havia levado o reino de Jerusa: beira de uma guerra civil numa luta com seu marido, Foulques de A
preferindo o amigo de infância dela, o belo senhor de Jafa, Hugo
de Le R ao "homem de meia-idade baixo, magro e ruivo que fora obrigada a ac por interesses
políticos"."' Também se dizia que, como um favor à Hodierna, encomendara
o envenenamento de Afonso Jordão, o jovem c de Toulouse, que morrera subitamente em
Cesaréia por ocasião da Seg Cruzada-ele tinha mais direito hereditário ao condado
de Trípoli do c marido de Hodierna, o conde Raimundo.
Em 1152, foi a vez do filho de Melissanda, o rei Balduíno III, opor mãe, quando, nove anos
após sua coroação, ele tentou governar p mesmo. Melissanda não
estava mais disposta a abdicar a partilha de F
155
OS TEMPLÁRIOS
com o filho do que estivera com o marido. Suas divergências levaram a uma ruptura com, em
primeiro lugar, uma divisão de facto do reino e, posteriormente, um conflito
aberto entre mãe e filho. Sitiada pelas forças de Balduíno na cidadela em Jerusalém, Melissanda
foi afinal persuadida a se render e a viver com sua irmã, a abadessa
Joveta, em seu convento em Betânia.
Não só os contemporâneos de Melissanda, mas também mais tarde os historiadores, ficaram
impressionados por essa "mulher de fato notável, que por mais de
trinta anos exerceu considerável poder num reino onde não havia tradição prévia de nenhuma
mulher exercendo um cargo público".I86 Para Guilherme de Tiro, "ela era
uma mulher muito sábia, com plena experiência em quase todas as esferas dos negócios de
Estado, que vencera por completo as desvantagens de seu sexo, de modo que
pudesse encarregar-se de importantes assuntos (...) ela administrou o reino com tanta habilidade
que se considerou com justiça que havia igualado seus predecessores
nesse aspecto". O próprio Balduíno acabou reconhecendo as qualidades dela, e com a confiança
reforçada pela captura de Ascalão, tratou a mãe com considerável respeito
e a envolveu nos negócios de Estado.
Mesmo antes da queda de Ascalão, ela fora convocada para reunir-se com os principais
dignitários do ultramar a fim de refletirem sobre o futuro de sua sobrinha
Constança, a princesa viúva de Antioquia. Três anos antes, seu belo marido, Raimundo de Poiders,
tio e suposto amante de Alienor de Aquitânia, tinha sido morto durante
uma incursão no norte de seu principado, e considerava-se de suma importância que Constança se
casasse com um líder na guerra que gozasse de credibilidade: sugeriu-se
um normando, Jean Roger, o cunhado viúvo do imperador bizantino. Também se esperava que ela
pudesse reconciliar a irmã Hodierna com o marido, o conde Raimundo II
de Trípoli, mas nesse caso ela fracassou de ambos os modos: Constança recusou-se a considerar o
maduro Jean Roger e Raimundo II foi assassinado quando se dirigia
a cavalo para a cidade de Trípoli.
O assassino de Raimundo foi um membro de uma seita fanática de muçulmanos xiitas, os
assassinos, os quais, como os sicários entre os zelotes judeus, tentavam alcançar
seus objetivos por meio da morte encoberta de seus inimigos. Seu nome origina-se da palavra
haxixe, que, de acordo com os cruzados, induzia a um transe que tornava
os matadores alheios ao perigo. Os xiitas eram originalmente uma facção política que acreditava
que Ali, o genro de Maomé, fosse seu verdadeiro sucessor; mas, após
a morte de Aliem 661, ela progrediu para uma seita islâmica radical empenhada em derrubar o
califado sunita de Bagdá. Perseguidos por suas crenças, os xiitas desenvolveram
noções místicas, métodos revolucionários e aspirações messiânicas, e
156
O UL'T'RAMAR
d1 jd1
is radical eram os ismaclitas,
,v ram-se em outras facções, das quais a rna
1
1
que "elaboraram um sistema de doutrina religiosa num elevado nível filosó
fico e produziram uma literatura que, depor de séculos de eclipse, apenas
agora está começando de novo a obter reconhecimento de seu real valor". 181
Fundamental ao sistema ismaelita era a idéia do imã, o inspirado e infalível descendente de
Ali e Fátima por intNrmédio de Ismael. Ele tinha acesso a conhecimentos
especiais e devia Ser obedecido sem objeção. Em princípios do século X, um homem que alegava
ter essa descendência tomou o poder no norte da África e instituiu o
califado fatímida (de Fátima) do Cairo para rivalizar com o califado sunita de Bagdá. No tempo das
cruzadas, o império fatímida estava em declínio. Contudo, nos
montes Elburz, no norte da Pérsia, de onde se descortinava o litoral do mar Cáspio, um grupo de
intransigentes ismaelitas sob Hassan al-S~abbah instalou-se na inexpugnável
fortaleza de Alamut. Daí Hassan enviou seus sectários para assassinarem os sultões sunitas e seus
vizires. Além disso, enviou missionários à Síria para conquistarem
conversos, mas também para tomarem fortalezas como bases para sua campanha de terror. Em
1133, os assassinos compraram o castelo de Qadmus aos muçulmanos que o haviam
conquistado aos francos. Logo em seguida, adquiriram al-Kahf; em 113, tomaram Khariba aos
francos; e, em 1142, a importante fortaleza dP Masyaf foi conquistada aos
damascenos. Outras fortalezas caíram em ôuas mãos mais ou menos ao mesmo tempo e
colocaram-nos face a face cora os castelos das ordens militares em Kamel, La Colée
e Krak dos Cavaleiros, e nas cidades litorâneas de Valania e Tortosa.
O ódio dos assassinos a seus inimigos muçulmanos tornou-os sujeitos a formar alianças com
os francos. Na batalha de Inab, em 1149, um líder assassino, Ali
ibn Wafa, morreu lutando ao lado de Raimundo de Poitiers; todavia, apenas três anos mais tarde
um membro d~ mesma seita assassinou Raimundo II de Trípoli por razões
desconhecidas. Uma vez que a rainha Melissanda era suspeita de ter ordenado o envenenamento
do jovem Afonso Jordão, conde de Toulouse, não é impossível que ela também
tivesse incumbido os assassinos de se livrarem do difícil marido de Hodierna.
Dessa forma, divergências teológicas entre os seguidores de Maomé, associadas às paixões de
mulheres obstinada~, acabaram afetando o destino dos latinos
no ultramar. O exemplo mais fatídico dessas paixões veio em 11 ,53, quando Constança regressou
ao principado de Antioquia. Agora tornava-se claro por que ela recusara
o noivo proposto pelo rei de Jerusalém e pelo Imperador de Bizâncio. Seus olhos haviam câído
sobre outro homem, Reinaldo de Châtillon, um cavaleiro francês. Reinaldo
era o filho mais novo de Geoffroy, conde de Gien-sur-Loire, e tirou seu título de Châtillon-surOS TEMPLÁRIOS
Loire. Crê-se que tenha pdo para o Oriente com o rei Luís'JII na Segunda Cruzada, onde
permaneceu no séquito do rei Balduíno III. P.julgar pelo seu comportamento
subseqüente, ele era desumano, audaz, excepcionalmente corajoso e quase com certeza bonitoqualidades que conquistaram o amor de Constança e levaram à mésalliance
do século. Era absolutamente surpreen-
dente, escreveu o arcebispo de Tiro, "que uma mulher tão fsmosa, poderosa e bem-nascida, viúva
de Um marido tão ilustre, se dignasse se casar com uma espécie de
cavaleiro mercenário 188
Balduíno III, admi~
indo as habilidades de Reinaldo como soldado, reco-
nheceu-o como príncipe de Antioquia. Embora com relutãn~ia, o imperador j bizantino Manuel fez
o rrlesmo, em retribuição á ajuda de Reinaldo contra os
armênios na Cilicia. Corii a ajuda dos templários, Reinaldomarchou para o '¡ norte e tomou o porto
de Alexandreta, dando-o aos teme ários. Ele agora
estava em contenda cone o imperador Manuel devido aos subsídios a que supunha ter direito.
Encorajado pelos templários, reconciliou-se com os armênios e decidiu
recuperar dos bizantinos aquilo a que julgava fazer jus pilhando a ilha de Chipre. Ele precisava de
fundos para wa expedição e `
decidiu extorqui-los a Aimery, o patriarca latino de Antioquia, a quem Rei- R naldo tinha aversão
pordue Aimery se tinha oposto ferozmente a seu casamento com Constança.
Aimery recusou-se a dar-lhe dinheiro, e então Reinaldo mandou lançá-lo na prisão, espancá-lo
brutalmente e depois amarrá-lo no teto da cidadela apés terem esfregado
mel em suas feridas para atrair
moscas.
Esse tratamento surtiu o efeito desejado: o patriarca entregou seu dinheiro a Reinaldo, que
ousou para equipar uma esquad-a. Na primavera de 1156, com o
rei arménio Thoros,ele desembarcou comum exército em Chipre, até então uma das mais pacíficas
províncias do Império Bizantino e fonte de suprimentos para o faminto
exército da Primeira Cruzada. Após vencer e capturar o governador da ilha, João Comneno,
sobrinho do imperador, e seu líder militar, Miguel Bravas, o exército de
Reinaldo e Thoros passou a pilhar afilha "numa escala que talvez tivesse deixado com inveja os °°
I$`
hunos e os mongóis . Indiferentes ao fato de os cipriotGs serem cristãos, violentaram suas
mull•eres, assassinaram seus filhos e parentes idosos, saquearam suas
igrejas conventos e seqüestraram seu gado e suas colheitas. Os prisioneiros ou compravam a
própria liberdade, ou eram levados agrilhoados para Antioquia ou eram
mutilados e enviados para Bizãncio, num evidente gesto de desafio e desdém.
O comportamento brutal e pirático de Reinaldo causou consternação em Jerusalém. Ao ser
üformado do encarceramento do patriarca Aimery, o rei Balduíno 111
enviou emissários para insistirem em que =osse solto e, uma
O ULTRAMAR
vez que isso estivesse assegurado, trazerem-no para Jerusalém. A pilhagem de Chipre foi ainda
mais grave porque pôs em risco o plano de Balduíno de uma aliança com
o Império Bizantino. A fim de selar o pacto, fora prometida a Balduíno a princesa bizantina
Teodora, de quinze anos, sobrinha do imperador, com um imenso dote que
encheria os esvaziados cofres do reino. O casamento realizou-se em Jerusalém em 1158.
O objetivo diplomático dessa aliança era a ajuda bizantina contra Nur ed-Din e, para o
imperador Manuel, a punição de Thoros e Reinaldo. À aproximação de
um poderoso exército bizantino, Thoros fugiu para as montanhas, enquanto Reinaldo se submeteu
de forma abjeta. Perante uma assembléia de príncipes visitantes e cortesãos
reunida em frente dos muros de Mamistra, Reinaldo avançou, descalço e sem chapéu, e prostrouse na poeira diante do imperador bizantino. Após saborear a humilhação
de seu inimigo e impor certas condições, Manuel permitiu que o penitente se erguesse e
retornasse a Antioquia.
Embora os latinos reconhecessem que a degradação de Reinaldo fora bem merecida,
julgaram-na uma humilhação a todos eles. Balduíno tinha alimentado a esperança
de que Reinaldo não seria tão facilmente perdoado. Para Manuel, contudo, era melhor que
Antioquia fosse governada por um homem que, quando Manuel fizesse sua entrada
triunfal na cidade, estivesse disposto a caminhar a seu lado, conduzindo seu cavalo, do que por
outro príncipe menos submisso e com certeza menos visivelmente seu
vassalo. Conquanto Manuel revelasse sincera afeição por Balduíno, seu sobrinho por afinidade, as
prioridades estratégicas dos dois homens não eram as mesmas, conforme
Manuel demonstrou ao fazer um pacto com Nur ed-Din, o arquünimigo dos latinos, contra os
turcos seldjúcidas na Anatólia. Para os latinos, esse foi mais um exemplo
da perfídia grega; todavia, entre os benefícios desse acordo para os latinos estava a soltura de
prisioneiros cristãos, entre eles o mestre do Templo, Bertrand de
Blanquefort.
Qualquer expectativa entre os príncipes cristãos de que Reinaldo de Châtillon tivesse
aprendido de seus erros logo se revelaria despropositada. Em novembro
de 1160, Reinaldo fez um ataque repentino aos rebanhos de gado pertencentes sobretudo a sírios
cristãos. No caminho de volta a Antioquia com sua presa quadrúpede,
foi emboscado por uma força muçulmana sob o comando do governador de Alepo. Reinaldo foi
capturado e levado para Alepo no lombo de um camelo. Ninguém se apresentou
para oferecer um resgate, e ele teve de ficar encarcerado pelos dezesseis anos seguintes.
Em fevereiro de 1160, o rei Balduíno III morreu com apenas trinta e três anos - um homem
extremamente encantador, inteligente e culto, que foi
Principais fortalezas
w l.a Rochc de Rousscl w La lìoche Guillaumc w 1)arhsek
w(iaston (Baghras)
fw Port Bonnel
Antioquia
nrar Meiliterrmreo
w La Colée
M (:hastcl-Blane
AI-Arimah
Trípoli
Beirute w
Sídon w
Cauto« n Tiro
Chastellet
Acre
Safad w
Haifa-~nSaffran
nrardaCaNéia
Des«oir
Castelo Peregrino ('Atlit
Caco
la Fèvt w w w Le Petit Gerin Cesaréiã
Nablus/r~
gafa a castel Arnald
Casal des Maios w
!I
w
11
A Quaranrânia
w Ahamanr (Aman)
~fòron dos
Ascalio~ ~
w
Cavaleiros Jer~salém ': Maldoim (Cisterna Rubra)
• Gaza
dos templários
na Síria e na Palestina
.morto
o
so
25
50 milhas
>oo km
L
O
O ULTRAMAR
pranteado até mesmo por seus súditos muçulmanos e pelo governador de Alepo, Nur ed-Din. Ele
não tinha herdeiros: sua esposa, a rainha Teodora, tinha apenas dezesseis
anos, e então retirou-se para Acre, que recebera como parte do arranjo de casamento.
A Balduíno sucedeu seu irmão Amauri, de vinte e cinco anos, tão alto e bem-apessoado
quanto Balduíno, mas sem a erudição e o encanto deste. Amauri, que fora
senhor de Jafa e Ascalão, estava contente de deixar os bizantinos para proteger as fronteiras
setentrionais de seu reino, e voltou sua atenção para o sul, em direção
ao Egito. Aí, em conseqüência de uma série de golpes e contragolpes sanguinários, o califado
fatímida estava desintegrando-se e o governo do país estava desorientado.
Poucas cidades no Sinai ou no delta do Nilo eram fortificadas, e a possibilidade de pilhagem era
estupenda; mas também havia a razão estratégica mais urgente para
entrar em ação contra o Cairo, pois, se os latinos não preenchessem o vácuo, Nur ed-Din com
certeza o preencheria.
Em 1160, uma planejada invasão por Balduíno II fora negociada pela promessa de um tributo
anual jamais pago. Usando essa falta de pagamento como pretexto,
no outono de 1163 Amauri invadiu o Egito à frente de uma força que incluía um grande
contingente de templários; mas os egípcios forçaram os francos a recuar, abrindo
brechas em diques no delta do Nilo. No ano seguinte, Amauri estava de volta ao Egito para
antecipar-se a uma tomada do poder no Cairo por Shawar, protegido de Nur
ed-Din, e chegou a um acordo com Shawar de que ambos os exércitos deveriam retirar-se.
Aproveitando-se da ausência de Amauri, Nur ed-Din atacara o principado de Antioquia, pondo
cerco à fortaleza de Harene. Boemundo, o jovem filho de Constança
e Raimundo de Poitiers, agora reinando como príncipe Boemundo III, partiu com um exército
misto de antioquenos, armênios e bizantinos a fim de socorrer Harenc. Nessa
força havia um contingente de cavaleiros do Templo acompanhados de seus sargentos, escudeiros
e turcópolos. À sua aproximação, Nur ed-Din suspendeu o cerco e retirou-se.
Contrariando os conselhos de seus companheiros mais experientes, Boemundo saiu em
perseguição desse exército muito maior e o alcançou no dia 10 de agosto. Usando
sua tática favorita, os muçulmanos simularam uma retirada. Boemundo e seus cavaleiros
arremeteram contra eles, foram emboscados e feitos prisioneiros ou mortos.
Dos cavaleiros do Templo, sessenta caíram na batalha e apenas sete escaparam.
Esse revés foi sem dúvida um dos fatores que levaram os templários a preferir seu próprio
julgamento sobre questões militares ao dos príncipes latinos. Embora
os templários estivessem comprometidos por seus estatutos a defender a Terra Santa, o grãomestre estava sujeito ao papa, e não ao
OS TEMPLÁRIOS
rei de Jerusalém. Para Amauri, todavia, a autonomia das ordens militares tolhia sua conduta de
guerra contra o Islã. Em 1166, uma caverna-fortaleza na Transjordânia,
guarnecida pelos templários e que se dizia ser inexpugnável, foi sitiada pelas forças de Nur ed-Din.
Ela provavelmente tinha feito parte da doação feita por Filipe
de Nablus, senhor da Transjordânia, quando entrou para a Ordem em janeiro de 1166.
Ao ser informado do sítio, Amauri reuniu um exército para aliviá-lo, mas ao chegar ao rio
Jordão ele encontrou doze templários que haviam entregado a fortaleza
sem lutar. Amauri ficou tão irado que mandou enforcar os cavaleiros. Esse episódio, registrado na
história de Guilherme de Tiro, bem poderia ter sido um dos fatores
que azedaram as relações entre a Ordem do Templo e o rei. Em 1168, quando Amauri decidiu-se
pela invasão do Egito com o uso de todos os meios possíveis, foi apoiado
pelo grão-mestre do Hospital, Gilberto de Assailly, e pela maioria dos barões leigos, mas o grãomestre do Templo, Bertrand de Blanquefort, recusou-se categoricamente
a participar.
Motivos mesquinhos foram atribuídos aos templários para essa decisão: afirmou-se que foi
porque o plano tinha sido incentivado por seus rivais, os hospitalários,
ou que eles tinham lucrativas transações financeiras com os mercadores italianos que
comerciavam com o Egito. Mas a quase falência do Hospital, que sem dúvida induziu
Gilberto de Assailly a tentar compensar no Nilo os prejuízos da Ordem, também foi uma lição
prática para o Templo, que tinha tido graves prejuízos em Antioquia e
estava totalmente comprometido com a defesa da Terra Santa, tanto no norte, na fronteira de
Amanus, quanto no sul, perto de Gaza. Também havia o acordo de Amauri
com Shawar - os recém-chegados da França, como o conde Guilherme IV de Nevers, que
aconselhou o rei Amauri, talvez não entendessem o valor de se manter a promessa
feita a um infiel, mas os templários já tinham suficiente compreensão das condições locais para
reconhecerem que de vez em quando a diplomacia poderia ser mais eficaz
do que a força.
Outro exemplo da independência dos templários e de sua disposição de frustrar os planos do
rei ocorreu em 1173, quando Amauri entrou em negociações com o
chefe dos assassinos na Síria, conhecido pelos cruzados como "O Velho da Montanha". Tratava-se
de Sinan ibn-Salman ibn-Muhammad, originário de uma aldeia próxima
de Basta, no Iraque. Protegido de Hassan, o imã assassino de Alamut, Sinan tornou-se o
governante do enclave dos assassinos na Síria e seguia sua própria política.
Durante trinta anos, todo governante nos califados islâmicos e em cada Estado cristão esteve sob
risco de um ataque homicida de um dos fanáticos sectários ismaelitas
de Sinan. As exceções eram os grão-mestres das ordens militares, porque os assassinos
O ULTRAMAR
haviam compreendido claramente que, se um fosse morto, sempre haveria outro para assumir seu
lugar.
De modo geral, por serem os inimigos de seus inimigos, os assassinos eram tolerados pelos
francos. Os templários, que poderiam ter investido contra eles
a partir de suas bases em Tortosa, La Colée e Chastel-Blane, recebiam um "tributo" anual de 2.000
besants dos assassinos para que estes fossem deixados em paz. Na
década de 1160, as tendências milenárias inerentes à doutrina ismaelita explodiram quando
Hassan, o líder em Alamut, revogou a Lei de Maomé e proclamou a Ressurreição.
Sinan promulgou a nova dispensação na Síria, e, como os anabatistas em Münster muitos séculos
depois, os eleitos abandonaram-se a um excesso de libertinagem. "Homens
e mulheres umam-se em rodadas de bebidas, nenhum homem se abstinha de sua irmã ou filha, as
mulheres usavam roupas masculinas, e uma delas declarou que Sinan era
Deus.` 11
Alguns anos depois da ab-rogação do Islã por Hassan, Sinan mandou recado ao rei Amauri e
ao patriarca de Jerusalém de que estava interessado na conversão
à fé em Cristo. Para esse fim Hassan enviou um emissário, Abdullah, para negociar um acordo com
o rei. Após uma conclusão satisfatória dessas conversações preliminares,
Abdullah iniciou a viagem de volta de Jerusalém a Massif com um salvo-conduto do rei Amauri.
Pouco depois de passar por Trípoli, seu pequeno destacamento foi atacado
por um cavaleiro zarolho chamado Gualtério de Mesnil.
Esse atentado enfureceu o rei Amauri, que ordenou a prisão dos culpados. O grão-mestre do
Templo era agora Odon de Saint-Amand, que havia substituído Filipe
de Nablus em 1168. Odon tinha sido um funcionário público real que ocupara vários postos
importantes antes de entrar para a
Ordem. Entre 1157 e 1159 fora prisioneiro dos muçulmanos. Sua escolha como grão-mestre tinha
sido quase com certeza para promover boas relações com o rei Amauri,
mas agora Odon insistia nos direitos legais concedidos aos templários pela bula papal Omne
datum optimum. Seus cavaleiros estavam isentos da jurisdição secular:
Gualtério de Mesnil tinha sido punido pela Ordem por sua transgressão, e ela agora o enviaria a
Roma para o julgamento final. Ignorando essas sutilezas, Amauri viajou
para Sídon, onde o capítulo dos templários estava reunido, e deteve o agressor Gualtério de
Mesnil. Ele foi aprisionado em Tiro, e Sinan foi persuadido pelos profusos
pedidos de desculpas de Amauri de que o ataque a seu embaixador não fora um ato seu. Todavia,
o incidente indispôs irrevogavelmente o rei contra o Templo, e seu
plano de requerer ao papa e aos monarcas europeus que dissolvessem a Ordem só foi frustrado
por sua morte em 1174.
OS TEMPLÁRIOS
O que estava por trás do ataque ao embaixador assassino por Gualtério de Vlesnil? Odon de
Saint-Amand nunca assumiu a responsabilidade de seu ato; mas, devido
ao voto de obediência feito por todo irmão cavaleiro, parece improvável que Gualtério estivesse
agindo inteiramente por iniciativa próprià. O motivo fornecido por
Guilherme de Tiro, cronista da época, é cobiça: os templários não estavam dispostos a perder o
tributo anual de 2.000 besants que teria prescrito com a conversão
dos assassinos. Um cronista posterior, Walter Map, sugere que eles receavam que a paz destruísse
sua raison d ëtre, matando o emissário dos assassinos "a fim de
que (diz-se) a crença dos infiéis não se extinguisse e a paz e a união não reinassem".'9'
Historiadores modernos"' sugerem que, uma vez que os templários tin-iam acabado de
receber uma substancial doação de Henrique, o Leão, duque da Saxônia,
eles não teriam desafiado o rei por causa de meros 2.000 besents. É mais provável que, por
viverem próximo aos assassinos, eles pensas3em que Amauri estivesse sendo
logrado. Mas eles não eram os únicos que não confiavam nos assassinos: após a morte de Amauri,
Raimundo III, conde de Trípoli, cujo pai tinha sido morto pelos assassinos,
tornou-se regente do reino de Jerusalém. As negociações com Sinan não foram retomada:, e não
houve nenhum outro rumor de sua conversão à fé em Cristo.
oÉto
Saladino
0 ano de 1174 assistiu à morte do rei Amauri de Jerusalém e de Nur ed-Din, o poderoso
governante de Alepo. Amauri, que tinha apenas trinta e oito anos, sempre fora
desfavoravelmente comparado com seu irmão Balduíno III e havia dissipado a força de seu reino
em suas infrutíferas expedições ao Egito. Sua estratégia para assegurar
a sobrevivência dos Estados latinos na Síria e na Palestina tinha sido a de fazer aliança com o
Império Bizantino. Isso fora obtido pelo casamento de sua prima,
Maria de Antioquia, com o imperador Manuel e pelo seu próprio casamento com a filha do
imperador, também chamada Maria, de quem teve somente uma filha, Isabel. Esse
apreço por Bizâncio foi demonstrado quando, após retornar de uma visita a Constantinopla, e
pouco antes de sua morte, ele adotou o traje cerimonial do imperador
Bizantino em sua corte em Jerusalém.
O princípio hereditário era agora inconteste nos reinos latinos, e por isso a Amauri sucedeu
Balduíno IV seu filho com a primeira mulher, Agnes de Courtenay.
Balduíno tinha treze anos e era leproso, e na opinião de alguns clérigos a doença era a punição de
Amauri por Deus por ter-se casado com sua prima. Até Balduíno
atingir a maioridade, seu primo, o conde Raimundo III de Trípoli, desempenhou as funções de
regente.
À primeira vista, o legado de Nur ed-Din era menos seguro. Seu filho e herdeiro, Malik as-Salih
Ismail, estava com apenas onze anos e havia pretensões rivais
dos governadores de Damasco, de Alepo, de Mossul e do Cairo sobre quem deveria atuar como
seu regente. Contudo, ao firmar sua autoridade sobre os diferentes emirados
que antes tinham vivido às turras uns com os outros, Nur ed-Din demonstrara que era possível
para os muçulmanos unir-se contra os francos. Além disso, havia acrescentado
uma dimensão espiritual a este fato político: parcimonioso e austero, "com feições regulares e
uma expressão triste e suave",'93 ele também era pio e tinha elevado
sua luta contra os cristãos latinos ao nível de um jihad ou guerra santa.
O homem que adquiriria essa combinação de ascendência espiritual e política não seria da
progênie de Nur ed-Din, mas o filho de um alto funcio-
165
OS TEMPLÁRIOS
nário curdo que salvara a vida do pai de Nur ed-Din, Zengi, ajudando-o a fugir através do rio Tigre,
em 1143, depois de ser derrotado numa batalha com as forças
do califa de Bagdá. Esse homem, Najm ed-Din, junto com seu irmão Shirkuh, eram os generais de
Nur ed-Din em quem ele mais confiava, e foi Shirkuh quem frustrou as
tentativas do rei Amauri de fundar um protetorado franco no Egito. Ele todavia o fez em estreita
colaboração com o seu jovem e vigoroso sobrinho Salad ed-Din Yusuf,
mais conhecido como Saladino. Foi Saladino quem deu o coup de grâce no califado fatímida do
Cairo, mudando a submissão espiritual dos muçulmanos egípcios para o
califa de Bagdá. Ele firmou um domínio pessoal sobre o Egito, agindo de forma independente de e às vezes em desobediência a - Nur ed-Din, o antigo amo de seu pai.
Tanto durante a sua vida quanto após a sua morte, Saladino seria visto como um modelo de
bravura e magnanimidade não só pelos muçulmanos, mas também pelos
cristãos. As histórias de sua urbanidade e benevolência que foram trazidas para a Europa - por
exemplo, como ele deu peles a alguns de seus prisioneiros cristãos
para mantê-los aquecidos nas masmorras de Damasco; ou como, quando estava sitiando o castelo
de Kerak em 1183, durante as festividades de casamento de Humphrey de
Toron e da princesa Isabel, ordenou a suas manganelas que não disparassem contra a torre onde
as bodas estavam sendo celebradas - tinham todas muita mais impacto
porque os europeus cristãos haviam até então tentado converterem demônios seus inimigos
infiéis.
Pio, moderado, generoso e compassivo, Saladino era não obstante um estadista arguto e um
comandante competente. Ele é descrito como de baixa estatura, com
o rosto redondo, cabelos pretos e olhos escuros. Como a maioria dos membros da elite
muçulmana, era instruído, refinado e hábil com a lança e a espada. Na juventude,
estivera mais interessado em religião do que em combate, e não restam dúvidas de que sua
guerra contra os francos cristãos foi inspirada por um autêntico zelo religioso,
e não simplesmente por uma compreensão adquirida a partir do exemplo de Zengi e Nur ed-Din
de que os diversos Estados islâmicos só poderiam ser induzidos a atuar
juntos em nome de um jihad.
Não foi fácil manter o conceito moral elevado na comunidade islâmica mais ampla: ele teve
de revelar-se leal não apenas a Nur ed-Din, o amo de seu pai, mas
também ao califa de Bagdá; mesmo depois de ele ter demonstrado seu compromisso com o Islã ao
unir os diversos Estados muçulmanos contra os latinos, muitos continuaram
a considerá-lo um usurpador. Também parece provável, como veremos, que sua famosa
magnanimidade fosse em parte uma questão de prudência. Quando parecia oportuno
ser cruel, ele
166
SALADINO
era cruel: ordenou a crucificação de oponentes xütas no Cairo, e de vez em quando mandava
mutilar ou executar seus prisioneiros. Conquanto viesse a respeitar e até
a admirar o altivo código dos cavaleiros francos e fosse diligente em sua urbanidade para com
príncipes e reis cristãos, ele sentia um ódio implacável pelas ordens
militares.
Em seus esforços para frustrar a ascensão de Saladino ao poder absoluto após a morte de Nur
ed-Din, seus rivais fizeram alianças táticas com os latinos.
O governador de Alepo persuadiu o conde Raimundo de Trípoli, que desempenhava as funções de
regente em nome do rei Balduíno IV a fazer um ataque diversivo à cidade
de Homs e, em retribuição, concordou em libertar seus prisioneiros cristãos em troca de resgate entre eles o adventício cavaleiro francês Reinaldo de Châtillon,
que desposara a princesa Constança de Aritioquia: o preço por ele fixado foi de 120.000 dinares de
ouro. 194
Se tivesse sido capaz de prever o futuro, o conde Raimundo com certeza teria resolvido deixar
esse "elefante desgarrado" nas masmorras de Alepo. Reinaldo
agora era um príncipe sem principado: sua mulher havia morrido, talvez de desgosto, dois anos
após a captura de seu belo marido, e Antioquia era governada por Boemundo
III, filho de Constança com o primeiro marido, Raimundo de Poitiers. Não obstante, Reinaldo não
poderia simplesmente ser relegado às fileiras de cavaleiros mercenários,
das quais procedia: sua filha Agnes era agora rainha da Hungria, e sua enteada Maria, imperatriz
de Bizâncio. Ele estava portanto casado com a mais rica herdeira
do reino, Estefânia de Milly, que lhe trouxe os domínios de Hebron e da Transjordânia.
Uma das principais conseqüências da morte de Nur ed-Din e da desordem que se lhe seguiu foi a
remoção do controle que ele havia exercido sobre os turcos seldjúcidas.
Em 1176, seu sultão Kilij Arslan II avançou contra Bizâncio. O imperador Manuel liderou um
exército contra ele, o qual foi aniquilado pelos turcos em Miriocéfalo.
Essa derrota foi tão catastrófica quanto a de Manzikert, em 1071, que havia levado à Primeira
Cruzada. AAnatólia foi perdida para sempre para os turcos, e a capacidade
de Bizâncio de influenciar os acontecimentos na Síria se fora com ela. Os francos estavam agora
por sua própria conta.
A situação agravou-se com as divisões dentro do reino de Jerusalém. Embora paciente e
perseverante, o jovem rei leproso Balduíno IV não conseguia ser um
líder forte. Raimundo III de Trípoli, que, como seu parente mais próximo, havia desempenhado as
funções de regente até Balduíno atingir a maioridade, era experiente,
cauteloso e, depois de anos como prisioneiro dos muçulmanos, falava árabe e conhecia bem a
psicologia do inimigo. Ele contava com o apoio das famílias de boa reputação
do reino de Jerusalém,
1G7
OS TEMPLÁRIOS
mas a ele se opunham os templários e os recém-chegados à Palestina comandados por Reinaldo
de Châtillon, os quais ansiavam pela guerra e pela conquista de novas
terras.
Conquanto se falasse muito sobre a ajuda que viria do Ocidente sob a forma de uma nova
cruzada liderada pelo rei Luís VII da França e pelo rei Henrique 11
da Inglaterra, agora casado com a ex-mulher de Luís, Alienor de Aquitânia, o único príncipe que
apareceu na Terra Santa foi Filipe, conde de Flandres, mas ele insistia
que tinha ido em peregrinação, e não em cruzada.
Aproveitando-se da desunião dos francos, Saladino saiu à frente de uma força, através do
deserto do Sinai, em direção à fortaleza dos templários de Gaza.
Os templários concentraram suas forças para defendê-la, mas Saladino passou ao largo de Gaza e
sitiou Ascalão. Balduíno IV, que havia então atingido a maioridade,
recrutou um exército para defendê-la. Ele chegou à cidade antes de Saladmo, que, ao perceber
que Jerusalém estava desprotegida, deixou uma pequena força para conter
Balduíno e marchou para a Cidade Santa. Ao se dar conta de que tinha sido flanqueado, Balduíno
convocou de Gaza os cavaleiros do Templo, rompeu o cerco de Ascalão
e, no dia 25 de novembro de 1177, alcançou o exército egípcio em Montgisard. Saladino foi pego
de surpresa, seu exército desintegrou-se, e ele fugiu de volta para
o Egito.
Essa vitória foi um triunfo para os francos e talvez os tenha encorajado a superestimar sua
verdadeira força. Embora crônicas francas relatem que o exército
era comandado por Balduíno, historiadores muçulmanos insistem que ele era liderado por
Reinaldo de Châtillon.'95 É provável que ele tenha lutado com grande bravura
e que a vitória tenha aumentado seu prestígio.
Como lhe faltasse potencial humano para secundar essa vitória, o rei Balduíno IV reforçou sua
fronteira com Damasco, construindo um castelo às margens do
Jordão num lugar chamado vau do Jaboc - diz-se que foi aí que Jacó lutou com um anjo, conforme
descrito no Livro do Gênesis. Sua posição estratégica na estrada que
ligava o litoral a Damasco - de onde dominava a fértil planície de Banyas, que até então tinha sido
acessível tanto a muçulmanos quanto a cristãos - fora reconhecida
por Saladino, que julgava ter chegado a um acordo com o rei Balduíno de que ela deveria
permanecer uma zona desmilitarizada. Contudo, Balduíno cedeu à forte pressão
dos templários e construiu a fortaleza numa época em que Saladino estava perturbado por
dissidências entre membros de sua família.
No verão de 1179, Saladino sitiou o castelo, e Balduíno foi em seu socorro, solicitando a
Raimundo de Trípoli e aos templários, sob o comando de Odon de
Saint-Amand, que se juntassem a ele. No dia 10 de junho, o conde Raimundo e os templários
fizeram contato com o exército de Sala-
1G8
SALADINO
dino. Impetuosamente, os templários atacaram, mas foram vencidos. Os que conseguiram
atravessar o rio Litani refugiaram-se na grande fortaleza de $eaufort; mas entre
as baixas sofridas pelos francos incluíam-se vários cavaleiros do Templo, e entre os que foram
aprisionados estava o grão-mestre, Odon de Saint-Amand.
Orgulhoso demais para ser trocado por um muçulmano mantido pelos cristãos, Odon morreu
no cativeiro no ano seguinte. O cronista Guilherme de Tiro, cujo irmão
foi morto nesse combate, condenou Odon pela arrogância, que era agora vista como um defeito
comum dos cavaleiros do Templo: as ações dele eram "ditadas pelo caráter
orgulhoso, que ele tinha de sobra"; era "um homem sem valor, orgulhoso e arrogante, que trazia
nas ventas a disposição para a ira e que não temia a Deus nem tinha
respeito pelo ser humano"."' Sem dúvida, era exemplo de um cavaleiro que fizera seu nome no
mundo secular e mais tarde ingressara na Ordem, não por vocação religiosa,
mas como uma manobra lateral para atingir os escalões superiores da administração leiga da
cristandade.
É impossível dizer se o capítulo dos templários que escolheu Odon estava interessado ou não
no discernimento de uma vocação sincera, ou se tinha visto alguma
vantagem na escolha de um grão-mestre que já era uma figura de certa estatura. Mas foi talvez
em reação a Odon de Saint-Amand que os cavaleiros escolheram como seu
sucessor um templário de carreira, Arnoldo de Torroja, que já tinha sido mestre na Provença e na
Espanha.
Tirando proveito de um armistício de dois anos ajustado entre Saladino e o rei Balduíno IVarmistício que lhes fora imposto por uma seca e pelo conseqüente
risco de escassez de alimentos -,Amoldo de Torroja embarcou para a Europa com o grão-mestre
do Hospital, Rogério des Moulins, e Heráclio, o patriarca recém-eleito,
a fim de tentarem obter ajuda na Itália, na França e na Inglaterra. Heráclio, um padre semianalfabeto de Auvergne, tinha sido amante da mãe do rei, a rainha Agnes,
cuja influência havia assegurado sua nomeação primeiro como arcebispo de Cesaréia e mais tarde
como patriarca de Jerusalém. Sua então amante, Paschia de Riveri,
conhecida como Madame la Patriarchesse, era mulher de um negociante de fazendas de Nablus.
Durante sua estada em Londres, Heráclio dedicou a nova igreja dos templários em seu
complexo a oeste da cidade: sua figura perfumada e cheia de jóias deixou
uma má impressão e fez com que alguns dos homens que o conheceram se perguntassem se seus
irmãos cristãos no Oriente estariam em necessidade tão extrema. Todavia,
o Templo inglês já se havia beneficiado de um grave acontecimento na história da Inglaterra: o
assassinato, em 1170, do arcebispo de Canterbury, Tomás Becket. A
penitência imposta aos
1G9
OS TEMPLÁRIOS
quatro cavaleiros normandos que o mataram foi servirem quatorze anos com os templários na
Terra Santa. O rei Henrique 11, que os havia incitado, não apenas fez penitência
pública na Catedral de Canterbury, como também prometeu prover os templários com dinheiro
para manter duzentos cavaleiros por ano. Em Avranches, em 1172, como parte
de sua penitência, Henrique jurou tomar a Cruz; e embora os acontecimentos o impedissem de
cumprir sua promessa, seu testamento de 1172 deixou 20.000 marcos para
o custeio da cruzada: 5.000 para o Templo, 5.000 para o Hospital, 5.000 para ambos em conjunto,
e uma quantia final de 5.000 marcos para "casas religiosas mistas,
leprosos, reclusos e eremitas na Palestina".'9'
O grão-mestre do Templo, Arnoldo de Torroja, adoeceu em Verona, onde faleceu em 30 de
setembro de 1184. Para suceder-lhe, o capítulo dos templários em Jerusalém
escolheu Gérard de Ridefort, um cavaleiro de o rigem flamenga ou anglo-normanda. Parece que
Gérard foi um caso clássico de um cavaleiro que entrou para a Ordem fauce
de mieux. Ele havia chegado à Terra Santa no início da década de 1170 e servido com Raimundo
111, conde de Trípoli. Segundo os cronistas, Raimundo lhe garantiu que
ele receberia um feudo em seu país quando algum ficasse vago. Em 1180, Guilherme Dorel, senhor
de Botron, morreu, deixando seu feudo para a filha Lúcia. Raimundo,
possivelmente pressionado por dívidas, voltou atrás em sua promessa a Gérard e "vendeu" Lúcia
para um mercador de Pisa chamado Plivano pelo peso de sua noiva em
ouro. Ela lhe trouxe 10.000 besants, o que a reduziu a cerca de 63,5kg.'98
Com suas esperanças frustradas dessa forma, Gérard ingressou na Ordem do Templo. Foi dito
que mais :)u menos nessa época ele sofria de uma grave doença,
e isso pode tê-lo des.ludido da ambição terrena, levando-o a concentrar seu espírito no mundo
vindouro. Mas o ímpeto de religiosidade não atenuou a humilhação que
sent u como cavaleiro ao ser preterido em favor de um mercador, e o incidente deixou-o com um
profundo ressentimento contra o conde Raimundo de Trí)oli. Por ocasião
da morte de Amoldo de Torroja, ele era o seneseal dos templários no reino de Jerusalém.
Em março de 1185, o jovem rei leproso, Balduíno IV afinal morreu. Sucedeu-lhe o sobrinho
Balduíno V, de sete anos, filho de sua irmã Sibila com o primeiro marido,
Guilherme de Montferrat. Raimundo de Trípoli, que já vinha exercendo as funções de baill
(governador ou ministro-chefe) de Balduíno IV, tornou-se então o regente
de Balduíno V Nessa qualidade, ele fez um acordo com Saladino de um arn.istício de quatro anos.
Contudo, a autoridade de Raimundo foi enfraquecida quando, logo no
ano seguinte, o jovem rei também morreu, sem deixar he'deiro óbvio.
170
SALADINO
De acordo com o testamento de Balduíno IV a sucessão deveria ser decidida pelo papa, pelo
imperador e pelos reis da Inglaterra e da França. Mais uma vez,
entretanto, o destino dos cristãos latinos na Terra Santa viria a ser afetado pelas emoções de uma
mulher. A princesa Sibila, mãe do falecido rei, era agora esposa
de um cavaleiro francês, Guido de Lusignan. Seu primeiro marido, Guilherme de Montferrat,
importado da Europa como um futuro rei, morrera de malária em 1177.
A princípio, uma sondagem entre as famílias reais da Europa não conseguiu sugerir um
substituto, e durante algum tempo Sibila cogitara de se casar com um
barão local, Balduíno de Ibelin. Todavia, o condestável do reino, Amauri de Lusignan, que era
amante de Agnes, a mãe de Sibila, tinha um irmão mais novo chamado
Guido. Induzida pelos relatos sobre os encantos dele, Sibila mandou trazê-lo da Europa. Quando
ele chegou, ela gostou do que viu e instou com o irmão, o rei Balduíno
IV que concordasse com o casamento deles. O rei resistiu porque podia ver que esse fraco e
incapaz filho mais novo de um conde francês era uma escolha medíocre como
futuro governante de seu reino, mas sua mãe e sua irmã o influenciaram, e por fim ele deu seu.
consentimento: eles se casaram na Páscoa de 1180.
Seis anos mais tarde, os planos das duas mulheres se concretizaram. Sibila convocou seus
partidários a Jerusalém e foi coroada rainha por outro dos ex-amantes
de sua mãe, o patriarca Heráclio. O grão-mestre do Hospital, que, como o grão-mestre do Templo,
conservava a chave do cofre que continha os adereços reais, recusou-se
a exibi-lo, preferindo jogá-lo pela janela; mas o detentor da segunda chave, Gérard de Ridefort,
um dos principais defensores de Sibila e Guido, foi buscá-lo. Assim
que foi coroada, Sibila colocou uma segunda coroa na cabeça do marido, Guido, e então "Gérard
de Ridefort gritou bem alto que essa coroa restituía o casamento de
Botron".199
O golpe da rainha Sibila representou o triunfo dos falcões sobre as pombas, lideradas por
Raimundo de Trípoli. As pombas poderiam ter resistido, pois correspondiam
a todos os vassalos do reino menos Reinaldo de Châtillon. Guido de Lusignan era desprezado por
todos. Raimundo propôs que coroassem a princesa Isabel, a filha de
treze anos do rei Amauri I, que recentemente desposara Humphrey de Toron, de dezoito anos. Foi
no casamento deles no ano anterior, no castelo de Kerak, durante o
cerco feito por Saladino, que este ordenara que suas manganelas não disparassem contra a torre
onde as festividades do casamento estavam sendo realizadas e fora
recompensado pela mãe de Humphrey com pratos servidos na festa, os quais ela mandou para o
líder muçulmano. O cerco fora suspenso pessoalmente pelo rei Balduíno
IV que viajava numa liteira, mas é possível que a experiência tivesse enervado o jovem Humphrey
de Toron, "um jovem de extraordinária
OS 'TEMPLÁRIOS
beleza e grande erudição, mais dotado por seus gostos para ser uma garota do queum
homem".zoo Quando Raimundo então propôs que ele fosse feito rei, ele foi furtivamente
para Jerusalém e prestou homenagem a Guido de Luxgnan. O golpe foi um fait accompli, e todos
os barões, com exceção de Raimundo de Trípoli e Balduíno de Ibelin,
entraram em forma.
Agora não havia mais nada para refrear os agressivos planos do principal fabricante de reis,
Reinaldo de Châtillon. O feudo da Transjordânia, que ele hava
adquirido através do casamento e que se estendia até o golfo de Ácaba, situava-se em ambos os
lados das rotas de caravanas entre o Egito e a Síria e dividia em dois
os domínios de Saladino. Em 1182, Reinaldo usara essa posição estratégica para organizar um
ataque repentino cuja ousadia levou ao maior ultraje possível no mundo
muçulmano. Ele mandara construir galeras em partes, que eram testadas no mar Morto e em
seguida lançadas ao golfo de hcaba. Estas navegaram para o sul, em direção
ao mar Vermelho, pilhando os Portos no litoral do Egito e da Arábia, navios mercantes e até
transportes que levavam peregrinos para Meca. Após o desembarque no porto
de ar-P,aghib, um grupo de incursores partiu para a própria Meca, com a intenção de levar consigo
o corpo do profeta Maomé. Eles foram vencidos por uma força enviada
do Egito por Malik, irmão de Saladino, e os sobreviventes forem executados ou em Meca ou no
Cairo.
Quer tenha sido um ato individual de terrorismo da parte de Reinaldo, quer tenha sido "a
parte mais ousada de uma campanha orquestrada, da qual todas as
forças do reino participaram","' isso transformou Reinaldo num homen marcado para Saladino,
cujo papel como guardião dos Lugares Santos na Arábia sustentava sua
autoridade no mundo muçulmano. Agora, depois da ascensão do rei Guido, Reinaldo exacerbava
seu ultraje ao atacar uma grande caravana que viajava do Egito à Síria,
matando sua escolta de tropas egípcias. Isso foi uma violação do armistício, e Saladino exigiu
reparação, prime ro de Reinaldo, que não recebeu seus emissários,
e depois do rei Guido, que, embora tivesse ordenado a Reinaldo que desse satisfações, não
insistiu: em grande parte, ele devia seu trono a Reinaldo.
Para os detratores de Reinaldo, esse ataque à caravana foi um clamoroso atode vandalismo;
até mesmo seus defensores julgaram-no "enigmático ",'02 sugerindo
que, talvez devido à escolta egípcia, Reinaldo tivesse achado que for,,. Saladino quem violara o
armistício. Fossem quais fossem seus motivos, eles tornaram a guerra
inevitável numa época em que os Estados latinos estavam profundamente divididos.
Havia um conflito de interesses entre os barões estabelecidos, que queriara conservar o que
tinham, e os cavaleiros recém-chegados, que esperavam fazer fortuna
com as novas conquistas, combinado com uma divergên-
172
SALADINO
cia ideológica entre aqueles que buscavam uma conciliação com seus vizinhos muçulmanos e
aqueles para quem qualquer compromisso com os infiéis era uma traição da
cristandade. Mesmo nessa época, era às vezes difícil distinguir entre ambos; mas decerto o
conhecimento de que Raimundo de Trípoli era fluente em árabe e interessado
pelo estudo de textos islâmicos fez com que muitos suspeitassem de que não estivesse
integralmente comprometido com a causa cristã.
Como que para provar que as suspeitas deles estavam corretas, Raimundo procurou obter a
ajuda de Saladino contra Guido de Lusignan. Isso ia muito além de
pedir um armistício, equivalendo a colaboração inequívoca. Como um favor a seu possível aliado,
Raimundo permitiu que uma força da cavalaria egípcia liderada por
al-Afdal, filho de Saladino, cruzasse seu país até a Galiléia, numa missão de reconhecimento.
Combinou-se que ela seria não-beligerante e que se moveria durante
o dia. Notícias desse acordo foram enviadas aos súditos de Raimundo e, na fortaleza de Lã Fève,
alcançaram uma delegação do rei Guido a caminho, cujo objetivo era
buscar a reconciliação com o conde Raimundo e da qual faziam parte os grão-mestres do Templo e
do Hospital.
Gérard de Ridefort imediatamente convocou dos castelos vizinhos noventa cavaleiros do
Templo e cavalgou para Nazaré, onde quarenta cavaleiros seculares foram
acrescentados à sua força. Além de Nazaré, eles encontraram a força muçulmana dando de beber
a seus cavalos nas fontes de Cresson. Ao ver a sua força, o mestre do
Hospital, Rogério des Moulins, aconselhou a retirada, e o marechal do Templo, Jacques de Mailly,
concordou. Isso encolerizou Gérard de Ridefort, que acusou o grão-mestre
do Hospital de covardia e desdenhou de Jacques de Mailly: "Vós amais em demasia vossa cabeça
loura para querer perdê-la", ao que o marechal do Templo retrucou: "Hei
de morrer em batalha como um homem corajoso. Sois vós quem fugirá como um traidor". A força
mista de cavaleiros então investiu contra os egípcios com um efeito catastrófico.
Jacques de Mailly e Rogério des Moulins foram ambos mortos junto com todos os templários, à
exceção de três, um deles seu grão-mestre, Gérard de Ridefort. Os cavaleiros
seculares foram feitos prisioneiros junto com alguns cidadãos cristãos de Nazaré que haviam
deixado a cidade na esperança de pilhagem.
Para os latinos, a única vantagem desse desastre foi que ele envergonhou Raimundo de
Trípoli, levando-o a quebrar seu pacto com Saladino e a fazer as pazes
com o rei Guido. Enquanto exércitos de todos os domínios de Saladino - Alepo, Mossul, Damasco e
Egito - convergiram para al-Ashtara, na margem mais afastada do Jordão,
para formarem a maior força que ele jamais tivera sob seu comando, o rei Guido proclamou uma
levée en
173
OS TEMPLÁRIOS
masse, convocando todas as forças latinas para reunir-se em Acre. Em Jerusalém, o fundo de vinte
mil marcos que tinha sido mantido pelas ordens militares em nome
do rei Henrique II da Inglaterra para financiar sua planejada cruzaua tui usado para contratar
mercenários e equipar as foras cristãs Em fins de junho, o rei Guido
havia reunido vinte mil soldados, incluindo doze mil de cavalaria, que eram virtualmente todos os
combatentes, voluntários e mercenários, disponíveis no ultramar:
as cidades e as fortalezas latinas ficaram vazias.
No dia 1° de julho, Saladino cruzou o Jordão em Sennabra, no extremo sudoeste do lago
Tiberíades, com trinta mil soldados de infantaria e doze mil soldados
de cavalaria. Aí ele dividiu suas forças: metade marchou para as montanhas a oeste, metade
seguiu pela margem do lago Tiberíades. A cidade foi tomada após um breve
assalto, mas Eschiva, a condessa de Trípoli, resistiu na cidadela e enviou mensagem de seu apuro a
Raimundo, seu marido, que estava com o rei Guido em Acre.
Nesse ponto o indeciso rei Guido recebeu conselhos conflitantes dos falcões e das pombas.
Como ainda não soubesse que sua esposa estava em perigo, Raimundo
aconselhou cautela, argumentando que Saladino não poderia manter unido por muito tempo um
exército tão grande no interior árido no auge do verão. Reinaldo de Châtillon
e Gérard de Ridefort preferiam um ataque imediato para socorrer Tiberíades, censurando
Raimundo por sua covardia e por seu pacto anterior com Saladino. Como antes,
Guido foi incapaz de rejeitar os conselhos dos dois homens que haviam conquistado o trono para
ele e ordenou ao exército cristão que avançasse para Tiberíades. As
tropas acamparam em Seforia na tarde de 2 de julho, numa posição estrategicamente vantajosa,
com muita água e forragem para os cavalos.
Aí as encontrou o mensageiro de Tiberíades, que lhes contou do apuro da mulher do conde
Raimundo. Os filhos dela, que aí estavam com o pai, imploraram a
Guido que fosse salvá-la, mas, como antes, Raimundo argumentou que seria loucura abandonar a
posição em que estavam: pelo bem dos reinos cristãos, ele estava disposto
a pôr em risco sua cidade e sua mulher.
O rei e seu conselho de barões aceitaram as recomendações de Raimundo, mas, depois que
eles se recolheram à noite, Gérard de Ridefort voltou à tenda do rei.
Como o rei Guido, questionou ele, poderia confiar num traidor? Que desonra abandonar uma
cidade que estava tão próxima! Os templários, disse ele, prefeririam "pôr
de lado seus mantos brancos" e vender e penhorar tudo o que tinham a perder essa oportunidade
de vingar seus irmãos que haviam morrido nas fontes de Cresson.
Incapaz de fazer frente a Gérard de Ridefort, o rei Guido ordenou ao exército que marchasse
ao raiar do dia. Tomando o rumo do norte pelas ári-
SALADINO
das colinas em direção a Tiberíades, constantemente fustigados por arqueiros muçulmanos, e logo
debilitados pela sede, eles alcançaram a aldeia de Lubiva. Os templários
que formavam a retaguarda solicitaram-lhe que aí pernoitassem, com o que o rei concordou. O
conde Raimundo, que liderava a vanguarda, ficou horrorizado: "Ai meu
Deus, a guerra está terminada. Somos homens mortos. O reino está perdido".
O poço em Lubiya estava seco. O exército acampou no árido planalto conhecido como Comos
de Hattin, de onde se descortinava a aldeia de Hattin, onde o exército
de Saladino o esperava. À medida que a noite avançava, os muçulmanos foram se aproximando
pouco a pouco: todos os soldados que saíram à procura de água foram pegos
e mortos. Os muçulmanos atearam fogo aos arbustos que cobriam a colina, e a brisa levou a
fumaça para o acampamento dos cristãos.
Ao alvorecer, Saladino ordenou o ataque. Enlouquecidos pela sede, pelo calor e pela fumaça,
os soldados da infantaria cristã tentaram abrir caminho até o
lago através da hoste muçulmana e foram todos mortos ou feitos prisioneiros. Acima deles, os
cavaleiros com armadura rechaçaram várias vezes os repetidos assaltos
da cavalaria muçulmana, mas também estavam enfraquecidos pela sede, e cada investida reduzia
seu número. Com seus cavaleiros, o conde Raimundo arremeteu contra a
hoste muçulmana, que de repente se abriu, deixando-os passar. Impossibilitados de regressar ao
principal contingente do exército, eles fugiram para Trípoli.
Os cavaleiros que ficaram para trás formaram um círculo em volta do rei e fizeram muitas
sortidas contra os homens de Saladino. Com eles estava o bispo de
Acre segurando a preciosa relíquia da Verdadeira Cruz. Quando ele caiu, a Verdadeira Cruz foi
tomada. A batalha tinha terminado. O rei Guido e os cavaleiros que
permaneceram vivos caíam agora de exaustão, e não pela espada. Os mais eminentes dentre eles
foram levados cativos para a tenda de seu conquistador, Saladino - entre
eles o rei Guido, seu irmão Amauri, Reinaldo de Châtillon e o jovem Humphrey de Toron. Com a
extrema urbanidade pela qual era célebre, Saladino ofereceu ao sedento
rei um copo de água de rosas, resfriada com gelo trazido do pico do monte Hebron. Depois de
beber dessa água, o rei passou o copo a Reinaldo de Châtillon, mas, antes
que ele pudesse saciar a sede, tomaram-lhe o copo: de acordo com as regras de hospitalidade
árabe, a vida de um prisioneiro a quem se dá comida ou água está assegurada.
Saladmo então repreendeu Reinaldo por causa de todas as suas iniqüi-, dades e, de novo em
obediência aos ensinamentos de Maomé, ofereceu-lhe a escolha de
aceitar o Islã ou morrer. Reinaldo riu na cara dele, dizendo que era antes Saladino quem deveria
voltar-se para Cristo: "se vós acreditásseis
175
OS TEMPLÁRIOS
n'Ele, poderíeis evitar o castigo da danação eterna que não deveríeis duvidar de que esteja
preparado para vós".z°' Ao ouvir isso, Saladino pegou sua cimiorra e
cortou a cabeça de Reinaldo.
A vida do rei Cuido e a de seus barões seculares estavam seguras. "Uru rei não mata outro
rei", declarou Saladino, "mas a perfídia e a insolência daquele
homern foram longe demais." Eles foram conduzidos à prisão em Danlasco com instruções de que
não lhes fizessem mal. A mesma clemência, contudo, não se estendeu aos
cavaleiros das ordens militares. "Vou purificar aterra dessas raças impuras", disse Saladino a seu
chanceler e secretário, ']mad ad-Din. Ele recompensou com cinqüenta
Binares cada soldado que havia capturado um irmão cavaleiro e ordenou a morte destes.
Estudiosos do Alcorão, ascetas islâmicos e místicos sufistas do séquito de
Saladino implowam-lhe que lhes fosse permitido cortar a cabeça deles. Apenas Gérard de Fidefort,
o grão-mestre dos templários, foi mantido na prisão: aos demais
cavaleiros, a exemplo de Reinaldo de Châtillon, ofereceu-se a escolha de apostasia ou morte. A
noite toda, aos gritos selvagens dos que pretendiam ser seus algozes,
eles se prepararam para o seu destino. Nenhum deles opou por negar a Cristo. Ao amanhecer, 230
cavaleiros do Templo junto com seus irmãos do Hospital foram decapitados
pelos extáticos sufrstas.
nepois de Hattin, os cristãos na Terra Santa pareciam condenados. Alevéeen passe havia afastado
as guarnições de todas as cidades e castelos nas mãos dos latinos,
e na esteira da vitória de Saladino cinqüenta e dois ou se renderrm ou foram tomados. A condessa
de Trípoli teve permissão para partir da cidade de Tiberíades, e
Jocelino de Courtenay, outrora um dos falcões, entregou Acre sem lutar no dia 10 de julho. Em
Ascalão, o valor dos eminent°s prisioneiros de Saladino foi testado
quando Gérard de Ridefort e o rei Cuido foram levados até as portas da cidade. O rei Cuido
ordenou aos defens)res da cidade que se rendessem. Responderam-lhe com
insultos, e dois cos emires de Saladino foram mortos no cerco subseqüente. No entanto, rão havia
dúvidas quanto ao resultado final, e no dia 4 de setembro Ascalão
r.ndeu-se. Em Gaza, a guarnição de templários, obrigada por seus votos de cbediência, rendeu-se
ao comando de seu grão-mestre, Gérard de Ridefort.
Então Saladino voltou sua atenção para o maior prêmio de todos, a cidade ce Jerusalém. Aí
uma defesa fora organizada pela rainha Sibila, pelo patriarca Heráclio
e por Balião de Ibelin. As forças que tinham sido deixadas na cidade eram totalmente insuficientes:
havia apenas dois cavaleiros, e a crise era tão grave que Balião
de Ibelin foi obrigado a outorgar a dignidade de cavaleiro a trinta homens solteiros da burguesia."
A cidade estava abarrotrda de refugiados, sobretudo mulheres
e crianças, e os latinos não podiam
SALADINO
contar com a lealdade dos cristãos sírios e ortodoxos. De novo, assim que o sítio começou, não
restavam dúvidas quanto ao resultado final; mas as ameaças de destruir
a Cúpula da Rocha e incendiar a cidade persuadiram Saladino a entrar em negociações. Ele pediu
100.000 dinares de resgate pela população da cidade, mas era impossível
encontrar tamanha soma de dinheiro. Foi estabelecido um preço de dez dinares por um homem,
cinco por uma mulher e um por uma criança. Trinta mil Binares dos fundos
públicos compraram a lit)c,.-'-de de 7.000 dos que não podiam pagar. No dia 2 de outubro de
1187, o aniversário da visita do Profeta ao Céu a partir do monte do
Templo, Saladino fez sua entrada triunfal na cidade. Ele tratou os conquistados com grande
magnanimidade; o maior opróbrio dos cronistas foi dirigido contra o patriarca
Heráclio e as ordens militares, em particular os templários, que se re>!usaram a renunciar a seu
próprio tesouro, e só com relutância liberaram o que restava dos
fundos de Henrique II para salvar da escravidão os cristãos mais pobres.
O Templo foi então entregue a Saladino, e os templários foram expulsos de sua sede na
mesquita al-Aqsa. Ela foi purificada com água de rosas e foi instalado
um púlpito que Nur ed-Din encomendara ao prever esse triunfo. Embora a Igreja do Santo
Sepulcro fosse deixada ao encargo dos cristãos ortodoxos e jacobitas, a Cruz
foi tirada do alto da Cúpula da Rocha e arrastada em redor da cidade por dois dias, sob os golpes
dos porretes dos exultantes muçulmanos.
A generosidade de Saladino para com os cristãos latinos em Jerusalém era tanto uma questão de
prudência quanto a expressão de uma natureza magnânima. Num tratado
militar, Discussão dos Estratagemas de Guerra, de a]-Harawi, escrito a pedido do filho de Saladino,
al-Malik, ou possivelmente do próprio Saladino, o autor afirma
que "a afabilidade para com os não-combatentes pode ser usada como uma demonstração de
força, o que pode ajudar a intimidar o inimigo (...)". Permitir generosamente
que as guarnições das cidades e dos castelos capturados se retirassem para Tiro e outros centros
francos foi outra demonstração dessa força, evidenciando que o sultão
nada tinha a temer da parte de seus derrotados inimigos.z°s Em todo o caso, os francos eram
desprezíveis - "irresponsáveis, imprudentes, insignificantes e gananciosos
(...) estando preocupados com títulos e posição social entre reis e nobres". Al-Harawi condenou os
membros do clero latino pela facilidade com que eles anularam
os juramentos feitos a Saladino, mas expressou um austero respeito pelas ordens militares,
advertindo a Saladino que "tomasse cuidado com os monges [das ordens do
Hospital e do Templo] (...) pois ele não pode atingir suas metas por
177
OS TEMPLÁRIOS
intermédio deles, porquanto eles têm grande fervor religiosa e não prestam atenção às coisas
deste mundo".
Será que al-Harawi estava certo em suas conjeturas? Não pode haver a menor dúvida de que
as generosas condições para a rendição de Jerusalém aumentaram o
prestígio de Saladino e ao mesmo tempo atenuaram a vontade de alguns cristãos latinos de
resistir. Todavia, o tratamento que ele dispensava aos cavaleiros das ordens
militares fortaleceu a resolucã, dos templários e dos hospitalários. A grande fortaleza de Kerak, o;lue as bodas reais tinham sido celebradas sob o bombardeio de
Saladino em 1183, teve de ser levada à submissão pela fome, depois de um cerco de mais ce um
ano. O mesmo aconteceu com Montréal. Depois de um mês de bombardeio,
os templários haviam entregado Safed, e os hospitalários, seu castelo em Belvoir. Mas algumas
balizas permaneceram de pé. Os hospitalários continuaram no Krak dos
Cavaleiros e em Chastel Blane. Os templários entregaram Gaston, na fronteira de Amanus, mas
conservaram La Roche Guillaume e, embora a cidade fosse tomada, mantiveram-se
firmes na cidadela de Tortosa.
Esses redutos, junto com as cidades litorâneas de Antioquia, Trípoli e Tiro, permaneceram nas
mãos dos cristãos. Uma esquadra siciliana entrou no porto de
Antioquia e reforçou a guarnição de Boemundo, enquanto a situação em Tiro se transformou com
a chegada de uma força de cruzados liderada por um príncipe alemão,
Conrado de Montferrat, que assumiu o encargo de defender a cidade. Seus navios derrotaram
uma esquadra egípcia, e no dia 1° de janeiro de 1188 Saladino abandonou
o cerco.
Em junho do mesmo ano, Saladino libertou o rei Guido, após ele ter dado sua palavra de que
deixaria seu reino. Ao receber a garantia da Igreja de que um
juramento feito sob coação de um infiel não tinha validade, Guido reuniu uma força composta
pelos cavaleiros que também haviam sido resgatados ou libertados e marchou
para Tiro. Conrado de Montferrat recusou-se a deixá-lo entrar: a seu ver, a derrota de Guido lhe
custara a coroa. Depois de esperar do lado de fora dos muros por
alguns meses, Guido percebeu que teria ou de se retirar da Terra Santa ou de fazer alguma coisa
arrojada para restabelecer seu controle.
Com determinação incomum, em agosto de 1189 o rei Guido marchou para o sul, em direção
a Acre, que se havia rendido às forças de Saladino depois de Hattin,
e começou a sitiá-la, com Gérard de Ridefort e uma força dos templários do seu lado. Não
obstante parte do exército de Saladino ainda estivesse nas proximidades,
Guido organizou um reforçado cerco da cidade, o qual resistiu aos assaltos a ela, "o único exemplo
nas operações militares sírias do século XII de um importante
sítio conduzido com êxito
178
SALADINO
na presença de um exército capaz de acossar os sitiantes e ajudar o~ ~,iuados".z°6 A audácia do
plano faz com que pareça provável que Gerárd estivesse por trás dele,")'
e o fato de o impetuoso grão-mestre ter morrido quando lutava próximo da cidade. em 4 de
outubro de 1189, em certa medida contribuiu para salvar sua reputação.
179
Ricardo Coração de Leão
As notícias dos desastres que haviam acontecido na Terra Santa foram transmitidas ao papa
Urbano III, que então se encontrava em Verona, por cavaleiros das ordens
militares-os templários traziam uma carta do irmão Terence, o comandante da Ordem do Templo
na Terra Santa que fora um dos poucos a escapar depois de Hattin. Urbano
e toda a Cúria Pontifícia ficaram atordoados com as notícias: ninguém na Europa tinha imaginado
que um revés como esse fosse possível, e eles imediatamente admitiram
que, se Deus havia abandonado seu povo, era por causa de seus pecados. O monge Pedro de Blois,
que estava visitando a Cúria nessa ocasião, escreveu ao rei inglês,
Henrique II, relatando como "os cardeais, com o consentimento do Senhor Papa, resolutamente
prometeram entre si que, tendo renunciado a toda a riqueza e luxo, pregariam
a Cruz de Cristo não só por meio de palavras, mas também por meio de atos e de exemplos".2°8
Urbano 111, quebrantado por sua dor, morreu pouco depois.
Quando no verão de 1187 Josias, o arcebispo de Tiro, chegou a Palermo procedente dessa
cidade, enviado pelos barões do ultramar para solicitar ajuda ao Ocidente,
e contou ao rei Guilherme II da Sicília toda a proporção da catástrofe, o rei tirou às pressas seu
fino traje de seda, vestiu um hábito de aniagem e partiu para
um retiro penitencial por quatro dias. O sucessor do papa Urbano, Alberto de Morra, um italiano
de idade avançada que adotou o nome de Gregório VIII, só reinou nos
dois últimos meses do ano de 1187, mas durante esse tempo redigiu um eloqüente apelo de um
armistício de sete anos entre os reis europeus ern guerra, a hm de deixá-los
livres para uma nova cruzada. Essa encíclica, Audita tremendi, era "um documento comovente e
uma obra-prima de retórica pontifícia",z°9 e uma reação imediata partiu
do rei Guilherme da Sicília, que enviou a frota de cinqüenta galeras que levou ajuda ao principado
de Antioquia.
Essas reações penitenciais, que eram compatíveis com a teologia das cruzadas de Bernardo de
Clairvaux, eram agora complementadas por uma idéia mais cavalheiresca
por trás do ato de tomar a Cruz. Foi nessa época que
RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO
a palavra crucesignata passou a ser de uso comum, não entre clérigos, mas entre cavaleiros leigos
e príncipes. Figuras heráldicas desconhecidas ao tempo da Primeira
Cruzada foram brasonadas em estandartes e escudos; e havia a sensação de que na mente da
nobreza européia a cruzada havia se tornado a maior prova de coragem e virtude
- a justa definitiva contra as forças do mal, o derradeiro esforço cavalheiresco. Assim, Pedro de
Blois, que havia testemunhado a penitência dos prelados na corte
do papa Urbano I, e sinceramente concordou com os sentimentos penitenciais na Audita
tremendi, do papa Gregório VIII, também escreveu em sua obra Passio Regánaldi
um relato da vida e morte do pirata Reinaldo de Châtillon que o apresenta não só como mártir,
mas também como santo.
Um dos primeiros príncipes europeus que se mostraram sensíveis ao apelo do papa foi Ricardo,
conde de Portou, filho do rei Henrique II da Inglaterra e de Alienor
de Aquitânia. O casamento de Alienor com o rei Luís VII da França fora anulado em 1152, três anos
após seu retorno da desastrosa Segunda Cruzada. Oito semanas mais
tarde, Alienor, então com trinta anos, desposou o conde de Anjou, de dezenove, que em 1154,
com a morte de seu avô, subiu ao trono da Inglaterra como Henrique II.
Essas rápidas segundas núpcias foram criticadas pelos subseqüentes biógrafos de Alienor: para
um, Alfred Ricard, ela simplesmente havia se cansado da "graça quase
efeminada" de Luís e "desejava ser dominada, e como o vulgo cruamente dizia, era uma dessas
mulheres que gostam de ser espancadas".z'1 Dois cronistas relatam que
Alienor já havia sido seduzida, ou possivelmente estuprada, pelo pai de Henrique, o conde
Godofredo de Anjou. Contudo, seu casamento com Henrique foi a princípio
um sucesso, se avaliado pelo número de seus filhos: tendo tido apenas duas filhas de Luís (o
fracasso dela em gerar um herdeiro do sexo masculino levou os conselheiros
capetíngios a concordar com a anulação do casamento), entre 1152 e 1167 ela deu à luz cinco
filhos e três filhas de Henrique.
O terceiro desses filhos foi Ricardo, que, aos onze anos, foi dotado com o ducado de
Aquitânia, de sua mãe. Mergulhado desde a juventude em constantes guerras
com vassalos revoltosos, Ricardo firmou sua reputação como um guerreiro feroz, um governante
impiedoso e, depois de tomar a supostamente inexpugnável fortaleza de
Taillebourg aos vinte e um anos, um estrategista e general brilhante.
Com o passar do tempo, o casamento de sua mãe com Henrique foi afetado pelas
infidelidades dele, em particular com sua amante inglesa, Rosamunda Clifford.
Em 1173, Alienor associou-se aos filhos numa revolta contra Henrique II. A rebelião fracassou: os
filhos submeteram-se de forma
OS TEMPLÁRIOS
abjeta a seu pai, ao passo que Alienor, capturada quando viajava a fim de procurar refúgio com o
primeiro marido, Luís VII, foi levada de volta para a Inglaterra
e aprisionada pelos quinze anos seguintes.
A morte em 1183 de Henrique, o irmão maisvelho de Ricardo, transformou-o em herdeiro do
trono da Inglaterra, bem como do ducado de Aquitânia e do condado
de Anjou. Nessa conjuntura, seu pai, Henrique 11, havia pedido a Ricardo que transferisse o
ducado de Aquitânia para João, seu filho caçula. Ricardo havia recusado
e apelado para seu suserano nocional, o sucessor de Luís VII, o rei Filipe Augusto da França.
Outrora amigos, mais tarde rivais e por fim inimigos implacáveis, as
maquinações políticas e militares de ambos os príncipes foram suspensas pelas notícias da derrota
do exército latino em Hattin e da rendição de Jerusalém às forças
do Islã.
Precipitadamente, sem o consentimento de seu pai, Ricardo tomou a Cruz na nova catedral de
Tours, no mesmo luga: de onde seu bisavô, Foulques de Anjou, havia
partido para se casar com a princesa Melissanda e com ela governar o reino de Jerusalém. Filipe
Augusto protestou, pois Ricardo deveria desposar Alice, irmã do primeiro.
Mas, após ouvir um eloqüente sermão do arcebispo de Tiro, ele tomou a Cruz. Henrique II, que há
muito tinha planejado partir em cruzada e enviado substanciais somas
de dinheiro para o reino de Jerusalém, foi forçado pelos dois jovens príncipes a juntar-se a eles.
Eles deveriam partir de Vézelay depois da Páscoa de 1190, mas
Henrique II morreu em 6 de julho de 1189, antes que pudesse cumprir sua promessa.
Agora rei da Inglaterra e também duque da Normandia e de Aquitânia, Ricardo tinha recursos
enormes à sua disposição e traçou meticulosos planos para a sua
cruzada. Havia grande entusiasmo popular pela cruzada, e cistercienses como Balduíno, arcebispo
de Canterbury, incentivaram a guerra santa no estilo de Bernardo
de Clairvaux; mas já não encontramos, como na época da Primeira Cruzada, "eremitas taciturnos e
misteriosos dando conselhos aos líderes sobre táticas militares":
até mesmo os clérigos, "que invocavam a ajuda de Deus (...) confiavam em seus próprios
recursos"."' O papa instituiu um imposto de dez por cento sobre toda a renda
e bens móveis que veio a ser conhecido como o "dízimo saladino". Conquanto, em última análise,
a cruzada ainda dependesse da disposição do indivíduo a arriscar sua
vida e seus bens para reconquistar os Lugares Santos, "o estímulo do Espírito Santo agora passava
de forma mais óbvia pelos canais oficiais"."'
Uma série de príncipes menos importantes seguiu o exemplo do rei Ricardo da Inglaterra e do
rei Filipe Augusto da França e, antecipando-se aos dois monarcas,
juntou-se ao exército cristão que sitiava Acre. Muitos deles eram descendentes de antigos
cruzados ou parentes da nobreza do ultramar:
182
RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO
Henrique, conde de Champagne, neto de Alienor de Aquitânia e, portanto, sobrinho dos reis da
Inglaterra e da França; Teobaldo, conde de Blois, e Ralph, conde de
Clermont; os condes de Bar, Brienne, Fonttgny e Dreux; Iatêvão de Sancerre e Alan de SaintValéry. Também havia alemães, como Luís, margrave da Turíngia; esquadras
poderosas de Gênova e Pisa; italianos de Ravena sob seu arcebispo Gérard; outros arcebispos de
Messina e Pisa, e Balduíno de Canterbury com 3.000 galeses; bispos
de Besançon, Blois e Toul; o arcediago de Colchester, mais tarde morto durante uma sortida
contra o acampamento de Saladino; cavaleiros de Flandres, da Hungria e
da Dinamarca; e um contingente de Londres que, como seu predecessor durante a Segunda
Cruzada, se deteve en route para ajudar o rei português Sancho a conquistar
aos mouros a fortaleza de Silves.
Na Alemanha, em abril de 1189, o próprio imperador do Sacro Império Romano tomou a Cruz.
Tratava-se de Frederico I de Hohenstaufen, conhecido como Barba-Roxa,
que fora eleito rei alemão em 1152 e coroado imperador pelo papa Adriano IV em 1155. Seu pai
fora duque da Suábia e sua mãe, filha do duque da Baviera, e na juventude
ele acompanhara seu tio Comado na desastrosa Segunda Cruzada. Seu reinado tinha sido marcado
por uma luta interminável por primazia entre o imperador, o papa, o
rei da Sicília, o imperador bizantino e - um novo fator na equação - as poderosas cidades
lombardas lideradas por Milão.
Agora com cerca de sessenta e seis anos, Frederico era uma figura heróica dotada de grande
charme. A difícil situação da Terra Santa não apenas inspirou
uma decisão pessoal de mais uma vez pegar sua espada para combater os infiéis, como também
exigiu dele, como o líder leigo da cristandade, uma reação vigorosa. Até
então, os alemães tinham desempenhado um papel secundário nas cruzadas e poucos deles
haviam se estabelecido no ultramar. Todavia, Conrado de Montferrat era parente
de Barba-Roxa, e sua corajosa defesa de Tiro havia impressionado o imperador. Frederico enviou
então um emissário a Saladino reclamando a volta da Palestina ao domínio
cristão. A resposta de Saladino não foi além de oferecer a libertação de todos os prisioneiros
cristãos e de devolver as abadias cristãs a seus monges.
Para Barba-Roxa, isso não bastava. Em maio de 1189, ele partiu de Ratisbona com a "maior
tropa única que algum dia sairia em cruzada".' 14 Frederico tomara
de antemão, junto aos soberanos sobre cujo território essa tropa marcharia, as providências para
a sua passagem. Ela passou sem incidentes pela Hungria, porém teve
dificuldades ao penetrar no Império Bizantino.
As relações entre os cristãos gregos e seus correligionários latinos tinham se deteriorado
pelos acontecimentos dos quais Constantinopla fora palco cinco
anos antes, quando O ódio do povo à imperatriz latina, Maria de
183
OS TEMPLÁRIOS
Antioquia, regente de seu filho, o jovem imperador Aleixo, havia levado a um pogrom de seus
moradores latinos pela população grega. Nada menos de oite:ita mil latinos
viviam na cidade:"' homens, mulheres e crianças, velhos e jovens, sãos e doentes, foram todos
atacados e muitos massacrados, suas casas e igrejas, queimadas. O ódio
dos gregos aos latinos era tão intenso que, quando Saladino capturou Jerusalém, o imperador
bizantino, Isaac Ângelo, enviou-lhe uma mensagem de congratulação.
Todavia, o exército de Frederico Barba-Roxa era forte demais para se opor a ele, e na
primavera Barba-Roxa conduziu-o sem ser molestado para o outro lado
do Bósforo e entrou no território controlado pelos turcos seldjúcidas. A exemplo do que ocorrera
com os exércitos do imperador Conrado e do rei francês Luís VII
quarenta anos antes, a não-colaboração dos gregos, o rigor do clima e a aridez do terreno através
do qual eles avançavam resultaram em grandes perdas por sede e
fome nas forças de Frederico. No dia 18 de maio de 1190, os cruzados alemães depararam com o
exército do genro de Saladino, Malik Shah. Travou-se batalha, mas os
turcos foram decisivamente vencidos e varridos do caminho dos cruzados. Continuando sem
empecilhos, eles então desceram pelos montes Tauro à planície de Selência.
Enquanto cruzava o rio Selef, o imperador Frederico caiu na água e, puxado para o fundo pelo
peso de sua armadura, morreu afogado.
Sem a sua personalidade dominadora, o exército que ele havia reunido se desagregou. Seu
filho, o duque Frederico da Suábia, prosseguiu para Antioquia com
o corpo do pai, mas muitos outros rumaram para os portos da Cilícia e da Síria e voltaram para
casa. O cadáver em decomposição de Barba-Roxa foi enterrado na Catedral
de São Pedro, em Antioquia, mas alguns de seus ossos acompanharam os cruzados alemães num
sarcófago, na expectativa de que talvez se alcançasse a Igreja do Santo
Sepulcro em Jerusalém, sendo afinal enterrados na catedral de Tiro.
Na Palestina, ao que restara do exército de Barba-Roxa vieram juntar-se contingentes que
tinham chegado por mar sob o comando de Luís da Turíngia e de Leopoldo
da Áustria. Para cuidar de seus doentes e feridos, um grupo de cruzados de Lübeck e Bremen
fundou o hospital sob o patronato de Santa Maria dos Alemães, em Jerusalém,
o qual, a exemplo do Hospital de São João, formou uma ordem de cavaleiros que adotou a regra
dos templários, bem como o mesmo hábito branco destes, marcando-o porém
com uma cruz preta em vez de vermelha. Essa fundação foi aprovada em 1196 pelo papa Celestino
111 como a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos.
Quando os cruzados ocidentais convergiram para a Terra Santa em 1190, Guido de Lusignan foi
destituído como rei titular de Jerusalém por Comado
184
RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO
de Montferrat. Apesar de seu audacioso cerco de Acre, que se tornara o ponto focal da nova
cruzada, os barões mais importantes do ultramar nunca o tinham perdoado
por ser o consorte da rainha Sibila, por encabeçar o grupo de parvenus e por conduzi-los à derrota
em Hattin. Seus dois paladinos principais, Reinaldo de Châtillon
e Gérard de Ridefort, estavam ambos mortos; e em 1190 sua posição enfraqueceu-se ainda mais
pela morte, por doença, de sua esposa e de suas duas jovens filhas.
Uma vez que o direito de Guido à coroa provinha de Sibila, ele então passou para sua
sobrinha Isabel, filha do rei Amauri I. Como vimos, Isabel casou-se
com o atraente Humphrey de Toron durante o cerco da fortaleza de Kerak por Saladino, mas
Humphrey também havia se tornado malquisto pelos barões ao submeter-se a
Sibila e Guido. Para eles, a solução seria anular o casamento dela com Humphrey, pretextando que
ela se casara antes de atingir a idade-limite para o consentimento,
e promover o casamento dela com Comado de Montferrat. A princesa estava completamente feliz
com o seu fraco marido, porém a mãe dela, a rainha-mãe Maria Comneno,
sobrinha-neta de um imperador bizantino, percebeu os imperativos políticos por trás da exigência
dos barões e persuadiu a filha a levar a cabo o plano deles. O casamento
foi anulado pelo legado pontifício em Acre, o arcebispo de Pisa, e Isabel foi casada com Conrado
pelo bispo de Beauvais.
A esse destronamento do rei Guido opuseram-se energicamente não só a família Lusignan,
mas também o suserano das Lusignans em Poitou, o conde Ricardo, agora
rei da Inglaterra. Balduíno, o arcebispo de Canterbury, que estava no acampamento diante de
Acre, denunciou o acordo, mas morreu em 19 de novembro de 1190, alguns
dias antes do casamento. Quando Ricardo afinal chegou a Acre, no dia 20 de abril de 1191, o fato
estava consumado.
O rei Filipe Augusto da França tinha chegado sete semanas antes. As rotas seguidas pelos dois reis
tinham começado em Vézelay em julho de 1190: Filipe e seu exército
haviam então zarpado de Gênova, enquanto Ricardo se encontrara com sua esquadra em
Marselha. Ambos demoraram-se na Itália e então navegaram para Messina, a fim de
hospedar-se na corte do rei Tancredo da Sicília - uma contenda entre Ricardo e Tancredo fez com
que os dois reis-hóspedes tomassem a cidade de Messina, após o que
eles se desavieram na divisão da presa. Filipe também ficou enfurecido porque Ricardo agora
recusava-se a desposar Alice, a irmã de Filipe com quem ele tratara casamento
muitos anos antes, alegando que ela fora seduzida pelo pai dele, o rei Henrique II, de quem tivera
um filho.
185
OS TEMPLÁRIOS
Na primavera, Filipe Augusto partiu de Messina e, após uma viagem ma, chegou a Tiro. A
viagem de Ricardo foi menos tranqüila: sua esquad foi forçada a entrar
no porto de Creta, e então o vento a impeliu para o nort em direção a Rodes. Enquanto um de
seus navios naufragou na costa de Chi pre, outro, no qual viajava sua
prometida, Berengária de Navarra, que fo trazida à Sicília pela mãe de Ricardo, Alienor de
Aquitânia, e era agora aco panhada pela irmã dele, Joana, a rainha-mãe
da Sicília, foi forçado a entrar porto de Limassol.
O governante de Chipre, Isaac Ducás Comneno, um príncipe bizanti renegado que nomeara a
si mesmo, tinha feito aliança com Saladino e, por' tanto, aprisionou
os cruzados náufragos. Agindo com prudência, Joana e rengária recusaram sua proposta para
desembarcarem. Quando Ricardo alcançou uma semana mais tarde, exigiu a
libertação dos prisioneiros e, diarli. te da recusa de Isaac, preparou-se para a guerra. Com o
reforço de uma es. quadra de Acre que transportava Guido de Lusignan,
o príncipe Leão d~' Armênia Cilícia, Boemundo de Antioquia, Humphrey de Toron e os templád>,
rios do ultramar mais antigos (os templários, a despeito da morte de
Gérartlk de Ridefort, ainda apoiavam o rei Guido), Ricardo empreendeu uma con:' quistorelâmpago da ilha. Malquisto por seus súditos gregos, Isaac Duc não conseguiu
ensaiar senão uma fraca resistência e logo se rendeu ao rei in<' glês, com a condição de que não
fosse posto a ferros; Ricardo concordou e,. em vez disso, prendeu-o
com grilhões de prata.
Enormemente enriquecido por essa conquista, Ricardo deixou ume. guarnição latina nas
fortalezas da ilha e dois magistrados ingleses incumbi-,
,
dos de sua administração e zarpou para a Palestina. Ele desembarcou perto de Tiro, mas por
ordem do rei Filipe Augusto e de Conrado de Montferrat; não lhe permitiram
entrar na cidade. Por isso, navegou para o sul, rumo a~ Acre, aonde chegou em 8 de junho,
elevando o moral dos cruzados. Filipe ,, Augusto, apesar de inteligente
e fascinado por engenhos de cerco, tambérn;t era sarcástico e hipocondríaco, qualidades
impróprias para estimular combatentes. Além disso, era mais pobre do que
Ricardo, o qual, mesmo antes da? pilhagem de Chipre, havia esvaziado as tesourarias da Inglaterra
e de seus, domínios franceses para financiar sua cruzada. Com esses
amplos recursos e 5 sua reputação como guerreiro, concordou-se que Ricardo deveria assumir o '
comando da cruzada. Os templários acolheram como irmão o amigo e vassalo
dele, Roberto de Sablé, e o elegeram seu grão-mestre.
Uma das primeiras ações do novo grão-mestre foi adquirir Chipre de Ricardo por 100.000
besants. Ricardo recebera a notícia de que seus magistrados na ilha
tinham sido incapazes de controlar a população grega; ele queria livrar-se do problema e deve ter
sido informado de que os templários, em
186
RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO
virtude de todas as depredações recentes, tinham om considerável tesouro à sua disposição. Feito
o acordo, Roberto de Sablé enviou vinte cavaleiros com o apoio de
escudeiros e sargentos para assumirem o controle da ilha.
A principal força de templários permaneceu cdm o exército cruzado que sitiava Acre. No dia
12 de julho de 1191, a guarniçíio muçulmana rendeu-se: Saladino
fora incapaz de levantar o cerco. O preço a ser pago pela vida de seus habitantes eram 200.000
besants, a libertação cie 1.500 prisioneiros cristãos e a devolução
da relíquia da Verdadeira Cruz Comado de Montferrat conduziu os vitoriosos cruzados para dentro
da cidade. O rei Ricardo dirigiu-se para o palácio real, e o rei
Filipe, para a fortaleza que antes estivera em poder dos templários. O duque da Áustria colocou
seu estandarte nas muralhas, próximo aos dos reis da Inglaterra e
da França, reivindicando assim o direito de partilha do espólio; os ingleses, por ordem! de Ricardo,
rasgaram-no e lançaram-no por sobre as muralhas dentro do fosso.
Chegou-se a uma solução conciliatória entre o rei Guido e Comado de Montferrat: aquele reinaria
até a morte, e este seria seu sucessor; nesse meio tempo, as receitas
reais seriam partilhadas.
Com Acre agora nas mãos dos cristãos, vários cruzados decidiram que suas promessas tinham
sido cumpridas e voltararfl Para casa. Leopoldo da Áustria foi
embora apenas dias depois de sua humilhação pelo rei Ricardo. O rei Filipe Augusto retirou-se
para Tiro com Comado de Montferrat, e então tomou um navio para Brindisi;
ele tinha sido acometido por constantes enfermidades e não gostava do rei inglês. Embora
deitasse a maior parte de seu exército sob o comando do duque da Borgonha,
os barões do ultramar que apoiaram Comado estavam tristes em vê-lo partir.
Ricardo Coração de Leão ficou como o incontc-ste comandante do exército cruzado. Ele
tornou-se impaciente quando houve um obstáculo à troca de prisioneiros
e ao pagamento da indenização. De acordo com uma fonte, Saladino pediu aos templários que
garantissem os (ermos de um acordo provisório com Ricardo porque, por mais
que os odiasse, sabia que manteriam sua palavra.' lb Os templários confiavam menos em Ricardo e
recusaram-se a dar a Saladino a garantia que ele solicitara. Ricardo
ficou exasperado com a procrastinação de Saladino e supervisionou pessdalmente a execução dos
prisioneiros muçulmanos: 2.700, entre eles mulheres e crianças, foram
chacinados por seus soldados ingleses.
Para os muçulmanos, isso foi uma clara violação do acordo de Ricardo com Saladino; para os
cronistas francos, tratou-se de uma ação necessária e até digna
de louvor dentro das convenções de gueria aceitas. Saladino, afinal de contas, havia massacrado
os cavaleiros das ordens militares após sua vitória em Hattin. Ricardo
teria com certeza se assegurado da aquiescência dos
187
OS TEMPLÁRIOS
demais príncipes cristãos antes de empreender essa drástica ação: preservar os prisioneiros teria
retido grande parte da força latina-algo que sem dúvi-
da entrou nos cálculos de Saladino da cruzada.
-, evitando assim o avanço mais rápido
Tendo dado cabo dos prisioneiros e reforçado as fortificações, o exército cruzado deixou Acre e
marchou para o sul pela estrada litorânea, em direção a Haifa e Cesaréia.
Constantemente fustigada pelas forças de Saladino, a cavalaria cavalgou em formação cerrada,
com os templários na vanguarda e os hospitalários na retaguarda. No
lado oposto ao mar, eram protegidos pela infantaria cristã, em particular pelos arqueiros ingleses
de Ricardo, e por seu turno protegiam a tropa de animais de carga
com a bagagem, a qual era suprida pela esquadra cristã que acompanhava a marcha do exército.
Quando este saiu da floresta de Arsuf, ao sul de Cesaréia, Saladino
organizou um ataque total, que foi rechaçado. Apesar de pequenas perdas de ambos os lados, o
resultado foi a derrota de Saladino, a primeira num combate direto desde
Hattin.
Todavia, o exército de Saladino - embora enfraquecido e prejudicado por defecções - não foi
destruído. Ricardo avançou com suas forças para Jafa, onde reconstruiu
as fortificações. Estava claro que nenhum dos dois exércitos era forte o bastante para destruir o
outro, e assim o conflito só poderia ser resolvido por meio de
negociações. Foram realizadas freqüentes parlamentações com o irmão de Saladino, al-Adil. A
despeito do massacre da guarnição de Acre, Saladino conservava um profundo
respeito pelo rei inglês. A cortesia inicial resultou em confraternização: Ricardo propôs a al-Adil
que desposasse sua irmã Joana e que juntos eles governassem a
Palestina, com a Cidade Santa partilhada por suas duas religiões, sugestão que ultrajou Joana e
não foi levada a sério por Saladino.
Depois de passar o Natal no mosteiro de Latrun, nas colinas da Judéia, Ricardo conduziu seu
exército a menos de vinte quilômetros de Jerusalém. Os cruzados
que tinham vindo da Europa queriam sitiar a Cidade Santa, mas os barões do ultramar e os grãomestres das ordens militares recomendaram prudência: mesmo que Jerusalém
fosse tomada, como poderia ser mantida depois que Ricardo e os cruzados partissem? Sem
defesas avançadas entre a Palestina e o Sinai, ela continuaria permanentemente
vulnerável a ataques do Egito.
Portanto, Ricardo voltou para o litoral e passou os quatro primeiros meses de 1192
fortificando Ascalão antes de dirigir-se para Gaza. Para o monarca inglês,
o tempo estava se esgotando: ele recebera da Inglaterra notícias inquietantes sobre as atividades
de Filipe Augusto e de seu irmão João. Ne-
RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO
gociações amistosas com Saladino deram-lhe a impressão de que era possível chegar a um acordo.
Ele também estava determinado a deixar o reino de Jerusalém com uma
clara cadeia de comando. Conquanto seu candidato à coroa preferido fosse Guido de Lusignan, ele
aceitou a decisão unânime dos barões locais de que deveria ser Comado
de Montferrat, mas exatamente quando os preparativos para sua coroação estavam sendo feitos,
Comado foi assassinado nas ruas de Acre.
Os matadores eram assassinos, enviados por Sinan, o Velho da Montanha. Não se sabe quais
eram seus objetivos. Comado tinha provocado a hostilidade dos assassinos
ao atacar um navio de carga que lhes pertencia e se recusara a indenizá-los; contudo, as suspeitas
também recaíram sobre o rei Ricardo. O bispo de Beauvais, amigo
íntimo de Comado, a quem ele visitara pouco antes~` de sua morte, estava convencido de que os
matadores tinham sido contratados pelo rei inglês. Outros argumentaram
que não era seu estilo liquidar um inimigo de maneira tão desleal; mas ele certamente lucrou com
o resultado: dentro de dois dias do assassinato de Conrado, sua
viúva, a rainha Isabel, de vinte e um anos, foi prometida ao sobrinho de Ricardo, o conde Henrique de Champagne.
Para a solução definitiva dos assuntos do ultramar, só faltava resolver a situação de Guido de
Lusignan. Com a concordância de Roberto de Sablé, decidiu-se
que, para compensar a perda do reino de Jerusalém, ele deveria ter Chipre. Os templários não
tinham tido mais êxito do que os magistrados de Ricardo no controle
da ilha. Tinha-se constatado que os cavaleiros eram gananciosos e impopulares, e em 4 de abril de
1192 a guarnição latina em Nicósia fora sitiada pelos gregos. Uma
sortida havia dado conta dos insurretos, mas o incidente tinha deixado claro que uma pequena
guarnição não poderia controlar a população: "o que era necessário,
caso se quisesse manter Chipre permanentemente, era um grande número de homens com fortes
interesses pessoais em preservar o novo regime"."' A ilha foi portanto
devolvida ao rei Ricardo, que prontamente a revendeu a Guido de Lusignan por 60.000 besants, o
saldo devido pelos templários.
Ansioso para regressar à Europa, Ricardo pressionou ainda mais Saladino para chegara um
acordo. Seu exército tomou o castelo de Daron, ao sul de Asca1ão;
mas em seguida, enquanto Ricardo estava em Acre, o próprio Saladino atacou Jafa e após três dias
conquistou a cidade. A guarnição retirou-se para a cidadela e estava
a ponto de render-se, quando cinqüenta galeras pisanas e genovesas chegaram à cidade com o rei
Ricardo a bordo. Ricardo pulou na água, seguido por apenas oitenta
cavaleiros, quatrocentos arqueiros e cerca de dois mil marinheiros italianos, avançou lutando
pelas ruas da cidade e pôs em fuga as forças de Saladino. Antes que
essa pequena força pudesse
OS TEMPLÁRIOS
ser socorrida pelo exército principal de Ricardo, que marchava ao longo da costa, Saladino contraatacou. Com brilhante improvisação, Ricardo orientou seus homens
para que resistissem a uma onda após a outra do assalto muçulmano. "Saladino estava absorto em
indignada admiração diante da cena."z'8Quando o cavalo de Ricardo
foi morto sob a montada dele, esse modelo de cavalheirismo islâmico enviou dois vigorosos
corcéis de presente para o rei inglês:
Por sua própria bravura e táticas inspiradas, Ricardo levou a palma, mas agora estava claro
para ambos os líderes que eles estavam empatados: nenhum conseguia
destruir o outro, e ambos tinham urgentes motivos para acabar com o conflito. Era imperativo que
Ricardo voltasse para casa, a fim de assegurar seus domínios na
Europa, ao passo que Saladino enfrentava a perene dificuldade de manter um grande exército em
campanha. Embora ele tivesse firmado certa supremacia moral em seu
papel de paladino do Islã, suas tropas eram com freqüência motivadas pela expectativa de
pilhagem neste mundo, em vez de recompensa no outro. Apenas isso compensava
os perigos e as privações da campanha; e quando isso não estava prestes a acontecer, eles
julgavam difícil resistir à atração do lar.
O obstáculo a um acordo nas negociações anteriores fora sempre Ascalão, mas agora Ricardo
recuava. Ele concordou que Ascalão fosse demolida; em troca, Saladino
garantiu o domínio cristão das cidades costeiras de Antioquia a Jafa. Muçulmanos e cristãos
deveriam ser livres para cruzar o território uns dos outros. Peregrinos
cristãos deveriam ter liberdade para visitar Jerusalém e os outros lugares sagrados para a religião
cristã. Balião de Ibelin, Henrique de Champagne e os mestres
do Templo e do Hospital, em nome de Ricardo, juraram manter a paz pelos cinco anos seguintes.
Muitos dos seguidores de Ricardo foram então à Terra Santa como peregrinos desarmados.
Ricardo não. Ele regressou a Acre, resolveu seus negócios e assistiu
à partida de sua esposa e de sua irmã para a França a bordo de um navio. Ele próprio partiu no dia
9 de outubro, depois de uma permanência de dezesseis meses na
Terra Santa. O vento desviou seu barco da rota, e este foi forçado a entrar no porto da ilha
bizantina de Corfu. Receando que o imperador bizantino o tomasse como
refém, Ricardo viajou com alguns piratas rumo a Veneza - ele estava disfarçado de templário ,e
viajava com uma escolta que incluía quatro cavaleiros do Templo.
Sua escolha da rota lhe foi imposta por importantes acontecimentos políticos em sua
ausência, em particular uma guerra entre seu sogro, o rei Sancho de Navarra,
e Raimundo, conde de Toulouse. Isso tornava impossível desembarcarem qualquer dos portos do
Sul da França. Com a aproximação do inverno, a longa viagem através do
estreito de Gibraltar e em redor da pe-
RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO
nínsula Ibérica era arriscada demais; viajar através da Itália e subir o vale do Reno deixá-lo-ia
vulnerável à captura por seu inimigo, o imperador Henrique VI de
Hohenstaufen.
Dirigindo-se para Veneza, o barco pirata encalhou perto de Aquiléia, no extremo norte do mar
Adriático. Daí, Ricardo e seus companheiros tomaram o rumo do
norte através dos Alpes, disfarçados de peregrinos, mas numa estalagem em Viena Ricardo foi
reconhecido, supostamente por causa do anel de valor exorbitante que
ainda trazia no dedo, e foi entregue a seu arquünimigo desde o cerco de Acre, Leopoldo, duque da
Áustria. O homem que comprara e vendera a ilha de Chipre tornava-se
agora ele próprio uma mercadoria. Primeiro Leopoldo o aprisionou em seu castelo de Dürrenstein,
depois o transferiu para seu suserano, o imperador Henrique VI, cujos
termos pára a libertação de Ricardo foram que este deveria jurar-lhe obediência como vassalo e
pagar um resgate de 150.000 marcos.
Enquanto Ricardo estava no cativeiro, seu adversário que o admirava, Saladino, morreu. Seu
amigo e ex-vassalo, o grão-mestre do Templo, Roberto de Sablé,
também morreu. O rei Filipe Augusto e João, irmão de Ricardo, tentaram persuadir o imperador a
reter Ricardo, mas este - cortês, jovial, quase imperturbável na sua
posição humilhante - obteve.apoio entre os príncipes da corte do imperador alemão. Em
fevereiro.de 1194, foi libertado: ele havia feito os votos exigidos e, como
a prosperidade da Inglaterra nessa época fosse enorme, a maior parte do seu resgate fora paga.
Ao ouvir a notícia, o rei Filipe Augusto escreveu a João: "Cuidado,
o diabo está em liberdade".
Depois de permanecer apenas um mês na Inglaterra, Ricardo regressou à Normandia e passou
os cinco anos seguintes em guerra intermitente com vassalos rebeldes
e com o rei Filipe Augusto da França. Em 1199, durante o cerco do castelo de Châlus, pertencente
a um de seus vassalos, o visconde de Limoges, ele foi atingido no
ombro pela flecha de uma besta e letalmente ferido. Sua mãe, Alienor, foi chamada para ficar a
seu lado, e, após confessar seus pecados e receber os últimos sacramentos
da Igreja, Ricardo morreu no dia 6 de abril, aos quarenta e dois anos de idade.
Nos séculos que se seguiram, Ricardo Coração de Leão foi lembrado como um modelo de
cavalheirismo, tornando-se o tema de várias lendas exóticas e improváveis. Cada
uma delas reflete os preconceitos de seu tempo. "Se o heroísmo estiver restrito a bravura brutal e
feroz", escreveu Gibbon, "Ricardo Plantageneta continuará a ter
posição de destaque entre os heróis de sua época." O mito mais recente, de que Ricardo era
homossexual, foi aceito por muitos historiadores, muito embora não passa
ser investigado além de 1948,
OS TEMPLÁRIOS
mis agora se crê que seja falso. Cronistas de seu tempo antes o criticaram devido ao seu insaciável
apetite por mulheres, de modo "que mesmo em seu leto de morte
ele mandou que lhas trouxessem, em desobediência às recomndações de seu médico"."'
Uma crítica mais persistente de Ricardo foi a de que suas aventuras no esrangeiro tiveram um
efeito adverso no governo da Inglaterra. "Não restan dúvidas
de que ele pensava que fosse uma coisa boa e sublime lutar por Jeusalém", escreveu H. E.
Marshall em Our Island History (A História da Nssa Ilha), seu compêndio
para estudantes ingleses, "mas quão melhor teia sido se ele tivesse tentado governar seu próprio
país de forma pacífica e trzer felicidade para seu povo.""' Mais
uma vez, avaliações mais recentes aGolvem Ricardo: suas responsabilidades iam muito além da
Inglaterra, o muros problemático dos seus domínios. Não obstante seu
entusiasmo pelo ccnbate, o qual partilhava com outros cavaleiros de sua época, ele "não era un rei
cruamente belicoso, um rei inclinado à guerra pela guerra e à
9gressã, mas um governante preocupado em empregar com inteligênciâ seus taentos militares nos
vastíssimos interesses da casa de Anjou, da qual era o caleça".221
Embora, em retrospecto, sua luta para preservar suas possessões destro do reino da França das
usurpações dos capetíngios talvez pareça ter si(o causa perdida, não
parecia na época.
A crítica mais notável feita a Ricardo por seus contemporâneos fdi a de qL°. ele
imprudentemente pôs em perigo sua própria pessoa ao atirar-se à lua. Mesmo
seus inimigos, os sarracenos, julgavam insensato que um comndante tão inspirado arriscasse sua
vida em combate; pois, ao lado cia sua ouadia e impetuosidade, havia
um gênio para o planejamento e a logística. Fc essa ousadia que fez com que sua vida tivesse um
fim prematuro. Mas isD não diminui suas façanhas como um todo. A
conclusão do historiador coitemporâneo John Gillingham, de que "como político, administrâdor e
seihor da guerra - em suma, como rei -,ele foi um dos mais importantes
gaemantes da história européia", ecoa o veredicto do cronista muçulmano Ibi Athir de que "a
bravura, a perspicácia, a energia e a paciência de Ricardo furam dele
o mais extraordinário governante de seu tempo 11.222
Os Inimigos no Lado de Dentro
Uma das histórias que mais tarde se contaram a respeito de Ricardo Coração de Leão foi;a de que,
enquanto agonizava, ele jocosamente abandonou seus principais vícios,
deixando sua avareza para os cistercienses, seu amor pelo luxo para os frades mendicantes e seu
orgulho para os cavaleiros do Tear p1o.223 O pecado do orgulho foi
também imputado aos templários pelo contemporâneo de Ricardo, o papa Inocêncio III, um dos
homens mais notáveis que usaram a tiara pontifícia nos dois mil anos de
história da Igreja Católica.
Eleito em 1198, com apenas trinta e sete anos de idade, Inocêncio era filho do conde de Segni
e, portanto, membro da família patrícia romana Scotti, que
forneceu vários papas nos séculos XI e XII: o tio de Inocêncio, o papa Clemente III, fizera-o cardeal
em 1190, e tanto um sobrinho quanto um sobrinho-neto seus se
tornariam papas. Contudo, se o nepotismo tinha sido um elemento que fizera parte de sua
ascensão, isso não significava que Inocêncio não fosse o melhor homem para
o cargo. Ele era excepcionalmente inteligente, muito íntegro, espirituoso, magnânimo,
"agudamente alerta ao absurdo nos acontecimentos e nas pessoas à sua volta",22`'
todavia absolutamente convencido de que, como sumo pontífice e "Vigário de Cristo" - expressão
que foi o primeiro a usar -,tinha autoridade sobre o mundo inteiro,
"abaixo de Deus mas acima dos homens: alguém que a todos julga, mas que não é julgado por
ninguém".
Por formação, Inocêncio era canonista, o primeiro de vários papas-advogados, mas sua
maneira de tratar os assuntos nunca foi tacanha ou pedante. Com extraordinária
energia, ele promoveu a reforma pastoral da Igreja Católica e a elucidação de sua doutrina, que foi
codificada nos decretos do Quarto Concílio de Latrão, realizado
em 1215. Ele insistia na ortodoxia: era uma época na qual, sob a uniformidade superficial da fé
católica, havia muitas correntes ocultas de entusiasmo religioso
e variantes do credo. A opulência e o mundanismo de muitos membros do clero produziram
desafios para a Igreja. Inocêncio era suficientemente compreensivo para reconhecer
o valor
OS TEMPLÁRIOS
de um inovador idealista como Francisco de Assis, mas condenou e empenhou-se em erradicar a
doutrina herética dos cátaros no Languedoc.
Como todos os papas desde Urbano II, Inocêncio III era um entusiástico partidário da guerra
contra o Islã. Em 1198, logo após sua ascensão, ele insist.u
numa nova cruzada, e em 1199 escreveu aos bispos e aos barões do ultranar queixando-se de que
os acordos com os sarracenos solapavam suas ten:ativas de persuadir
os cristãos da Europa a tomar a Cruz. A hm de financiara cruzada, criou um imposto de dois e meio
por cento sobre a renda da Igreja. Concedeu indulgência total,
o perdão de todos os pecados confessados não apenas para aqueles que foram para a Palestina,
como também para aqueles que enviaram substitutos em seu lugar. A promoção
de uma guerra santa na Terra Santa acabou então aceita "como um ideal na vida cotidiana dos
europeus ocidentais";"' mas "a presença da cruzada na Europa num estádio
tardio da Idade Média talvez fosse mais do que os exércitos de coletores, banqueiros e burocratas
que se ocupavam em juntar e distribuir dinheiro, sem o que nada
poderia ser feito".zzb
A exemplo de Ricardo Coração de Leão, Inocêncio III tinha uma atitude 2mbivalente para com
a Ordem do Templo e estava ciente de seus defeitos. Os papas,
como soberanos totais das ordens militares, eram constantemente assaltados por queixas contra
os cavaleiros, quer por líderes seculares, como o rei Amauri de Jerusalém
no caso da morte dos emissários assassinos pelos templários, quer, com mais freqüência, pelo
clero, que sentia que seus direitos tinham sido transgredidos. Uma vez
que a maioria dos cronistas da época eram clérigos, como Guilherme de Tiro, eles provavelmente
dão uma impressão exagerada do opróbrio que o público em geral sen:ia
pelo Templo.
Algumas das acusações são absolutante triviais - por exemplo, a de que o scar dos sinos no
complexo dos hospitalários em Jerusalém incomodava o patriarca
e deixava confusos os cônegos da Igreja do Santo Sepulcro. Outras originam-se diretamente dos
privilégios que os papas tinham concedido às ordens militares, em particular
a isenção do pagamento de dízimos. No Terceiro Concílio de Latrão, em 1179, foram aprovados
vários decretos restringindo os privilégios das ordens militares, decretos
esses que foram mais tarde anulados pelo papa. Em 1196 o papa Celestino III repreendeu os
templários por violarem um acordo que tinham feito com os cônegos do Santo
Sepulcro sobre a divisão de dízimos; e em 1207 o papa Inocêncio III os censurou por
desobedecerem a seus legados, tirando proveito do privilégio de celebrar a missa
em igrejas postas sob interdito e admitindo qualquer um "que esteja disposto a pagar dois ou três
pence para ingressar numa confraria dos templários (...) mesmo
que ele tenha sido excomungado", o que impli-
OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO
cava que adúlteros e usurários poderiam assegurar-se de um enterro cristão. Segundo suas
palavras, eles estavam "exalando sua cobiça por dinheiro".22'
Poucos questionavam a própria existência das ordens militares. O abade cisterciense de
I'Etoile, perto de Poitiers, um inglês chamado Isaac, em meados do
século XII pregou contra a "nova monstruosidade" da novamilitia, expressão que ecoava o
pequeno tratado de Bernardo de Clairvaux a favor dos templários, De laude
novae militiae: ele denunciou aqueles que usaram a força para converter muçulmanos e
considerou como mártires aqueles que morreram enquanto pilhavam não-cristãos.
Mais tarde, ainda no século XII, dois outros ingleses, os cronistas Walter Map e Ralph Niger,
também questionaram o uso da força para difundir a religião cristã.
Walter Map, um inimigo dos cistercienses, criticou os templários por sua avareza e. extravagância,
contrastando esses vícios com a pobreza e a caridade de seu fundador,
Hugo de Payns.
O ressentimento contra os templários foi exacerbado por sua cultura do segredo. Na Terra
Santa havia boas razões militares para que suas deliberações não
fossem reveladas, mas na Europa o motivo era antes o de que eles não queriam que seus defeitos
se tornassem conhecidos. Era no capítulo que as transgressões dos
irmãos eram confessadas e as penitências impostas; como a maioria das instituições, os templários
preferiam ocultar suas imperfeições, e por volta de meados do século
XIII "todas as três ordens [militares] continham regulamentos que proibiam os irmãos de tornar
públicas as atas do capítulo da ordem ou de consentir que estranhos
vissem cópias da regra"."' Um grande segredo também cercava a cerimônia de admissão na
Ordem.
Uma causa de inveja era a manifesta riqueza da Ordem do Templo, a qual, em virtude das más
notícias que vinham da Terra Santa, fazia muitos se perguntarem
se eles estavam prestando os serviços que deles se esperavam. Ao contrário das ordens
monásticas, eles davam apenas uma pequena contribuição ao Estado social medieval:
um dos primeiros críticos da Ordem, João de Würzburgo, admitiu que eles distribuíam esmolas aos
pobres, mas não com a mesma generosidade dos cavaleiros do Hospital.
Como no caso dos beneditinos e dos cistercienses, dotações prévias e uma bemsucedida
administração de propriedades tinham transformado o Templo e o Hospital em duas
das mais ricas corporações nos reinos da Europa Ocidental. Entre os descendentes espirituais de
Bento de Núrsia e Bernardo de Clairvaux, essa riqueza havia resultado
em consideráveis compromissos com os ideais originais deles, com o carisma da pobreza
apostólica passando para as ordens de frades como os franciscanos, até que
eles, por sua vez, foram corrompidos pelo seu êxito.
OS TEMPLÁRIOS
Apesar dessa tendência entre os religiosos, os templários viviam num estado de severa
parcimônia. Fora das capitais ou dos territórios onde estavam
em guerra, eles não gastavam grandes somas de dinheiro em castelos enormes e igrejas
magníficas: as comunidades existentes, como a de Richerenches, pareciam bastante
modestas, sobretudo quando comparadas com o esplendor das instituições monásticas. Os
edifícios de suas comunidades e preceptorias eram totalmente práticos: celeiros
para armazenar os cereais, estábulos para os cavalos, dormitórios para abrigar uma meia dúzia de
irmãos que formavam o seu quadro de pessoal, e modestas fortificações
para manter os ladrões a distância. Suas igrejas também eram modestas e construídas como
símbolos de sua missão: a característica das igrejas dos templários e dos
hospitalários que chamava a atenção era a rotunda, copiada da Igreja do Santo Sepulcro em
Jerusalém. Ambas as ordens "competiam para serem associadas aos olhos do
público com a defesa do lugar da Ressurreição". 229
A percepção pública das ordens militares era a de que elas eram ricas, "mas as próprias
ordens esforçavam-se por mostrar aos novos recrutas que a vida nelas
não era tão confortável quanto a sua imagem talvez tivesse levado a acreditar". As acusações
diretas de luxure "estavam reservadas para os clumacenses e os bispos".z3°
Na Europa, a acusação contra os templários mais digna de nota era a de que, embora todos
reivindicassem as insenções que tinham sido concedidas à Ordem, apenas uma
pequena parte realmente pegou em armas contra o infiel. A grande maioria eram administradores
dos mais de 9.000 domínios que com o passar dos anos haviam sido doados
à Ordem por benfeitores pios, ou os trabalhadores que neles trabalhavam, os "homens" dos
templários. As isenções da justiça e das obrigações feudais de que gozavam
mesmo esses membros subalternos da Ordem inevitavelmente causavam ressentimentos nos
senhores feudais. De modo geral, uma vez que eram as cortes reais que conservavam
o status privilegiado deles, as relações com os funcionários reais eram amistosas; mas havia
situações, por exemplo no Bulmer Hundred, no condado de York, em que
os templários abusavam de seus privilégios, admitindo delinqüentes e ladrões na Ordem e
impedindo que magistrados reais efetuassem prisões.
Como os cistercienses, os próprios templários administravam suas propriedades. Na
Inglaterra, eles possuíam propriedades até em Penzance, no oeste, ou em
lugares tão remotos quanto a ilha de Lundy. Nos condados de Li ncoln e de York, eles contribuíram
de forma significativa para o desenvolvimento da agricultura e
aliciavam recrutas das famílias que tinham doado as terras. As críticas à Ordem eram sempre
contrabalançadas pelo elogio, em particular dos barões que retornavam
das cruzadas. Um grande nobre do Norte da Inglaterra, Rogério de Mowbray, conde da
Nortúmbria, depois de
OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO
ser capturado por Saladino em Hattin, teve o seu resgate pago pelo Templo e, ao regressar,
expressou sua gratidão mediante várias doações.
A reputação de probidade dos templários significava que se confiava neles tanto para manter
o dinheiro de outrem quanto para transferi-lo para diferentes
locais. Foi por intermédio do Templo em Londres que o rei Henrique II criou um fundo para
cruzadas em Jerusalém que se revelou tão útil por ocasião da batalha de
Hattin. Os templários também emprestavam dinheiro a indivíduos e instituições, incluindo os
judeus, mas seus principais clientes eram reis, e seus empréstimos com
freqüência evitavam o colapso das finanças reais. Fortuitamente, os templários se tornaram,
assim, os banBueiros da cristandade e mantinham em suas galerias subterrâneas
não só a riqueza da Ordem, mas também o tesouro de reis. O Templo de Paris transformou-se
"num dos mais importantes centros financeiros do noroeste da Europa"."'
Sua grande torre de menagem, ou donjon, que era provida de torrinhas e mais tarde serviria de
prisão para o rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta na época da Revolução
de 1789, teria tido seu equivalente no Templo de Londres onde hoje só existe a igreja. Estima-se
que em Paris cerca de quatro mil homens marcados com a cruz da Ordem
residiam no Templo, embora poucos deles usassem o hábito branco de um cavaleiro habilitado.
No reino de Aragão, os reis estavam constantemente tomando dinheiro emprestado do
Templo, e na França a Ordem muitas vezes tinha dificuldade em satisfazer
as necessidades reais."' As instituições eclesiásticas estavam mais dispostas a emprestar dinheiro à
Coroa, se o Templo desse garantia do empréstimo. Em Aragâo,
os empréstimos eram feitos com a garantia de uma renda da terra ou de um benefício, e "com
freqüência se concordava que a Ordem poderia deduzir parte da importância
coletada para cobrir suas despesas, conforme era permitido no direito canônico". Sobre alguns
empréstimos eles cobravam juros de dez por cento, que eram "dois por
cento menos do que o máximo permitido a agiotas cristãos em Aragão e metade da taxa dos
judeus", e embora "em alguns casos os templários claramente obtivessem um
lucro financeiro direto dos empréstimos, em algumas outras ocasiões parece que não o
obtiveram"."'
Entre os serviços financeiros fornecidos pelos templários estavam a provisão de anuidades e
pensões. Freqüentemente a doação de terras ou de dinheiro estipulava
que ela deveria prover à subsistência de um homem e sua esposa até eles morrerem: "havia
poucas maneiras de prover à subsistência de alguém na velhice ou de assegurar
o bem-estar dos dependentes de alguém, a não ser fazendo uma doação a uma instituição
eclesiástica"." Também se pagava por um pacote de benefícios temporais e espirituais:
para a
197
Comunidades e cas=elos dos templários no Ocidente
em meados do século XII
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OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO
salvação da alma do doador e proteção pelo Templo numa sociedade onde a violência era
endêmica, havia muito o que dizer para que se tivesse uma cruz dos templários
na propriedade, independentemente de se estar ou não sob a
proteção nominal de um senhor feudal.
Essa função dos templários como uma forma de força policial naturalmente tinha sido
contemplada por seu fundador, Hugo de Payns: agora ela se estendia da
escolta de peregrinos na Palestina à proteção da transferência de dinheiro. Em julho de 1120, o
papa Honório III disse a seu legado, Pelágio, que não poderia encontrar
ninguém em quem confiasse mais para transportar uma grande soma de dinheiro.zss Os
templários também trabalhavam como funcionários civis: encontram-se com freqüência
irmãos do Templo e do Hospital servindo a papas e reis. Como monges, eles tinham o hábito da
obediência _ç, como celibatários, nenhuma ambição dinástica. Seu statur
como cavaleiros dava-lhes autoridade e os qualificava para assumirem funções militares: por
exemplo, o papa Urbano IV nomeou três irmãos da Ordem do Templo para
tomarem conta de castelos nos Estados Pontifícios, e em Acre o Templo e o Hospital eram as
únicas corporações nas quais Ricardo Coração de Leão e Filipe Augusto
confiavam. Com a sua argúcia financeira, os templários eram com freqüência transformados em
esmoleres reais pelos reis europeus.
A despeito da estrutura unitária das ordens militares, do voto de obediência dos cavaleiros a
seu grão-mestre e de sua fidelidade ao papa, parece que se
aceitou que irmãos da mesma Ordem trabalhassem para monarcas cujos interesses divergiam uns
dos outros, ou daqueles do papa. Em quase todo reino europeu, os templários
eram uma fonte de servidores públicos dignos de confiança, e como tais estavam em condições de
exercer influência a favor de sua Ordem. O rei João da Inglaterra,
que sucedeu a seu irmão Ricardo, foi excomungado pelo papa e todavia foi aconselhado pelo
mestre dos templários na Inglaterra, Aimery de Saint Maur: ele era praticamente
o único homem em quem João confiava. Da mesma forma, o imperador Frederico II, em seus
constantes conflitos com o papado, foi aconselhado e apoiado por Hermann de
Salza, o grão-mestre dos cavaleiros teutônicos.
A presença de templários nos conselhos de papas e reis coloca as críticas de Inocêncio III em
perspectiva. Apesar de seu orgulho e do abuso ocasional de
seus privilégios, as ordens militares tinham se tornado indispensáveis ao governo pontifício da
cristandade e, portanto, recebiam total apoio do papa. Assim, quando
o patriarca Fulcher de Jerusalém foi a Roma a fim de persuadir o papa a revogar alguns dos
privilégios do Hospital, ele não foi bemsucedido. O cronista Guilherme
de Tiro considerou isso suborno, mas parece mais provável que a atitude da Cúria refletisse o
crescente desencanto na
199
OS TEMPLÁRIOS
Europa coam os latinos no ultramar e que ela visse nas ordens militares o meio mais: eficaz de
atingir os objetivos da Igreja. Da mesma forma, os decretos aprovados
pelo Terceiro Concílio de Latrão que restringiam os privilégios das ordens militares foram
revogados por papas posteriores?'
Inocêncio III foi até mais enfático na sua defesa dos privilégios e isenções dos templários,
insistindo no direito da Ordem de construir igrejas, de ter
seus próprios cemitérios, de coletar seus próprios dízimos, e advertiu ao clero que não interferisse
nos direitos dos templários, tomando dízimos de suas propriedades
ou pondo suas igrejas sob interdito. Denunciou bispos que tinham aprisionado templários e
insistiu que estes punissem qualquer um que roubasse comunidades dos templários.
Suspendeu o bispo de Sídon por excorryungar o grão-mestre do Templo numa disputa sobre as
rendas da diocese de Tiberíades, renovou todos os privilégios concedidos
ao Templo pela bula do papa Inocêncio II de 1139, Omne datum optimum, e, dando-nos um
vislumbre da maneira pela qual o ressentimento popular contra os templários
encontrou expressão, condenou qualquer um que atacasse um cavaleiro do Templo e o puxasse
de seu cavalo.
Considerando que os papas tinham autoridade suprema sobre as ordens militares, certa
restrição se revela no fato de que há apenas uma situação na qual eles
as envolviam em suas próprias guerras: em 1267, o papa Clemente IV solicitou a ajuda dos
hospitalários contra os alemães na Sicília. 117 Sem dúvida, onde estavam
a serviço de papas ou reis, esperava-se que os cavaleiros pertencentes às ordens militares
pegassem em armas para defender os interesses de seus senhores, e houve
casos em que os reis de Aragão convocaram os criados dos templários, e até mesmo os próprios
cavaleiros, para lutar contra os castelhanos e os franceses. Contudo,
isso era a exceção, não a regra. "A Coroa era claramente cautelosa em usar os próprios templários
contra os inimigos cristãos" e os templários eram relutantes em serem usados dessa forma: os reis tinham de
ameaçar fazer uso de duras medidas para assegurar que suas convocações
fossem obedecidas."
Dois outros territórios onde os templários entraram em conflito armado com seus confrades
cristãos foram Chipre e a Armênia Cilícia. A insurreição contra
os templários em Nicósia em 1192 tinha sido esmagada pela força, e mesmo depois de a ilha ter
sido revendida a Guido de Lusignan, os templários mantiveram a fortaleza
de Gastria, a norte de Famagusta, e possuíam propriedades fortificadas em Yermasoyia e
Khirokitia, e uma casa fortificada em Limassol. Na Cilícia, a Ordem chegou
às vias de fato com Leão, príncipe da Armênia Inferior, por causa da fortaleza de Gaston, nos
montes Amanus, de onde se avistava Antioquia.
OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO
1ços dois conflitos mais significativos entre cristãos nesse período, os templários foram apenas
marginalmente envolvidos. O primeiro foi a Quarta Cruzada, que partiu
em conseqüência do primeiro apelo de ajuda à Terra Santa feito pela papa Inocêncio III após sua
ascensão e, como a Primeira Cruzada, foi liderada por um grupo de
governantes secundários com uma linhagem de cruzados, como o conde Luís de Blois, o conde
Balduíno de Flandres e o conde Teobaldo de Champagne.
Desde a morte do imperador Barba-Roxa na Anatólia, a rota por terra para o Oriente era
considerada intransitável, e portanto emissários desses nobres foram
a Veneza preparar a viagem por mar. O doge de Veneza, Enrico Dandolo, embora idoso, estava
longe da senilidade: ele combinou que, pela quantia de 85.000 marcos de
prata, a república providenciaria uma frota de cinqüenta galeras e transporte para 4.500
cavaleiros, 9.000 escudeiros e 20.000 soldados de infantaria, com alimentos
para um ano. A data da partida foi fixada para um período de doze meses.
O objetivo aparente dessa expedição era liberar Jerusalém, porque agora, como na época da
Primeira Cruzada, os cristãos do Ocidente só estavam dispostos
a .arriscar suas vidas pela Cidade Santa; mas numa cláusula secreta do acordo concordava-se que a
cruzada atacasse o Egito. Desde a Terceira Cruzada difundira-se
entre os líderes dos latinos, tanto na Europa quanto no ultramar, o consenso de que Jerusalém
jamais poderia estar segura enquanto fosse ameaçada do Cairo. Todavia,
os venezianos, que tinham lucrativos vínculos comerciais com os ayyúbidas (sultões descendentes
de Ayyub, o pai de Saladino) do Egito, quase com certeza não tinham
intenção de apoiar um ataque no Nilo.
O conde Teobaldo de Champagne morreu no início de 1201, e o alto co-
mando dessa nova expedição escolheu como líder o marquês Bonifácio de Montferrat. Contudo,
na data estabelecida para a partida, apenas 10.000 ho-
mens haviam se reunido em Veneza e havia um déficit de 35.000 marcos na quantia que fora
prometida aos venezianos. Estes recusaram-se a reduzir seu preço, mas concordaram
em aceitarem troca a ajuda do exército cruzado para a tomada da cidade de Zara, na costa da
Dalmácia, en coute para o Oriente. Isso foi aceito pelo rei cristão da
Hungria, e muitos dos cruzados foram contra, entre eles o abade cisterciense de Les-Faux-deCernay e um barão francês, Simão de Montfort. Eles foram derrotados:
Zara foi tomada. Inocêncio III ficou tão ultrajado com esse ataque a um rei cristão que
excomungou todo o exército; mas, confrontado com o colapso da cruzada, rescindiu
a sentença.
Enquanto passava o inverno em Zara, tencionando continuar rumo ao leste na primavera, o
exército cruzado foi abordado por um príncipe grego,
201
OS TEIMPLÁRIOS
Aleixo IV Angelo, que reivindicara Io trono bizantino. Ele propôs que, se o exército ocidental
rèstituísse seu pari, ao trono, poderia garantir a reconciliação da
Igreja Ortodoxa com a Católica, grandes subvenções e dez mil solda.': dos bizantinos para
participarem dia cruzada. A idéia interessou ao doge:.
a
Enrico Dandolo, mas contou com a oposição das mesmas pessoas que se ti, nham oposto ao
ataque a Zara: Simião de Montfort e o abade de Les-Fauxf°de-Cernay. Mais uma
vez, eles foram derrotados e, em conseqüência, abandonaram a cruzada.
A restauração de um governantce legítimo era uma causa justa no cânon
do direito feudal, e os bispos que acompanhavam a cruzada foram persuadi
dos a apoiá-la; mas quando a esquadra chegou à altura de Calcedônia, de=,'.
fronte de Constantinopla, em junhco de 1203, havia outras emoções menos 1
louváveis no espírito dos guerreiros; latinos. Os franceses lembraram-se da;'
provação do rei Luís VII e dos cavaleiros na Segunda Cruzada enquanto mar
chavam através da Anatólia em 11418, pelo que o rei culpara a perfídia dos
gregos; e Enrico Dandolo tinha seus próprios motivos para ter aversão aos
gregos: perdera a visão durante os pogroms contra os latinos em Constantino.
pia em 1182.
A lembrança dessa atrocidade ainda estava vívida na mente dos latinos, e podemos perceber
seu efeito na hiistória de Guilherme, arcebispo de Tiro.' A princípio,
sua única crítica aos bizantinos é que eles são fracos demais para defenderem os Lugares Santos,
mas, ele os considera úteis como aliados contra os sarracenos. Depois
dos pogroms de 1182, suas ilusões são destruídas, e ele decide que estava errado a respeito "dos
enganosos e traiçoeiros gregos", cujos "pseudomonges e sacerdotes
sacrílegos" são não só cismáticos, mas heréticosz'9 - o epíteto mais condenador que um clérigo
medieval poderia excogitar.
Agindo sobre esse ódio latente estava "a notória ganância do soldado medieval por pilhagem
11,24' algo que, para aqueles que vivem numa era de exércitos
bem pagos e até tratados com mimo, parece mais repreensível do que o foi na época. Não se
tratava apenas do fato de a paixão bárbara pelo saque ser ainda forte na
psique dos francos, mas também do fato de que todas as campanhas militares, até certo ponto,
tinham de ser custeadas por si mesmas. O que Inocêncio III não conseguiu
reconhecer foi que, a despeito de seu imposto sobre o clero, os custos de uma cruzada estavam
além dos recursos de todos, exceto dos reis mais ricos. Ao dar o sinal
verde a nobres de menor importância, como os condes de Blois, de Flandres e de Champagne,
talvez ele tenha contado manter maior grau de controle pontifício sobre
a expedição do que se tivesse esperado pelos reis da Inglaterra e da França; mas,
202
OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO
como a conquista de Zara havia demonstrado, seu controle era tênue, e a cruzada escava
inadequadamente provida de recursos.
Também está claro que nessa, como em todas as outras cruzadas, a motivação penitencial
estava combinada com a esperança, no espírito de muitos dos participantes,
de que eles tanto salvariam suas almas quanto fariam fortuna: era inteiramente aceito entre todas
as pessoas que participavam desses incessantes conflitos que o
risco deveria ter sua recompensa. Apesar disso, todavia, não pode haver dúvida de que o que
agora se seguia era "um empreendimento escandaloso 11,141 mesmo que permaneça
obscuro de quem era a culpa. Em junho de 1203, logo após sua chegada, os cruzados atacaram os
arrabaldes de Constantinopla, capturaram o subúrbio de Galeta e quebraram
a corrente que protegia a entrada do porto da cidade, o Como de Ouro. N.o dia 17 de julho, eles
organizaram um ataque à própria Constantinopla, mas foram rechaçados
pela guarda varangiana do imperador. Não obstante, isso foi suficiente para assustar o
imperadorAleixo III a ponto de fugir e para pôr no trono Isaac Ângelo, o candidato
dos cruzados.
Desprezado por seus, súditos gregos como um subordinado dos latinos, o novo imperador foi
incapaz de angariar o dinheiro que havia prometido aos cruzados
e, em janeiro de 1204, foi deposto e assassinado junto com seu filho pela populaça enfurecida. O
imperador que o substituiu, Aleixo V Ducás, era mais da preferência
dos gregos e combateu os cruzados. Em 12 de abril de 1204, eles atacaram a cidade, e dentro de
um dia ela foi tomada. A antiga e até então inconquistada capital
do Império Romano do Oriente foi submetida à chacina de seus habitantes e à pilhagem de seus
tesouros. Os mais apreciados eram os repositórios de relíquias, que,
como ímãs para atrair peregrinos às igrejas da Europa, tinham muito mais valor do que seu peso
em ouro. Um dos cronistas do saque da cidade, Gunther de Paris, descreveu
como um abade latino, ao encontrar o depósito das relíquias na Igreja de Cristo, o Onipotente,
após ameaçar de morte um sacerdote grego se ele não lhe dissesse onde
elas estavam escondidas, "encheu as pregas de sua batina cote a presa sagrada da igreja, a qual,
rindo de felicidade, ele em seguida carregou para o navio".242
Não apenas os tesouros de Constantinopla, como também aqueles do Império Bizantino,
foram divididos entre os conquistadores latinos. Em 16 de maio, Balduíno
de Flandres foi coroado imperador na Catedral de Santa Sofia e recebeu terras na Trácia, em
partes da Ásia Menor e em algumas das ilhas Cíclades. Bonifácio de Montferrat
fundou um reino em Tessalonica, ao passo que os venezianos se apossaram de algumas
possessões bizantinas na conca do Adriático, de cidades na costa do Peloponeso,
da ilha de Eubéia, de algumas ilhas jônias e de Creta. Constantinopla foi também subdividida em
203
OS TEMPLÁRIOS
distritos, com os venezianos tomando quase metade da cidade. Enrico Dandolo não havia apenas
se vingado: ele também havia estabelecido controle veneziano sobre as
rotas de comércio do Adriático ao mar Negro.
Nenhum dos, que haviam partido sob o comando de Bonifácio de Montferrat foi para a Terra
Santa. Todos permaneceram a fim de fazerem valer seus direitos a
feudos na carcaça do Império Bizantino. Daí em diante, recrutas potenciais entre os cavaleiros da
Europa Ocidental sem bens de raiz que poderiam ter tentado a sorte
na Síria e na Palestina foram desviados pelas oportunidades mais fáceis oferecidas por feudos na
Grécia. Portanto, não foram apenas os gregos bizantinos que sofreram
com a conquista de seu império, mas também os cristãos sitiados na Terra Santa, a quem os
cruzados tinham partido para ajudar. Até mesmo os templários, conquanto
tivessem desempenhado um papel insignificante na Quarta Cruzada, participaram da conquista da
Grécia central entre 1205 e 1210.2;3 Junto com os hospitalários e os
cavaleiros teutônicos, eles adquiriram terras no Peloponeso e, "embora o serviço militar que
deviam prestar fosse nominal",Z'4contribuíram "para ã defesa do império
latino de Constantinopla".'-45
O segundo conflito mais importante entre cristãos que se seguiu logo após a conquista de Bizâncio
foi a Cruzada Albigense, que recebeu esse nome por causa da cidade
de Albi, no sudoeste da França. Esta era um centro dos cátaros,uma seita herética que se havia
estabelecido nos ricos territórios que se estendiam do rio Ródano
aos Pireneus, conhecidos em virtude de seu dialeto francês distintivo como o langue d'oc. As
origens do catarismo se encontram na antiga religião zoroastriana da
Pérsia. Esta afirmava que existiam dois Deuses, uma deidade benévola, cujo reino era puro
espírito, e uma malévola, que havia criado o mundo material. Todas as coisas
materiais eram portanto intrinsecamente más, e a salvação residia em libertar-se da carne. O
budismo, o estoicismo e o neoplatonismo revelavam certa afinidade com
essa condenação da matéria, enquanto o cristianismo, apesar de seu apreço pela abnegação,
afirmava que Deus não só aprovou sua criação material, mas, em Jesus, tornou-se
parte da criação material quando a Palavra se fez carne.
Conceitos dualistas afetaram a crença de cristãos desde os primórdios da Igreja. Parte de seu
apelo residia na solução que eles postulavam para o etemo enigma:
por que, se o Diabo foi criação de Deus, este continuou a permitir que ele existisse? A condenação
da carne e de todas as paixões bestiais e egoístas que ela engendrava
parecia harmonizar-se com a doutrina de Cristo. Para os dualistas, o celibato não era uma questão
de escolha. Todo intercurso carnal era mau, e ter filhos era cooperar
com o Demiurgo ou Diabo
OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO
na perpetuação da matéria. Márcion, por exemplo, um herege cristão do século II, proibia o
casamento e fazia do celibato uma condição do batismo.
No século III, um persa, Mani, ensinou que, para se evitar contato com o mal do mundo
material, não se deveria trabalhar, nem lutar, nem se casar. Depois
que ele foi martirizado por suas crenças pela hierarquia zoroastriana em 276, as idéias de Mam
difundiram-se da Pérsia ao Império Romano e fizeram alguns prosélitos,
como o jovem Agostinho de Hipona. No século V, uma vigorosa comunidade de maniqueístas, os
paulicianos, foi fundada na Armênia. Eles se tornaram poderosos o suficiente
para fazerem com que os imperadores bizantinos enviassem expedições militares contra eles e, no
século X, os deportassem em massa para a Trácia, no norte da Grécia.
Daí, suas idéias difundiram-se para a Bulgária e foram adotadas pelos seguidores de um padre
eslavo chamado Bogomilo, que fundou uma igreja dualista nos Balcãs.
Como os paulicianos, os bogomilos rejeitavam o Antigo Testamento, o batismo, a eucaristia, a
cruz, os sacramentos e toda a estrutura da igreja visível. Eles também
pensavam que ter filhos era colaborar com o Diabo na perpetuação da matéria, e alguns evitavam
tê-los por meio do intercurso anal: a palavra bugger (sodomita) origina-se
de búlgaros.
Apesar da perseguição pelos imperadores ortodoxos, a Igreja Bogomila sobreviveu até a
conquista dos Balcãs pelos turcos otomanos, quando muito dos bogomilos
bósnios tornaram-se muçulmanos. Alguns bolsões de paulicianos foram encontrados pelas forças
da Primeira Cruzada nos arredores de Antioquia e de Trípoli, e é possível
que cruzados que retornavam à Europa Ocidental trouxessem consigo idéias dualistas. Elas foram
encontradas na terra natal dos cruzados, como Flandres, a Renânia
e a Champagne, e foram vigorosa e efetivamente reprimidas.
No Sul da Europa, as teorias dualistas tiveram de competir com outras idéias heterodoxas, em
particular as de um mercador de Lyon chamado Pedro Valdes, o
qual, embora não fosse dualista, rejeitou a idéia de que a graça sacramental fosse necessária para
a salvação. Ele condenou a gritante riqueza do clero e deixou
sua mulher e seus bens para viver como eremita. Sua concepção da pobreza como uma virtude
suprema não era muito diferente da de Francisco de Assis, e foi dito que,
se os homens santos dessa época "eram reverenciados como santos ou excomungados como
hereges, isso em grande parte parecia ser uma questão de acaso"."' Sem dúvida,
nem sempre era fácil distinguir entre entusiasmo pela reforma, anticlericalismo e a promoção de
idéias hostis à doutrina cristã; mas o êxito do Islã havia mostrado
0 que poderia resultar quando idéias heréticas prosseguiam irrefreadas e eram exploradas por
uma classe social emergente. O maior apoio para aqueles que
OS TEMPLÁRIOS
atacavam a riqueza da Igreja vinha da ascendente classe de mercadores das cidades da Lombardia,
do Languedoc e da Provença.
No Languedoc havia outros fatores que favoreciam a difusão da religião cátara. Como
Bernardo de Clairvaux tinha visto ao pregar contra Henrique de Lausanne,
a Igreja estava numa condição deplorável, com padres e bispos negligentes, gananciosos e
ignorantes, mais preocupados em esbulhar do que em proteger seus rebanhos.
Ao mesmo tempo, o contato com as idéias islâmicas que vieram em virtude do comércio com a
Espanha moura e o destacado papel desempenhado pelos judeus na economia
da região criaram um clima de tolerância para com outras crenças. Havia um controle menos
centralizado porque muitos dos principados menos importantes eram mantidos
corno propriedades livres e alodiais, e não como feudos. Mesmo os barões que possuíam feudos
não tinham um único senhor feudal sequer: alguns os receberam do conde
de Toulouse, outros dos reis de Aragão e até, nocionalmelte, do imperador alemão. O
anticlericalismo era reinante. Grande parte da riqueza que o clero corrupto gozava
tinha sido doada pelos ancestrais da nobreza possuidora de terras, os quais, vendo-as agora em
mãos visivelmente indignas, faziam o possível para amanhá-las de volta.
Isso resultava em constantes conflitos entre eles e os bispos locais, e também entre eles e o papa.
Portanto, não era de surpreender que uma religião que julgava
o clero supérfluo tivesse considerável poder de atração.
O que à primeira vista parece incoerente é que "uma sociedade turbulen:a, agitada e egoísta
11,141 talvez a mais educada, culta e hedonista da Europa - um
refúgio para jongleurs e troubadours, os poetas do amor cortês -, tenha se revelado tão receptiva
ao desolado dualismo dos cátaros. Mas deve-se lembrar que apenas
alguns deles, conhecidos como parfaits, viviam uma vida de abnegação sobre-humana: para a
massa de credentes, os meros crentes, a doLtrina cátara era a de que apenas
um sacramento era necessário para a salvação e de que o último, o consolamentum que tirava
todos os pecados, tornava desnecessário esforçar-se para ser virtuoso
até que se defrontasse com a morte. O catarismo também era uma religião que atraía as
mulheres: aos par,`aits do sexo feminino se concedia a mesma reverência concedida
aos do sexo masculino. Como um padre francês viria a expressá-lo, "Leshommesfont les lérésies,
les femmes leur donnent cours et les rendem immortelles" ("Os homens
podem inventar as heresias, mas são as mulheres que as difundem e as tornam imortais").z48
Em 1167, o "papa" grego dos cátaros de Constantinopla, Niquinta, presidiu um concílio dos fiéis
fora da cidade de Saint-Félix-de-Caraman, perto de Castelnaudary,
no Languedoc. Já nessa época havia um bispo cátaro em Albi,
OS INIMIGOS NO LADO DE DEN'rR0
e agora outros bispos eram nomeados para Toulose, Carcassonne e Agen. Os bispos católicos no
Languedoc, horrorizados pela difusão dessa seita herética, tentaram
opor-se a ela, em vão, por meio de debates públicos. Relatos de seu crescimento e enraizamento
chegaram a Roma. Quando um zeloso castelhano, Domingos de Gusmão,
prior dos cônegos da Catedral de Osma, visitou o papa Inocêncio III em 1205 a fim de pedir-lhe
permissão para pregar o Evangelho aos pagãos que viviam junto ao Vístula,
Inocêncio aceitou sua missão, mas a redirecionou para o sul da França. Dois anos antes, ele
apelara aos cistercienses para reconverterem os cátaros, mas, apesar
dos seus melhores esforços, eles haviam fracassado.
Domingos, jogando o mesmo jogo dos parfaits, adotou um estilo de vida de abjeta pobreza e
rigorosa mortificação. Ele juntou-se aos cistercienses na pregação
da fé católica ortodoxa e nos debates com os sacerdotes cátaros. Mais uma vez a persuação não
foi bem-sucedida. Inocêncio, que reconhecia perfeitamente bem os graves
defeitos do clero católico no Languedoc, destituiu sete bispos na região e os substituiu por
incorruptíveis cistercienses, e repetidas vezes apelou aos condes de
Toulouse que agissem, mas os condes não estavam dispostos a fazê-lo - e provavelmente eram
incapazes de fazê-lo - porque as raízes do catarismo haviam se tornado
profundas demais. Muitos católicos tinham irmãos, irmãs, primos ou primas que viviam vidas
exemplares.
A hierarquia católica considerava o triunfo dessa religião herética com consternação. Não se
tratava simplesmente do fato de o catarismo ter removido sua
raison d'être, embora esse bem que poderia ter sido um fator entre os prelados do Languedoc.
Tratava-se antes do fato de que as almas colocadas por Deus sob os seus
cuidados estavam sendo induzidas à danação eterna. Os cátaros tinham um ódio especial não só
pela cruz, que julgavam blasfema por representar o sofrimento da divindade,
mas também pela missa, que consideravam sacrílega por afirmar que na consagração o pão se
tornava a carne de Cristo. Em vez de viverem pacificamente lado a lado
com os cristãos, eles não hesitavam em sua ambição de destruir a Igreja: em 1207, os cátaros de
Carcassonne expulsaram o bispo católico da cidade.
Na Europa medieval, contudo, a Igreja e a sociedade eram coincidentes; o ano era pontuado
dejejuns e festas do calendário cristão e a vida era mediada através
dos sacramentos. Os juramentos, que os cátaros condenavam, eram os alicerces sobre os quais se
baseava toda a estrutura da sociedade feudal. A apostasia levaria
à anarquia e solaparia as instituições humanas mais fundamentais. Que isso não era uma fantasia
extravagante foi confirmado pelo ensinamento cátaro de que o casamento,
nas palavras de um
207
OS TEMPLÁRIOS
herege apóstata, Rainier Sacchoni, era "um pecado mortal (...) tão severamente punido por Deus
quanto o adultério ou o inces t011.141
Após o fracasso de repetidas campanhas de persuasão, o papa Inocênció solicitou ao principal
governante da região, Raimundo VI, conde de Toulouse, que extirpasse
a heresia à força. Em 1205, Raimundo prometeu fazê-lo, mas não o fez. Em 1207, depois de uma
reunião com Raimundo em Saint-Gilles, na Provença, o legado pontifício,
Pedro de Castelnau, foi morto por um homem do séquito de Raimundo. Esse ultraje induziu
Inocêncio III a proclamar uma cruzada. Seguiram-se vinte anos de guerra,
com massacres. indiscriminados de ambos os lados que só terminaram com a anexação do
Languedoc pelo rei da França. Os cátaros foram perseguidos e queimados, es alguns
deles alegremente confiaram às chamas seus corpos corruptos. A,'.~ heresia foi afinal destruída,
mas com ela se foi o que alguns historiadores, vêem como uma civilização
incomparavelmente refinada e culta e outros. como "uma sociedade num avançado estádio de
desintegração que ainda sèy apegava à casca de uma civilização que por pouco
não havia desaparecido".z5
O primeiro líder da Cruzada Albigense foi Simão de Montfort, o mesmo ca.: valeiro do norte da
França que havia abandonado Bonifácio de Montferrat e :'j os venezianos
em Zara. A certa altura, todo o Languedoc estava sob seu po-: der, e, a exemplo dos francos na
Palestina ou dos normandos em Antioquia, n ele poderia ter fundado
uma dinastia, embora a serviço da Igreja, mas, com os mutáveis acasos da guerra, esse prêmio lhe
escapou e ele acabou sendo morto enquanto sitiava Toulouse.
Para a nobreza nativa, quer católica, quer cátara, a cruzada foi uma invasão da sua terra natal
por um inimigo do norte; e, a despeito de um constante fluxo
de lealdades, eles lutaram para defendê-la. Lealdades feudais e interesses políticos ficaram
inextricavelmente emaranhados com fervor religioso, o que levou a alianças
paradoxais: o rei Pedro II de Aragão, que havia alcançado uma importante vitória contra os
muçulmanos em Lãs Navas de Tolosa em 1212, foi morto no ano seguinte combatendo
Simão de Montfort fora dos muros de Muret.
Qual era o papel das ordens militares nessa guerra cruenta e disputa fratricida? Tanto o
Templo quanto o Hospital tinham consideráveis propriedades na região.
Raimundo de Saint-Gilles, conde de Toulouse, tinha estado entre os líderes da Primeira Cruzada, e
não só seus descendentes, mas também seus vassalos, haviam legado
benefícios substanciais às ordens militares, em particular o Hospital. Todavia, a comunidade de
Mas-Deu, em Roussillon, era uma das mais importantes fortalezas do
Templo. Ambas as
OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO
ordens também estavam profundamente engajadas no reino de Aragão e envolvidas na guerra
contra o Islã na Espanha.
Em conseqüência, uma guerra entre Simon de Montfort, da parte do papa, e o conde
Raimundo VI e o rei Pedro II de Aragão, junto com a maior parte da nobreza
do Languedoc, levou a um racha nas lealdades entre as ordens militares. De modo geral, ambas
tentaram permanecer neutras e como tais foram reconhecidas pelo Tratado
de Paris, que por fim pôs termo ao conflito. Onde as ordens foram aliciadas para o conflito, parece
que o Hospital tomou o partido de Raimundo VI e Pedro II, e o
Templo, o dos cruzados. Os templários haviam lutado com Pedro II em Lãs Navas de Tolosa, mas
"todos respeitaram incondicionalmente seus deveres para com o papa e
a Igreja. (...) A fidelidade dos cavaleiros do Templo a Simão de Montfort e aos cruzados jamais
diminuiu":"' em 1215, encontramos Simão hospedado na casa dos templários
fora de Montpellier.
Contudo, parece ter sido aceito que o principal compromisso dos templários era com a guerra
contra o Islã no Oriente; com certeza, o papa Inocêncio III não
fez nenhuma tentativa de recrutá-los contra os cátaros, e a criação em 1221 por Conrado de Urach
da Milícia da Fé de Jesus Cristo, uma ordem moldada no Templo, parecia
confirmar isso. Foi possivelmente como vassalos do rei da França que eles estavam com o príncipe
Luís na tomada de Marmande, na primavera de 1219, testemunhas, se
não participantes, da chacina dos habitantes da cidade. Em 1126, o rei Luís VIII da França, ao sitiar
Avignon, investiu de plenos poderes em sua ausência um cavaleiro
do Templo, o irmão Everardo, enviando-o a Saint-Antonin para aceitar a rendição da cidade.212
A acusação de apoio dos templários aos cátaros, que viria a inspirar um sem-número de
teorias fabulosas em tempos modernos, é mais crível se equiparada com
os hospitalários, mas neste caso, mais uma vez, há indícios de que eles mostravam simpatia pela
religião herética. Desde a época de sua evolução numa ordem militar,
o Hospital tinha estreitos vínculos com os condes de Toulouse tanto na Europa quanto no
ultramar. Havia numerosos estabelecimentos no Languedoc, ao passo que na
Síria a grande fortaleza do Krak dos Cavaleiros tinha sido doada ao Hospital por Raimundo II de
Trípoli, um bisneto de Raimundo IV de Toulouse. Durante a CrUZadaAlblgense,
portanto, eles tendiam a sentir solidariedade pelos descendentes de seus benfeitores, com quem
os próprios cavaleiros, à diferença dos cavaleiros do Templo, eram
com freqüência aparentados. Assim, vemos que alguns dos mais corajosos defensores dos cátaros
que pediram para receber o consolamentum de seus parfaits também dotaram
o Hospital e além disso
OS TEMPLÁRIOS
pediram para ser admitidos como confrères, o que sugere que eles tinham pouca compreensão de
teologia ou que estavam fazendo jogo duplo.
O Hospital lucrou com seus vínculos com os inimigos da cruzada. Depois da morte de Simão
de Montfort no cerco de Toulouse e da retirada dos cruzados, os
bispos católicos e os cistercienses retiraram-se da área e os templários abandonaram sua
comunidade na Champagne, mas os hospitalários e os beneditinos ficaram:
os beneditinos em Alet foram mais tarde expulsos de sua abadia por cumplicidade com os
cátaros.zs3 Provavelmente, a mais clara demonstração de suas lealdades veio
com a morte do rei Pedro II de Aragão na batalha de Muret: os hospitalários pediram e receberam
permissão para
remever seu cadáver do campo. De modo análogo, eles admitiram Raimundo VI como confrère, e
após sua morte, em 1222, ficaram com a guarda de seu corpo, que, como
o de um excomungado, não poderiá ser enterrado ei
solo sagrado. Seu corpo permaneceu do lado de fora do priorado dos hospitalários, enquanto
Raimundo VII rogou a sucessivos papas que permitissem que ele fosse enterrado
na capela. O corpo ainda estava lá no século XIV mas, por volta do século XVI, "ratos haviam
destruído o caixão de madeira e os ossos de Raimundo haviam desaparecido
11.214
Frederico de Hohenstaufen
Em 1213, o papa Inocêncio III publicou uma bula, Quia maior, convocando uma nova cruzada
contra os sarracenos no Oriente. Vários fatores sugeriam que o momento ira
propício: Simão de Montfort estava no auge da prosperidade no Languedoc; um exército
muçulmano tinha sido derrotado em Lãs Navas de Tolosa, na Espanha; e o extraordinário
fenômeno da cruzada das crianças, em que sete mil jovens da França e da Renânia tinham partido
para libertar o Santo Sepulcro, embora mal concebido, malfadado e
desencorajado pela Igreja, demonstrara a intensidade do entusiasmo popular pela busca de uma
guerra santa.
Mesmo o escandaloso desvio da Quarta Cruzada para Constantinopla afigurava-se ao papa
como uma desgraça com um lado positivo: todos os poderes da cristandade
estavam agora unidos sob seu comando. Mesmo as desvantagens, como os contínuos conflitos
entre os Capetíngios e os Plantagenetas na França e entre os Welfs e os
Hohenstaufen na Alemanha, serviam aos propósitos de Inocêncio por afastarem quaisquer rivais
do comando da cruzada. Seu chamado foi repetido pelos 1.300 bispos que
se reuniram em Roma para o Quarto Concílio de Latrão, em 1215, e abrangentes medidas legais e
administrativas foram postas em prática a Fim de arrecadar o dinheiro
para financiar o projeto, incluindo a extensão da indulgência da cruzada daqueles que lutassem
àqueles que pagassem. Isso capacitava as mulheres a tomar a Cruz mediante
doações e legados.zssAs mulheres também eram usadas para persuadir seus maridos a partir em
cruzada: Jacques de Vitry, cujos cavalos foram requisitados por alguns
genoveses para uma excursão militar, pregou para suas esposas em vez de para eles. "Os
burgueses levaram meus cavalos e eu transformei suas esposas em cruzados.""'
As quantias arrecadadas eram comadas ao irmão Haimard, o tesoureiro do Templo em Paris.
Inocêncio morreu em 1126, antes que seus planos tivessem sido postos em execução. Eles
foram assumidos com igual entusiasmo por seu sucessor, o cardeal Savelli,
que escolheu o título de Honório III. Já um ancião na época de sua ascensão, Honório não possuía
as qualidades de liderança e energia
OS TEMPLÁRI OS
pedirOm para ser admitidos como confz-ères, o que sugere que eles tinham pouca compreensão
de teologia ou que estiavam fazendo jogo duplo.
o Hospital lucrou com seus vínculos com os inimigos da cruzada. Depois da morte de Simão de
Montfort no cerco d e Toulouse e da retirada dos cruzados , os
bispos católicos e os cistercienses retiraram-se da área e os templários apandonaram sua
comunidade na Charnpagne, mas os hospitalários e os beneClltinos ficaram:
os beneditinos em Alei: foram mais tarde expulsos de sua apadia por cumplicidade com os
cátaros.z" Provavelmente, a mais clara demonstração de suas lealdades veio
com a morte do rei Pedro II de Aragão na batalha de Muret: os hospitalários pediram e receberam
permissão para remover seu cadáver do campo. De modo análogo, eles
admitiram Raimundo VI como confrère, e após sua morte, em 1222, ficaram com a guarda de seu
corpo, que, como o de um excomungado, não poderia ser enterrado em solo
sagrado. Seu corpo permaneceu do lado de fora do priorado dos hospitalários, enquanto
Raimundo VII rogou a sucessivos papas que permitissem que ele fosse enterrado
na capela. O corpo ainda estava lá no século XIV mas, por volta do século XVI, "ratos haviam
destruído o caixão de madeira e os ossos de Raimundo haviam desaparecido".`
onze
Frederico de Hohenstaufen
Em 1213, o papa Inocêncio 111 publicou uma bula, Quia rzzaior, convocando uma nova cruzada
contra os sarracenos no Oriente. Vários fatores sugeriam que o momento
era propício: Simão de Montfort estava no auge da prosperidade no Languedoc; um exército
muçulmano tinha sido derrotado em Las Navas de Tolosa, na Espanha; e o extraordinário
fenômeno da cruzada das crianças, em que sete mil jovens da França e da Renânia tinham partido
para libertar o Santo Sepulcro, embora mal concebido, malfadado e
desencorajado pela Igreja, demonstrara a intensidade do entusiasmo popular pela busca de uma
guerra santa.
Mesmo o escandaloso desvio da Quarta Cruzada para Constantinopla afigurava-se ao papa
como uma desgraça com um lado positivo: todos os poderes da cristandade
estavam agora unidos sob seu comando. Mesmo as desvantagens, como os contínuos conflitos
entre os Capetíngios e os Plantagenetas na França e entre os Welfs e os
Hohenstaufen na Alemanha, serviam aos propósitos de Inocêncio por afastarem quaisquer rivais
do comando da cruzada. Seu chamado foi repetido pelos 1.300 bispos que
se reuniram em Roma para o Quarto Concílio de Latrão, em 1215, e abrangentes medidas legais e
administrativas foram postas em prática a fim de arrecadar o dinheiro
para financiar o projeto, incluindo a extensão da indulgência da cruzada daqueles que lutassem
àqueles que pagassem. Isso capacitava as mulheres a tomar a Cruz mediante
doações e legados.z55As mulheres também eram usadas para persuadir seus maridos a partirem
cruzada: Jacques de Vitry, cujos cavalos foram requisitados por alguns
genoveses para uma excursão militar, pregou para suas esposas em vez de para eles. "Os
burgueses levaram meus cavalos e eu transformei suas esposas em cruzados."
-''hAs quantias arrecadadas eram confiadas ao irmão Haimard, o tesoureiro do Templo em Paris.
Inocêncio morreu em 1126, antes que seus planos tivessem sido postos em execução. Eles
foram assumidos com igual entusiasmo por seu sucessor, o cardeal Savelli,
que escolheu o título de Honório 111. Já um ancião na época de sua ascensão, Honório não
possuía as qualidades de liderança e energia
OS TEMPLÁRIOS
de Inocêncio. Não obstante, a cruzada tinha agora seu próprio impulso: os cavaleiros da França e
da Inglaterra podiam estar perturbardos pelas guerras de seus reis
e pela repressão dos hereges, mas um pouco mais para o leste contingentes austríacos e húngaros
reuniram-se em Spoleto para serem transportados para a Palestina
pelos venezianos.
O rei de Jerusalém era agora urm cavaleiro idoso da Champagne, João de Brienne. Era um
sinal do pouco prestígio do ultramar entre a nobreza européia o fato
de ele ter sido o melhor noivo que se pôde encontrar para a princesa Maria, herdeira do reino.
Quarndo eles se casaram em 1210, ele tinha sessenta anos e ela dezessete.
Dois anos mais tarde, Maria faleceu após dar à luz uma filha, Isabel, conhecida como Iolanda. João
agora reinava como regente de sua filha, adotando urina política
cautelosa para com ai-Adil, irmão e sucessor de Saladino. Era do interesse de ambos a renovação
da trégua em 1212. Quando o rei André chegou com seu contingente
de húngaros em 1217, foram feitas várias incursões em pequena escala no território muçulmano,
sem resultados significativos. Tendo cumprido suas promessas, os húngaros
voltaram para casa através da Anatólia com uma grande quantidade de relíquias, entre elas a
cabeça de Santo Estêvão e um dos jarros das bodas em Caná.
Durante sua estada na Terra Santa, os peregrinos austríacos e húngaros tinham ajudado os
templários e os cavaleiros teutônicos a construir uma nova fortaleza
em Atlit, a qual, em homenagem à contribuição deles, foi chamada Castelo Peregrino. Erguida
num promontório no litoral ao sul de Haifa para proteger a estrada, bem
como as videiras, os pomares e os campos cultivados da localidade que eram vulneráveis a
ataques de surpresa dos muçulmanos, era uma fortificacâo formidável, com
um fosso e muralha dobrada no lado que dava para a terra. O dominicano alemão Burkhard de
Monte Sião ¡ulgou "as muralhas, os baluartes e as barbacãs tão fortes e
acastelados, que o mundo inteiro não seria capaz de conquistá-la [a fortaleza]"."' Dentro dos,
Baluartes havia três salões e uma igreja dos templários com rotunda.
De tcordo com o cronista Oliver de I'aderborn, a fortaleza estava abastecida som provisões
suficientes para alimentar 4.000 combatentes.
Em abril de 1218, uma esquadra da Frísia chegou a Acre, fornecendo ao ~ei João de Jerusalém
os meios para dar início a uma invasão do Egito. No dia ?4 de
maio, a esquadra zarpou, e três dias depois os soldados desembarca-am nas margens do Nilo
defronte da cidade de Damieta. Aí eles acamparam
em 24 de agosto organizaram um bem-sucedido ataque ao forte que prote;ia a entrada do rio. O
grão-mestre dos templários, Guilherme de Chartres, lue comandava um
significativo contingente de templários, morreu de fe)re dois dias mais tarde. Sucedeu-lhe um
experiente templário "de carrei-
FREDERICO )DE HOHENSTAUFEN
ra", Pedro de Montaigu, que tinha sido mestre da Ordem do Templo na Provença e na Espanha e
lutara nat batalha de Las Navas de Tolosa.
Após os cruzados terem estabelecido essa cabeça-de-ponte defronte de Damieta, vieram
juntar-se a eles outros contingentes da Europa, entre eles os condes
franceses de Nevers e de Ia Marche, os condes ingleses de Chester, Arundel, Derby e Winchester,
os bispos de Paris, Laon e Angers, o arcebispo de Paris e, por fim,
uma força de italianos liderada pelo legado do papa Honório, o cardeal espanhol Pelág:io de Santa
Lúcia.
Pelágio, como legado pontifício, estava agora no comando. Ele era determinado e enérgico,
mas presunçoso, indelicado e autocrático. O cerco de Damieta continuou
até o verão de 1219, com as enfermidades cobrando seu tributo aos cruzados. Incapaz de
desalojá-los, o sultão al-Kamil, irmão de Saladino, tentou reconciliar-se
com eles e, como prova de suas intenções pacíficas, permitiu que Francisco de .Assis, que estava
visitando os cruzados, transpusesse as linhas e pregasse para ele
em seu acampamento em Fariskur. Os dois homens trocaram muitas cortesias, mas nenhum deles
foi persuadido a aceitar as crenças do outro. Embora não disposto a tornar-se
cristão, al-Kamil, todavia, estava disposto a sacrificar Jerusalém se os cruzados suspendessem o
cerco de Damieta.
Essa oferta provocou um racha entre os cruzados: Pelágio e o patriarca de Jerusalém eram
contra qualquer pacto com o infiel, ao passo que o rei João, com
o apoio dos barões da Palestina e da Europa, queria aceitá-lo. Os grão-mestres das ordens
militares adotaram o ponto de vista de que Jerusalém não poderia ser mantida
a menos que a Transjordânia também fosse cedida. Isso foi inaceitável para al-Kamil. Seus termos
foram portanto rejeitados, e em 5 de novembro os cruzados organizaram
um bem-sucedido assalto a Damieta: sua guarnição e seus cidadãos estavam debilitados demais
para resistir a eles.
Estabelecidos em Damieta, os cristãos agora aguardavam a chegada de um exército liderado
pelo imperador alemão Frederico II de Hohenstaufen, antes de continuarem
Nilo acima. Em 1221, o duque Luís da Baviera chegou com 500 cavaleiros, supostamente a
vanguarda do exército de Frederico. Dando-se conta de que não estavam para
chegar mais reforços, Pelágio ordenou um avanço no Egito, apesar dos pressentimentos de João
de Brienne e dos templários, que adotaram o ponto de vista de que os
recursos dos cruzados estavam no limite máximo e a conquista do Egito além deles. Suas objeções
foram repudiadas, e o exército cruzado marchou ao longo da margem
do Nilo em direção a Mansurá, aonde chegou uma semana mais tarde. Enquanto eles se
estabeleciam fora dos limites da cidade, contingentes do exército de al-Kamil
moveram-se atrás deles e navios egípcios zarparam do lago de
213
OS TEMPLÁRIOS
Manzalá para interceptar a retirada dos cristãos. Os cruzados poderiam ter rompido esse cerco
lutando, se os egípcios não tivessem aberto as comportas e inundado
o terreno que eles teriGm de cobrir. Como o grão-mestre do Templo escreveu mais tarde ao
preceptor da Ordem na Inglaterra, eles foram "pegos como um peixe numa rede
11.211
Literalmente atolado nos pântanos do delta do Nilo, Pelágio não teve alternativa senão pedir
paz. Damieta foi abandonada e o exército latino navegou para
Acre sem nada ter conquistado. A única concessão que al-Kamil estava disposto a fazer a Pelágio
era a devolução da relíquia da Verdadeira Cruz, tomada por seu irmão
Saladino em Hattin; mas, quando ele solicitou que ela fosse entregue, essa relíquia cristã mais
preciosa de todas não pôde ser encontrada.
A responsabilidade pelo fracasso da Quinta Cruzada é invariavelmente atribuída ao indelicado
e voluntarioso cardeal Pelágio, e não há dúvida de que sua natureza
abrasiva fez dele um comandante insatisfatório, quando seus cálculos estratégicos foram
distorcidos pelo fervor religioso. Contudo, os exércitos cruzados eram sempre
fracos quando não tinham um líder militar inconteste. Ricardo Coração de Leão havia arrostado
Saladino não só pela sua coragem e carisma, mas também por ser rei.
João de Brienne também era rei, mas sua reivindicação ao título de rei de Jerusalém era remota
demais para inspirar a lealdade dos barões da Europa ou mesmo do ultramar,
ao passo que muitos consideravam que o status clerical de Pelágio o tornava incapaz para
comandar. O único líder inconteste que os papas, seus legados e todos os
príncipes feudais esperaram durante a campanha foi o neto de Frederico Barba-Roxa, o imperador
Frederico II de Hohenstaufen.
Em 7 de setembro de 1228, Frederico II de Hohenstaufen desembarcou em Acre para assumir a
liderança da cruzada, quinze anos depois de ter tomado a Cruz pela primeira
vez. Ele agora tinha trinta e seis anos e já firmara a extraordinária reputação que lhe daria o título
de stupor mundi et immutator mirabilis. Seu pai, o imperador
Henrique VI, falecera quando ele tinha três anos de idade. Sua mãe, a imperatriz Constança,
herdeira do reino normando da Sicília, levara-o para Palermo, onde morreu
apenas um ano mais tarde. Frederico foi criado por tutores selecionados pelo papa Inocêncio III, o
guardião nomeado por Gonstança. A falta de afeto dos pais, junto
com a mistura de influências normandas, gregas e muçulmanas que formavam a cultura da corte
siciliana, gerou um caráter idiossincrásico num espírito excepcionalmente
cultivado. "Ele era um homem sagaz", escreveu Salimbene, um contemporâneo seu, "engenhoso,
cúpido, caprichoso, de mau gênio. Mas às vezes, quando desejava revelar
suas qualidades boas e corteses, consolador, es-
FREDERICO DE HOHEN:STAUFEN
pirituoso, encantador e trabalhador. "119 Ele sabia cantar e compor música, e falava alemão,
italiano, latim, grego, francês e árabe. Era um excelente cavaleiro
e hábil falcoeiro. Salimbene o descreve; como "um homem bonito, de boa compleição e estatura
mediana"; mas os cabelos ruivos que rareavam, herdados de seu avô, Frederico
Barba-Roxa, e seus olhos ligeiramente esbugalhados faziam-no parecer não atraente a ulm
observador muçulmano, que julgou que, "se ele tivesse sido escravo, não teria
alcançado 200 dirhams".ze°
Na sua coroação como rei da Alemanha em Frankfurt, em 1212, Frederico impetuosamente
prometera partir em cruzada. Isso não fazia parte dos planos de seu
guardião, o papa Inocêncio IIII, e portanto foi por essa vez ignorado. No ano seguinte, a Inocêncio
sucedeu como papa o tutor de Frederico, Cencio Savelli, que adotou
o título de Honório III, e nos seus primeiros anos Frederico parecia ser um submisso filho da Igreja.
Seu camareiro era um cavaleiro do Templo, o irmão Ricardo,
que antes servira ao papa na mesma função. Todavia, a rivalidade intrínseca entre os líderes leigos
e espirituais da cristandade era exacerbada pela fato de Frederico
ser rei tanto da Alemanha quanto da Sicília. Até então, a segurança dos Estados Pontifícios, e por
conseguinte do papado, tinha sido assegurada tirando-se partido
da rivalidade entre os dois reinos a fim de se manter um equilíbrio de poder. Agora, com a união
dos dois Estados na pessoa de Frederico, Roma estava ameaçada de
cerco.
Igualmente ameaçador era o ceticismo que se desenvolveu no espírito do jovem rei. Ao
contrário dos monarcas do norte da Europa, cujo aprendizado era limitado
pelo currículo estabelecido pela Igreja Católica, a educação de Frederico em Palermo fizera com
que ele se familiarizasse com idéias árabes e bizantinas. Ambas estavam
mais desenvolvidas do que seus equivalentes latinos e levaram a uma tolerância para com os que
as esposavam, tolerância essa que contrastava acentuadamente com os
sentimentos sectários de outros reis cristãos. O tratamento indulgente que Frederico dispensava
aos muçulmanos dentro de seu reino chocou alguns de seus contemporâneos
católicos, mas é quase certo que resultou de considerações práticas e ideológicas: os templários
na Espanha, por exemplo, permitiam que os muçulmanos praticassem
sua religião nas propriedades da Ordem do Templo como um estímulo para mantê-los no país.
A dependência de seus súditos muçulmanos para com sua mercê também os tornava mais
dignos de confiança aos olhos de Frederico: ele tinha uma guarda pessoal
sarracena. Mas essa tolerância não era uma questão de mera prudência: para um biógrafo que o
admirava, "ele possuía as qualidades inerentes ao homem verdadeiramente
culto de qualquer era: uma sincera e profunda apreciação das potencialidades culturais da
humanidade, in-
215
OS TEMPLÁRIOS
dependentemente ce raça ou nacionalidade11.261 Mas igualmente, -orno em qualquer era, havia
ima natural progressão da tolerância para o ind ferentismo, e do indiferentsmo
para um inequívoco ceticismo, e alguns dos contemporâneos de Fr;derico se perguntaram se ele
acreditava ot. não em Deus.
Por causa da odósa propaganda que passou a ser dirigida contra ele por seus inimigos, é difícil
distinguir fato de ficção; mas é significativo que mesmo
seus contemporíneos muçulmanos, como o cronista damasceno Sibt Ibn a1.Jawzi, pensassem que
ele fosse "com muita certeza ateu"."' O católico Salimbene tambémescreveu
que "ele não tinha fé em Deus" e que "se ele tivesse sido um bom católico e amado Deus e Sua
Igreja, e sua própria alma, p)ucos entre os imleradores do mundo ter-se-iam
igualado a ele". Foi dito que Frederico zombou da Eucaristia - "Até quando esse embuste vai
continuar?" - e da doutrina da Imaculada Conceição de Jesus: "São completamente
tolos os que (creditam que Deus poderia nascer de uma Virgem (...) ninguém pode nasesr se a sua
concepção não tiver sido precedida oelo coito entre um homem euma
mulher". A Imaculada Conceição de Jesus, contudo, também é um dbgma da fé islâmica; e, apesar
de sua amizade com muçulmanos, Frederico não mostrava maior respeito
por Maomé do que por Cristo, arrolando-o, junto com Moisés, como um dos "três impostores ou
embusteiros do muldo".z63
Embora essas o'')servaçôes possam ter sido exageradas por seus inimigos papistas, elas são
compatíveis com a percepção de seus amigos muçulmanos. Em outros
aspectos, Frederico não estava em sintonia com o seu tempo. Ele revelava um espírito científico
que é mais moderno do que medieval: no prefácio de um tratado sobre
falcoaria, De arte Uenandi, ele escreveu que "nosso objetivo neste livro é descrever (...) aquelas
coisas que são como sâo"; e de novo, noptro contexto, "não se
deve acreditarem nada, a não ser naquilo que pode ser comprovado pela natureza e pela força da
razão". O resUtado era uma combinação do rei Salomão, de Isaac Newton
e - se se pode confiarem seus contemporâneos - do Dr. Mengele.
O primeiro foi demonstrado pela maneira com que ele lidou com uma acusação feita contra
judeus na Alemanha, em 1235-6, do assassinato ritual de uma criança
cristã: d exaustiva investigação que ele iniciou resultou não apenas na absolvição deles, como
também num decreto ";n Favorem Jadaeorum". Ele também aboliu o julgamento
por ordálio de fogo, a que Francisco de Assis havia se oferecido a submeter-se diante do sultão alAdil para provar a verdade da religião cristã: como um ferro incandescente
poderia ficar morno ou frio, perguntou Frederico, "sem a intervenção de uma causa natural?".
Papa Inocêncio III. Afresco do séc VIII da Igreja do Sacro Speco (Gr
Sagrada), Subiaco, Itália. (I~ider fP,
Papa Bonifácio V11I. Estátua da Cate de Florença, agora no Museo dell'OI
del Duomo, Florença, atribuída a An di Cambio. (Gléi~lerrfi'ldllrrlrire)
Papa Clemente V, de U 7üunfo r!e 7i~rn de,4guirro, de Andrea Buonaiuti, 1365, Santa Maria
Novella, Florença.
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nonqucstvelei6a d
O rei buís XI da França uroferindo uma sentença.
Iluminura do século XII, de9
C)e. de Saint Patbus, na P
I lilugre.s rle .Sno Luís. (13iGliot
Cruzados sob o rei Luís XI atacam Damieta em IZ&8. Iluminura do século XIV da (,'r8uiia (Ia França
ou (le .fairrt-Uenis. (10-itish l.iGrnr~/Bridnerurrn dr-t I,iGruro)
Cruzados expulsando cátaros de Carcassonne. Iluminura do século XIV da Oficina do Mestre
Boucicaut. (Brìtisl~
I_ibrat,1~/l3ridgerrtan , l rt l,ilmzir _y)
A Igreja do Santo Sepulcro Jerusalém. (f7rttlaon~ Ker.,tin
O projeto original para a reconstrução da Igreja do Santo Sepulcro após a captura de
Jerusalém pela Primeira Cruzada. (Nzid~mfvl~J~lmln9wl
Pintura do século XIX de Guilherme de Glermont defendendo
Acre em 1291, da autoria de Dominique Louis Papety.
(GÚStrlo de Versalhes/I,auros-C'irUZahrz/Bridgenzazz Ai-1 GiGrar11)
O rei Filipe IV da França (Filipe, o Belo) com seus quatro filhos e seu irmão Carlos de
Valois. Iluminura do século XIV
A queima dos templários. Iluminura do século XIV da C,'nâztira da FrazzÇrr ou ele
(',;,r_ Ilovic l ldrìricli l.árarrll3ritloentan Art L.ibrnz'v)
Jactlucs de Molav, o último grão-mestre dos templários. Gravura de Gheuauchet do século XIX.
(C.blesvo prrrtirrzlar/Rogrz`-hodlPt/ l3rirlytozzan '4nt l,iGz nrv )
3.W.v 1'Ei té11 1iOL.1 11
.
avara do século XVIII ~lorjozz dos templários ~ E'aris onde o rei Luís 1 foi preso antes da sua
ecução em 1793.
A fortaleza dos templários na ilha de Almourol, no rio 'èjo, em Portugal.
A capela circular ou rotunda da fortaleza dos templários de Tomar, em Portugal, construída em
1160 pela mestre português Gualdira pais.
FREDERICO DE HOHENSTAUFEN
Encontramos o Dr. Mengele nas experiências que ele supostamente iniciou a fim de testar
certas hipóteses. Um homem foi aprisionado num barril de vinho para
se observar se a alma poderia ser vista deixando seu corpo quando ele morresse. Dois homens
foram mortos e em seguida eviscerados para se estudarem os efeitos relativos
do sono e dos exercícios. Crianças foram criadas em absoluto silêncio a fim de se descobrir se a
língua materna da humanidade era o hebraico, o grego, o árabe ou
o latim - "mas ele se esforçou em vão", escreveu Salimbene, "pois todas as crianças morreram 11 .
264
Sua moral sexual estava em desacordo com a doutrina cristã, embora neste caso, mais uma
vez, não seja fácil distinguir entre verdade, exagero e invenção.
O apologista do papado Nicolau de Carbio, "perito na arte da difamação ",zss acusou-o de
transformar igrejas em bordéis e de usar um altar como privada. Ele escreveu
que Frederico prostituiu não só moças, mas também rapazes, entregando-se a "um vício
vergonhoso até de pensar ou mencionar, e ainda mais pernicioso de praticar".
De acordo com Nicolau, Frederico "disseminou seu crime, aquele de Sodoma, abertamente, sem
tentar ocultá-lo". Alguns estudiosos, talvez de forma um tanto ingênua,
sustentaram que as duas paixões são mutuamente exclusivas. O que é incontestável é que
Frederico manteve um harém com houris muçulmanas e cristãs e que foi pai de
vários filhos ilegítimos, entre eles Manfredo, mais tarde rei da Sicília, e Volante, condessa de
Caserta.
Assim que se livrou da tutela dos papas, Frederico aplicou suas crenças racionais e seculares
ao governo de seus domínios. Após sua coroação como imperador
pelo papa Honório III em 1220, ele substituiu por advogados os servidores clericais e feudais em
sua administração siciliana e fundou uma universidade em Nápoles
para treinar seus funcionários nos métodos legislativos e judiciários da antiga administração
romana. O velho papa havia outorgado a coroa imperial a seu refratário
pupilo como uma forma de comprometê-lo com a cruzada, e não há dúvida de que Frederico levou
a sério seu dever, não porque se preocupasse se Jerusalém estava ou
não nas mãos de cristãos, mas porque liderar uma cruzada confirmaria seu status como o
soberano supremo da cristandade. Tanto um tipo atávico dos déspotas da Antiguidade
quanto um precursor dos ditadores dos tempos modernos, Frederico evitava a virtude cristã da
humildade e acabou acreditando em seu próprio direito como imperador
- direito esse concedido por Deus - a uma suprema autoridade exercida pelos imperadores
romanos de antigamente. "Desde há muito tempo", escreveu ele, "que nosso
coração nunca cessa de arder com o desejo de restabelecer na posição de sua antiga dignidade o
fundador do Império Romano e sua fundadora, a própria Roma. 1,211
225
OS TEMPLÁRIOS
Isso inevitavelmente fez com que ele entrasse em conflito com o papa-
do, que reivindicava a mesma, se não uma maior autoridade, e também com as cidades da Liga
Lombarda lideradas por Milão, as quais prezavam sua independência; mas
em 1221 era do interesse tanto de Frederico II quanto de Honório III que o imperador cumprisse
sua promessa e partisse em cruzada. Repetidas vezes Frederico adiou
sua partida. Em 1223, sua mulher, Constança de Aragão, morreu. Ela era consideravelmente mais
velha do que ele, mas trouxera consigo inestimável ajuda quando eles
se casaram em 1209. Agora que estava livre para se casar de novo, a princesa Iolanda de
Jerusalém foi proposta como noiva. Seu pai, João de Brienne, tinha vindo
à Europa a fim de encontrar um marido para ela, e o casamento foi incentivado pelo grão-mestre
da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, Hermann de Salza.
Após uma relutância inicial, Frederico concordou. A moça, de dezesseis anos, foi coroada
rainha de Jerusalém em Acre e então trazida para a Europa, onde
se casou com Frederico na Catedral de Brindisi em 9 de novembro de 1225. Apesar de sua fé na
razão, Frederico era governado por previsões astrológicas, e portanto
adiou a fruição de sua jovem noiva até a manhã depois das núpcias, um momento propício para
gerar um filho de acordo com as estrelas. Ele em seguida seduziu a prima
da rainha Iolanda e quebrou sua promessa ao pai dela de que continuaria a ser seu regente,
reivindicando seu próprio direito, como marido de Iolanda, de ser rei.
Quando se constatou que Iolanda estava grávida, Frederico a enviou para seu harém em Palermo,
onde ela deu à luz um menino, Conrado, e alguns dias mais tarde morreu.
Em março de 1227, foi a vez de o papa Honório III morrer. Sucedeu-lhe outro membro da
família Segni, Ugolino, que tomou o nome de Gregório IX. Como seu tio,
o papa Inocêncio III, Gregório IX era canonista e, como legado pontifício, tinha dado a Cruz a
Frederico II na sua coroação em 1220. Profundamente devoto, amigo
e paladino de Domingos de Gusmão e de Francisco de Assis, ele também era, em comparação com
o indiferente Honório III, determinado, intransigente, excepcionalmente
enérgico e experiente em política. Outrora íntimo de Frederico II, ele suspeitava de suas intenções,
e quando este, depois de zarpar para a Terra Santa, conforme
prometido em agosto de 1227, passou uma temporada em Otranto porque estava doente,
Gregório o excomungou por deixar de cumprir sua promessa.
De fato, o companheiro de Frederico, Luís IV landgrave da Turíngia, morrera de febre, e é
provável que Frederico sofresse da mesma doença. Tendo-se recuperado
no ano seguinte, ele continuou sua viagem, sem se preocupar em esperar até que o papa
suspendesse a excomunhão, o que o fez ser excomungado de novo. O uso evidentemente
rápido da sanção máxima da Igreja era considerado necessário por um papa que acreditava que
era,
226
FREDERICO DE HOHENSTAUFEN
sua obrigação preservar sua autoridade: Gregório IX aceitou inequivoc mente o ponto de vista de
Bernardo de Clairvaux de que, embora o impes
dor empunhasse a espada temporal, ela só poderia ser tirada de sua bain: por ordem do papa.
Em conseqüência da segunda excomunhão, Frederico encontrou cer grau de hostilidade entre
o clero latino ao chegara Acre em 1228. A prinl
pio, pressupôs-se que, agora que ele finalmente havia cumprido sua prome sã da cruzada, logo se
reconciliaria com a Igreja; mas Frederico não demon
trava nenhum sinal de arrependimento, e desde sua partida a guerra rebe tara no sul da Itália
entre forças imperiais sob o comando de Reinaldo c Spoleto e um exército
pontifício liderado pelo humilhado ex-sogro de Fr derico, o ex-rei de Jerusalém, João de Brienne.
Em Acre o patriarca recebeu então cartas do papa Gregório IX confi mando a sentença de
excomunhão. Isso tirou a autoridade do imperad
para comandar a cruzada e, aos olhos da Igreja, anulou os juramentos de fid lidade de seus
vassalos. De qualquer modo, as forças cristãs não eram grau
des-os barões do ultramar, cerca de 800 cavaleiros peregrinos e 10.000 sc dado de infantaria -, e
dividiram-se em duas facções: uma leal ao imper
dor e a outra à Igreja, sob o patriarca Gerold. O grão-mestre dos cavaleirl teutônicos, Hermann de
Salza, apoiou seu amigo Frederico, mas o Templo o Hospital recusaram-se
a receber ordens do excomungado.
Da perspectiva de Frederico, esse racha nas lealdades dos latint.s só t~ ria importado se ele
tivesse contemplada uma guerra. Com efeito, a fraque za das
forças à sua disposição reforçava sua inclinação a obter pela diplom;
cia o que não pudesse ser tomado pela força. Os augúrios eram bons. Mesm antes de deixar a
Sicília, Frederico tinha recebido em sua corte em Palerm
o emir Fakhr ad-Din ibn as-Shaikh, um emissário do sultão do Egito, o sobr nho de Saladino, alKamil - este último ofereceu devolver Jerusalém ac cristãos em troca
de ajuda militar contra seus inimigos mais a leste. Freder
co, por sua vez, enviou o bispo de Palermo e Tomás de Acerra ao Cairo cor presentes valiosos e
protestos de amizade; Fakhr ad-Din voltou mais um vez a Palermo, onde
ele e Frederico tornaram-se amigos íntimos.
Por ocasião da chegada de Frederico à Palestina, as circunstâncias ti nham mudado dentro do
império ayyúbida, e al-Kamil tornara-se completa mente cônscio
do dano que seria causado à sua reputação no mundo islâmic
se ele devolvesse Jerusalém aos francos. Frederico enviou emissários
al-Kamil, agora em Nablus, para lembra-lo de sua promessa de entregar Je
rusalém. Enquanto al-Kamil prevaricava, Frederico fez esporádicas e em su maior parte
fracassadas tentativas de afirmar sua autoridade. Numa ocasião ele tentou apossar-se
do Castelo Peregrino, mas os templários fecharam-lhe
OS TIEMPLÁRIOS
os portões. animosidade da Ordem contra o imperador foi possivelmente exacerbad2pelo favor
que ele demonstrara para com a Ordem dos Cavaleiros Teutôrcos e pela presença,
entre os templários, de vários cavaleiros da Apúlia quese tinham rebelado contra Frederico e em
seguida procurado refúgio, tohando o hábito branco do Templo.
Em noembro de 1228, Frederico decidiu persuadir seu amigo al-Kamil com uma d;monstração
de força. Ele partiu de Acre e marchou para o sul. Os cavaleiros
ca Templo e do Hospital recusaram-se a colocar-se sob suas ordens, mas seguirm um dia depois.
Quando o exército chegou a Arsuf, Frederico concordou,m delegar o comando
a líderes que não estavam sob a excomunhão da Igeja, e portanto as ordens militares aliaram-se à
força principal.
Nem Irederico nem al-Kamil desejavam uma guerra, não só porque as forças de Federico eram
insuficientes e al-Kamil estava sitiando Damasco, mas tambén porque
eram homens de mentalidade semelhante. Durante os longos meus de negociações, Faklnr ad-Din
tinha sido o canal de freqüentes intercâmbios entre o imperador e lo
sultão que nada tinham a ver com os assuntos imediatos. Por intermédio de Fakhr ad-Din,
Frederico pediu ao sultão que coisultasse seus eruditos ;a respeito de profundas
questões filosóficas, como', origem do universo, a ]imortalidade da alma e a lógica de Aristóteles.
Meios fervoroso como mluçulmano do que seu irmão, Saladino, ai-Kamil
sinpatizou com esse intelectual cético e mandou-lhe presentes para tornarsua estada na Palestinas
mais agradável. "É com a maior vergonha e desgraça`, escreveu o
patriarca (Gerold ao papa Gregório IX, "que vos comunicamos que foi dito que o sult ão, ao saber
do prazer do imperador de viver à manera dos sarracenos, enviou-lhe
jovens cantoras e prestidigitadores, pessoas que eram não só de má reputação, mas indignas até
mesmo de serem mencionadas entre cristãos. 11261
No qu; foi provavelmente o ponto alto da ironia na história das cruzadas, dois himens
essencialmente ürreligiosos disputavam uma cidade com a qual nenhim
deles se importava como tal, porém ambos conscientes do que ela significava em termos do
prestígio deles. "Foste tu quem instou comigo para que fizesse esta viagem",
escreveu Frederico a ai-Kamil, segundo cronistas árab_-s. "O papa e todos os reis do Ocidente
agora sabem da minha missão. Se eu regressar de mãos abanando, perderei
muito prestígio. Por piedade, dd_me Jerusalém, para que eu possa manter minha cabeça erguida."
Ao que al-kamil retrucou: "Se eu te entregar Jerusalém, isso poderá
resultar não apenas numa condenação de minhas ações pelo califa, como também numa
insu:reição religiosa que ameaçaria meu trono".Z68No fim, o senso de honra de al_Kamil
prevaleceu. Fre derico tinha ido para o Oriente a um convite seu e qeveria receber algo errn troca.
No dia 18 de fevereiro de 1229, foi
FREDERICO DE HOHENSTAUFEN
assinado um tratado que devolvia Jerusalém ao domínio cristão. També foram cedidas Belém, uma
faixa de terra da costa em Jafa, Nazaré e partes
Galiléia que abrangiam os castelos de Montfort e Toron. Em Jerusalém, monte do Templo, com a
Cúpula da Rocha e a mesquita al-Aqsa, deveria pe manecer em mãos muçulmanas,
com livre acesso concedido aos muçulman que quisessem ir lá para orar. Todos os prisioneiros
teriam de ser libertados, fez-se um acordo de trégua nos dez anos seguintes.
Para chegar a esse acordo histórico, nenhum dos governantes recebe agradecimentos: alKamil foi execrado por seus imãs por sua traição do Isl enquanto no
lado cristão apenas os partidários de Frederico, sobretudo os s cilianos e os alemães, elogiaram o
tratado. "O que mais pecadores pode desejar", perguntou o poeta
e cruzado alemão Friedank, "senão o sepulcro a gloriosa cruz?" A resposta, na mente do patriarca,
dos peregrinos cruzado e das duas principais ordens militares,
foi um triunfo militar. Parecia reba xar o valor penitencia) do voto de partirem cruzada o fato de
que ele tivess sido cumprido sem derramamento de sangue. No tratado,
não se fez nenht ma menção a Cristo ou à Igreja; tampouco a cidade deveria ser purificad dos
infiéis. Encolerizou em particular os templários o fato de sua sede
n monte do Templo continuar a ser uma mesquita.
Também houve as mesmas objeções estratégicas ao acordo que unhar sido feitas quando ele
foi proposto por al-Kamil ao cardeal Pelágio durant a Quinta Cruzada.
Jerusalém e Belém permaneceram isoladas das cidade litorâneas, ligadas apenas por uma estreita
faixa de terra. Eles tampouc queriam reconhecer uma proeza que aumentaria
o poder de Frederico contribuindo para seu prestígio. Assim, em 17 de março de 1229, quando
Frederico fez uma entrada cerimonial na Cidade Santa, os barões nativo
permaneceram a distância, bem como os cavaleiros do Templo e do Hospi tal e todo o clero latino,
obedientes ao interdito que fora pronunciado con tra Jerusalém pelo
patriarca Gerold, caso o imperador Frederico passasse por suas portas. Apenas o leal Hermann de
Salza e seus cavaleiros teutôni cos e os bispos ingleses de Winchester
e Exeter acompanhavam-no, ma; eles não ousaram desafiar o interdito. Quando Frederico entrou
na Igreja do Santo Sepulcro, não se achava sequer um bispo ou padre.
Ele portanto
pegou a coroa do reino de Jerusalém e a colocou na própria cabeça. Hermann de Salza então leu
um discurso em latim e alemão - uma apologia do imperador, que perdoava
o papa por opor-se a ele, prometendo fazer tudo o que estivesse em seu poder como "Vigário de
Deus na terra" que repercutiria "para honra de Deus, da Igreja cristã
e do Império".
Depois disso, o imperador do Ocidente fez um passeio pela Cidade Santa, visitando santuários
muçulmanos e cristãos. AI-Kamil havia ordenado aos
OS TEMIPLARIOS
mulás na mesquita al-Aqsa que se abs;tivessem de chamar os fiéis para as orações. Frederico os
censurou, afirmando que foi precisamente para ouvir a chamada para
as orações que ele tinha ido a Jerusalém. Quando um sacerdote católico tentou segui-lo na Cúpula
da Rocha, Frederico o pôs para fora, di-
zendo: "Por Deus, se algum de vós ousar pôr os pés aqui de novo sem permissão, eu lhe arrancarei
os olhos". Quando lhe disseram que a treliça de madeira à entrada
da Cúpula visava ai evitar a entrada de pássaros, ele disse, empregando o ofensivo termo usado
pelos muçulmanos para os francos: "Deus agora vos enviou os porcos".
Frederico não se demorou em Jerusalém. Notícias de contratempos na Itália tornaram
imperativo seu regresso à Europa. Deixandovários cavaleiros da Ordem Teutônica
para guarnecer a cidade, e instruções para a reconstrução de suas torres e muralhas, ele retornou
a Acre. Aí o patriarca Gerold, junto com os templários, estava
recrutando um exército para apossar-se de Jerusalém em nome do papa e para avançar contra o
sultão de Damasco, que não tinha concordado com a trégua.. Frederico
objetou, mas Gerold recusou-se a ouvir o imperador excomungado. A própria Acre estava em
desordem. A nobreza nativa estava furiosa por não ter sido consultada acerca
do acordo; os venezianos e os genoveses estavam ressentidos da preferência que Frederico
demonstrara pelos pisanos, seus aliados na Itália; e havia motins entre
a populaça contra a guarnição imperial.
Para afirmar sua autoridade, Frederico convocou todos os cidadãos, prelados, barões e
peregrinos para justificar suas próprias ações e queixar-se da hostilidade
do patriarca e dos templários. A assembléia não foi persuadida, e Frederico apelou para a coerção.
Ele ordenou a suas tropas que fechassem as portas da cidade a
seus inimigos, incluindo os templários, e cercou o palácio do patriarca e a fortaleza dos templários.
Ele tinha planos de seqüestrar Pedro de Montaigu, o grão- mestre
do Templo, e João de Ibelin, senhor de Beirute, mas ambos estavam bem protegidos demais para
que tais planos fossem postos em prática. Nomeando baillis para representarem
seus interesses, cujas boas relações com seus opositores expunham a realidade de sua derrota, e
destruindo todas as armas que poderiam ter caído nas mãos de seus
inimigos, Frederico marcou para 1° de maio a data de sua partida. De madrugada, quando ele se
dirigia de seu palácio para o porto pela Rua do Açougue, os zombeteiros
cidadãos de Acre cobriram-lhe de detritos.
O Reino de Acre
No seu regresso à Itália, Frederico obteve maior êxito ao frustrar os planos do papa do que tivera
ao vencer a oposição dos aliados deste no ultramar. O exército
pontíficio que sitiava Capua sob o comando dos dois veteranos, João de Brienne e o cardeal
Pelágio, bateu em retirada e depois desintegrou-se quando Frederico marchou
para socorrer a cidade. João de Brienne foi obrigado a fugir para a Champagne, sua terra natal. Os
templários pagaram um preço pela sua rebeldia: suas casas na Sicília
foram tomadas pelas forças imperiais, e cem escravos muçulmanos que pertenciam aos
templários e aos hospitalários foram devolvidos aos sarracenos sem que nenhuma
indenização fosse paga às ordens."'
O legado de Frederico à Terra Santa era uma Jerusalém livre, mas uma Jerusalém tão
estrategicamente vulnerável que "permaneceu uma cidade aberta",2'° uma
administração imperial sob o marechal Ricardo Filangieri, que estava constantemente em guerra
com os barões nativos sob João de Ibelin tanto na Palestina quanto
em Chipre. O rei titular de Jerusalém era Comado, filho da rainha Iolanda com Frederico II, mas
mesmo quando atingiu a maioridade Comado não foi para o Oriente a
fim de reivindicar sua coroa, o que fez os barões declararem-na confiscada por negligência e
expulsarem Filangieri de Tiro. Alice de Chipre foi escolhida como regente
pela Alta Corte de Jerusalém, mas o reino era na verdade governado por uma oligarquia da
nobreza franca que "desenvolveu um interesse entusiástico e até fanático
pelo direito e pela legitimidade. Em nenhuma aristocracia cristã da época, o conhecimento do
direito e do processo consuetudinários e o domínio das complexidades
do direito constitucional eram tão cultivados e nutridos como no reino latino". Não havia
universidades no ultramar, nem eruditos ou homens de letras, exceto Guilherme
de Tiro. "Todas as energias intelectuais parecem ter sido concentradas no estudo do direito. 11271
Nesse estado de pedante anarquia, as ordens militares agiam com a autonomia de Estados
soberanos. No norte, nas décadas de 1220 e 1230, os templários tentaram
expandir-se para o território de Alepo a partir de sua
231
OS TEMPLÁRIOS
base em Gaston, nos montes Amanus, tornando-o "um território semi-independente, no qual os
templários agiam com autonomia, pouco consultando seus senhores nominais
na Cilício".z'Z Na Síria e na Palestina, também, a riqueza e o poder dos templários aumentaram
porque a nobreza do ultramar, cujos feudos estavam agora restritos
aos enclaves nas proximidades das cidades litorâneas, não tinha condições de guarnecer seus
castelos e portanto os transferira para as ordens militares -em 1186,
por exemplo, Marqab, uma das maiores e mais fortes praças fortificadas da Síria, foi vendida à
Ordem do Hospital porque seu senhor já não podia administrá-la. 273
,
Alguns membros da nobreza nativa prosperaram, notavelmente os Ibe- ~.' lins, cujo luxuoso
palácio em Beirute maravilhou um emissário da corte imperial alemã;
mas os recursos que propiciavam esse luxo originavam-se agora r, menos da terra do que dos
lucros que poderiam ser auferidos do comércio. Acre havia se transformado
num centro comercial em igualdade de condi- '' ções com Constantinopla e Alexandria: a renda
anual dos reis de Jerusalém proveniente de Acre era estimada em 50.000
libras de prata e superior à do ~;á rei da Inglaterra na época. Mercadores de Damasco para aí
afluíam a fim de comerciarem com açúcar, corantes e especiarias. Grande
parte do açúcar ,É consumido na Europa era exportada de Acre junto com uma multiplicidade 5~`
de produtos exóticos que não só abasteciam, mas criavam um mercado
para artigos de luxo no Ocidente."' Por sua vez, os 250.000 habitantes do ultramar
proporcionavam um mercado para exportações européias, tais como capas e boinas
da Champagne, e o interior muçulmano, para ferro, madeira, A produtos têxteis e peles.
Também havia um ativo mercado de escravos, quer prisioneiros muçulmanos, quer gregos,
búlgaros, rutenos e valáquios importados por mercadores das repúblicas
italianas. Estes eram vendidos como muçulmanos, já que por lei nenhum cristão poderia se
escravizado; mas os mercadores de escravos desconsideravam esse estatuto
e os donos proibiam a conversão de seus escravos. No início do século XIII, um bispo latino
queixou-se de que "osf
.
cristãos continuamente recusavam o batismo de seus escravos muçulmanos, '; embora estes o
solicitassem com seriedade e em lágrimas";, 275 e em 1237 o papa Gregório
IX queixou-se do mesmo abuso aos bispos da Síria e aos, ;a grão-mestres das ordens militares.
A conversão individual de muçulmanos livres também ocorria, levando à assimilação à
população síria cristã. Havia uma ampla opção de igrejas cristãs - Católica,
Ortodoxa Grega, Maronita, Armênia, Jacobita e Nestoriana -,' mas as tentativas ocasionais em
Roma e Constantinopla para uni-las só foram bem-sucedidas com os maronitas
no Líbano. Fossem quais fossem ~''
intenções dos papas, o clero latino estava apenas interessado numa unis
O REINO DE ACRE
com outras igrejas que assegurasse sua preeminência. Não só as igrejas não quiseram unir-se, mas
também não havia integração das diferentes comunidades cristãs.
O tratamento que os latinos dispensavam aos cristãos nativos era um pouco melhor do que aquele
dispensado por eles aos muçulmanos, aos judeus e aos samaritanos.z'6
Dado o grande esforço missionário da Igreja Católica nos séculos IX e X, parece enigmático
que os vitoriosos cruzados quase não se tenham empenhado em ,,,
---erter os muçulmanos sob seu domínio. Com certeza, a conversão nunca foi um objetivo das
cruzadas em si. Embora o papa Urbano II sem dúvida quisesse ajudar o imperador
bizantino, e talvez desviar a destrutiva agressão dos guerreiros francos para uma causa nobre,
suas intenções primárias eram, como as de Bernardo de Clairvaux, a
reconquista cristã dos Lugares Santos e a salvação da alma do cruzado.
Foi somente no começo do século XIII que encontramos a gênese de um esforço missionário,
e, o que não é de surpreender, na Espanha, onde o êxito da Reconquista
havia colocado um grande número de muçulmanos sob controle cristão. Digno de nota é o fato de
o bispo espanhol Diego de Osma e seu companheiro Domingos de Gusmão
terem pedido ao papa Inocêncio III que os deixasse pregar o Evangelho não aos sarracenos, mas
aos pagãos da região do Vístula. Contudo, por volta de 1255, Humberto
de Romans, o mestre-geral dos dominicanos, solicitou aos frades que estudassem árabe e se
empenhassem na conversão dos sarracenos.
Francisco de Assis, ao cruzar as linhas entre as forças cristãs e muçulmanas no cerco de
Damieta para pregar ao sultão al-Kamil no Cairo, deu um exemplo
que seus frades mendicantes seguiriam, sua conduta pacífica granjeando-lhes o privilégio de agir
como os guardiães dos Lugares Santos, quando estes voltaram ao controle
muçulmano. Todavia, Francisco de Assis não desaprovava a participação em cruzadas. Ele
admirava os heróis de Roncesvalles conforme descritos na Canção de Rolando,
considerava como mártires aqueles que morreram combatendo o infiel, aceitava o direito dos
cristãos à Terra Santa e achava que se poderia deduzir do Evangelho que
a cruzada era um ato legítimo de retribuição pela violenta conquista de território cristão pelos
sarracenos e por suas blasfêmias contra Cristo.'"
Praticamente, o único bispo latino que fez uma tentativa de converter os muçulmanos na
Terra Santa foi o prelado francês Jacques de Vltry, que foi nomeado
bispo de Acre. Ele tinha pouco apreço por seus correligionários na Terra Santa e escreveu ao papa
que os cristãos nativos tinham tanta aversão aos latinos que preferiam
ser governados pelos muçulmanos, e que os latinos haviam se tornado nativos, levando uma vida
indolente, luxuosa e imoral. O clero local era ganancioso e corrupto,
ao passo que os mercadores italianos
233
OS TEMPLÁRIOS
;sraam sempre às turras uns com os outros. As únicas instiuições que,ele ulgo'a que poderia
respeitar eram as ordens militares.
Conquanto Jacques de Vrtry fosse extraordinário na pregção da fé cartóica ~os muçulmanos
no ultramar, ele não a via como uma âernativa para antpiiaro domínio
cristão pela força. Cruzado entusiástico,acompanho1u o caidã Pelágio ao delta do Nilo. Também
defendeu as ordens militares,,em particular os templários, da acusação
de que estavam desobdec- do à in)unç0 de Jesus a Pedro no Evangelho de Mateus para embaiinar
sua espada - um argumento proposto na Europa não apenas pelos herticos
cátaros e valdnses, como também por clérigos como Walter Map, range da Abatdia de Sento
Albano. Num de seus sermões pregados aos cavaleios do Templlo e q,jeioram
preservados, Jacques de Vitry lhes díz que não cêem ouvidos a taisugumentos de "falsos cristãos,
sarracenos e beduínos".'8
D próprio fato de Jacques de Vitry julgar necessário tranlüilizar os templários dessa forma
sugere que eles ainda sentiam que estavan seguindo um chamado
religioso. Embora eles apareçam nos registros históicos sobretludo atra~ésde seu papel na guerra,
ou através da atitude polítia assumida por seuslideres, o cavaleiro
ordinário parece ter conservado a severa regra estabelecida no Concílio de Troyes. Numa época
em que as orc~ns monástiicas sáoireqüentemente acusadas de falta de
firmeza e corrupção, nenhuma acwrção desse tipo parece ter sido feita contra os cavaleiras.
Vivendo não corro odor de incenso, mas de esterco de cavalo, couro e
seor, eles devirem ter-se conscientizado do grau de desgaste entre os que servirm na Palesttina e
conhecido que mais cedo ou mais tarde morreriam nas nãos dos inümigosla
sua fé.
Se olharmos mais uma vez para a regra e os atos penitenciais que vieram aseredigidos em
meados do século XII, teremos a impresúo de uma wida aosiera, com
estrita disciplina e severa punição de qualqier transgressão dos-egulamentos. O principal consolo
humano dos cavaleiras era provaivelrnerrea companhia dos outros
cavaleiros que tinham origen semelhantee. A amizade, como vimos, era altamente apreciada na
Ordem Cisterciense, e penebe-se pela regra que, apesar da rivalidade
entre as duas ordens- rrivalidaJe essa que de vez em quando se manifestava em conflito aberto -,
a canrradagem dos cavaleiros e sargentos da Ordem do Templo tambéml
era senda para com os irmãos da Ordem do Hospital. Os templários tinhalm de obter permissão de
seus superiores para comer ou beber ri,, companhiaa de outos religiosos,
ou para visitar seus alojamentos, a menos que fosserrn os bos~italários. Em batalha, era em volta
do estandarte do Hospital que: um templário tinha de se reunir
se perdesse de vista o estandarte militar de; sua ordem; e em 1260, quando um contingente de
templários recebeu de seu
234
O REINO DE ACRE
superior ordens para retirar-se de Jerusalém, seu comand arZ te não o teria feito sem os
hospitalários que se haviam juntado a eles.
As relações homossexuais entre os cavaleiros eram consideradas como uma grave infração ca
regra, um crime "contra a natureza e contra a lei de Nosso Senhor".
Nos atos penitenciais, essa infração situa -se entre a perda da fé em Cristo e a deserção no campo
de batalha, todos punidos com a expulsão da Ordem. Oestudo de
um exemplo fornecido no parágrafo 573 dos atos penite..;.:-is descreve como, quando o caso de
três irmãos no Castelo Peregrino "que cometeram um pecado imoral e
se acariciaram mutuamente em seus aposentos à noite" foi levado à atenção do grão-mestre, ele
quis evitar levá-lo perante o capítulo do Templo "porque o ato era
ofensivo demais". Em vez disso, eles foram convocados a Acre, onde tiveram ele tirar seus hábitos
e foram postos a `erro. Um deles, chamado Lucas, fugiu e desertou
para os muçulmanos; o segundo tentou fugir, mas morreu durante a tentativa; o terceiro "ficou na
prisão por muito tempo"."'
Entre os principais vícios atribuídos aos templários estava a avareza. A riqueza gerada pelas
propriedades dos templários onde a generosidade de doadores
pios tinha sido explorada por uma administração eficiente inspirou inveja e ressentimento
naqueles na Europa que ignoravam as enormes despesas que pesavam sobre
a Ordem, não só na Terra Santa mas por toda a cristandade. O Templo, como o Hospital, era uma
força multinacional cujos fundos eram providos por uma corporação multinacional
que combatia os inimigos da Igreja etn várias frentes. Seis cavaleiros do Templo morreram lutando
contra os mongóis na batalha de Legnica, na Europa Oriental, em
1241. O Templo continuava a ser uma potência considerável em Portugal e na Espanha, embora
sua relativa contribuição para a Reconquista tivesse declinado: quando
os cristãos atacaram Maiorca em 1229, os templários contribuíram com apenas cerca de quatro
por cento da força. Mesmo em Aragão se aceitava que a principal missão
dos templários era na Terra Santa: recrutas para a Ordem, cavalos e entre um terço e um décimo
de sua receita eram enviados para o Oriente.Z$°
Da mesma forma que instituições de caridade modernas criam investimentos, os templários
usavam seus fundos não só para darem continuidade à guerra contra
os sarracenos, mas também para expandirem suas propriedades no Oriente. Quando João de
Ibelin estava desesperado para arrecadar fundos a fim de combater Frederico
II, ele obteve o dinheiro vendendo terras ao Templo e ao Hospital. Esse reinvestimento da renda
dos templários foi alvo de críticas do papa Gregório IX: "muitas
pessoas foram forçadas à conclusão", escreveu ele ao grão-mestre, "de que vosso principal
objetivo é
aumentar vossas propriedades nas terras dos fiéis, quando deveria ser tomar
235
OS TEMPLÁRIOS
das mãos dos infiéis as terras consagradas ao sangue de Cristo"."' Eles também foram acusados de
ser brandos com os muçulmanos, recebendo-os em suas casas e permitindo-lhes
que rezassem a Alá nas comunidades dos templários; por ironia, essa acusação foi feita por
Frederico II numa carta a Ricardo, conde da Comualha, em 1245.
A Ordem também gastava prodigamente na sede da sua corporação na cidade de Acre, a qual,
repudiando a administração do governador de Frederico, Ricardo Filangieri,
era administrada por uma comuna. Os diferentes bairros da cidade eram "repúblicas em miniatura
cercadas por muralhas e torres";282 suas ruas, conforme descritas
pelo escritor muçulmano lbn Jubayr, "estão atulhadas pela multidão de homens, de modo que é
difícil pôr o pé no chão. Ela cheira mal e é imunda, estando repleta
de lixo e excrementos"."' O complexo do Templo ficava nos contrafortes da cidade que davam
para o mar e formava um trecho essencial às defesas da cidade. "À entrada",
escreveu o templário de Tiro,
havia uma fortificação muito alta e forte, com muralhas muito grossas, um bloco
de seis metros. De cada lado da fortaleza havia uma pequena torre, e em cada
uma delas um leão passante tão grande quanto um boi cevado, todo coberto de
ouro. O preço dos quatro leões, incluídos o material e a mão-de-obra, era de 1.500
besants sarracenos. Era maravihoso de contemplar. Do outro lado, em direção ao
bairro pisano, existia uma torre. Bem próximo, acima do mosteiro de freiras de
Santa Ana, havia outra torre enorme com sinos e uma igreja maravilhosa e altís
sima. Além disso, havia uma torre na praia. Era uma torre antiga, de cem anos,
construída por ordem de Saladino. Aí os templários guardavam seu tesouro. Essa
torre ficava tão perto da praia que as ondas do mar nela batiam. E existiam muitas
outras belas habitações no Templo, que me absterei de mencionar .214
Contudo, muitas das acusações feitas contra os templários eram contraditadas por outros.
Quando o rei Jaime I de Aragão, no Segundo Concílio de Lyon, acusou
os templários de deliberadamente atrasarem a decisão a respeito de uma nova cruzada contra os
mouros, a acusação não foi apoiada pelos demais membros da delegação
espanhola;"5 e o franciscano inglês Roger Bacon atacou não a pusilanimidade, mas a agressividade
dos templários, que para ele impedia a conversão de muçulmanos ao
cristianismo. Além disso, todas as ordens religiosas nesse período, com a exceção dos cartuxos,
foram criticadas por sua extravagância e pela traição de seus objetivos
originais - o Templo, de modo geral, menos do que as ordens de monges e frades. Os leões de
ouro eram ;sem dúvida desnecessários, e Hugo de Payns não pode ter contemplado
o mestre dos seus Pobres Soldados de Jesus Cristo vivendo num palácio; mas a proporção de
recursos destinados pelo Templo
236
O REINO DE ACRE
aos objetivos de sua fundação original teria sido comparada de forma favorável com a de outras
instituições religiosas e até com algumas instituições de caridade
de hoje. Com certeza, os papas, embora ocasionalmente repreendessem o Templo, eram efusivos
no elogio das ordens militares em suas bulas e continuavam a defendê-las
pela concessão de privilégios e isenções.
Também estava claro que as finanças das ordens militares foram afetadas em conseqüência
de despesas que aumentavam inexoravelmente. A
terra necessária para equipar e manter um cavaleiro burgúndio em 1180 atingia cerca de 750
acres; pelos meados do século XIII isso havia quintuplicado, chegando
a quase 4.000 acres;"' o custo, bem como a importância
militar, transformava um cavaleiro completamente armado, com seu séquito de escudeiros e
sargentos, no equivalente de um tanque pesado de hoje. Apesar da evidência
de que o Templo tinha com freqüência dinheiro à disposição, suas despesas administrativas eram
consideráveis: nos Estados lati-
nos do ultramar, eles guarneceram e mantinham pelo menos cinqüenta e três castelos ou
estações de posta fortificadas, que abrangiam de grandes fortalezas, como o
Castelo Peregrino, a pequenas torres de vigia nas rotas
dos peregrinos. No apogeu da prosperidade da Ordem, existiam quase mil comunidades dos
templários na Europa e no Oriente, e cerca de 7.000 mem-
bros. Estima-se que o número de auxiliares não-professos e dependentes tenha sido sete ou oito
vezes esse número. A proporção entre pessoal de apoio e combatentes
era de cerca de 3:2.28' Por volta de meados do século XII, a Ordem havia construído sua própria
frota de galeras, que transportava cavalos, cereais, armas, peregrinos
e pessoal militar. As companhias de transporte tradicionais sofriam com essa competição pelo
lucrativo transporte de
peregrinos, e em 1134 a cidade de Marselha limitou os templários a um embarque de peregrinos
por ano. 288
A despeito de seu envolvimento nos aspectos financeiros, logísticos e
mffi
1
i itares da guerra, os templários não parecem ter perdido de vista seu com-
promisso de defender a Terra Santa e reconquistar Jerusalém. Uma das primeiras traduções do
latim para o vernáculo foi a do Livro dos Juízes, enco-
mendada pelo Templo, a fim de que, nas palavras de sua introdução, eles pudessem aprender do
"cavalheirismo" do período e ver "que honra é portanto servir a Deus
e como Ele recompensa os seus 11.181 Uma vez que a maioria dos cavaleiros, dos escudeiros e
dos sargentos eram analfabetos, tais leituras visavam não apenas à sua
instrução, mas a manter seu estado de ânimo. O Livro dos Juízes foi uma boa escolha. Enquanto o
Livro de Josué descreve a conquista da Terra Prometida pelos judeus
numa série de eficazes campanhas
militares, "o Livro dos Juízes a vê como um fenômeno mais complexo e gradual, pontuado por
êxito e fracasso parciais". Havia uma íntima e inquestionáOS TEMPLÁRIOS
vel identificação dos cristãos na Palestina com os israelitas de antigamente. As narrativas do
Antigo Testamento, ao contrário dos ditos de Jesus no Novvo, entendem
que a pilhagem sistemática do inimigo é parte da guerra e, naturalmente, que não só é permitida,
mas na verdade ordenada por Deus,ZVo
Em 1239, o tratado de Frederico II com o sultão egípcio al-Kamil deveria expirar. Ciente disso, o
papa Gregório IX pregou outra cruzada. Ela foi encorrajada pelos
reis da França e da Inglaterra, mas nenhum deles tomou a Crwz. Em vez disso, como nos dias da
Primeira Cruzada, nobres francos de mentor importância partiram para
a Terra Santa, lideradospor Teobaldo, conde ode Champagne. Ele era primo dos reis da Inglaterra,
da França e de Chipre:, e via a cruzada como o apogeu da bravura
cavalheiresca: "é cego", disse eile, "quem nem uma vez na vida cruzou o mar para ir em auxílio de
Deus".z9'1
A complexidade da situação política na Terra Santa confundia os novros cruzados, e os
conselhos que eles recebiam eram contraditórios. Os ayyúlbidas estavam
era guerra uns com os outros, e Ismail, o sultão de Damascco, propôs um acordo com os francos
contra seu sobrinho Ayyub, filho de al-Kamil, agora sultão do Cairo.
Em retribuição pela defesa da fronteira qlue dava para o deserto do Sinai, ele lhes daria as
fortalezas de Beaufort e Safeed. Antes de Hattin, Safed pertencera aos
templários, eeles estavam agora ansiosos da sua devolução.
O acordo foi firmado, e em conseqüência as propriedades dos latinos na Palestina eram agora
mais numerosas do que em qualquer época desde Hattin; mas o custo
foi considerável para ambas as partes. Muitos muçulmanos zelosos entre os damascenos
desertaram para os egípcios, ao passo que no lado cristão ele levou a uma animosidade
total entre os templários e; os hospitalários, que até então tinham formado uma frente comum
contra, os lacaios de Frederico II. Ignorando o acordo firmado com Ismail
em Damasco, os hospitalários; assinaram um tratado com Ayyub no Cairo.
Essa foi a confusa situação que Ricardo, conde da Cornualha, sobrinho
de Ricardo Coração de Leão, irmão de rei Henrique 111 e cunhado do imperador Frederico II,
encontrou ao chegar à Terra Santa. Aos 32 anos, ele já tinha firmado uma
reputação de coragem e competência. Ele veio com recursos consideráveis e também com a plena
autoridade do imperador, que, após a morte da infeliz rainha Iolanda
de Jerusalém, desposara a princesa Isabel da Inglaterra.
Ricardo encontrou o reino de Jerusalém num estado de caos, mas com tato e energia chegou
a um acordo tanto com Damasco quanto com o Egito que resultou na;
libertação de todos os prisioneiros cristãos mantidos no Cairo e na confirmaação da posse pelos
latinos das terras recentemente cedidas.
238
O REINO DE ACRE
Mas ele mal havia zarpado para a Inglaterra quando esse acordo se desfez. O grão-mestre do
Templo, Armando de Périgord, ignorou o tratado com o Egito e em 1242 atacou
a cidade de Hebron, que tinha permanecido nas mãos dos muçulmanos. Em seguida, após uma
fraca reação dos egípcios, os templários tomaram Nablus, queimaram sua mesquita
e mataram muitos de seus habitantes muçulmanos e também cristãos.
Quase ao mesmo tempo, o bailli imperial, Ricardo Filangieri, tentou reimpor a autoridade de
Frederico II em Acre com a ajuda dos hospitalários. O golpe fracassou,
resultando num cerco de seis meses do Hospital composto pelas forças do líder dos barões latinos,
Balião de Ibelin, auxiliado pelos templários. Esse conflito aberto
entre as duas ordens militares escandalizou a opinião pública na Europa, e a culpa foi atribuída aos
templários pelos cronistas que apoiavam o grupo imperial, como
o monge da Abadia de Santo Albano, Mateus Paris. Os templários, escreveu ele, não permitiam,
que se enviasse comida ao complexo do Hospital ou que os hospitalários
trouxessem seus mortos para fora. Eles também expulsaram os cavaleiros teutônicos de algumas
de suas propriedades: como era escandaloso que "aqueles que se tinham
abarrotado de tantas rendas, a fim de serem capazes de atacar de modo eficaz os sarracenos,
estivessem impiamente dirigindo a violência e o rancor contra os cristãos,
na verdade contra seus próprios irmãos, atraindo assim, da forma mais grave, a ira de Deus sobre
eles".z93
Não pode haver dúvida de que o Templo, sob Armando de Périgord, era um grupo
antümperial que apoiava Alice, a rainha de Chipre, como regente do reino de
Jerusalém e aceitou a legalidade de se excluir Comado, filho da rainha Iolanda com Frederico II,
quando ele atingiu a maioridade em abril de 1243, argumentando que
ele não visitara a Terra Santa para reivindicar a coroa. Nisso eles não estavam sozinhos. Os
venezianos e os genoveses eram da mesma opinião, e no verão de 1243
aliaram-se aos barões do ultramar na expulsão de Filangieri e dos imperialistas de Tiro. Mas isso
não foi necessariamente uma expressão de inveja ou da busca de
seus próprios interesses pela Ordem. Numa carta a Roberto de Sandford escrita em 1243,
Armando de Périgord explicava os fundamentos de seu plano de ação. Emissários
dos templários que tinham sido enviados ao Cairo estavam sendo mantidos em virtual cativeiro.
Não se podia confiar nos egípcios, que estavam apenas ganhando tempo.
Em compensação, a aliança com Damasco havia assegurado não apenas a devolução de várias
fortalezas e extenso território, como também a expulsão dos muçulmanos que
permaneceram em Jerusalém.
Para consolidar a aliança damascena, o príncipe muçulmano de Homs, ai-Mansur Ibrahim, foi
convidado a Acre, onde foi prodigamente recebido no Templo. As
comemorações foram prematuras. Para conter as forças que se ali-
2i9
OS TEMPLÁRIOS
nharam contra ele, o sultão egípcio Ayyub recorreu a uma tribo selvagem de
nômades mercenários que haviam se estabelecido perto de Edessa, os turcos khwarezrnitas. Em
junho de 1244, uma força de dez mil soldados de cava, laria khwarezmitas
invadiu o território damasceno e, passando ao largo da pró. pria Damasco, dirigiu-se para a
Galiléia e capturou Tiberíades. No dia 11 de junho, os khwarezmitas chegaram
a Jerusalém e romperam suas frágeis dele. sãs. Por algum tempo sua guarnição resistiu, mas em
23 de agosto, num salvo-conduto assegurado pelo senhor muçulmano de
Kerak, a guarnição e toda a população cristã deixaram a cidade em direção a Jafa, e então, vendo
bandeiras francas nas muralhas de Jerusalém e imaginando que a cidade
tinha sido socorrida, regressaram, apenas para serem massacrados pelos khwarezmitas, que
estavam à sua espera. Somente trezentos deles alcançaram Jafa.
Os khwarezmitas então saquearam a cidade, desenterraram os ossos de Godofredo de
Bouillon e dos outros reis de Jerusalém enterrados na Igreja do Santo Sepulcro
e mataram os poucos padres que ali tinham permanecido, antes de atearem fogo à igreja. Em
seguida, após evacuarem a cidade vazia, cavalgaram para a costa, juntando-se
ao exército egípcio do sultão Ayyub em Gaza, sob o comando de um jovem oficial muçulmano,
Rukn ad-Din Baibars.
Em 17 de outubro de 1244, numa planície arenosa perto da aldeia de Herbiya conhecida pelos
francos como Lã Forbie, essa hoste egípcia confrontou-se com os
exércitos associados de Damasco e de Acre. As forças damascenas eram lideradas pelo príncipe de
Homs, ai-Mansur Ibrahim, e incluía um contingente de soldados de
cavalaria beduínos sob o senhor de Kerak, anNasir. O exército cristão era o mais considerável que
tinha sido reunido desde Hattin. Havia seiscentos cavaleiros seculares
sob Filipe de Montfort e Gualtério de 8rienne e seiscentos do Templo e do Hospital liderados por
seus grão-mestres, Armando de Pé rigord e Guilherme de Châteauneuf.
Também havia vários cavaleiros teutônicos e um contingente de Antioquia.
Como eri7 Hattin, houve uma controvérsia entre os aliados sobre se deveriam atacar ou
permanecer na defensiva: ai-Mansur Ibrahim era a favor da segunda alternativa,
Gualtério de Brienne, da primeira, e foi o ponto de vista de Gualtério de Brienne que prevaleceu.
O superior exército aliado avançou contra os egípcios, mas estes
fizeram face a ele e a cavalaria khwarezmita atacou o seu flanco. As tropas damascenas puseramse em fuga, e com elas seguiu an-Nasir, o senhor de Kerak. Numa questão
de horas, o exército latino foi destruído. Pelo menos 5.000 foram mortos e 800 prisioneiros foram
levados para o Egito, entre eles o grão-mestre do Templo, Armando
de Périgord. A perda total do Templo foi de 260 a 300 cavaleiros. Dos cavaleiros das ordens
militares, apenas trinta e três templários, vinte e seis hospitalários
e três cavaleiros teutônicos sobreviveram.
240
Luís da França
Quem agora poderia salvar a Terra Santa? Na Europa Ocidental, a acerba rivalidade entre o
papado e o imperador Frederico excluía o líder leigo da cristandade de
reassumir o papel. Em todo o caso, Frederico sentia que seus inimigos na Palestina, em particular
os templários, tinham provocado sua própria destruição ao quebrarem
essa cuidadosamente elaborada trégua com os ayyúbidas do Egito.
Apenas um monarca europeu estava em condições de liderar uma nova cruzada, e este era o
rei Luís IX da França. Felizmente, ou por coincidência, no mesmo
ano da catastrófica derrota em Lã Forbie, Luís, tendo adoecido com febre, provavelmente malária,
sentiu-se bastante perto da morte e do julgamento para se decidir,
caso se recuperasse, a tomar a Cruz.
Filho de uma mãe extraordinária, Branca de Castela, e casado com Margarida da Provença,
ambas de famílias com uma longa tradição de serviço na guerra contra
o Islã, Luís herdara o trono da França na infância e o conservou graças à enérgica regência de sua
mãe. Aos quinze anos de idade, Luís comandara uma campanha armada
contra o rei da Inglaterra, Henrique III. Bonito, bem-humorado, expansivo, ocasionalmente
genioso, Luís, em comparação com Frederico II, era também profundamente
pio e impérturbado por dúvidas acerca da fé católica. No começo de seu reinado, sob o Tratado de
Paris, ele firmou o domínio francês sobre o Languedoc e afinal pôs
termo à heresia cátara. Ele não tinha escrúpulos em usar a força para defender a religião cristã. A
seu amigo João de Joinville ele disse que um cavaleiro, "sempre
que fica sabendo que a religião cristã é difamada, não deveria tentar defender seus dogmas, a não
ser com a espada, e que deveria enfiá-la na barriga do patife até
onde ela pudesse penetrar ".z94Ainda que as palavras de Luís talvez não tenham sido tão brutais
como Joinville as recordou na velhice, elas estão em marcante contraste
com os pontos de vista céticos do imperador Frederico II.
Ao contrário de Frederico, Luís tinha uma única mulher, com quem era feliz. Seu afeto por
Margarida da Provença provocou o ciúme da mãe dele:
241
OS TEMPLÁRIOS
quando recém-casados, eeles tinham aposentos separados e só ousavam i
contrar-se nas escadas, ro'egressando a seus quartos ao serem alertados I seus criados da
aproximOção da rainha-mãe. Durante a cruzada, Joinville provou Luís por
esperar qque a missa terminasse antes de se erguer para sau-
Jar Margarida, que acabalira de chegar como filho recém-nascido-ruas isso tos provavelmente um
sirinal de sua religiosidade, e não de indiferença p
com a esposa. Não existem indícios de desavença: Margarida deu à luz onze
filhos do rei.
Luís IX tinha paixão por relíquias. Ele comprou a Balduíno, o imperador
latino de Bizãncio, a Core.'oa de Espinhos e a carregou descalço pelas ruas de Paris até a
requintada calpela que construiu para abrigá-la, Sainte-Chapelle, na ile
de Ia Cité. Ele tamlbém dotou várias instituições religiosas, entre elas
a Abadia de Royaumont, mas não se deixou intimidar pelos bispos franceses
para intervir no conflito centre o imperador e o papa. O zelo de Luís pela justiça e sua escrupulosa
ateenção às necessidades dos pobres firmaram sua reputação de
santidade e ctonferiram-lhe prestígio inigualável, mas foi a toma=
da da Cruz que marcou o seu reinado, pois "empreender uma cruzada continuava a ser amais
elevada expressão das idéias cavalheirescas da aristocracia no Ocidente".
295
Assim que o juramer!lto foi feito, Luís preparou-se para a cruzada com a mesma eficiência que
demonstrara ao reprimir seus vassalos revoltosos e ao reorganizara
administracção da França. Seu primeiro objetivo foi angariar o dinheiro para custear suar
expedição ao além-mar. Ele o fez com um imposto de um vigésimo sobre os
recursos da Igreja e subvenções das cidades. Como o porto de Marselha na (ocasião ficou sob a
supremacia do imperador, Luís construiu uma nova saída para o Mediterrâneo
em seu próprio território, o porto de Aigues Mortes. Foi daí que ele embarcou para a Terra Santa
em 25 de agosto de 1248. Seus irmãos e muitos de seus vassalos seguiram-no
com relutância, bem como su;a esposa, a rainha Margarida, e seus filhos. A França foi deixada ao
encargo d mãe dele, Branca de Castela.
A Luís juntaram-se- cruzados de fora da França, tais como João de Joinville, o senescal da
C:hampagne. O ponto de reunião do exército cruzado foi Chipre,
onde, em conseqüência de cuidadoso planejamento, haviam reunido suprimentos para o ,exército
de Luís, de cerca de 25.000 homens, entre eles 5.000 besteiros e 2.
600 cavaleiros. O rei Luís aí permaneceu durante o inverno. Em janeiro de 1249, ele enviou dois
pregadores dominicanos como emissários ao cã mongol> na expectativa
de que seu ascendente poder na Ásia, que diziam ser favorável ao cristianismo, pudesse juntar
forças contra o Islã.
242
IÍS DA FRANiA
Aceitando o mesmo ponto cde vista esaatégico do cardeal Pelágio, de que era somente pela
subjugaçã~jo do Egito cue a Terra Santa poderia ser garantida, e
não dissuadido pelo fraQCasso da crtzada anterior, Luís e seu exérci-
to zarparam no fim de maio Pai rxa o delta do Nilo. Na madrugada de 5 de junho, a esquadra latina
ancoroL 1 diante de :)amieta. O exército muçulmano, comandado por
Fakhr ad-Di nl, amigo do mperador Frederico, estava esperando em terra firme. "Era uri-r1a visão
que encantava os olhos", recordou
j1 ille na velhice, 14 pois as arn--x;~as
o'nvl
do sultãoeram todas de ouro, e quando O
sol batia nelas, elas resplandeci .ym esplendidamente. A algazarra que esse
exército fazia com seus timbales ee suas trompas sarracenas era atemorizante
de ouvir." As forças latinas eram ì2yualmente ostentosas: a galera do conde de
Jafa "era coberta, tanto abaixo cot,mo acima da água, com brasões que ostentavam suas armas
(...). Ele tinhas pelo mencs trezentos remadores em sua galera; ao lado
de cada remador estava um pequeno escudo com as armas do
conde nele, e a cada escudo estaN,la presa ume flâmula com as mesmas armas trabalhadas em
ouro 11.296
Embora aconselhado a espe rw parte de sua esquadra que se havia dispersado numa
tempestade, Lu is; ordenou c desembarque e, assim que a
oriflamme foi fincada na praia, li deerou seus valeiros contra os sarracenos, que, incapazes de
resistir ao irrip)acto do assalto dos francos, retiraram-se para
Damieta e então abandonarmm a cidade, queimando o bazar. Foi uma vitória fácil e rápida, pela
qual o roei Luís deu graças a Deus; mas, lembran-
do-se do destino da Quinta Cruzada sob o cardeal Pelágio, ele não perseguiu os egípcios rio acima.
Em vez diss,o, estabeleceu Damieta como sua capital temporária
no ultramar, mandaryo buscar a rainha Margarida em Acre e
aguardando reforços da França liderados por seu irmão Afonso, conde de Postou, e que as águas
do Nilo baixassem.
Em 20 de novembro Luís serntiu-se disposto a mover-se mais para o interior do Egito.
Rejeitando os conselhos dos barões do ultramar para mover-se contra
o porto de Alexandria, ele :=oi persuadido por seu irmão Roberto, conde de Artois, a marcl-ler
para o sul, ao longo da margem oriental do Nilo, em direção a Mansurá.
Na vanguarda do seu exército escavam os cavaleiros da Ordem do Templo sob seu grão-mestre,
Guilherme de Sonnac, escolhido após a morte de Armarld o de Périgord numa
prisão egípcia. Atrás deles vinham o conde de Artois e um contingente inglês sob o conde de
Salisbury. Guiada a uma passagenn do rio por um beduíno apóstata, essa
força, sem esperar pelo resto do exercito conforme as instruções do rei Luís,
atacou o acampamento sarraceno, omde o comandante, Fakhr ad-Din, estava tomando banho.
Sem esperar para Pôr sua armadura, ad-Din cavalgou para o campo de batalha
e foi morto pelos cavaleiros da Ordem do Templo.
,JÁ 2
OS TEMPLÁRIOS
Roberto de Artois preparou-se então para perseguir até Mansurá os sarracenos que bateram
em retirada. O grão-mestre do Templo, Guilherme de Sonnac, tentou
detê-lo. Ele já estava irritado pelo fato de o irmão do rei ter usurpado a posição dos templários na
vanguarda. Os cronistas divergem quanto ao que aconteceu em
seguida. João de Joinville, ainda com o principal destacamento do exército na margem sul do rio,
escreveu mais tarde que Guilherme de Sonnac insistiu para que o
conde de Artois aguardasse os templários para liderar o ataque, mas, como o cavaleiro que
segurava a rédea do conde era surdo, ele não conseguiu passar a mensagem
adiante. De acordo com o cronista Mateus de Paris, Roberto de Artois ouviu o grão-mestre muito
bem, mas respondeu-lhe com insultos, repetindo a calúnia de Frederico
II de que os templários não tinham interesse numa vitória total porque a Ordem lucrava com a
guerra contínua. Quando o conde de Salisbury sugeriu que talvez o grão-mestre
dos templários tivesse a vantagem da experiência de combater os sarracenos, Roberto de Artois
disse que ele também era covarde, cravou as esporas nos flancos de
seu cavalo e galopou à frente de seus cavaleiros franceses.
Sentindo que não tinham escolha, os templários e os cavaleiros ingleses seguiram o conde de
Artois até a cidade de Mansurá na perseguição dos sarracenos
que bateram em retirada. Aí nem tudo era tão caótico quanto parecia. Embora Fakhr ad-Din
estivesse agora morto, o oficial comandante da guarda mameluca de elite,
Rukn ad-Din Baibars Bundukdari, havia assumido o comando. Oferecendo pouca resistência inicial
aos cavaleiros latinos, ele esperou até que eles tivessem penetrado
na cidade e alcançado os portões da cidadela antes de ordenar a seus homens, que aguardavam
nas ruas transversais, que atacassem os cruzados. Incapazes de executar
manobras nas ruas estreitas, e pegos de surpresa por vigas atiradas dos telhados, os cavaleiros
foram massacrados. Trezentos cavaleiros morreram, entre eles o conde
de Salisbury e o conde de Artois. Os templários perderam 280; apenas dois regressaram com vida,
um deles o grão-mestre Guilherme de Sonnac, que se tinha retirado
da peleja depois de perder um olho.
Conquanto esse revés tivesse sido causado pela vanglória e impetuosidade de Roberto de
Artois, ele foi uma antecipação do que estava por vir. Assim que o
exército principal cruzou o braço do Nilo, travou batalha com as forças muçulmanas. Joinville, já
ferido, viu o rei Luís numa estrada elevada à frente de seu exército,
a própria imagem da bravura e da honra. "Nunca vi cavaleiro mais distinto ou mais bonito! Sua
cabeça e seus ombros pareciam elevar-se acima de toda a sua comitiva;
ele trazia na cabeça um elmo dourado e na mão uma espada de aço alemão."z9' Após um dia de
luta feroz, os egípcios foram forçados a voltar para Mansurá. Quando o
chefe do capítulo
LUÍS D DA FRANÇA
dos hospitalários disse a Luís que se;eu irmão Roberto de Artois "estava agora no paraíso (...)
grossas lágrimas commeçaram a cair de seus olhos".
Naquela noite, os egípcios fizereram uma sortida a partir de Mansurá e mais uma vez foram
derrotados. NNo dia 11 de fevereiro eles atacaram de novo, e nesse
combate Guilherme doe Sonnac, à frente dos poucos templários que restaram, perdeu seu
segundo O olho e em seguida morreu. O exército de Luís foi quase destruído,
mas o centltro agüentou firme, e por fim os egípcios retiraram-se novamente para Manstsurá.
Agora estava claro que, embora os cruzados não pudessem ser vencido;os,
a cidade tampouco podia ser tomada. A maior esperança de Luís residia a no desfecho da'
convulsão política no Cairo que se seguiu à morte do su141tão Ayyub e de
seu comandante, Fakhr ad-Din. Durante oito semanas ele eesperou, acampado diante das
muralhas de Mansurá. Mas o caos na corte aytyyúbida tinha sido evitado pela
sultana viúva, e no fim de fevereiro Turanslshah, filho de Ayyub, regressou da Síria para assumir o
comando. Transpor)rtando uma esquadra de embarcações leves no
lombo de camelos até o l Nilo a jusante do exército cruzado, os muçulmanos cortaram a ligação
deeste com Damieta e interromperam o suprimento de alimentos frescos.
A c doença disseminou-se no acampamento dos cruzados. O próprio Luís sofreL;u de disenteria
crônica, e seus criados, conta-nos Joinville, porque ele era ""continuamente
obrigado a ir à privada, tiveram de cortar a parte inferior dee suas ceroulas". Ele ordenou uma
retirada para Damieta, mas, a despeito c de sua enfermidade, recusou-se
a abandonar seus homens e fugir numa gal,,lera. Perseguido pelos egípcios, Luís foi afinal feito
prisioneiro e obrigado a t render-se. Joinville foi salvo da morte
quando se descobriu que sua esposa cera prima do imperador Frederico. Prisioneiros de alguma
posição social forar,m mantidos para a obtenção de resgate, e os menos
eminentes foram mortoos. Na cidade de Damieta, a guarnição pisam e genovesa foi dissuadida de
ddeserção pela rainha Margarida: a cidade foi de inestimável vantagem
nas neggociações que se seguiram e, junto com um resgate de um milhão de besants; ou meio
milhão de livres tournois, comprou a liberdade do rei e de seu exér;rcito.
A arrecadação de dinheiro para co pagamento desse resgate ensejou um incidente que revela
a escrupulosiddade, ou a obstinação, dos templários. Durante a
contagem do dinheiro para pagar o depósito combinado, descobriu-se que faltavam ao rei trinta
mill livres, e disso dependia a libertação de seu irmão, o conde de
Poitiers. João d3e Joinville sugeriu que se tornasse essa quantia emprestada dos templários, e com
a autorização do rei foi pedir o empréstimo. O pedido foi recusado
pelo comandante do Templo, Estêvão
de Otricourt, com o pretexto de quer havia jurado jamais não ser para os que o haviam colocadjo
sob seus cuidados.
liberar dinheiro, a
OS TEMPLÁRIOS
Isso levou a uma acerba discussão entre Joinville e Otricourt, até que o marechal do Templo,
Reinaldo de Vichiers, propôs uma solução. Os templários não
poderiam quebrar seu juramento, mas não havia nada que pudesse impedir o rei de tomar seus
fundos 2 força, em particular porque o Templo conservava os depósitos
daquele emAcre e poderia deduzir esse empréstimo forçado quando ele retornasse. Portanto,
Joinville foi à galera dos templários, arrombou um cofre com um machado
e tornou a Luís com o dinheiro.
Com a libertação de seu irmão garantida, o rei Luís foi com seu séquito de navio para Acre,
onde encontrou cartas de sua mãe, Branca de Castela, instando
para que ele retornasse à França. O mesmo conselho foi dado por seus irmãos e seus barões; mas
não foi apenas um exército francês que fora derrotado no Nilo: as
forças dos cristãos no ultramar tinham sido seriamente enfraquecidas pelo desastre. Luís estava
relutante em deixar a Terra Santa numa situação tão perigosa ou em
abandonar os prisioneiros francos ainda mantidos no Egito; e por isso, enquanto a maioria de seus
vassalos franceses, entre eles seus irmãos, regressou à Fança com
a sua bênção, ele permaneceu em Acre com sua esposa e filhos. O legítimo rei de Jerusalém pode
ter sido Contado, o filho de Frederico II com a rainha Iolanda, mas
Luís foi aceito como governante defacto; e então tentou obter pela diplomacia o que não
conseguira obter pela força.
No Cairo, o poder tinha sido tomado pelo regimento de elite de guerreiros escravos, os
mamelucos. Capturados ainda meninos às tribos de turcos kipchak que viviam
nas estepes do sul da Rússia, eram vendidos pelos mercadores de escravos aos sultões ayyúbidas,
que os educavam como uma força militar sem vínculos e, portanto,
sem lealdades a qualquer classe ou facção. Descritos pelo cronista árabe Ibn Wasil como "os
templários do Islã",298 eles haviam obtido uma influência sobre os sultões
ayyúbidas que se afigurava ameaçadora quando o filho de Ayyub, Turanshah, chegou ao poder.
Em 2 de maio de 1250, em meio às negociações com o rei Luís, os mamelucos
assassinaram Turanshah e puseram fim ao domínio dos descendentes de Saladino no Egito.
Todavia, os ayyúbidas permaneceram no poder na Síria, e, ao saber da notícia
do golpe dos mamelucos, an-Nasir Yusuf, neto de Saladino e sultão de Alepo, ocupou Damasco e
enviou imediatamente uma embaixada ao rei Luís para pedir sua ajuda.
O rei Luís usou essa abordagem para pressionar os mamelucos a chegarem a um acordo,
enviando um emissário, João de Valenciennes, ao Cairo. Sem que o rei
soubesse, os templários estavam seguindo uma iniciativa diplomática própria. O ex-marechal da
Ordem, Reinaldo de Vichiers, tinha
v-
LUÍS DA FRANÇA
sido eleito grão-mestre em sucessão a Guilherme de Sonnac. Reinaldo fora
sem dúvida o candidato predileto do rei Luís, pois fora preceptor dos templários na França
enquanto Luís estava preparando sua cruzada, providenciara transporte
para as tropas dele a partir de Marselha, fora o marechal de Luís em Chipre, seu camarada de
armas no Nilo, e era padrinho do filho que a rainha Margarida tivera
no Castelo Peregrino, o conde de Alençon.
Assim que se tornou grão-mestre, contudo, as pretensões do cargo devem ter-lhe subido ã
cabeça. Sem consultar o rei Luís, ele enviara o mare-
chal da Ordem, Hugo de Jouey, a Damasco para negociar com o sultão a respeito de uma
disputada extensão de terra. Tendo chegado a um acordo,
Hugo retornou com um emir damasceno para que o acordo fosse ratificado em Acre. Ao descobrir
o que tinha acontecido sem o seu conhecimento, o rei Luís teve um acesso
de fúria e insistiu não só que o tratado fosse anulado,
mas também que o grão-mestre do Templo e todos os seus cavaleiros se humilhassem perante
todo o exército, caminhando descalços pelo acampamento e ajoelhando-se em submissão diante do rei. O bode expiatório foi Hugo de Jouey, a quem
Luís baniu do reino de Jerusalém - sentença que ele não rescindiu,
apesar dos apelos do grão-mestre e da rainha. Sem dúvida, esse gesto visava menos a firmar sua
autoridade entre os latinos do que a causar nos mamelucos a impressão
de que ele estava no comando. Sua política foi bem-sucedida: em março de 1252, todos os
prisioneiros cristãos ainda mantidos pelos mamelucos foram postos em liberdade.
Havia dois outros poderes na região com os quais Luís negociou durante sua estada em Acre. O
primeiro foi o Velho da Montanha, o líder dos assassinos, que enviou
emissários logo após o regresso de Luís de Damieta, a fim de exigir o tributo, ou dinheiro em troca
de proteção, que eles afirmavam ter sido
pago pelo imperador Frederico, pelo rei da Hungria e pelo sultão do Cairo. Como alternativa ao
tributo, o emir sugeriu que o rei eximisse os assassinos do tributo
que eles pagavam ao Templo e ao Hospital. Como Joinville observou ao descrever essa
negociação, os assassinos sabiam de que nada adianta-
va matar qualquer dos grão-mestres, porque outro cavaleiro, "igualmente bom, seria posto em
seu lugar 5).299
Os grão-mestres, a quem o rei convidou para essa negociação, ficaram
enfurecidos com a insolência dos assassinos e enviaram os emissários de volta ao Velho da
Montanha com a recomendação de que ele abordasse o rei Luís de outra forma.
Dentro de duas semanas eles regressaram a Acre com generosos presentes. O rei Luís retribuiu,
dando-lhes jóias igualmente valiosas e enviando-lhes um frade que falava
árabe, Yves le Breton, para pregar a fé cristã.
OS TEMPLÁRIOS
O segundo grupo de emissários veio dos mongóis, uma força que dentrqh de vinte anos
derrotaria o Velho da Montanha, tomando em 1256 a até então. inexpugnável
fortaleza de Almut, pertencente aos assassinos. Os embaixa_, dores chegaram a Acre com os dois
firades dominicanos que Luís enviara ao cá mongol sugerindo uma aliança
contra o Islã. A resposta do cã foi a exigência de que o rei francês se tornasse soeu vassalo e
enviasse "uma quantidade suficiente de dinheiro em contribuições
anuais para que continuemos a ser vossos amigos. Se vós vos recusardes a fazê-lo, nós vos
destruiremos (...)"..; Não foi a resppsta que o rei tinha esperado, e,
de acordo com Joinville, Luís_ "arrependeu-se amargamente de algum dia ter enviado emissários
ao grande rei dos tártaros11.300
A derrota do exército do rei Luís no delta do Nilo viu o fim da ambição dos, latinos de retomar
Jerusalém atacando a fonte do poder muçulmano. Agora o imperativo
era obter máxima vantagem explorando as rivalidades dos poderes islâmicos e melhorando as
defesas dos territórios que os latinos ainda possuíam. Luís portanto ordenou
a r'efortificação das cidades litorâneas de Acre, Cesaréia, Jafa e Sídmn, cujas guarnições foram
reforçadas com contingentes permanentes de tropas francesas.
As fortalezas do interior eram agora dispendiosas demais para serem conservadas pelos
barões. feudais do ultramar e foram portanto mantidas pelas ordens
militares: os cavaleiros teutônicos ficaram com Montfort, os hospitalários com Belvoir e os
templários com Chastel Blanc e Saphet. Esta última tinha sido reconstruída
na década de 1240, a um custo enorme, e era agora o maior castelo no reino de Jerusalém,
dominando a Galiléia e a rota entre Damasco e Acre. Em tempos de paz sua
guarnição era de 1.700 homens, aos quais outros 500 eram acrescentados em tempos de guerra.
Destes, 50 eram cavaleiros e 30 sargentos do Templo, 50 turcópolos e
300 besteiros. O custo da sua construção foi orçado em 1.100.000 besants sarracenos, e 400
escravos foram utilizados para ajudar os pedreiros qualificados. Doze
mil mulas carregadas de cevada e grãos eram necessárias para abastecer o castelo todo ano, e
parte das provisões era agora importada das comunidades dos templários
na Europa.'°'
Depois de completara refortificação de Sídon, o rei Luís decidiu regressar à França. Sua
presença era urgentemente necessária em seu reino, e o patriarca
de Jerusalém e os barões locais disseram-lhe que ele tinha feito o que podia e que deveria agora
voltar para casa. No dia 24 de abril de 1254, Luís partiu de Acre
num navio dos templários. Ele havia cumprido sua promessa da melhor maneira possível: arriscara
sua vida, quase morrera e permanecera quatro anos na Terra Santa
após seus irmãos e barões terem partido. Ele ha-
LUÍS DA FRANÇA
via gastado uma sova de dinheiro fenomenal, estimada por sua tesourari; real em 1,3 milhão e
livres tournois, onze ou doze vezes a renda anual de ser reino."' Havia
paz to ultramar por ocasião de sua partüda, mas a situação do; cristãos na Terra Sinta era precária,
e ele estava deixando Jerusalém na; mãos dos infiéis.
Geoffroy de Sargines, que se tornou senescal do reino, permaneceu em Acre para representar o
rei Luís. Contudo, em conseqüência da morte do impera. dor Frederico
II eml 250 e de seu filho Comado em 1254, o legítimo rei era agora Conradino, filio de Comado, e
não Luís IX; e embora houvesse uma guarnição francesa sob o comando
de Godofredo, ela era insuficiente para impor ordem às facões rivais, em particular as cidadea
marítimas italianas No início de 1256,uma disputa entre os venezianos;
e os genoveses pelc mosteiro de Saint-Sibas em Acre resultou em conflitos armado: os templários
e os cavaleiros teutônicos apoiaram os venezianos, e os hospitalários,
os genoveses. No mesno ano morreu o grão-mestre do Templo, Reinaldo de Vchiers, a quem
su:edeu Tomás Bérard.
Em 1258, os mongóis capturaram Bagdá, assassinaram o califa e massacraram a população.A
aproximação dessa horda asiática causou pânico entre os latinos na
Síria ena Palestina. Percebendo a insensatez de dissensão interna nessa época, Tomás Bérard fez
um pacto para marnter a paz com os outros grão-mestres: Hugo de Revel,
do Hospital, e An no de Sangerhausen, dos Cavaleiros Teuânicos. Alepo rendeu-se em janeiro de
1260 e Damasco capitulou em marçc. Tomás Bérard escreveu aos dirigentes
do Templo na Europa, informando-os da devastação causada pelos mcongóis e pedindo ajuda. A
urgência era tamanha, que o mensageiro dos templários, o irmão Amadeu,
chegou a Londres em apenas treze semanas, viajando de Dover a Londres num único dia Ele
descreveu como os mongóis usavam prisioneiros cristãos, incluindo mulheres,
como escudo humano contra seus inimigos. A menos que fosse pr°stada ajuda, "uma possível
aniquilação em breve terse-á abatido sobre o mundo"-3o3
As intenções dos mongóis para com os cristãos ainda não eram claras: em Bagdá, enquanto os
muçulmanos tinham sido massacrados, os cristãos tinham sido poupados.
Foram portanto os mamelucos nos Egito que se prepararam para resistir a eles, solicitando tanto
livre passagem para seu exército quanto ajuda dos francos. O Conselho
do Reino concordou com a primeira solicitação, mas uma aliança concreta foi vetada pelo nnestre
dos cavaleiros teutônicos, Anno de Sangerhausen. O exército mamelluco
marchou para a Palestina e, em 3 de setembro de 1260, sob seu sultão K:utuz, venceu o exército
mongol, liderado por Kitbogha, ao sul de Nazaré, enn Ain Jalut. Kitbogha
OS TEMPLÁRIOS
foi morto e um mês mais tarde o próprio Kutuz foi assassinado por Baibars, o heró; de Mansurá.
AI-Malik az-Zahir Rukn ad-Din Baibars era um turco kipchak da margem norte do mar Negro
que tinha sido vendido como escravo pelos mongóis ao sultão ayyúbida
do Cairo. Treinado como membro da guarda pessoal do sultão numa ilha do Nilo, Baibars foi
subindo de posto até tornar-se seu com4ndante e um dos oficiais mais competentes
do exército egípcio. Foi Baib4rs quem comandou a cavalaria egípcia na batalha de Lã Forbie em
1244. Foi também ele quem, como comandante de Mansurá durante a cruzada
do rei Luís, fez cair numa cilada e massacrou o conde Roberto de Artois e suo força de franceses,
ingleses e cavaleiros do Templo. Foi ele ainda quenh, junto com
outros oficiais mamelucos, assassinou o sultão ayyúbida Turatishah, sobrinho de Saladino. Foi
igualmente ele quem liderou a vanguarcla do exército egípcio contra
os mongóis na batalha de Ain Jalut.
irritado com a recusa do sultão Kutuz de recompensá-lo com a cidade de Alepb, Baibars
assassinou seu amo e apoderou-se do trono. Ele imediatamente se revelou
tão competente como governante quanto fora como soldado, r(-,fortificando as cidades
destruídas pelos mongóis, reconstruindo a frota egípcia e, com o correr do tempo,
expulsando os assassinos de suas fortificações e os últimos dos sucessores de Saladino de seus
principados na Síria, unindo, como o fizera Saladino, a Síria e o
Egito sob seu domínio.
A princípio, os latinos no ultramar não conseguiram avaliar a importância da vitória dos
mamelucos em Ain Jalut para o equilíbrio de poder na região. Em
fevereiro, João de Ibelin e João de Giubelet, marechal do reino, lideraram 900 cavaleiros, 1.500
turcópolos e 3.000 soldados de infantaria, entre' eles fortes contingentes
de templários de Acre, Safed, Beaufort e do Castelo Peregrino, contra um exército saqueador
formado por membros da tribo dos turcomanos. O exército latino foi derrotado;
o marechal do Templo, IJstêvão de Sissey, foi um dos poucos que escaparam vivos. As negociações
subseqüentes com Baibars para a libertação dos prisioneiros cristãos
forarri arruinadas pela recusa dos templários e dos hospitalários em entregar algurys de seus
prisioneiros muçulmanos porque apreciavam suas habilidades.
Furioso pelo que considerou uma manisfestação de cobiça grosseira, Baibars saqueou Nazaré
e atacou Acre, ferindo o senescal, Geoffroy de Sargines, nume luta
fora das muralhas da cidade. Como os mongóis no norte da Síria aindai eram uma ameaça em sua
retaguarda, Baibars não estava em condições de sitiar Acre, mas os francos
não podiam organizar nenhuma força que impedisse que as tropas dele se movessem à vontade
do Egito para a Palestina, e as concentrações que eles pudessem reunir
chegavam ao conheci-
LUÍS DA FRANÇA
mento dos muçulmanos graças ao seu uso de pombos-correios. Em 1265, Baibars apareceu de
repente com um grande exército diante de Cesaréia, cidade tão recentemente
refortificada pelo rei Luís IX. A cidade capitulou em 27 de fevereiro; a cidadela, uma semana mais
tarde. Alguns dias depois, foi a vez de Haifa, onde os habitantes
que não haviam fugido foram mortos.
O alvo seguinte de Baibars foi o Castelo Peregrino, fortaleza dos templários, mas enquanto a
cidade fora das muralhas foi tomada e queimada, verificou-se
que o castelo em si era inexpugnável, e assim Baibars seguiu para o
castelo de Assuf, de propriedade dos hospitalários. Aí, após os engenhos de cerco egípcios terem
feito uma brecha na muralha e um terço dos 270 cavaleiros da Ordem
do Hospital ter-se rendido, foi feito um acordo com o comandante para os termos da rendição,
acordo esse que assegurava a liberdade dos sobreviventes e que Baibars
então infringiu, aprisionando os cavaleiros que sobreviveram.
Em junho de 1266, Baibars sitiou a grande fortaleza dos templários de
Safed. Suas fortificacçes maciças, tão recentemente reconstruídas, resistiram ao primeiro assalto,
mas o próprio tamanho do castelo siginificava que uma grande parte
da guarnição era composta de cristãos sírios, que os emissários de Baibars prometeram poupar se
eles se rendessem. Sabendo que não receberiam ajuda e vendo que os
soldados turcópolos estavam começan-
do a desertar, o comandante dos templários enviou um sargento sírio de nascimento chamado
Leon Cazelier para negociar a rendição. Cazelier retornou com a garantia
de Baibars de salvo-conduto para Acre; mas a única pele que foi salva foi a de Cazelier. Assim que
os egípcios assumiram o controle do castelo, as mulheres e as
crianças foram levadas como prisioneiras e vendidas como escravos no Cairo, enquanto os
templários foram decapitados.
A perda de Safed após um sítio de apenas dezesseis dias foi uma catástrofe para os francos no
ultramar e uma humilhação para o Templo. A fortaleza foi refortificada
por Baibars, proporcionando aos mamelucos controle da Galiléia e dos acessos às cidades
litorâneas de Acre, Tiro e Sídon. Para impressionar os francos com o destino
que os aguardava, as cabeças dos tem-
plários decapitados foram dispostas num círculo ao redor do castelo.
A próxima fortaleza a cair, depois de uma resistência simulada, foi Toron. Marchando sem
obstáculos até a costa mediterrânea, os soldados de
Baibars mataram todos os cristãos que capturaram. Na primavera de 1268, Jafa rendeu-se a um
exército mameluco em menos de um dia. A guarnição teve permissão para
retirar-se para Acre, mas a cidade foi arrasada e seus habitantes cristãos mortos. Em seguida foi a
vez da fortaleza de Beaufort, recentemente guarnecida de templários:
ela rendeu-se no dia 18 de abril, após dez dias de bombardeio.
OS TEMPLÁRIOS
Por volta de 14 de maio, Baibars havia chegado a Antioquia, que, a despeito de seu declínio
como centro comercial, continuava a ser a maior cidade cristã
no ultramar. Seu governante, o príncipe Boemundo, estava em Trípoli, e a guarnição era
comandada por seu condestável, Simão Mansel; mas ela era pequena demais para
guarnecer as longas muralhas, que tinham frustrado por tanto tempo os soldados da Primeira
Cruzada. Em 18 de maio os mamelucos entraram através de uma brecha para
tomar a cidade. As portas foram fechadas, e os habitantes, ou massacrados ou escravizados. Os
souks e as graciosas casas foram saqueados e mais tarde abandonados.
Essa outrora grande metrópole do Império Romano, que fora o primeiro prêmio dos cruzados
latinos, jamais se recuperaria dessa devastação, decaindo até que afinal
foi riscada do mapa-múndi.
Com a captura de Antioquia e antes de Sis, a capital da Armênia Cilícia, pelos mamelucos, as
fortalezas dos templários nos montes Amanus ficaram expostas.
A guarnição de templários em Gaston (Baghras), o inexpugnável castelo que guardava os portões
da Síria, ao saber que Antioquia havia se rendido após apenas alguns
dias, decidiu que seria impossível resistir. Todavia, entregar uma fortaleza numa região de
fronteira sem a permissão do grão-mestre era uma grave infração das regras
da Ordem, e o comandante portanto resolveu resistir ao exército mameluco da melhor maneira
possível. No entanto, enquanto a comunidade estava comendo, um dos irmãos,
Guis de Belin, saiu da fortaleza com as chaves do portão e levou-as a Baibars, dizendo que a
guarnição dos templários queria render-se.
O comandante e os cavaleiros do Templo estavam dispostos a repudiar essa rendição não
autorizada, mas os sargentos da Ordem estavam menos resolutos. Confrontado
com a probabilidade da deserção deles, e dando-se conta de que àquela altura Baibars deveria ter
sido informado de sua frágil situação por Guis de Belin, o comandante
ordenou a evacuação de Gaston. Nesse aspecto ele anteviu, corretamente, as ordens do grãomestre, que havia enviado um certo irmão Pelestort para informar à guarnição
de Gaston que se retirasse para La Roche Guillaume, mas, não obstante, ao chegarem a Acre, os
cavaleiros de Gaston foram acusados da rendição não autorizada do castelo.
Em virtude das circunstâncias, a punição prescrita, de expulsão do Templo, foi reduzida à perda de
seus hábitos por um ano; e poderia ter sido ainda mais leve se
antes de saírem eles tivessem destruído as armas e os suprimentos que tinham em Gaston .304
Ao saber da rendição de Safed em 1267, o rei Luís mais uma vez tomou a Cruz. Todavia, a pureza
das intenções do rei estava agora contaminada pelas ambições de seu
irmão Carlos, conde de Anjou, que havia usurpado a Coroa
LUÍS DA FRANÇA
da Sicília aos Hohenstaufen com a bênção do papa. Em 1268, o jovem neto de Frederico II,
Conradino, ao tentar recuperar seu patrimônio, foi vencido na batalha de
Tagliacozzo e em seguida executado. Carlos, com ambições de fundar um império no
Mediterrâneo oriental, persuadiu seu irmão Luís de que ele deveria tomar Túnis como
prelúdio de uma invasão do Egito. Coma no delta do Nilo vinte anos antes, Luís teve algum êxito
no início, capturando Cartago, mas adoeceu de novo e dessa vez não
se recuperou, morrendo em 25 de agosto de 1270. Seu corpo foi levado de volta para a França
pelo caminho de Lyon e da Abadia de Cluny, com multidões aglomerando-se
ao longo do trajeto para prestar as últimas homenagens ao virtuoso monarca, e em Paris seu
corpo foi enterrado na Abadia de Saint-Denis, de Suger, agora o mausoléu
dos reis capetíngios.
A cruzada de Luís desintegrou-se após sua morte, e Baibars, que se havia retirado para o Egito
para se preparar para uma possível invasão dos franceses, poderia
agora continuar sua inexorável redução das fortalezas latinas no Oriente. Em fevereiro de 1271, o
castelo dos templários de Chastel Blanc rendeu-se a conselho do
grão-mestre, e permitiu-se que sua guarnição se retirasse para Tortosa. Em março, foi a vez de
Krak dos Cavaleiros, a magnífica fortaleza dos hospitalários. Ferozmente
defendida, acabou rendendo-se em 8 de abril. Outro castelo dos hospitalários, Akkar, caiu em 1°
de maio, após um cerco de duas semanas. Baibars então marchou para
Montfort, mantida pelos cavaleiros teutônicos, que se renderam no dia 12 de junho, depois de um
sítio de sete dias. Tinha sido a última fortaleza no interior mantida
pelos francos.
As cidades litorâneas que permaneceram nas mãos dos francos foram reforçadas por
contingentes de cruzados da Europa liderados por Teobaldo Vsconti, arcediago
de Liège, que, servindo como legado pontifício em Londres, tinha tomado a Cruz na Catedral de
São Paulo; e, ainda mais significativo, pelo príncipe Eduardo da Inglaterra,
sobrinho de Ricardo da Cornualha e filho e herdeiro do rei Henrique III. Com pouco mais de trinta
anos, competente e enérgico, Eduardo fora encorajado por seu pai
a cumprir os juramentos que Henrique freqüentemente fizera, mas que nunca se sentira capaz de
cumprir. Zarpando primeiro para Túnis, a fim de juntar-se ao rei Luís,
ao chegar foi informado de que ele estava morto. Ele portanto navegou para a Sicília, para
hospedar-se na casa de seu tio, Carlos de Anjou, em seguida para Chipre
e por fim para Acre, aonde chegou em maio de 1271, pouco depois da rendição do Krak dos
Cavaleiros.
Eduardo ficou estarrecido com a situação que encontrou no ultramarnão só a incapacidade
das forças nativas de manter as fortalezas do interior,
253
OS TEMPLÁRIOS
mas também o zelo com que as repúblicas marítimas italianas negociavam com o inimigo: os
venezianos forneciam a Baibars o metal e a madeira de que necessitava para
suas armas e engenhos de cerco, e os genoveses, os escravos para seus regimentos de mamelucos,
ambos com permissão da Alta Corte em Acre. Ele descobriu que os cavaleiros
de Chipre não estavam dispostos a lutar no continente, em território sírio, e que os mongóis, a
quem enviou uma embaixada de três ingleses, não estavam em condiçoes
de oferecer-lhe ajuda substancial. Tendo sido incapaz de persuadir os barões ingleses a unir-se a
ele numa cruzada, as próprias forças de Eduardo estavam limitadas
a cerca de mil homens - suficientes para alguns ataques de surpresa no território muçulmano, mas
inteiramente inadequados para influenciar o equilíbrio de poder
básico.
Baibars sabia disso, mas, com os mongóis ainda capazes de ameaçar sua retaguarda, não
estava em condições de mover-se para os domínios cristãos da costa.
A chegada de Eduardo em maio de 1271 o havia induzido a oferecer uma trégua a Boemundo de
Trípoli, e este a aceitara com alívio. Agora, um alio depois, chegava-se
a acordo semelhante com o reino de Acre: a integridade de seu território seria assegurada pelos
dez anos e dez meses seguintes. Nenhum lado considerava isso um acordo
permanente: Eduardo construiu uma torre em Acre e a pôs ao encargo da valorosa Ordem de São
Eduardo), que ele fundara. Em seguida, embarcou para a Inglaterra com
a intenção de regressar com forças mais substanciais, mas ao chegar em casa constatou que seu
pai havia morrido e que ele era agora rei, ascendendo ao trono como
Eduardo I.
A Queda de Acre
Outro cruzado que ascendeu durante sua ausência da Europa foi o compa ribeiro de armas de
Eduardo, Teobaldo Visconti, arcediago de Liège: en quanto ele estava em
Acre, dois emissários chegaram da Europa para infoi má-lo de que fora escolhido como o novo
papa. Após anos de altercação, o
cardeais católicos reunidos em Viterbo tinham sido trancados no Palácio do Papas pelos prefeitos
da cidade, para obriga-los a chegar a uma decisão, en seguida expostos
ao tempo com a remoção do teto do palácio, e por fim lhe
tinham sido negadas provisões até que fizessem uma escolha.
Adotando o título de Gregório X, o papa eleito regressou primeiro a Vi terbo e depois a Roma,
que seus dois predecessores tinham evitado, e aí fo coroado
com a tiara pontifícia em 27 de março de 1272. Em espírito, todavia permaneceu na Palestina: ele
"preservou uma vívida lembrança de Jerusa lém e trabalhou pela sua
reconquista. Sua genuína devoção à causa da Terra Santa tornou-se a base de sua política"."'
Menos de um mês após sua ascen
são, ele convocou um concílio geral da Igreja para reunir-se em Lyon. O item mais importante de
sua agenda era uma nova cruzada, e ele pediu que se fizessem sugestões
à luz do fracasso da expedição de Luís IX a Túnis dois anos antes.
Como requisito indispensável a uma cruzada bem-sucedida, Gregório X fez o que pôde para
reconciliar as facções em guerra na Europa, e também
fez uma tentativa de aproximação ao imperador grego em Constantinopla, Miguel VIII Paleólogo,
convidando-o a mandar delegados a Lyon com o objetivo de reunir as
duas igrejas. Na esteira de tantos reveses, a pregação de uma cruzada já não se fazia sem
dificuldades. Humberto de Romans, o quinto mestre-geral da Ordem de Pregadores
de Domingos de Gusmão,
havia advertido seus frades no manual De predictatione sancte crucis de que eles deveriam estar
prontos para responder a críticas rudes e hostis e de que seus sermões
seriam com freqüência recebidos "com zombaria e derrisão"."' Humberto fez uma relação dos
argumentos usados por seus opositores - por exemplo, de que era incompatível
com a doutrina de Cristo matar
255
OS TEMPLÁRIOS
em nome da Igreja: "os defensores de missões pacíficas junto aos infiéis eram bastante numerosos
na época do Segundo Concílio de Lyon".3°' Até mesmo entre aqueles
que defendiam uma nova cruzada, havia amplo consenso de que ela não deveria ser o tipo de
empreendimento popular visto durante a Primeira Cruzada - o passagium
generale -, mas, conforme proposto por Gilberto de Tournai, uma força expedicionária de
soldados profissionais - o passagium particulare.
Apenas um monarca europeu, o rei Jaime I de Aragão, foi ao concílio de Gregório X em Lyon,
que se reuniu em 7 de maio de 1274. A ausêncis de Eduardo 1 da
Inglaterra, ex-companheiro de armas do papa, foi uma decepção particular, porque ele teria sido
capaz de oferecer aos padres do concílio o benefício de sua experiência.
Sem o rei Eduardo e o rei Filipe 111 da Rança, Gregório recorreu aos conselhos dos grão-mestres
das ordens militares: Hugo Revel, do Hospital, e Guilherme de Beaujeu,
eleito grão-mestre do Templo após a morte de Tomás de Bérard no ano anterior.
Guilherme era um templário de carreira com considerável experiência em combate na
Palestina e na administração da Ordem. Em 1261, ele tinha sido capturado
num ataque de surpresa e em seguida resgatado; fora preceptor dos templários no condado de
Trípoli em 1271 e era preceptor do reino da Sicília ao tempo de sua eleição.
Contudo, sua ascensão quase com certeza aconteceu por causa de seus vínculos com a coroa
francesa. Seu tio havia lutado ao lado de Luís IX no Nilo, e através de
sua avó paterna, Sibila de Hainault, era aparentado com a família real capetíngia. Não apenas os
reis franceses tinham sido a mais confiável fonte européia de ajuda
à Terra Santa, pagando a uma força permanente de cavalleiros e besteiros em Acre, mas, com o
triunfo de Carlos de Anjou sobre seu rival Hohenstaufen na batalha de
Tagliacozzo, o poder francês agora se estendia por todo o Mediterrâneo. Em conseqüência,
Guilherme de Beaujeu, no Concílio de Lyon, pronunciou-se contra uma proposta
apresenta pelor rei Jaime 1 de Aragãc de enviar uma força de 500 cavaleiros e 2.000 soldados de
infantaria como a vanguarda de um passagiumgenerale, argumentando
que hordas de cruz2dos entusiásticos, mas indisciplinados e transientes., seriam ineficazes. O que
era necessário, em primeiro lugar, era uma guarnição permanente
na 'ferra Santa, periodicamente reforçada por pequenos contingentes de sold2dos profissionais; e,
em segundo lugar, um bloqueia econômico do Egito para solapar sua
economia.
Como condição prévia desse bloqueio, afirmou Guilherme de Beaujeu, os cristãos teriam de
firmar um domínio naval no Mediterrâneo oriental que não dependesse
das repúblicas marítimas italianas, Veneza, Gênova e Pisa: seu comércio com o Egito era
simplesmente "llucrativo demais para que
256
A QUEDA DE ACRE
abrissem mão dele",3°8 e os venezianos até usavam Acre para seu comércio com o Egito de
petrechos de guerra proibidos procedentes da Europa. Seguindo esses conselhos,
o Concílio de Lyon ordenou aos grão-mestres do Templo e do Hospital que construíssem uma frota
de navios de guerra.
Havia outra razão para que os templários apoiassem Carlos de Anjou: ele comprara os direitos
ao trono de Jerusalém de uma pretendente digna de fé, Maria
de Jerusalém, por mil libras de ouro e uma pensão anual de 4.000 livres tournois. Para os
templários, e sem dúvida para o papa, um único soberano da casa real francesa
reinando sobre um reino unido da Sicília e de Jerusalém era de longe a melhor base política para a
preservação da presença dos latinos na Terra Santa, mas isso fez
com que a Ordem entrasse em conflito com a nobreza nativa do reino de Acre, que apoiou a
reivindicação do rei Hugo de Chipre. Quando Guilherme de Beaujeu regressou
a Acre em setembro de 1275, ele se recusou a reconhecer a autoridade do rei Hugo, que em
conseqüência voltou para Chipre profundamente ressentido e escreveu ao papa
queixando-se de que as ordens militares tinham tornado a Terra Santa ingovernável.
Carlos de Anjou, que também tinha o apoio do papa Gregório X, enviou a Acre um bailli para
governarem seu nome, Rogério de San Severino. A nobreza nativa
não viu outra opção senão aceitar a autoridade de Rogério, que ele exercia junto com Guilherme
de Beaujeu. Duas tentativas do rei Hugo de recuperar seu posto com
forças expedicionárias a Tiro em 1289 e a Beirute em 1284 foram frustradas, em grande parte
pelos templários. O preço pago pela Ordem foi o seqüestro ou a destruição
de suas propriedades em Chipre, que por sua vez resultaram em protestos do papa.309
De forma mais arbitrária, Guilherme de Beaujeu também envolveu o Templo numa
prolongada disputa pela mão de uma herdeira entre Boemundo VII de Trípoli e
seu principal vassalo, disputa essa que levou a uma guerra civil em pequena escala. Esse conflito
cruento entre os cristãos latinos numa época em que seu reino já
se encontrava numa situação perigosa escandalizou a opinião pública européia e minou a
autoridade moral do grão-mestre do Templo, criando "uma imagem dele como indigno
de confiança e sectário, uma imagem _ que, por seu turno, veio a se refletir em alguns dos juízos
tardios a seu respeito. e a respeito dos últimos anos dos templários
na Palestina 11.310 '
No fim de março de 1282, toda a base da política de Guilherme foi solapada com a revolta dos
sicilianos contra Carlos de Anjou. Esta começou com um tumulto
do lado de fora da catedral em Palermo, enquanto se entoavam as vésperas, e levou a um ataque
contra a guarnição francesa. Carlos, um homem arrogante e insensível
que não possuía nenhuma das judiciosas quali-
257
OS TEMPLÁRIOS
dades de seu virtuoso irmão, Luís IX, já havia despertado o antagonismo dos
sicilianos em geral com seu governo opressivo e do povo de Palermo em particular por transferir
sua capital para Nápoles, acelerando assim o declínio econômico da
cidade. Incitado pelo pretendente rival ao trono siciliano, Pedro III de Aragão, o povo de Palermo
seguiu o exemplo do ataque aos soldados franceses do lado de fora
da catedral com o massacre de 2.000 franceses que viviam na cidade.
O desembarque de um exército aragonês em Trapani alguns meses mais tarde deu início a
uma guerra que acabou com qualquer esperança de ajuda aos latinos na
Terra Santa. Uma cruzada foi proclamada pelo papa Martinho IV não contra os sarracenos, mas
contra os aragoneses. Como várias outras cruzadas pregadas contra os
inimigos do papado no século XIV ela depreciou todo o conceito de guerra santa. Não se tratava
apenas do fato de a Europa estar escandalizada por uma guerra contra
os inimigos cristãos do papa, mas também do fato de que havia um explícito desvio de recursos.
Em 13 de dezembro de 1282, o papa Martinho IV, um francês chamado
Simão de Brion, autorizou o rei Filipe III da França a retirar 100.000 livres tournoir do Tèmplo de
Paris, arrecadados mediante o imposto das cruzadas, para financiar
a guerra entre os sicilianos e os aragoneses. O imposto de dez por cento sobre a Igreja que tinha
sido coletado na Hungria, na Sicília, na Sardenha, na Córsega,
na Provença e em Aragão, e que montava a 15.000 onças de ouro, foi transmitido a Carlos de
Anjou. As conseqüências para a Terra Santa foram claras na ocasião, pelo
menos para os propagandistas antipapais. Bartolomeu de Neocastro descreve um cavaleiro do
Templo censurando o papa Nicolau IV "Vós podíeis ter ajudado a Terra Santa
com o poder de reis e a força de outros crentes em Cristo (...) mas preferistes atacar um rei cristão
e os sicilianos cristãos, armando reis contra um rei para reconquistar
a ilha da Sicília".31'
Na própria Terra Santa, as Vésperas Sicilianas tinham tornado insustentável a situação do
novo bailli de Carlos de Anjou, Odon Poilechien, e os templários
transferiram seu apoio para o rei Henrique II de Chipre, filho e herdeiro do rei Hugo.
Demonstrando uma rara concórdia, os grão-mestres dos templários, dos hospitalários
e dos cavaleiros teutônicos persuadiram Odon Poilechien a entregar-lhes a cidadela em Acre e
então eles mesmos deram-na ao rei. Seis semanas mais tarde, depois da
coroação do jovem rei em Tiro, a corte regressou a Acre, onde a ascensão dele foi celebrada com
jogos, préstitos e torneios organizados pelos hospitalários. A jovem
nobreza do ultramar interpretou cenas de cavalheirismo de Os Cavaleiros da Tdvola Redonda e de
A Rain14a de Femenie, em que cavaleiros vestidos como mulheres encenaram
justas simuladas. Essas comemorações continuaram por duas semanas.
258
A QUEDA DE ACRE
Um fator que até então havia atuado em favor dos latinos na Palestina tinha sido o caos que se
seguia à morte de um líder muçulmano - por exemplo, após a morte de
Saladino em 1193. Contudo, quando Baibars morreu em 1277, seus ineficazes filhos foram
substituídos dentro de três anos por Qalawun, o mais competente comandante
de Baibars. O principal fator que inibira o novo sultão de mover-se em grande número contra os
francos fora um medo residual de Carlos de Anjou: uma vez que esse
medo fora eli-
minado pelas Vésperas Sicilianas em 1282, nada restava que o impedisse de tentar alcançar a
ambição de Baibars de empurrar os francos para o mar.
Em 1287, Qalawun enviou um de seus emires para atacar Latáquia, o úl-
timo porto no principado de Antioquia que permanecia nas mãos dos cristãos. Não se fez
nenhuma tentativa de socorrê-lo, e Latáquia rendeu-se após um resistência
simbólica. Em 1288, aproveitando-se de uma disputa pelo
governo de Trípoli depois da morte de Boemundo IV Qalawun preparou em segredo o assalto à
cidade. Seu plano foi revelado por um espião a serviço do Templo, o emir
al-Fakhri, e Guilherme de Beaujeu escreveu para advertir os
cidadãos de Trípoli; porém, em virtude dos seus antecendentes de má-fé em interesse próprio,
eles não acreditaram nele, e portanto o exército de
Qalawun os encontrou despreparados. Quando as tropas mamelucas irromperam na cidade, o
comandante dos templários, Pedro de Moncada, perma-
neceu e foi morto junto com todos os prisioneiros do sexo masculino; as mulheres e as crianças
foram levadas como escravos. Depois que a cidade estava em suas mãos,
Qalawun ordenou que ela fosse completamente arrasada para evitar qualquer proveito pelos
francos.
Nocionalmente, o reino de Acre ainda estava protegido por uma trégua, mas Qalawun logo
encontrou um pretexto para quebrá-la. Um entusiástico mas indisciplinado
grupo de cruzados, recém-chegado do norte da Itália,
reagiu ao rumor de que uma cristã havia sido seduzida por um sarraceno atacando todos os
muçulmanos na cidade de Acre. Os barões latinos e as ordens militares fizeram
o possível para deter esse pogrom, mas vários muçulmanos foram mortos. Quando Qalawun
soube do massacre, ele exigiu que os canalhas lhe fossem entregues para execução.
As autoridades em Acre recusa-
ram-se a entregar cruzados cristãos ao infiel. Guilherme de Beaujeu propôs enviarem seu lugar
todos os prisioneiros condenados mantidos nos cárceres da cidade, mas
a proposta foi rejeitada. Em vez disso, o rei Henrique enviou emissários a Qalawun para explicar
que os lombardos eram recém-chegados e, portanto, não haviam entendido
a lei, e que, de qualquer modo, o distúrbio tinha sido desencadeado pelos mercadores
muçulmanos.
Isso não satisfez Qalawun. Informado por seus conselheiros de que tinha uma causa justa para
quebrar a trégua, ele ordenou a seu exército que
OS TEMPLÁRIOS
se preparasse em segredç para um assalto a Acre. Mais uma vez, o emir al-Fakhri enviou uma
mensagem a Guilherme de Beaujeu, mas novamente não deram crédito ao grão-mestre
do Templo. Em desespero, Guilherme de Beaujeu enviou seu próprio mensageiro ao Cairo para
negociar com Qalawun, que ofereceu paz em troca de um cequim por cada habitante
de Acre. Guilherme recomendou essa c,ferta à Alta Corte em Acre, mas ela foi desdenhosamente
rejeitada. O próprio Guilherme foi acusado de traição e xingado pela
multidão, quando deixou a sala de audiência.
No dia 4 de novembro de 1290, Qalawun partiu para Acre à frente de seu exército, mas
adoeceu e dentro de uma semana estava morto. Sucedeu-lhe seu filho al-Ashr~f,
que, enquanto o pai agonizava, prometeu que continuaria a guerra contra os francos. Novos
emissários de Acre, entre eles um cavaleiro do Templo, $artolomeu Pizan,
foram lançados na prisão; e em março de 1291 os exército; de al-Ashraf da Síria e do Egito
começaram a convergir para Acre com mais de cem engenhos de cerco, catapultas
gigantes e manganelas. Em 5 de abril o próprio al-Ashraf chegou diante das muralhas de Acre e o
cerco começou.
A cristandade tinha sido informada dos planos dos muçulmanos contra Acre pelo menos seis
mesas antes, mas pouco tinha sido feito para intensificar suas forças
na Terra Satita. As ordens militares tinham convocado cavaleiros da Europa; o rei Eduardo I havia
enviado alguns cavaleiros sob Oto de Grandson; e o rei Henrique,
um contingente de tropas de Chipre. No máximo, as forças cristãs combinadas consistiam em
cerca de mil cavaleiros e quatorze mil soldados de infantaria, entre eles
os indisciplinados lombardos. A população da cidade era estimada em aproximadamente quarenta
mil, e todo homem vigoroso assumiu seu lugar nas muralhas. Ao norte
ficava o subúrbio de Montmusard, protegido por uma muralha dobrada e um fosso; e entre
Montmusard e Acre propriamente dita havia outro fosso e uma muralha que ligava
torres fortificadas construídas por eminentes cruzados, como o príncipe Eduardo da Inglaterra.
A cada contingente cias forças de defesa foi designada uma seção das muralhas. Os
templários, sob Guilherme de Beaujeu, guarneceram a seção mais ao norte,
de onde os bastiões de Montmusard avançavam até o mar. Junto a eles estavam os h(Dspitalários
e, na junção com as muralhas de Acre, os cavaleiros reais comandados
por Arnauri, irmão do rei, reforçados pelos cavaleiros teutônicos; a seguir, os franceses, os
ingleses, os venezianos, os Pisanos e, por fim, as tropas da Comuna
de Acre.
Em 6 de abril, o cerco começou com um bombardeio das catapultas e manganelas do sultão.
Colberto por uma saraivada de flechas disparadas contra os defensores,
os engenheiros mamelucos avançaram a fim de solapar as
A QUEDA DE ACRE
torres e as muralhas. Embora adequadamente abastecidos de alimentos pc mar, os cristãos não
tinham armas e soldados suficientes para guarnecer c baluartes. Na noite
de 15 de abril, Guilherme de Beaujeu liderou uma sort da para atacar o acampamento dos
muçulmanos, mas, após um êxito inicia os cavaleiros ficaram enredados nas
cordas de retenção das barracas e forar forçados a voltar para a cidade, deixando dezoito mortos
para trás. Em 8 d maio, a primeira das torres solapadas pelos engenheiros
muçulmanos estav a ponto de desmoronar, obrigando sua guarnição a incendiá-la e então reta
rar-se.
Durante a semana que se seguiu, outras torres começaram a desmonc rar, e em 16 de maio os
mamelucos fizeram um ataque arrojado à Porta d~ Santo Antônio,
que foi rechaçado pelos templários e pelos hospitalários. En 15 de maio, enquanto descansava,
Guilherme de Beaujeu ficou sabendo que os mamelucos haviam capturado
a Torre Maldita. Sem esperar para pôr tod a sua armadura, ele saiu precipitadamente, a fim de
comandar um con tra-ataque, mas foi rechaçado e ferido. Seus confrades
do Templo leva ram-no de volta para a fortaleza dos templários no extremo sudoeste d; cidade,
onde morreu naquela noite.
O marechal dos hospitalários, Mateus de Clermont, que tinha estado com Guilherme de
Beaujeu, retornou à batalha e foi morto. O grão-mestr< do Hospital, João
de Villiers, também foi ferido, mas não fatalmente, f levado por seus confrades para uma galera no
porto. Nos embarcadouros,
confusão era total, devido àqueles que tentavam abandonar a cidade conde nada. O rei Henrique
e seu irmão Amauri zarparam para Chipre. Oto de Grandson e João de
Grailly apoderaram-se de um navio. Fugitivos desespe rados jogavam-se no mar, a fim de nadarem
até as galeras fundeadas ao largo O patriarca, Nicolau de Hanape,
acolheu tantos no escaler que o estava conduzindo a uma galera, que o pequeno bote emborcou e
o patriarca morreu afogado.
Rogério de Flor, comandante de uma galera dos templários, assentou os alicerces de sua
subseqüente carreira de pirata, extorquindo grandes somas de dinheiro
das ricas matronas de Acre por um lugar em seu barco. Mas por fim o porto foi isolado pelas
forças mamelucas que avançavam lutando pelas ruas da cidade, matando
sem distinção homens, mulheres e crianças. Os que se esconderam em suas casas até que a fúria
da batalha tivesse cessado foram capturados e escravizados; tantos
foram levados que o preço de uma garota no mercado de escravos em Damasco caiu a uma
dracma, e "muitas mulheres e crianças desapareceram para sempre nos haréns dos
emires mamelucos".3'z
OS TEMPLÁRIOS
Aoanoitecer de 18 de maio, toda Acre estava nas mãos dos muçulmanos, exceto a fortaleza
dos templários no extremo da cidade que dava para o mar. Aí os templários
restantes, sob o comando de seu marechal, Pedro de Sevrey, resistirem com civis que se haviam
refugiado atrás das muralhas maciças. Galera: regressaram de Chipre
para mantê-los abastecidos, e sua força residual fo: suficiente para induzir o sultão al-Ashraf a
propor os termos da rendição. Foi acertado que os templários entregariam
a fortaleza em troca do livre enbarque de todos que estavam no complexo, junto com suas posses.
Mas o emir, com cem mamelucos que foram aceitos para supervisionar
essa trégua, apossou-se da propriedade dos civis e começou a maltratar mulheres e crianças
cristãs. Enfurecidos, os templários mataram os mamelucos e rasgaram o
estandarte do sultão que haviam alçado acima da torre.
Naquela noite, oculto pela escuridão, o comandante dos templários, Teobaldo Gaudin, foi
ordenado pelo marechal, Pedro de Sevrey, a tomar um navio com o tesouro
da Ordem e alguns dos civis e navegar até a fortaleza dos templárïos em Sídon. Na manhã
seguinte, o sultão al-Ashraf pediu que se reabrissem as negociações para
a rendição dos templários. O marechal, Pedro de Sevrey, com um pequeno grupo de cavaleiros do
Templo deixou a fortale2a com um salvo-conduto a fim de conferenciar.
Quando chegaram ao acampamento do sultão, foram capturados e decapitados. Os que
permaneceram atrás das muralhas do Templo fecharam os portões e aguardaram o ataque
final dos muçulmanos. Em 28 de maio, parte da muralha do lado da terra foi solapada e os
muçulmanos entraram pela brecha. Os últimos defensores foram dominados e
massacrados. Acre foi afinal conquistada.
Em Sídon, Teobaldo Gaudin foi eleito grão-mestre em sucessão a Guilherme de Beaujeu; ele era
um soldado experiente que servira durante trinta anos na Terra Santa,
primeiro como chefe dos turcópolos, depois como comandante em Acre. Ele permaneceu em
Sídon por um mês após a queda de Acre e, quando um exército mameluco apareceu
diante das muralhas da cidade, retirou-se com a guarnição de templários para a cidadela, a pouca
distância da praia. Tiro já se havia rendido aos mamelucos, ao passo
que Acre, por ordem do sultão, tinha sido sistematicamente arrasada, e o portal da Igreja de Santo
André foi levado para o Cairo como uma lembrança da gloriosa vitória
de al-Ashraf
Airda tencionando resistir, Te obaldo Gaudin zarpou para Chipre em busca de reforços,
levando consigo o tesouro da Ordem, e não retornou. Aconselhado por
seus confrades em Chipre a abandonar Sídon, e vendo que os mamelucos tinham começado a
construir uma estrada elevada, os templários abandonaram o castelo e navegaram
costa acima até Tortosa. Haifa ren-
A QUEDA DE ACRE
deu-se em 30 de julho; Beirute, um dia depois, e suas muralhas foram demolidas e sua catedral
transformada em mesquita. Tortosa foi evacuada em 3 de agosto, e onze
dias mais tarde os templários retiraram-se de sua maior fortaleza, o inexpugnável Castelo
Peregrino. Tudo o que restou foi a sua guarnição na ilha de Ruad, a duas
milhas da costa, próximo a Tortosa.
Aí os templários mantiveram uma guarnição durante os doze anos seguintes. Nesse período,
os muçulmanos arrasaram as cidades e devastaram a terra no litoral
do Mediterrâneo. Em pouco tempo, a presença dos francos no continente asiático eram ruínas no
meio da areia.
pQRte tueS
A QUEDA DOS TEMPLÁRIOS
V
(,Z~II l~z~
O Templo no Exílio
Embora tivesse sido prevista, a queda de Acre foi um choque para a cristandade latina e deu uma
sensação de urgência aos planos do papa Nicolau IV de uma nova cruzada.
Esta fora proclamada uns dois meses antes de a notícia chegar à Europa, em 29 de março de 1291,
e tinha se tornado possível pela solução do imbróglio siciliano pelo
Tratado de Brignoles no mês anterior. Ela seria liderada pelo rei inglês Eduardo I, que, tendo
subjugado os galeses, sentia-se capaz de realizar sua aspiração de
longa data de regressar à Terra Santa à frente de um exército: a data para sua partida foi marcada
para a Festa de São João Batista, 24 de junho de 1293.
A queda de Acre não foi vista naquela época como o fim da presença latina na Terra Santa.
Havia um ponto de vista comum de que os mongóis se revelariam a
salvação dos cristãos. A conversão ao cristianismo de alguns dos delegados mongóis que
participaram do Segundo Concílio de Lvon resultou na esperança de que outros
pudessem seguir seu exemplo, e a crença baseada no desejo, e não em razões lógicas,
transformou a esperança em expectativa. O papa Nicolau IV o primeiro frade franciscano
a ocupar a Sé de São Pedro, enviara um missionário franciscano, Giovanni di Monte Corvino, à
corte do Grande Kubla Khan. Além disso, ainda havia uma presença cristã
no continente asiático, na Armênia Cilicia, e Chipre continuava nas mãos dos francos. A estratégia
do papa era reforçar esses postos avançados cristãos e enfraquecer
o Egito com um bloqueio naval antes da cruzada do rei Eduardo.
As recriminações foram menos enérgicas, sobretudo quando comparadas com as que haviam
se seguido ao fracasso da Segunda Cruzada. Os lombardos que haviam
dado a Qalawun um pretexto para quebrar a trégua; a decadência pecaminosa dos habitantes do
ultramar; e, entre as classes inferiores, os procrastinadores líderes
da cristandade, foram todos responsabilizados. "Chorai, filha de Sião", escreveu o autor de um
pequeno tratado, De Exidio Urbis Acconzs,
OS TEMPLÁRIOS
Chorai sobre vossos chefes, que vos abandonaram. Chorai sobre vosso papa, sobre vossos cardeais
e prelados e sobre o clero da Igreja. Chorai sobre vossos reis, príncipes,
barões e cavaleiros cristãos, que se chamam a si mesmos de grandes combatentes, mas (...)
deixaram essa cidade repleta de cristãos sem defesa e abandonaram-na, deixando-a
só como um cordeiro no meio de lobos."'
A falta de firmeza moral dos cristãos foi contrastada com o fervor religiosodos muçulmanos.
Contudo, o Senhor estivera disposto a poupar Sodoma po,r causa
de dez homens justos, e em Acre, apesar de toda a sua decadência, tinha havido muito mais que
dez. Trinta frades dominicanos na cidade tiniham sido massacrados pelos
mamelucos após sua rendição; e um de seus colnfrades, o missionário Ricoldo de Monte Croce,
que estava em Bagdá na ocasião, foi alvo de intenso escárnio dos muçulmanos,
para quem o fracasso de Cristo em salvar os cristãos provava que ele era um mero homem.
"Judeus e nnongóis também zombaram dos cristãos (...). Muitos cristãos tiraram
concluisões extremas e converteram-se ao islamismo." 314
Encontrando na kasbah o conteúdo de uma igreja saqueada em Acre, Ripoldo comprou um
missal e uma cópia de A Moral do Trabalho, do papa Gnegório, o Grande.
Ricoldo quase entrou em desespero: Maomé tinha triunfajo na terra natal de Cristo. Tudo a seu
redor era apostasia e sujeição. padres tinham sido chacinados, freiras
transformadas em concubinas, e "se os sarracenos continuarem a fazer o que fizeram em dois
anos a Trípoli e Acre, em alguns anos não restarão mais cristãos no mundo
inteiro".315
Na Europa, longe do escárnio dos muçulmanos, e com o destino dos cristãos na Ásia
testemunhado apenas indiretamente, ninguém teve a temeridade de fazer de
Cristo o bode expiatório, mas houve críticas retrospectivai às repúblicas marítimas italianas e às
ordens militares. João de Villiers, o mestre do Hospital, que
tinha sido ferido e levado para a segurança de ChiprC,, escreveu posteriormente a Guilherme de
Villaret, o hospitalário prior de Saint-Gilles, num tom que sugere
que ele estava perfeitamente cônscio de que se julgava que deveria ter morrido no seu posto."' A
morte heróica de Guilherme de Beaujeu não expungiu por completo
sua reputação como a principal fonte de desunião no reino latino. O papa Nicolau IV anunciou
publicamente que as disputas entre o Templo e o Hospital haviam contribuído
para a ruína de Acre e propôs que as duas ordens fossem portanto fundidas. Isso foi endossado
por quase todos os concílios da Igreja depois de 1201 e associado a
exigências, como as do Concílio de Canterbury que se reuniu no Templo em Londres em fevereiro
de 1292, de que uma nova cruzada fosse custeada com os recursos financeiros
das duas ordens. Não obs-
O TEMPLO NO EXÍLIO
tante, quando Nicolau IV morreu em 1293, os resolutos planos de uma nova cruzada morreram
com ele.
A fusão proposta do Templo e do Hospital foi mal recebida pelas duas ordens militares. Nenhuma
delas queria abdicar de sua autonomia, e ambas sentiam que estavam
sendo usadas como bodes expiatórios para o fracasso de outrem na organização de ajuda a Acre.
Ambas estavam seguras não apenas de que eram poderosas demais para
serem coagidas a uma união, mas também de que eram indispensáveis a qualquer cruzada futura.
Não obstante, a defesa da Terra Santa tinha sido sua raison d ëtre,
e embora sua bravura na defesa de Acre lhes tivesse dado crédito, a rendição de Sídon e do
Castelo Peregrino sem luta, ainda que sem dúvida justificada por motivos
estratégicos, não havia aumentado seu prestígio.
Com alguma presciência, a Ordem Teutônica, após a queda de Acre, mudara sua sede
primeiro para Veneza e depois, em 1309, para Marienburg, na Prússia, e a
partir de então lutou exclusivamente contra os prussianos e os lituanos pagãos. O Hospital, como
o Templo, buscou refúgio em Chipre, onde possuía extensas propriedades,
estabelecendo seu convento em Limassol em 1292. Mas tendo expandido sua frota de galeras
para reforçar o bloqueio ao Egito, conforme instruído pelo Segundo Concílio
de Lyon, os hospitalários agora procuravam uma base livre da jurisdição do rei de Chipre. O olhar
do grão-mestre, Foulques de Villaret, eleito em 1305, caiu sobre
a ilha de Rodes.
Nominalmente ainda parte do Império Bizantino, nos últimos trinta anos Rodes tinha sido
governada por genoveses piratas. Não havia nenhum soberano na região
do mar Egeu: o Sul da Grécia ainda era governado por príncipes latinos, Creta e algumas das ilhas
jônias por Veneza, e se fazia pouca distinção entre comerciantes
e piratas, ou entre mercenários e bucaneiros. Em março de 1302, o Templo em Chipre pagou um
resgate de 45.000 moedas de prata para assegurar a libertação de Guido
de Ibelin e sua família, que tinham sido seqüestrados por piratas de seu castelo em Chipre.
Uma boa idéia do caos que reinava no Mediterrâneo nessa época é fornecida pela carreira de
Rogério de Flor, o templário que extorquiu o tesouro
das matronas de Acre em troca de um lugar em sua galera. Segundo se dizia, filho de Richard von
der Blume, falcoeiro do imperador Frederico II, após a queda dos
Hohenstaufen ele foi contratado, aos oito anos de idade, como taifeiro numa galera dos
templários no porto de Brindisi. Latinizando seu nome para Rogério de Flor,
ingressou na Ordem do Templo e ascendeu ao posto de comandante da galera Falcon.
269
OS TEMPLÁRIOS
Expulso da Ordem devido ao seu comportamento em Acre, ele navegou para Marselha e em
seguida para Gênova, onde foi posto no comando de uma nova galera, a
Olivetta. Enormemente enriquecido, primeiro através da pirataria e depois como líder de um
bando de mercenários catalães que combatiam na Sicília, por volta de 1302
estava no comando de uma frota de trinta e duas galeras e navios de transporte e de uma força de
2.500 homens. Estes ele colocou à disposição do imperador bizantino
Andrônico Paleólogo em troca da mão de sua sobrinha Maria, do título de megas dux e, para sua
Companhia Catalã, do dobro das taxas de pagamento usuais. Após uma
vitoriosa campanha contra os turcos na Anatólia, Rogério foi assassinado. Sua Companhia Catalã,
sob um novo comandante, apossou-se do ducado de Atenas em 1311, onde
permaneceu por senta e sete anos."'
Um de apenas pouquíssimos templários renegados cuja história foi registrada, a rápida
ascensão e a súbita queda de Rogério de Flor revelam a relativa facilidade
com que uma bem organizada força de combatentes poderia adquirir um domínio da sua escolha.
Tirando proveito dessa anarquia, uma força de hospitalários desembarcou
em Rodes em junho de 1306, e antes do fim do ano havia capturado a capital, Filermo. Em 1307, o
papa Clemente V sancionou sua conquista, e, embora mais três anos
fossem necessários para subjugar a ilha inteira, o Hospital possuía um principado bem fortificado e
auto-suficiente que assegurava sua independência de controle
externo.
Os templários não eram tão sagazes. Eles tinham propriedades substanciais na ilha de Chipre,
entre elas uma fortaleza ao norte de Famagusta e torres fortificadas
em Limassol, Yermasoya e Khirokitia, mas não estavam em condições de governar ou mesmo
dominar a ilha. Além do mais, tinham sido punidos pelo rei Hugo de Chipre
por apoiarem Carlos de Anjou na disputa pela coroa de Jerusalém: sua casa em Limassol,
seqüestrada pelo rei Hugo, só lhes foi devolvida depois da intervenção do
papa Maninho IV na década de 1280.
As relações continuaram azedas após a queda de Acre, quando a sede do Templo se mudou
para Chipre: o rei Henrique dificilmente pode ter-se sentido inclinado
a dar as boas-vindas a um influxo de cavaleiros do Templo, sargentos e tropas auxiliares. O
Capítulo Geral que se reuniu em Nicósia na esteira do desastre contou
com a presença de 400 confrades da Ordem; e em 1300 esta foi capaz de enviar 120 cavaleiros,
500 arqueiros e 400 serviçais para reforçarem a guarnição na ilha de
Ruad. Como sempre, os templários foram alvo de ressentimentos devido a seus privilégios e
isenções. Em 1298, o rei Henrique II enviou uma embaixada para se queixar
ao papa do comportamento da Ordem; e, quando ele foi obrigado a abdicar pelos barões ciprio-
270
O TEMPLO NO EXÍLIO
tas em favor de seu irmão Amauri em 1306, os templários faziam parte do grupo que ficou contra
e1e.31s
A direção da Ordem tinha passado nessa ocasião das mãos de Teobaldo Gaudin, que falecera
em abril de 1293, para as de um novo grão-mestre, Jacques de Molay.
Originário da pequena nobreza do Franche-Comté, parte do pós-carolíngio reino central da
Lorena, que fornecera muitos cavaleiros à Ordem, ele era filho de João de
Longwy e parente da distinta família Rohan pelo lado materno. Tomou o nome de Molay de uma
propriedade na diocese de Besançon e fora recebido na Ordem em Beaune,
na Borgonha, em 1265, por dois altos funcionários, Humberto de Pairaud, mestre na Inglaterra, e
Amauri de La Roche, mestre na França. Tinha passado grande parte
de sua carreira no ultramar, mas não se sabe se estava presente ou não durante o sítio de Acre.
Sem dúvida experiente depois de trinta anos na Ordem, e com toda a certeza competente de
muitas formas, Jacques de Molay era também destituído de imaginação,
inflexível e não possuía a astúcia do grão-mestre do Hospital, Foulques de Villaret. O único papel
que ele conseguia conceber para o Templo era o da vanguarda numa
reconquista da Terra Santa. Para esse fim, ele mantinha a guarnição na ilha de Ruad, e convocou
cavaleiros e sargentos da Europa, a fim de compensar as perdas que
a Ordem sofrera em Acre.
Em 1294, Jacques de Molay viajou à Europa para tentar obter apoio à sua Ordem. Ele estava
em Roma em dezembro, num momento único na história da Igreja Católica
Romana, quando pela primeira e última vez um papa, Celestino V abdicou, sucedendo-lhe um de
seus cardeais, com o nome de Bonifácio VIII. De Roma, Molay viajou à
Itália central, e em seguida a Paris e Londres. Ou pessoalmente, ou por intermédio de
correspondência, ele estava em contato com todos os monarcas da Europa Ocidental.
Tinha relações particularmente cordiais com o rei Eduardo I da Inglaterra, que em 1302 lhe
escreveu que apenas as guerras na França e na Escócia o haviam impedido
de "ir a Jerusalém, conforme ele havia jurado (...) e nessa viagem ele havia concentrado todo o seu
coração".3'9 Eduardo isentou a Ordem de uma proibição geral da
exportação de valores, de modo que os fundos coletados pelo Templo de Londres pudessem ser
remetidos a Chipre.
O lobby de Jacques de Molay em Roma também se revelou frutífero: o novo papa, Bonifácio
VIII, publicou uma bula determinando que o Templo deveria gozar os
mesmos privilégios e isenções em Chipre que gozara na Terra Santa; e Carlos II em Nápoles
decretou que as exportações de alimentos dos templários dos portos do sul
da Itália deveriam ser isentas de impostos, contanto que fossem para uso da Ordem. Navios de
carga foram cons-
271
OS TEMPLÁRIOS
truídos para transportar os carregamentos do Templo, e em 1293 seis galeras foram compradas de
Veneza. Estas faziam parte de uma esquadra que em julho de 1300 fez
vários ataques de surpresa na costa do Egito e da Síria, e em novembro transportou uma força de
600 cavaleiros a Ruad como base para um assalto a Tortosa. .
Esse regresso à Terra Santa foi planejado como uma operação combinada com os mongóis
sob Il-khan Ghazan e os armênios sob o rei Hetoum, mas quando os exércitos
deles chegaram a Tortosa em fevereiro de 1301, as forças latinas tinham desistido de esperar e
retornado a Chipre. O Templo continuou a fortificar e abastecer Ruad,
mas os mamelucos no Egito, percebendo como ela poderia ter sido usada como base para a
reconquista da Palestina, enviaram uma frota de dezesseis galeras para sitiá-la.
A guarnição resistiu até que se defrontou com a fome. Seu comandante, o irmão Hugo de
Dampierre, providenciou então um salvo-conduto como condição da sua rendição,
porém mais uma vez os mamelucos não mantiveram a palavra, e os templários foram mortos ou
feitos prisioneiros. Viajantes mais tarde relataram sobre cavaleiros do
Templo vivendo em pobreza no Cairo e, em 1340, trabalhando como lenhadores perto do mar
Negro.
O ataque a Tortosa veio na crista da onda de entusiasmo, na Europa Ocidental, por uma nova
cruzada, que contemplava o papel mais destacado para as ordens militares,
vendo-as como "a mais importante fonte individual de projetos de cruzadas".3z° Durante a maior
parte do ano de 1300, um otimismo inebriante havia prevalecido na
Cúria Pontifícia, onde se acreditava que Jerusalém tinha sido conquistada pelo Il-khan mongol,
Ghazan, e seria devolvida aos cristãos. Isso era não apenas o resultado
de uma falsa crença, baseada no desejo, porque durante a primeira metade de 1300 não restavam
forças mamelucas na Síria e os mongóis controlavam a Terra Santa; mas
o otimismo era prematuro, pois no ano seguinte os mamelucos regressaram.
Com a rendição de Ruad, a maior esperança de uma cruzada bem-sucedida parecia residir de
novo no rei da França. Filipe IV havia ascendido ao trono em 1285,
após a morte de seu pai, Filipe III, em virtude de uma febre que contraíra enquanto participava da
"cruzada" do papa Martinho IV contra os aragoneses. Não entusiástico
por essa guerra contra o irmão de sua finada mãe, Filipe IV ao ascender ao trono, reconciliou-se
com Aragão e concentrou suas energias na modernização da administração
real da França. Na fase inicial de seu reinado, ele demonstrou pouco interesse numa cruzada e, em
dezembro de 1290, pediu ao papa Nicolau IV que o desobrigasse da
responsabilidade pela custódia da Terra Santa, responsabilidade essa herdada de seu pai.
272
O TEMPLO NO EXÍLIO
A exemplo do imperador Frederico II, Filipe IV tinha sido afetado na infância pela morte
precoce da mãe. Ele pouco vira seu pai, e a vinda de uma madrasta
ardilosa, Maria de Brabante, quando Filipe tinha seis anos, fê-lo apenas sentir-se menos seguro;
pois quando seu irmão Luís morreu, dois anos mais tarde, correram
rumores de que ele tinha sido envenenado por Maria de Brabante e de que ela tencionava livrarse de seus outros enteados de forma semelhante. Filipe refugiou-se
cada vez mais numa religiosidade apreensiva, voltando-se para o seu pio avô, Luís 1X, em busca de
um modelo de conduta.
Casando-se aos dezesseis anos com a sua companheira de infância, Joana de Navarra, que
trouxe não só Navarra, mas também a Champagne como dote, Luís tornou-se
rei apenas um ano mais tarde. Ele foi o décimo primeiro membro da dinastia fundada por Hugo
Capeto em 987 e, totalmente imbuído com o elevado conceito que sua família
tinha da monarquia, contava com o apoio de cortesãos, bem como de clérigos; para o Concílio de
Sens, ele era o rei da França "mais cristão", e para Giles de Roma,
"mais do que um homem, completamente divino".s2'
A piedade de Filipe era sincera: ele se submeteu a diferentes penitências para mortificar sua
carne, entre elas o uso do cilício. Homem alto, bonito, reservado,
com cabelos louros e tez pálida, que fizeram com que viesse a ser chamado de Filipe, o Belo, o rei
francês era um hábil caçador e era considerado um cavaleiro consumado.
Bernardo Saisset, bispo de Pamiers, reconhecia que Filipe era "mais bonito do que qualquer outro
homem no mundo", mas julgava que seu comportamento arredio era uma
forma de encobrir uma cabeça vazia: "ele nada sabia, exceto encarar os homens como uma coruja,
a qual, embora seja bonita de contemplar, sob outros aspectos é um
pássaro inútil". Essas observações resultaram na prisão do bispo em 1301, sob as acusações de
blasfêmia, bruxaria, heresia, traição, simonia e fornicação. Um historiador
contemporâneo vê em Filipe uma personalidade mais complexa, mas igualmente sem atrativos "uma pessoa capciosa, inflexivelmente moralista, rigorosamente escrupulosa,
sem senso de humor, obstinada, agressiva e vingativa, que tinha medo das conseqüências eternas
de seus atos temporais".322
O casamento de Filipe com Joana de Navarra era feliz: Joana era uma mulher enérgica e
solícita, que tinha uma profunda devoção a Luís IX, avô de seu marido.
Ela e sua mãe tornaram-se inimigas de Guichard, bispo de Troyes, o qual, quando Joana morreu,
em abril de 1305, foi acusado de assassiná-la por meio de bruxaria
e magia negra. Filipe foi profundamente afetado pela morte dela e nunca voltou a se casar.
273
OS 'EMPLÁRIOS
Filipe era herdeiro não apenas de uma tradição de piedade, como também da política dos
monarcas capetíngios de inexorável desenvolvimento a expensas dos
principados ao redor, como o de Toulouse, e, dentro de seu reino, por meio da expansão dos
direitos reais a expensas da nobreza, das cidades e da Igreja. Para historiadores
posteriores, mas também para os de seu tempo, era difícil avaliar a influência exercida pelos
ministros que executavam essa política, favorecendo a ideologia absolutista
que marcou o reinado de Filipe. Estes eram oriundos de uma ascendente classe de advogados, os
légistes, que nada deviam à Igreja ou à nobreza, mas derivavam seu
poder exclusivamente da mercê do rei. Na década de 1290, o mais eminente desses ministros era
Pedro Flote, guardião dos selos e chefe da chancelaria; mas após sua
morte, em 1302, os selos foram transferidos a Guilherme de Nogaret, um advogado procedente
das imediações de Saint-Félix-deCaraman, no condado de Toulouse.
Pouco se sabe acerca das origens e dos primeiros anos da vida de Guilherme de Nogaret, o
que levou alguns historiadores a supor que ele tivesse algo a esconder,
possivelmente a descendência de cátaros. "Diferentes cronistas sugeriram que o pai de Guilherme,
sua mãe e vários de seus parentes tinham sido queimados por heresia";323
sua cidade natal, Saint-Félix-deCaraman, foi onde o "papa" cátaro Niquinta havia realizado um
concílio em 1167. Se Nogaret se originava ou não de uma família herética,
e se, caso se originasse, sua simpatia residual pelos derrotados cátaros resultou em animosidade
contra a Igreja Católica, isso não passa de conjeturas. Sem dúvida,
teria sido imprudente de sua parte revelar qualquer simpatia pela heresia, e na verdade mais
eficaz, dada a piedade do rei Filipe, expressar uma particular repugnância
por ela e promover seu soberano como um rei "catolicíssimo", que descendia de "ardorosos
paladinos da fé e resolutos defensores da Santa Madre Igreja". 324
Tampouco o consenso entre historiadores contemporâneos aceita que Filipe fosse
manipulado por seus ministros, mas o vê antes como "o poder dirigente no reinado".325
A crença de Filipe de que era um eleito de Deus não o alçou acima de princípios políticos práticos,
mas antes o tornou muito resoluto em adquirir os meios para cumprir
seu papel divinamente determinado. O principal obstáculo era a obstinação de seu principal
vassalo, o duque da Gasconha, que era ao mesmo tempo o rei da Inglaterra,
Eduardo I. Antes de tudo, como cruzado oficial, Eduardo era considerado o líder natural de
qualquer cruzada e, portanto, o principal soberano da cristandade; em
segundo lugar, sua base de poder na Inglaterra permitia-lhe resistir à política capetíngia,
continuada por Filipe, de expandir seus poderes à custa de seus vassalos.
Isso levou à guerra entre a França e a Inglaterra e o aliado da Ingla-
274
O TEMPLO NO EXÍLIO
terra, Flandres. A reconciliação com Eduardo I ocorreu em 1298, mas a guerra em Flandres
revelou-se um atoleiro. Em maio de 1302, os franceses de Bruges foram massacrados
e a subseqüente campanha de Filipe para vingá-los terminou em derrota em Courtrai, durante a
qual Pedro Flote foi morto.
Essas guerras incorreram em enormes despesas, aumentando as dívidas que Filipe herdara da
guerra de seu pai contra Aragão - cerca de 1,5 milhão de livres
tournois. Todo expediente à disposição do monarca foi usado para angariar fundos. As obrigações
feudais foram exploradas até o limite máximo e a força foi usada
para extorquir impostos às cidades. Quando todas as fontes aceitas e legítimas se exauriram, os
ministros do rei voltaram-se para minorias ricas impopulares. Primeiro
foi a vez dos mercadores lombardos
que viviam em Paris, os quais, no início do reinado de Filipe, haviam atuado como seus
banqueiros, dando garantia de empréstimos com base em tributação futura: eles
foram pouco a pouco esbulhados por meio de multas e confiscos, culminando com desapropriação
total e expulsão da França. Em
julho de 1306, foi a vez dos judeus. Seus bens foram confiscados e eles também foram expulsos da
França.
Outro expediente foi a depreciação da moeda corrente - livres, sous e
denirs. Entre 1295 e 1306, a casa da moeda real reduziu o valor da moeda em duzentos por cento.
Em junho de 1306, o rei Filipe jovialmente propôs a volta da moeda
corrente na época de seu avô, Luís IX. O dinheiro em circulação na França perdeu dois terços de
seu valor, o que levou a distúrbios em Paris, dos quais o rei só
escapou por ter-se refugiado no Templo da cidade.
De longe, a mais promissora fonte de receita adicional era a Igreja Católica. Até então, ela só
podia ser taxada com a permissão do papa, mas tanto Eduardo
I na Inglaterra quanto Filipe IV na França tinham-no feito sem tal permissão. Já por volta de 1296,
as tentativas do papa Bonifácio VIII de intervir na guerra entre
os dois reis tinham malquistado os franceses. Agora,
numa bula intitulada Clerico laicos, Bonifácio reiterava a condenação da tributação do clero sem o
consentimento do papa. A reação de Filipe foi proibir a transferência
de todos os fundos da França para o papa em Roma. Como O papa dependia de seus rendimentos
franceses, ele não teve alternativa senão voltar atrás, e, para selar
sua reconciliação, em 11 de agosto de 1297 declarou santo o avô de Filipe, Luís IX.
A exemplo dos papas Inocêncio III e Gregório IX, Bonifácio VIII nascera na cidadezinha de Anagni,
ao sul de Roma. Sua família, os Caetani, não era tão
eminente quanto os Segni, que tinham fornecido os papas anteriores, mas ele era um homem com
a mesma índole, um bacharel em direito canônico
OS TEMPLÁRIOS
por Bolonha, o qual, na década de 1260, fora em missões diplomáticas ã França e à Inglaterra,
tornando-se cardeal durante o pontificado de Nieolau IV. Seu predecessor,
Pietro de a Morrone, que tinha reinado como Celestino V, fora outrora eremita. Deixar-ido a
reclusão de sua caverna, Pietro fundara o mosteiro de Santa Spiritu em
Nápoles e criara vínculo com os "místicos" franciscanos, que desejavam observar a absoluta
pobreza do fundador da ordem Em 1294, quando foi escolhido como papa,
ele estava com oitenta e quatro anos e vivia de novo sozinho numa caverna.
A eleição de Celestino V tinha ocorrido após um longo impasse no Colégio de Cardeais e com a
expectativa de que a escolha de uma pessoa genuinamente devota
revitalizasse a Igreja. Contudo, ele também era o candidato favorita de Carlos II, o rei francês de
Nápoles, que, contra a vontade dos cardeais, instalou Celestino
V no Castel Nuovo, em Nápoles, e abarrotou o Colégio de Cardeais com as pessoas que ele próprio
nomeara. Embora sem dúvida virtuoso, Celestino era também ingênuo,
sem instrução e incompetente, com insuficientes conhecimentos de latim para acompanhar o diaadia da administração da Igreja.
Celestino V tinha relutado em aceitar a tiara pontifícia, e já quase em fins de 1293 tinha-se-lhe
tornado claro que ele não estava à altura do cargo. Depois
de tentar transferir o governo da Igreja para um comitê de três cardeais, ele perguntou ao
principal canonista entre os cardeais, Benedetto Caetani, se era possível
que um papa renunciasse. Citando falsos precedentes, o cardeal redigiu uma fórmula para sua
abdicação. Num consistório em 13 de dezembro, Celestino V renunciou à
insígnia pontifícia, na esperança de regressar à vida de eremita, mas seu sucessor, receando que
ele pudesse formar o foco de um cisma, mandou confinar Celestino
em Castel Fuome, perto de Ferentino, onde ele faleceu em 1296. Esse sucessor foi Benedetto
Caetani, que adotou o nome Bonifácio VIII.
A reconciliação do papa Bonifácio VIII com o rei Filipe IV, que resultou na canonização de São
Luís em 1297, foi colocada sob reiterada tensão por causa
de uma acirrada disputa entre o papa e a poderosa família Coloriria por terras na Campanha. Os
dois cardeais Coloriria que tinham apoiado a eleição de Bonifácio
VIII voltavam-se agora contra ele, alegando que a abdicação de Celestino tinha sido não-canônica
e que ele fora assassinado pelo novo papa. Depois de os Coloririas
terem se apropriado de uma consignação de tesouro pontifício, Bonifácio moveu-se contra eles,
arrasando seus castelos e doando suas terras a membros da família dele.
Os cardeais Coloriria fugiram para a corte do rei Filipe, na França.
O ano de 1300 marcou o ponto alto do pontificado de Bonifácio VIII e na época pareceu o
auge das reivindicações pontifícias à jurisdição universal. O
O TEMPLO NO EXÍLIO
papa não só prevaleceu sobre os Coloririas, mas parecia à beira de um triunfo no Oriente: uma
cruzada estava em marcha para retomar Tortosa, ao passo que Jerusalém
deveria ser devolvida pelos mongóis à Igreja. Também era o milésimo trecentésimo aniversário do
nascimento de Cristo e, para marcar a ocasião, o papa Bonifácio o
proclamou um ano de jubileu, prometendo total remissão dos pecados àqueles que visitassem a
Basílica de São Pedro e o Latrão após confessarem seus pecados. Essa
foi a mais surpreendente demonstração do poder de um papa de "ligar e desligar", desde que
Urbano II pregara a Primeira Cruzada. A oferta foi aceita por não menos
de 200.000 peregrinos: a multidão era tão densa que uma brecha teve de ser feita no muro de
Leão para deixá-la passar. O papa Bonifácio, exultante, apareceu diante
dos peregrinos sentado no trono de Constantino, segurando espada, coroa e cetro e gritando: "Eu
sou César! "I"
O orgulho precede a queda. Em 1301, Bernardo Saisset, bispo de Pamiers, cujos desdenhosos
comentários sobre o rei Filipe IV já foram mencionados, foi detido
por ordem do rei, lançado na prisão e, com provas obtidas após a tortura de seus serviçais,
acusado de blasfêmia, heresia, simonia e traição. Isso foi uma clamorosa
infração da jurisdição eclesiástica e uma afronta à autoridade do papa. Na bula Auscultafili,
publicada em 5 de dezembro de 1301, o papa Bonifácio condenou essa
violação das prerrogativas da Igreja e convocou os bispos franceses para um sínodo em Roma.
Trinta e nove ousaram comparecer, e em 18 de novembro de 1302 o papa
Bonifácio publicou uma bula, Unam sanctam, que reiterava todas as reivindicações à supremacia
pontifícia que tinham sido feitas desde o pontificado de Gregório VII:
"é completamente necessário à salvação", escreveu ele, "que toda criatura humana esteja sujeita
ao Pontífice Romano".
A bula fazia citações em profusão dos escritos de papas anteriores e de Tomás de Aquino e
Bernardo de Clairvaux, o qual agora, como o rei Luís IX, tinha
sido declarado santo. Como o rei Filipe não desse nenhuma demonstração de estar disposto a
aceitar as reivindicações da bula Unam sanctam, a curvar-se à vontade
do sumo pontífice e a arrepender-se de seus erros, o papa Bonifácio preparou uma bula de
excomunhão. Todavia, antes que fosse publicada, ele foi imediatamente detido
por um golpe de estupenda audácia. Enquanto Bonifácio estava em seu palácio em Anagni, uma
força de soldados franceses liderada pelo ministro do rei Filipe, Guilherme
de Nogaret, e incluindo amigos dos dois cardeais Coloriria e seus partidários, irrompeu no Palácio
dos Papas para prender o papa.
Defendido por apenas uma pequena força de cavaleiros do Templo e do Hospital, o papa
Bonifácio, usando os adereços pontifícios completos, desafiou seus captores
a matá-lo. "Eis aqui meu pescoço", gritou ele, "eis aqui
OS TEMPLÁRIOS
minha cabeça." Nogaret e os Coloririas rec-varam de um ato tão irrevogável; ao invés, eles
tencionavam levar Bonifácio para a França, a fim de que fosse julgado
perante um concílio da Igreja sob as acusações que os propagandistas deles lhe imputavam:
heresia, sodomia e o assassinato do papa Celestino V. Contudo, a notícia
da afronta se espalhou entre a população de Anagni, que se reuniu em defesa do papa. Os
franceses foram expulsos da cidade e o papa Bonifácio VIII regressou a Roma,
mis seu espírito estava alquebrado pela humilhação. Ele morreu quatro semanas mais tarde, e
com ele morreram as aspirações dos papas ao governo urfiversal.
O Ataque ao Templo
A "afronta" em Anagni escandalizou a Europa e foi comparada por Dante, apesar de sua aversão a
Bonifácio VIII, à recrucificação de Cristo. Horrorizado pelo sacrilégio,
o conclave que se reuniu para escolher um sucessor excomungou os dois cardeais Colonna e os
excluiu de suas deliberações. Por unanimidade, os demais cardeais escolheram
Niccolò Boccasino, cardealarcebispo de Óstia, mas dentro de um ano após sua ascensão ele foi
acometido de disenteria e morreu.
Os cardeais voltaram a reunir-se para escolher um sucessor, mas havia um impasse entre
aqueles que queriam vingança pelo ultraje em Anagni e aqueles que
procuravam conciliação com os Coloririas e o rei da França. Os primeiros estavam em maioria, mas
divididos pela ambição pessoal de dois cardeais da família Orsini.
Após onze meses de deliberações inconclusivas, os cardeais resolveram pensar em candidatos da
Igreja mais ampla. Eles estavam sujeitos à evidente pressão externa:
o rei Carlos II de Nápoles foi a Perugia para juntar-se a uma delegação enviada pelo rei Filipe IV da
França.
Em junho de 1305, dez dos quinze cardeais chegaram a um acordo sobre um francês, o
arcebispo de Bordéus, Beltrão de Got. Terceiro filho de Béraud de Got,
senhor de Villandraut, sua família estava profundamente envolvida no establishment político e
eclesiástico da Gasconha. Estimados por seu suserano, o rei Eduardo
I da Inglaterra, membros da família Got tinham sido enviados em delicadas missões diplomáticas,
e o irmão mais velho de Beltrão, Béraud, havia subido na hierarquia
da Igreja até se tornar cardeal e arcebispo de Lyon. Beltrão ascendeu no rastro de seu irmão,
tornando-se seu vigário-geral, capelão papal, bispo e por fim arcebispo
de Bordéus.
Adotando o nome de Clemente V Beltrão de Got estava sem dúvida cõnscio de que sua
ascensão ao trono do sumo pontífice não se devia a nenhuma qualidade positiva,
e sim porque ele era o candidato menos objetável para as diferentes facções envolvidas. O rei
Filipe IV da França tinha razão em pensar que o novo papa seria submisso
a suas ordens. O rei Eduardo I da Inglaterra mostrou sua aprovação da ascensão do filho de um de
seus vassalos
OS TEMPLÁRIOS
cm ricos presentes para ele tanto em Bordéus quanto em Lyon, na i si coroação. Para os italianos,
no entanto, Clemente Vera uma coai reFilipe da França, percepção
substanciada, aos seus olhos, pelo fato e] nunca pisou em Roma como papa.
Com certeza, nos dois séculos anteriores, os papas haviam aI r~
pc apenas oitenta e dois anos, com freqüência preferindo, por r az
sade ou segurança, manter a corte em Orvieto, Viterbo, Anagni ou Ná `
rrn, de modo geral, eles haviam escolhido cidades dentro dos Estado
trios, ou de qualquer modo na Itália. Clemente V jamais cruzaria O3
e mbora ele residisse temporariamente em cidades como Lyon, Vietr
p( fim Avignon, que estavam tecnicamente fora da jurisdição do reis
c~ elas não estavam além do alcance de suas forças armadas, como de,
cairia no Concílio de Vienne.
Por que Clemente V permaneceu tão perto da França? Dois crot itianos, Agnaldo de Tura e
Giovanni Villani, escreveram que o cave Ncolò da Prato tinha providenciado
um encontro entre Beltrão de qindo ele ainda era arcebispo de Bordéus, e Filipe, o Belo, no qual o
rei e ciara quatro condições para seu apoio: a reconciliação com
os Colonte
ccl todos aqueles envolvidos no ultraje em Anagni; uma denúncia f al deBonifácio VIII; a nomeação
de cardeais francófilos; e uma como Se'eta, "misteriosa e importante",
que o rei comunicaria a Beltrão dê. ot
noa data posterior.
De acordo com os teóricos desse conluio, a resposta de Beltrão à otl rlci;linv foi: "Vós
ordenareis A A„ obedecerei"; F. muito embora a hfC~
se agora considerada imaginária, "ela reflete os motivos por trás da ele -o d0emente conforme
percebida na península Itálica".` Tarribé se dereende de suas ações
posteriores que Clemente V satisfez as exigên
as doei: em dezembro de 1305, ele nomeou dez novos cardeais, nove deles o reo da França,
incluindo as possessões angevinas, e um da Inglaterra. atrdos novos
cardeais eram parentes do papa e um, Arnaud de Poyannes~ m veo amigo. A escolha deles não foi
apenas uma questão de favoritismo,. as asgurava ao novo papa uma equipe
em que podia confiar.'Z8 O balam a faR dos cardeais do reino da França foi confirmado por uma
segunda nor~açãde cinco cardeais em 1310, dois deles sobrinhos do papa
e todoo~a Fr;ça. Mas essa preponderância de clérigos franceses não visava t~mrte a saldar numa
dívida. Antes, o cultivo de Filipe, o Belo, pelo pape, ra pque "a
colaboração com o rei da França era (...) imperativa para a reÁ a-
F
~m
çãdo objetivo mais caro a Clemente: a cruzada 11.329
ZRn
'ia
O ATAQUE AO TEMPLO
O inebriáante otimismo acerca da Terra Santa que tinha prevalecid na Cúria Pontifíci;ia, em 1300
fora exposto como uma crença baseada no deeJo, e não em razõecs
lógicas. Os mamelucos tinham reocupado a Palestina; Nad tinha se rendicdo, e o II-khan mongol,
Ghazan, que deveria ter devolvi1° Jerusalém aos ccristãos, proclamou
em 1304 que a religião oficial em toas os seus domínioss seria o islamismo. O último principado
cristão no contirmte asiático, a Asrmênia Cilicia, foi atacado por
mongóis e mamelucos. •m 14 de novembrro de 1305, Clemente foi coroado com a tiara pontifícia
n,Igreja de Saint-Jusst, em Lyon, na presença do rei Filipe, o Belo,
de seu irrla° Carlos de Valois3, de João II, duque da Bretanha, e de Henrique, duque cF
Luxemburgo; dcois dias mais tarde ele publicou uma encíclica que procla'iava
uma nova cruzada.
Para ~ Clemente, que adotara o nome do papa anterior que traPlhata em tamanha harmonia
com São Luís, uma cruzada só poderia ser bemsucedida se fosse liderada
pelo rei da França. Para esse fim, ele não só 'ersuadiu Filipe, o IBelo, a tomar a Cruz, o que ele fez
em Lyon em 29 de dez=cobro de 1305, maus também trabalhou
diligentemente para resolver as entendas que poderiam impedir o cumprimento de sua promessa,
como aqcela entre a França ce a Inglaterra. Ele serviu de intermediário
num acordo erfre Filipe IV e Edwardo I e, avaliando o peso sobre os recursos financeiros le Filipe,
concedew-lhe um décimo da renda da Igreja na França para financiar
a cruzada - c;inco ou seis vezes a receita do rei.
A inteenção do rei Filipe nessa conjuntura era cumprir sua promessa, não só para conquistar
glória ao livrar os Lugares Santos do infiel, mas também para
fundar um império francês no Mediterrâneo oriental. A fralueza do imperadolr bizantino que
possibilitara aos hospitalários se apossarem da ilha de Rodes levava agora
o rei Filipe IV a cobiçar o trono do Império df Oriente para seu ürmão Carlos de Valois. Isso talvez
não estivesse de acor'1° com o plano de (Clemente V mas a França,
Veneza, Aragão e Nápoles "estivam claramente (comprometidos com a conquista de
Constantinopla".sa°
Na mlente de Filipe, uma condição prévia para uma cruzada brm-sucedida era ai fusão das
ordens militares. Ele comandaria a Ordem résultante dessa fuso e
um de seus filhos lhe sucederia. A idéia não era nova eP°de ser encontrada em muitos dos
tratados escritos mais ou menos nessa éli°ca para aconselhar o papa na reconquista
da Terra Santa. De particular imf °rtância foi De reczuperationeterresanete, da autoria de um
advogado normand°> Pierre Dubois, um propagandista do governo francês,
uma espécie de especialista em marketing político de seu tempo. Sua proposta era em essêr{cia
"um plano para o estabelecimento da hegemonia francesa sobre o Ocidente
e o Oriente pior meio de uma cruzada".33' Essencial a esse empreendimento era
OS TEMPLÁRIOS
a fusão do Templo e do Hospital e a utilização de seus recursos pelo rei francês. Ominosamente,
num pós-escrito a esse tratado, Dubois acrescentou que talvez fosse
conveniente "destruir por completo a Ordem dos Templários e, para as necessidades da justiça,
aniquilá-la totalmente"."' Todavia, a idéia de fundir as duas ordens
era quase universal: o escritor maiorquino Raimundo Lúlio, que dedicou muito tempo e
basicamente sua vida aos problemas apresentados pelo Islã, na verdade condenou
ao inferno os que a este se opunham.
Praticamente, o único homem que se opôs à idéia foi o grão-mestre do Templo, Jacques de
Molay. Em resposta a uma solicitação do papa Clemente V ele elaborou
um memorando expondo seus pontos de vista. Ele começou com a origem da proposta de fundir
as ordens, remontando-a ao Segundo Concílio de Lyon em 1274. e relacionando
os papas, entre eles Bonifácio VIII, que tinham decidido contra ela. Jacques de Molay reconhecia
que haveria algumas vantagens numa fusão - uma ordem unida estaria
em condições mais sólidas de se defender contra seus inimigos -, mas, levando tudo em
consideração, ele julgava que elas seriam mais eficazes se continuassem separadas.
A competição entre o Templo e o Hospital era benéfica, e, embora seus objetivos fossem
semelhantes, cada uma delas tinha um ethos distinto: o Hospital dava precedência
a sua obra de caridade, ao passo que o Templo era antes de trudo uma força militar "fundada
especialmente como uma ordem de cavalaria". Além do mais, ele achava
que as duas ordens tinham maior probabilidade de alcançar seus objetivos de dar esmolas,
proteger os peregrinos e travar guerra contra os sarracenos, se preservassem
sua independência.
Um segundo memorando foi apresentado por Jacques de Molay, a pedido do papa, sobre a
futura conduta da cruzada. Mais uma vez, o grão-mestre foi contra o
ponto de vista predominante na época, o qual era favorável ao passagsum particulare - a; restrita
incursão de uma força profissional para dar apoio às forças da
Armênia Cilícia. A lição a ser aprendida da perda de Ruad pelo Templo, sugeriu ele, era a de que
essas operações em pequena escala estavam fadadas a fracassar. Ele
tampouco poderia reComendar uma aliança com os armênios. Nais suas negociações com eles
sobre a fronteira de Amanus, os templários tinham-nos achado indignos de
confiança. Como eles não gostavam dos francos e suspeitavam de suas intenções, os armênios não
permitiriam qule eles entrassem em seus castelos. Além disso, o clima
na região era tão insalubre que ele duvidava se mais do que uma fração de um exército cruzadlo
sobreviveria.
Qual, então, era a solução? Jacques de Molay propôs um passagiumgenerale, uma cruzada em
grande escala barseada no modelo clássico, como a do
O AITAQUE AO TEMPLO
rei LuísIX. A única maneira de-- reconquistar a Terra Santa era derrotando forças nilitares do Egito.
Parca fazê-lo, os reis da França, da Inglaterra, c Alemanha,
da Sicília e da Esparnha deveriam recrutar um exército de 12.00 a 15.000 cavaleiros e 5.000
solcdados de infantaria, que as repúblicas marít mas itaianas transportariam
cem suas galeras até Chipre como uma bas avançaca para a reconquista daa Palestina.
Para todos os outros panfleetários, em particular aqueles com um pont de vista semelhante
ao do rei da França, esse era um conceito de cruzad antiquado e
completamente dlesacreditado e, considerado com a oposiçã de Jacques de Nlolay à fusão cilas
ordens, o expôs como um velho teimoso desprovido de imaginação e eg(oísta.
Sem dúvida cônscio de que seus pontc de vista seriam impopulares, Jaacques escreveu em seu
memorando a Cele; tino V cue julgava que seria miais fácil expressar suas
idéias na presença d papa: como a maioria dos cavaleiros na época, ele não sabia nem ler ner
escreve.
Em conseqüência, o papar Clemente V convocou os grão-mestres d Templo e do Hospital para
cornferenciarem com ele em Poitiers no Dia d Todos os Santos, 1°
de novembrro de 1306. A reunião foi adiada porque o pap sucumbiu ao ataque de uma
gastropatia endêmica que com freqüência incapacitava por meses de urina vez. Jacques
de Molay chegou à Europ procedente de Chipre em fins de 1306 ou princípios de 1307 e estava e
Poitiersantes do fim de maio. IFoulques de Villaret, o grão-mestre do Hosp: tal, foi retardado pelas
operações de sua Ordem em Rodes, mas chegou Poitiers antes do
fim de agosto. Durante a estada em Poitiers, além da dia cussão do aborrecido assunto de uma
cruzada, Jacques de Molay suscitou questão de certas acusações (que
tinham sido feitas contra membros d Templo e pediu ao papa que instituísse uma investigação
"relacionada cor essas coisas, falsamente atribuídas a eles, conforme
dizem, e que os absol vais, se forem considerados inocentes, como afirmam, ou os condenais, s
forem considerados culpados, ino que eles de modo algum acreditam".
Alegações de flagrante impropriedade parecem ter sido feitas por al guns cavaleiros que
tinham sido expulsos da Ordem: Esquin de Floyran,
prior de Montfaucon; Bernardo Pelet, prior de Mas-d'Agenais; e um cavalei ro de Gisors, Gérard de
Byzol. Esquin havia primeiro contado ao rei Jaime I de Aragão o
escândalo dentro da Ordem e, não tendo conseguido persuadi-l da verdade de suas acusações,
tinha ido até o rei Filipe da França. Filipe I` relatou os rumores ao
papa Clemente V em Lyon, na época de sua coroaçã
em 1305, e de novo em maio de 1307, quando o rei estava em Poitiers. N dia 24 de agosto de
1307, Clernente V escreveu ao rei Filipe IV a respeit~
dessas acusações, dizendo que, embora "dificilmente possamos crer no qu
OS TEMPLÁRIOS
foi dito naquela ocasião", ele em seguida ouvira "muitas coisas estranhas e inauditas" a respeito
do Templo e, portanto, "não sem grande pesar, angústia e dor no
coração" havia decido instituir uma investigação."3 Nesse ínterim, enquanto se restabelecia, o
papa pediu que não se empreendesse nenhuma ação precipitada.
Sem dúvida satisfeito de que seu pedido de investigação tivesse sido atendido, Jacques deMolay viajou de Poitiers a Paris, onde, em 12 de outubro de 1307,
foi um dos que carregaram o caixão no funeral da cunhada do rei Filipe, Catarina de Courtenay,
esposa de Carlos de Valois. No dia seguinte, sexta-feira, 13 de outubro
de 1307, ele foi preso por Guilherme de Nogaret e Reinaldo Roy no complexo do Templo além dos
limites de Paris.
Três semanas afites, o rei Filipe tinha enviado ordens secretas a seus baillis e senescais em
toda a França, ordenando a detenção de todos os membros do
Templo por Crimes "horríveis de contemplar, terríveis de ouvir (...) uma obra abominável, uma
desgraça detestável, uma coisa quase inumana, na verdade desprezara
por toda a humanidade". Essas ordens foram executadas com extraordinária eficiência: cerca de
15.000 cavaleiros, sargentos, capelães, confrères, serviçais e trabalhadores
em todos os territórios governados pelo rei da França foram arrebanhados num único dia. Apenas
cerca de duas dúzias escaparam, entre eles o preceptor da França,
Gérard de Villiers, e Imbert Blanke, o preceptor do Auvergne. Um cavaleiro, Pedro de Boucle,
apesar de ter-se desfeito de seu hábito e se barbeado, foi reconhecido
e preso.
A exemplo do que acontecera com os judeus e os lombardos alguns meses antes, toda a
propriedade do Templo foi seqüestrada; mas o golpe do rei contra o Templo
foi de um tipo diferente. Os templários não eram estrangeiros como os lombardos nem infiéis
como os judeus. Eram membros de uma corporaçãó orgulhosa e poderosa que
se encontrava sob jurisdição eclesiástica, sujeita dão ao rei, mas ao papa. O rei Filipe havia
capturado as pessoas e confiscado a propriedade de uma ordem livre,
e, revelando que estava até muito cônscio da legalidade dúbia de sua ação, seus mandados de
prisão tinham implic-afio consulta prévia "ao nosso mais santo padre
em Cristo, o papa".
De fato, o papa
uma indignada reprepnsão.
Vós, nosso querido filho (...) violastes, em nossa ausência, todas as regras e deitastes a mão a
pessoas e propriedades dos templários. Vós também os aprisionastes e, o que nos entristece ainda mais, não os tratastes com a devida clemência (...) e acrescentastes ao desconsolo do encarceramento ainda outra aflição.
(,emente V não havia sido consultado e enviou ao rei
284
O ATAQUE AO TEMPLO
Vós deitastes a mãos pessoas e propriedades que estão sob a proteção direta da, Igreja Romana
(...).dosso irrlpetuoso ato é visto por todos, e de forma correta,
como um ato de de~espeito para conosco e a Igreja Romana.334
Clemente não disse seacred fitava ou não nas acusações feitas contra os templários; sua objeção
fo principalmente à usurpação de sua prerrogativa e à traição de
confiança inplíci ta na ação unilateral do rei; mas aquela outra "aflição" que ele censLra Filipe por
acrescentar ao desconsolo do encarceramento era sem dúvida
i tortura, à qual os acusados foram imediamente submetidos por outra insttuição eclesiástica, a
Inquisição.
Criada para descolrir a heresia no Languedoc, com seu quadro de pessoal formado por frade;
da Ordem de Pregadores fundada por Domingos de
Gusmão, desde 1234 un santo canonizado, a Inquisição na França se transformara num
instrumetto de coerção nas mãos do Estado. O inquisidor-mor, Guilherme de Paris,
era o confessor do rei Filipe e, devida à religiosidade do rei, estava sem dúvida a par de seus
planos. No domingo após a prisão dos
templários, foram pregadores dominicanos quem primeiro explicou as razões das prisões numa
r:união pública nos jardins do rei, aparecendo ao lado dos oficiais deste.335
Para auxiliar o interrogatório pelo inquisidor, a tortura tinha sido autorizada meio século
antespelo papa Inocêncio IV Ela cessaria abruptamente de derramar
sangue ou fraturar membros: os métodos favoritos na época eram o cavalete, que distendia os
membros de um homem a ponto de deslocar suas articulações; e à entrapada,
por meio da qual um homem era erguido
sobre uma viga por uma corda amarrada a seus pulsos, que tinham sido atados nas suas costas.
Uma terceira técnica era esfregar gordura nas solas dos pés e colocá-los
diante do fogo. De vez em quando, os torturadores calcula-
vam mal: os pés de Bernardo de Vado, um sacerdote da Ordem do Templo originário de Albi,
foram cão gravemente queimados que seus ossos ficaram expostos. Um cavaleiro
da Ordem, Jacques de Soci, afirmou saber de vinte e cinco confrades que tinham morrido "por
causa de tortura e sofrimento": uma carta anônima na biblioteca da Faculdade
Corpus Christi, em Cambridge, estima o ní,mero em trinta e quatro.
Além dessas medidas específicas para produzirem dor, os suspeitos
eram postos a ferros, passavam apenas a pão e água, e proibiam-nos de dormir. Dado que um
grande número dos presos não eram guerreiros endureci-
dos pela batalha, mas lavradores, pastores, moageiros, ferreiros, carpinteiros e mordomos, o
choque e ~ desorientação, combinados com a simples ameaça de tortura,
rapidamente faziam com que muitos admitissem o que quer que os oficiais do rei e os inquisidores
sugerissem. Por volta de janeiro de 1308,
OS TEMPLÁRIOS
134 dos 38 templários presos em Paris tinham admitido algumas das acusações - ou todas elas feitas contra eles, e foi o próprio grão-mestre, Jacques de Molay,
que dentro de dez dias após sua prisão mostrou o caminho.
Quais eram as "coisas estranhas e inauditas" das quais eles eram acusados, os crimes
"horríveis de contemplar, terríveis de ouvir (...)uma obra abominável,
uma desgraça detestável, uma coisa quase inumana, na verdade desprezada por toda a
humanidade"? De acordo com os promotores públicos capetíngios, a Ordem do Templo
entregou-se à adoração e ào serviço do Diabo. A cada novo recruta, na sua iniciação, dizia-se que
Jesus Cristo era um falso profeta que tinha sido crucificado não
para redimir os pecados da humanidade, mas como uma punição por seus próprios pecados.
Ordenava-se ao postulante que negasse Cristo e escarrasse, pisasse ou urinasse
numa imagem de Cristo na Cruz, e então que beijasse o templário que o recebera na boca, no
umbigo, nas nádegas, na base da espinha dorsal, "e às vezes no pênis".
Diziam-lhe que poderia ter "relações carnais" com outros irmãos, que isso era não só lícito, "mas
também que eles deveriam praticar e submeter-se a isso mutuamente",
e que "para eles não era pecado praticá-lo".
Para assinalar sua rejeição de Cristo, foi dito que os padres da Ordem do Templo omitiam as
palavras de consagração durante a missa. Em cerimônias secretas,
eles veneravam um demônio chamado Baphomet, que aparecia sob a forma de um gato, de um
crânio ou de uma cabeça com três rostos. Cordões que haviam tocado essa cabeça
eram amarrados em torno da cintura dos templários "em veneração" do ídolo. Isso era feito em
toda a parte e "pela maioria": aqueles que se recusassem a fazê-lo eram
mortos ou aprisionados.
Em acréscimo a essas graves iniqüidades, havia crimes menores que confirmavam as suspeitas
públicas existentes. AS reuniões do capítulo do Templo eram realizadas
em segredo, à noite, e sob proteção cerrada. O grão-mestre e outros dirigentes mais antigos
tinham ouvido as confissões e absolvido os pecados de seus confrades,
ainda que não fossem padres. Eles eram cobiçosos e avarentos: "eles não consideravam pecado
(...) adquirir propriedades pertencentes a outrem por meios legais ou
ilegais" e procuravam "obter o crescimento e o lucro da referida Ordem de qualquer modo que
pudessem (...)". Uma acusação posterior foi a de traição: foram as suas
negociações secretas com os muçulmanos que tinham levado à perda da 'Iérra Santa.
Sem dúvida, quando o papa Clemente V e o rei Jaime 11 deAragão ouviram essas acusações
pela primeira vez, eles acharam impossível acreditar nelas. Heresia
e sodomia estavam invariavelmente associadas pelos propagandistas hostis da época - pelos
católicos ao descreverem os cátaros, por
286
O ATAQUE AO TEMPLO
exemplo, ou por Guilherme de Nogaret e Guilherme de Plaisans em seu ata-
que ao papa Bonifácio VIII. Todavia, neste caso o cabedal de acusações estava não apenas
combinado com as faltas que tinham sido imputadas à Ordem por seus críticos;
ele também explorava uma intensa inquietação
pública com a bruxaria e o poder de demônios que viria a explodir na caça às bruxas dos séculos
XV e XVI.
O ceticismo do papa, junto com a ampla aceitação de seus direitos soberanos sobre o Templo,
talvez tivesse dificultado, se fosse incapaz de frustrar,
o ataque do rei Filipe à Ordem, caso Jacques de Molay não tivesse admitido que de fato negara
Jesus Cristo e escarrara na imagem de Cristo na época de sua admissão
em Beaune. A única acusação rejeitada pelo grão-mestre foi a
de que ele tinha se entregado a atos homossexuais. Contudo, a blasfêmia era mais do que
suficiente para satisfazer Guilherme de Nogaret.
As confissões de outros eminentes templários vieram em seguida: Geoffroy de Charney,
preceptor na Normandia; João de La Tour, tesoureiro
do Templo em Paris, até então um estreito conselheiro financeiro do rei
Filipe; e Hugo de Pairaud, supervisor da Ordem do Templo na França, que, tendo recebido muitos
dos templários franceses, foi citado por outros como o instigador
da corrupção deles. A confissão de Hugo, feita no dia 9 de novembro, abrangia todas as acusações,
incluindo a admissão de que "ele disse aos que estava recebendo
que, se porventura o ardor da natureza os
impelisse à incontinência, ele lhes dava permissão para aplacá-lo com outros irmãos". Recusandose a princípio a incriminar outrem, ele foi levado por seus guardas
e "mais tarde, no mesmo dia", admitiu para os inquisidores que a prática era ubíqua. "Claramente,
ameaças ou tortura tinham sido usadas para forçar o resultado.
11131
Como haviam começado essas práticas diabólicas? Geoffroy de Gonneville, o preceptor do
Templo naAquitânia e em Poitou, afirmou que "certo mestre maligno
(...) esteve na prisão de certo sultão e não pôde escapar a menos que jurasse que, se fosse
libertado, introduziria esse costume na nossa Ordem, e que todos que
fossem recebidos a partir de então deveriam negar Jesus Cristo (...)"; é possível que se tratasse de
Bertrand de Blanquefort ou de Guilherme de Beaujeu. Geoffroy
recusara-se a negar Cristo e fora descul-
pado pelo preceptor, talvez porque seu tio fosse uma figura influente no governo do rei da
Inglaterra. Mas ele teve de jurar sobre o Evangelho que não revelaria
que tinha sido perdoado.
Apenas quatro templários negaram completamente as acusações -
João de Châteauvillars, Henrique de Herçigny, João de Paris e Lamberto de Toysi -,uma proporção
tão pequena que poderia ser desprezada. O golpe de Filipe contra
a Ordem parecia justificar-se, e enquanto suspeitas de seus
OS TEMPLÁRIOS
motivos persistiam, sobretudo fora da França, o papa Clemente V sentiu que não tinha alternativa
senão aceitar a ação do rei como um faitaccompli e tentar ap'oveitar
ele próprio a iniciativa. No dia 22 de novembro de 130?, menos de um mês após a confissão de
Jacques de Molay, Clemente V enviou uma caril intitulada Pastoralis
praeeminentiae a todos os reis e príncipes da cristandade, pedindo-lhes que "com prudência,
discrição e em segiredo" prendessem todos os templários e mantivessem
a propriedade deles sob custódiaoara a Igreja. Ele elogiava a profunda fé e zelo religioso de Filipe
IV, mas insistia que ele, o papa, estava agora no comando.
Oprimeiro a ser convencido de que era esse o caso foi Jacques de Molay, que, quando levado
à presença de três cardeais enviados por Clemente V de Poitiers
uParis, revogou sua confissão. De acordo com um relato, ele rasgou sua camiaa de alto a baixo
para mostrar as marcas de tortura no seu corpo, ao que os cardeais
"choraram amargamente e foram incapazes de falar".33' Outras retratações se seguiram, e parece
provável que os cardeais não estivessem de todo surpresos: foi dito
que os dez membros do sacro colégio nomeada pelo papa Clemente em seu primeiro consistório
ameaçaram renuncia; devido à pusilânime atitude do papa para com o rei
da França. Haviasem dúvida descontentamento na Cúria Pontifícia, e também pressão da partelos
amigos do Templo, como o irmão de Jacques de Molay, o diácono de [angres.
Além disso, muitos dos templários mais importantes eram conhecidos dos três cardeais enviados a
Paris, dois dos quais eram franceses; foi enquanto jantava com eles
que Hugo de Pairaud revogou sua confissão.
Riscos consideráveis estavam relacionados com esse curso de ação, porque, sobes estatutos
da Inquisição, hereges reincidentes eram entregues ao braço secllar
para serem queimados. Jacques de Molay sem dúvida se sentia confiantcem que receberia um
tratamento justo do papa, e a princípio essa confiança parecia justificar-se.
Quando o rei Filipe, a caminho de Poitiers, soube que os cardeais tinham se recusado a confirmar
a condenação dos templários, voltou às pressas para Paris e escreveu
a Clemente V ameaçando acusá-lotos mesmos pecados; mas o papa manteve-se calmo,
respondendo que prefria morrer a condenar homens inocentes; e em fevereiro de 1308
ele ordeou à Inquisição que suspendesse o processo contra os templários.
Todria, embora a lei possa ter dado ao papa controle sobre o destino dos templários, eles
foram mantidos nas prisões de Filipe, o Belo. Oliver de Perlne,opreceptor
da Lombardia, foi o único templário de algum prestígio que o papa Clemente manteve em Poitiers
sob prisão domiciliar, mas ele evadiu-sena noite de 13 de fevereiro
e uma recompensa de 10.000 florins foi oferecida pela sua cabeça. Além do mais, as extensas
propriedades do Templo Também estavam nas mãos dos oficiais reais, e
o papa não tinha
288
O ATAQUE AO TEMPLO
nenhum batalhão sob seu comando. Poitiers ficava mais perto de Paris do que Anagni, e os
poderes dejure do papa eram insignificantes em comparação com os poderes
defacto do rei.
Não obstante, o rei Filipe tinha de estar atento à opinião pública, e, uma vez que o papa
Clemente não reagira às suas ameaças iniciais, os propagandistas
do rei puseram-se a trabalhar a fim de estigmatizar qualquer um que pudesse dar a impressão de
apoiar os templários. Panfletos anônimos eram impressos atacando o
papa, pretendendo expressar os sentimentos ultrajados do povo da França. Um, provavelmente
escrito pelo advogado normando Pierre Dubois, dizia que o nepotismo do
papa Clemente tinha provado sem sombra de dúvida que ele era corrupto e, por consequinte,
incapaz de dispensar justiça. Apenas o suborno poderia explicar por que
ele não havia condenado os templários depois de tantos terem confessado sua culpa.
As duas importantes corporações do reino foram aliciadas a fim de apoiarem e disseminarem
essa propaganda real: a Universidade de Paris e os Estados Gerais.
Em fins de fevereiro de 1308, o rei Filipe perguntou aos doutores em teologia em Paris como ele
deveria proceder no caso dos templários. Ele seria perdoado por submetê-los
a julgamento sem consulta ao papa? E no caso de eles serem declarados culpados, o que deveria
ser feito com a sua propriedade? A resposta deles não foi o que ele
queria: embora elogiando O rei pelo seu zelo católico, eles confirmaram que o Templo estava sob
jurisdição do papa e lembraram-no de que os direitos do rei não substituíam,
ou justificavam, a usurpação dos direitos de outrem. O rei tampouco poderia processar hereges,
exceto a pedido da Igreja.
Frustrado pelos teólogos, o rei Filipe convocou os Estados Gerais, que representavam a
nobreza, o clero e o povo, para se reunirem em Tours três semanas
após a Páscoa, a fim de apoiarem seu rei nessa luta contra os templários heréticos. Ordenaram aos
oficiais reais que se assegurassem de que cada cidade com um mercado
enviasse um representante, ao passo que os vassalos do rei e os membros mais importantes do
clero foram convidados por meio de uma carta pessoal de seu soberano.
Não sobreviveram registros das atas, mas é quase certo que ministros reais como Guilherme de
Nogaret discursaram para a assembléia em Tours sobre as iniqüidades
do Templo e do predecessor de Clemente V, Bonifácio VIII.
Enquanto seus colegas voltaram para casa a fim de disseminar a informação sobre os
templários, vários delegados dos Estados Gerais permaneceram para acompanhar
o rei a Poitiers. Aí, na companhia de um séquito poderoso e até mesmo intimidador, que incluía
Carlos de Valois, irmão de Filipe, os filhos deste e os próceres dos
Estados Gerais, o rei prostrou-se diante do papa Clemente, que por sua vez o ergueu com todo
sinal exterior de respei-
289
OS TEMPLÁRIOS
to e afeição. Em 29 de maio, num consistório público realizado perante uma grande assembléia de
cardeais, bispos, nobres e burgueses, o ministro do rei, Guilherrne
de Plaisans, expôs o processo contra os templários. Eles eram nãc só culpados de heresia e
bruxaria, mas também responsáveis pela perda da Terra Santa. Apenas graças
ao zelo religioso do rei Filipe e do povo da França é que eles tinham sido descobertos. Eles tinham
feito o trabalho do papa por ele, e, se ele não reconhecesse
imediatamente que os templários eram culpados, o povo da França, como "os mais zelosos
paladinos da fé cristã", executaria ele mesmo o julgamento de Deus.
O papa Clemente não seria intimidado a uma ação precipitada. Conquanto Guilherme de
Plaisans tivesse especificamente negado que o rei Filipe estivesse de
olho na propriedade dos templários, o papa disse que não daria a sentença até que a propriedade
e as pessoas do Templo estivessem em suas mãos. A primeira vista,
as posições eram irreconciliáveis, mas parece provável que se chegou a um meio-termo nos
bastidores.
Indo de alguma forma ao encontro das exigências do papa, o rei Filipe enviou setenta e dois
templários para repetirem suas confissões perante Clemente em
Poitiers. Embora isso sem dúvida tenha sido apresentado como um reconhecimento pelo rei da
França da jurisdição do papa, outrossim bem que poderia ter sido uma medida
para dar a Clemente a aparência de ouvir ambos os lados da questão. Inevitavelmente, os setenta
e dois templários tinham sido escolhidos com cuidado, e o primeiro
a dar testemunho perante a Cúria Pontifícia foi o padre João de Folliaco, que afirmou ter alertado
as autoridades para a corrupção do Templo antes das prisões. O
mesmo fizera Estêvão de Troves, um sargento da Ordem que fez uma vívida descrição da cabeça
que foi introduzida no capítulo do Templo por um padre "precedido por
dois irmãos com duas grandes velas de cera em candelabros de prata"."' Ele também afirmou que
tinha sido espancado por rejeitar as propostas homossexuais de um irmão
da Ordem, e que, quando se queixou disso a Hugo de Pairaud, este lhe disse que não deveria ter
recusado. Um sargento da Ordem, João de Châlons, declarou que Gérard
de Villiers, o preceptor na França, tinha colocado templários recalcitrantes num fosso em que
nove dos irmãos haviam morrido. Ele também disse que o preceptor tinha
sido advertido de que seria preso e, portanto, desaparecera, levando consigo cinqüenta cavalos, e
escapara em dezoito galeras com o tesouro de Hugo de Pairaud.
Quarenta dos depoimentos que foram preservados admitem uma ou outra das acusações
feitas na época das primeiras prisões. As descrições do ídolo eram incoerentes,
um dizendo que era "um ídolo repelente e negro", outro que ele "parecia branco, com uma
barba", ao passo que dois insistiram
290
O ATAQUE AO TEMPLO
que ele tinha três rostos. Uma análise dos depoimentos revela que sessenta por cento foram
feitos por templários que eram ou apóstatas da Ordem ou que tinham sido
coagidos pela tortura. Nenhum deles era um funcionário graduado: disseram ao papa que todos
estes estavam doentes demais para irem a Poitiers, mas eram mantidos
à sua disposição numa prisão em Chinon. Não obstante, a seleção serviu aos propósitos tanto do
papa quanto do rei. Sem perder a dignidade, Clemente podia agora autorizar
a Inquisição a continuar com as investigações, e em troca o rei Filipe oficialmente submeteu a
propriedade da Ordem a curadores especiais e confessou que apenas
tinha deitado a mão aos templários "a pedido da Igreja".
Em várias bulas publicadas em Poitiers em julho e agosto de 1308, em particular Faciens
misericordiam, o papa Clemente V endossou a versão do rei Filipe
dos eventos e aceitou que ele tinha agido "não por avareza", mas "com o fervor da fé ortodoxa,
seguindo os claros passos de seus ancestrais". Clemente autorizou
cada bispo em sua diocese a designar concílios provinciais para julgarem os templários heréticos
sob sua jurisdição. Estes deveriam ser compostos por dois dominicanos,
dois franciscanos e dois cônegos da catedral. A Ordem como um todo deveria ser investigada por
oito comissários pontifícios, e três cardeais foram mandados a Chinon
para entrevistarem seus líderes. Por fim, Clemente convocou um concílio geral da Igreja para
reunir-se em Vienne em 1310, a fim de discutir os templários, a cruzada
e a reforma da Igreja.
O que ocasionou essa aparente mudança na atitude de Clemente para com os templários? É
possível, mas não provável, que ele tivesse sido persuadido pela confissão
dos templários trazidos a Poitiers: ele conhecia muito bem os métodos dos templários e do rei
Filipe. Parece mais provável que Clemente decidiu que os templários
deveriam ser sacrificados pelo bem da Igreja. A frase usada na sua encíclica sobre o rei Filipe
"seguindo os claros passos de seus ancestrais" é reveladora. Não
só no seu próprio espírito, mas também no espírito de seus súditos, Filipe herdara o prestígio e a
autoridade de seu avô, São Luís, e portanto, ao contrário do imperador
Frederico II em sua titânica luta com o papado, poderia ameaçar usurpar não apenas o poder
temporal do pontífice, como também seu poder espiritual. Apesar da opinião
dos teólogos parisienses de que a heresia era um assunto para a Igreja e só a Igreja, a propaganda
real contra os templários denunciou como igualmente culpáveis
os fautores, aqueles que foram cúmplices da sua iniqüidade, ainda que somente por negligência.
Os propagandistas capetíngios também influenciaram as inquietações públicas ao associarem
os templários com os outros grupos marginalizados na sociedade
européia: leprosos, judeus e muçulmanos. Foi nesse momento
291
OS TEMPLÁRIOS
que o primo do rei Filipe, o rei Carlos II, que governava Nápoles, no sul da Itália, decidiu expulsar
de seus domínios a comunidade muçulmana que o imperador Frederico
II havia estabelecido em Lucera. O sucesso dessa propaganda pode ser aferido por uma carta
remetida pelo Tribunal de Foix ao rei Jaime II de Aragão, indagando se
era verdade que os templários haviam se convertido ao islamismo e planejado fazer uma aliança
com os judeus e os muçulmanos de Granada. Também se disse que alguns
templários fugitivos tinham procurado asilo com os sarracenos, e de fato, com todo o êxito da
propaganda, havia nisso um germe de verdade: em setembro de 1313, o
ex-preceptor de Corberis, Bernardo de Fontibus, foi enviado como embaixador pelo sultão de
Túnis à corte do rei Jaime II em Barcelona.
Ainda mais eficaz foi a associação desses grupos marginalizados com as forças das trevas. As
acusações de bruxaria e culto ao Diabo tinham um potente efeito
no pensamento medieval. Imagens de demônios sempre estavam presentes nas obras de talha e
nos afrescos de catedrais e igrejas; e não eram apenas camponeses sem instrução
que viviam com medo de seus poderes. Jacques Duèze, um gascão que recebeu o chapéu
cardinalício de Clemente V e viria a suceder-lhe como o papa João XXII, embora
fosse filho de um rico mercador de Cahors e bacharelem direito pela Universidade de Montpellier,
tinha pavor de ser morto através de bruxaria e, ao tornar-se papa,
ordenou a seus inquisidores que descobrissem aqueles que tinham feito "um pacto com o
inferno". Ele estava "convencido de que existiam pessoas, mascaradas de cristãos,
que tinham se juntado ao diabo por meio de uma aliança secreta 11.339
Poderia o próprio papa ter sido subornado por Satã? A idéia não era forçada demais para
aqueles como Guilherme de Nogaret e Guilherme de Plaisans, que gozavam
das boas graças do rei Filipe, o Belo: de fato, ela parece ter sido a única forma plausível de explicar
as ações daqueles que se opuseram ao rei "mais cristão".
Os serviçais do bispo de Béziers, que dissera que Filipe era tão calado e estúpido como uma coruja,
não tinham admitido sob tortura que ele se comunicava com espíritos
malignos? E, mais importante de tudo, o arquimimigo de Filipe, o papa Bonifácio VIII, não tinha
sido um herege, um sodomita e fizera pacto com o Diabo?
A reputação espiritual do finado papa era de interesse mais do que acadêmico, porque, além
de instar pela condenação dos templários, o rei Filipe IV também
estava insistindo num julgamento póstumo de Bonifácio VIII sob a acusação de heresia. Havia uma
cláusula no direito canônico para um processo desse tipo, e precedentes,
como a exumação e o julgamento do papa Formoso em 897. Para Filipe, uma condenação
justificaria expostfacto o ultraje em Anagni, anularia a excomunhão de Guilherme
de Nogaret e fir-
292
O ATAQUE AO TEMPLO
marfa o direito do rei não só de julgar, "mas também de capturar e punir ur papa herético".34°
Como parte de sua campanha de difamação contra o falecido pontífice Filipe, o Belo, também
insistia na canonização de Pietro del Morone, o pap eremita, Celestino
V que, de acordo com a alegação dos franceses, tinha sid forçado a abdicar, em seguida
aprisionado e por fim assassinado por sei sucessor, Bonifácio VIII. Proclamar
infalivelmente que Celestino estava ri céu provaria, no pensar de Filipe, que Bonifácio estava no
inferno; e alega ções a favor de Celestino eram realçadas por pretensos
milagres e pela ampl devoção popular.
Sob intensa pressão do poderoso monarca francês, que se julgava res ponsável apenas
perante Deus, e totalmente vulnerável às forças de coerçãl sob o comando
deste, Clemente V lançou mão de sua tática favorita de pio crastinação e ao mesmo tempo foi se
afastando da esfera de controle do re Filipe. O caos político na Itália
tornava impossível seu regresso aos Estado; Pontifícios; mas o papado havia adquirido um enclave
na Provença, o con dado de Venaissin, e, adequadamente instalada
junto ao rio Ródano,
c'dade de Av'arion. Em agosto de 1308, o apa Clemente anunciou que
1
1,
p
Cúria Pontifícia deixaria Poitiers e se estabeleceria em Avignon. Isso foi con. siderado uma medida
temporária, mas os papas aí permaneceriam pelo setenta anos seguintes.
A mudança para Avignon, que só se completou em março de 1309, nãc
aliviou a pressão de Filipe, o Belo, sobre o papa. Antes mesmo de deixar Poitiers, Clemente havia
concordado com um julgamento póstumo de Boni-
fácio VIII. Ele o fez com muita relutância e com considerável angústia, porque sabia como seria
danoso à autoridade do papado se o papa Bonifácio VIII fosse condenado
como herege. As notícias do julgamento escandalizaram a opinião pública fora da França e
confirmaram a impressão de que Clemente V era um fantoche nas mãos de Filipe
IV O rei Jaime II de Aragão escreveu ao papa a fim de expressar sua inquietação.
Todavia, quando o julgamento afinal teve início, o próprio Clemente defendeu a memória de
Bonifácio VIII antes dos advogados do rei francês, recordando sua
devoção, seus serviços à Igreja e as muitas manifestações da
sua fé ortodoxa. Depois disso, ele permitiu que o julgamento continuasse, mas, graças aos seus
conhecimentos de direito romano, conseguiu protelar
as coisas, quer exigindo depoimentos por escrito, quer, em dezembro de 1310, suspendendo os
procedimentos legais corri o argumento de que estava
sofrendo de um dos periódicos ataques da sua doença.
As negociações continuaram fora do tribunal durante sua recuperação, resultando num
acordo: o papa reconhecia' que o rei Filipe e seus serviçais
OS TEMPLÁRIOS
tinham agido de boa-fé em Anagni, tencionando simplesmente entregar uma convocação para que
o papa Bonifácio VIII participasse de um concílio geral. Nenhum ato de
violência contra a pessoa do papa tinha sido o resultado de uma vingança pessoal empreendida
por seus inimigos nos Estados Pontifícios. Filipe foi elogiado como
"um combatente em prol da fé" e "defensor da Igreja", e Clemente V revogou todas as bulas
papais prejudiciais a Filipe ou ao reino da França. Guilherme de Nogaret
foi absolvido em troca do compromisso de partirem cruzada e de visitar vários santuários na
França cria Espanha. Em troca dessas concessões, o rei Filipe IV declarou
sua completa submissão a qualquer decisão que o papa Clemente V tomasse acerca da questão da
ortodoxia do papa Bonifácio VIII.
Esse acordo teve má repercussão fora da França. Dante Alighieri julgou-o outro exemplo da
prostituição da Cúria Pontifícia perante o rei Filipe IV O embaixador
de Aragão junto à Cúria escreveu a seu soberano que o rei Filipe era agora "rei, papa e
imperador!". Havia uma crença muito difundida de que a absolvição de Guilherme
de Nogaret tinha custado 100.000 florins a Filipe. No entanto, para um historiador
contemporâneo, essa crítica à política de Clemente durante o julgamento de Bonifácio
"não encontra apoio na pesquisa histórica", mas antes deixa claro "que Clemente obteve uma
vitória irrefutável. O único acordo que ele foi forçado a fazer envolvia
seu generoso elogio do comportamento de Filipe - mas essa foi uma concessão teórica que o papa
com freqüência achava fácil fazer 11.141 O mesmo era verdadeiro no
caso do papa eremita, que Clemente V canonizou em 1313, não sob o nome que adotara como
papa, Celestino, e sim como São Pedro dei Morrone; e não como um mártir,
conforme o rei Filipe desejava, mas como confessor.
Dessa forma, com as armas da paciência e da procrastinação, o papa Clemente V preservou a
autoridade e a autonomia da Igreja. Ao contrário de seus grandes
predecessores, como os papas Gregório VII e Inocêncio III, que se empenharam em titânicas
batalhas contra os imperadores alemães, Clemente se descobrira virtualmente
sem poderes numa contenda trivial com um rei fanático e vingativo. Quanto à questão do papa
Bonifácio VIII e de seu antecessor, Celestino V, ele havia se empenhado
numa bem-sucedida ação de retaguarda, fazendo concessões apenas a coisas insignificantes. Mas
será que o Templo era insignificante? O papa Clemente parecia incapaz
de decidir.
Quando o papa Clemente V deixou Poitiers em agosto de 1308, o rei Filipe com certeza presumiu
que os meios fossem oportunos para decidir o destino da Ordem num espaço
de tempo relativamente curto. Os templários conti-
\. -
1
O ATAQUE AO TEMPLO
nuaram nas mãos dos carcereiros reais, e outras confissões dos membros da ordem militar que
tinham sido presos poderiam ser esperadas agora que ele autorizara a
Inquisição a dar continuidade ao interrogatório. Os líderes dos templários entrevistados pelos
quatro cardeais em Chinon tinham todos revogado suas retratações e
confirmado seus crimes. Nenhum deles admitiu todas as acusações, mas as confissões em
conjunto abrangiam-nas todas. Todos se arrependeram do que tinham feito e pediram
para serem readmitidos na Igreja.
A presença em Chinon de Guilherme de Nogaret e Guilherme de Plaisans bem pode ter tido
alguma relação com o que os templários veteranos escolheram para dizer.
Havia todo incentivo para que o acusado admitisse as acusações, porque, se continuasse a
protestar inocência, corria o risco de ser torturado de novo e de ser condenado
à prisão perpétua. Se fugisse, não tinha onde se esconder: Clemente tinha voltado a escrever a
todos os reis da cristandade, pedindo-lhes que detivessem todos os
templários fugitivos nas terras que controlavam e que os entregassem às comissões episcopais.
Muitos dos bispos, em particular os do norte da França, tinham sido
indicados por Filipe; além do mais, o papa havia advertido todos os membros do clero de que a
ajuda aos templários os faria culpados de heresia por associação.
O rei Filipe também poderia sentir-se seguro da comissão pontifícia de inquérito na Ordem.
Ele próprio remetera ao papa Clemente V uma lista de candidatos
adequados, e entre os oito membros incluíam-se vários partidários do rei. O presidente da
comissão era Gilles Aicelin, arcebispo de Narbonne, que havia se pronunciado
contra os templários em Poitiers em 1308. Os bispos de Mende e Bayeux também eram homens
do rei, e este último era com freqüência utilizado por Filipe nos assuntos
reais. Quatro dos comissários não eram franceses, mas um, o arcebispo de Trento, trabalhara com
um dos cardeais Coloriria e outro, o prévost de Aix, tinha sido empregado
como diplomata pelo primo do rei Filipe, o rei Carlos II de Nápoles.
No entanto, as complexas normas estabelecidas pelo papa Clemente V e a dificuldade de
reunir oito clérigos tão eminentes fizeram com que a comissão só realizasse
sua primeira sessão um ano após ter sido formada. Em 8 de agosto de 1309, no mosteiro de Santa
Genoveva em Paris, ela expediu a todos aqueles que gostariam de prestar
depoimento uma convocação para que comparecessem perante ela em novembro; e a comissão
finalmente se reuniu, depois de atrasos de última hora, no dia 22 de novembro
no salão episcopal do bispo de Paris.
Entre as primeiras testemunhas estava Hugo de Pairaud, o supervisor da Ordem do Templo na
França, que nada disse em defesa dela. Quando Jacques de Molay
prestou depoimento em 26 de novembro, ele disse que
OS TEMPLÁRIOS
1
OATAQUE AO TEMPLO
gostaria de defender a Ordem porque era inconcebível que a Igreja quisesse agora destruí-la, mas
tinha dúvidas quanto à sua capacidade de fazê-lo sem ajuda. Contudo,
ele "se consideraria vil e miserável e assim seria considerado por outrem se não defendesse a
Ordem, da qual tinha recebido tantas vantagens e honras".
Não se tratava apenas do fato de Jacques de Molay ser analfabeto, como atestara quando de
sua prisão, como também do fato de que o Templo, sob sua administração,
não conseguira adaptar-se ao crescente legalismo do período. Outras instituições, como o Hospital
e as ordens monásticas, tinham contratado os serviços de aconselhamento
jurídico, mas os cavaleiros do Templo "parecem ter-se esforçado pouco tanto para recrutar
advogados quanto para formar especialistas em direito entre suas próprias
fileiras", a despeito da vigilância com que tinham protegido seus direitos e imunidades.3'2
Emotivo, confuso, um Dom Quixote a seus próprios olhos, bem como na percepção
de outrem, Jacques de Molay sem dúvida lamentou a omissão. Quando um relato de sua confissão
perante os cardeais em Chinon lhe foi lido, ele persignou-se duas vezes
e lançou o que a comissão considerou ser um desafio de julgamento por duelo com "certas
pessoas" - presumivelmente os cardeais que tinham tomado seu depoimento.
Repreendido pela comissão, Jacques disse que não tinha planejado esse desafio, mas que, se fosse
da vontade de Deus, eles deveriam seguir a prática dos tártaros
e dos sarracenos, que "decepavam a cabeça desses malfeitores (...) ou os cortavam ao meio".3a3
Os membros da comissão não se impressionaram com essa fúria beligerante, mas
concordaram com um recesso para permitir-lhe que preparasse a defesa de sua
Ordem. O ministro do rei Filipe, Guilherme de Plaisans, que estava presente à sessão, e a quem,
por ironia, Jacques de Molay apelara por ajuda, ficou desconcertado
com o espetáculo desse velho dissoluto: depois de dois anos de tortura e prisão, o grão-mestre
parecia confuso com o que tinha confessado, com o que tinha revogado,
e se se esperava que ele defendesse ou não a Ordem. Guilherme o advertiu de que tomasse
cuidado para não "sucumbir a uma armadilha preparada por si mesmo".
Quando Jacques de Molay voltou a ficar perante a comissão na sexta-feira, 28 de novembro,
ele repetiu que se sentia incapaz de armar a defesa de sua Ordem
porque "era um cavaleiro, iletrado e pobre", e que, como lera numa das cartas apostólicas que no
seu caso o papa Clemente reservara a si o julgamento, ele decidira
permanecer calado até que fosse levado à presença do papa. À comissão ele diria apenas três
coisas: primeiro, que a liturgia nas igrejas dos templários era mais
bela do que em quaisquer igrejas ou catedrais; segundo, que a Ordem tinha sido pródiga em suas
doações para cari-
dade; e terceiro, que nenhuma Ordem "tinha derramado seu sangue tãc prontamente em defesa
da fé crista" ou era tida em mais alta conta pelo inimigo sarraceno. O
conde de Artois não havia colocado os templários na vanguarda do exército de São Luís no Nilo? E
ele não teria vivido se tivesse ouvido os conselhos do grão-mestre?
Quando os membros da comissão friamente retrucaram que tudo issc era inútil se não
houvesse fé, Jacques de Molay concordou, mas insistiu que acreditava "num
só Deus e numa Trindade de Pessoas e em outras coisas pertencentes à fé católica (...) e quando a
alma estivesse separada do corpo. então ela seria visível para
quem fosse bom e para quem fosse mau, e cada um de nós saberia a verdade dessas coisas que
nós estivéssemos fazendo nc momento".
Em 28 de novembro, a comissão suspendeu sua primeira sessão e só voltou a se reunir em 3
de fevereiro de 1310. Nesse ínterim, o derrotismo que se abatera
sobre a maioria dos templários após sua prisão dera lugar a um espírito de resolução. Na primeira
sessão, o preceptor de Payns, Ponsard de Gizy, dissera à comissão
que todas as acusações imputadas à Ordem eram falsas; que as confissões tinham sido feitas
"devido ao perigo e ao medo"; e, após descrever como tinha sido torturado,
ele disse que, caso fosse ameaçado com semelhantes tormentos, admitiria qualquer coisa que lhe
fosse atribuída. Entre 7 e 27 de fevereiro, 532 templários de toda
a França seguiram seu exemplo.
Em 14 de março, uma lista completa com as 127 acusações feitas contra a Ordem foi redigida
e lida diante de noventa templários que tinham se oferecido espontaneamente
para defender a Ordem. Por volta do fim do mês, o número tinha aumentado para 597 templários,
entre eles um padre, João Roberto, que disse ter ouvido inumeráveis
confissões dos templários, nenhuma das quais mencionava nenhum dos pecados imputados à
Ordem. Confrontada com número tão grande, a comissão pediu aos acusados que
selecionassem um número manejável como procuradores, e no devido tempo dois padres foram
escolhidos, Reinaldo de Provins, preceptor de Orléans, e Pedro de Bolonha,
procurador do 7èmplo na Cúria Pontifícia, em Roma. Pedro de Bolonha era um padre de quarenta
e quatro anos e membro do Templo havia vinte e cinco. Ele era presumivelmente
lombardo e tinha sido admitido em Bolonha, onde talvez tenha estudado direito sob a orientação
do preceptor da Lombardia, Guilherme de Noris. Sua nomeação como procurador
do 'Iémplo na Cúria Pontifícia sugere uma aptidão intelectual raras vezes encontrada na ordem
militar. Após sua prisão em novembro de 1307, ele confessou ter negado
Cristo e cuspido na Cruz. Ele negou a prática de sodomia, mas admitiu que tinha sido permitida.
Os TEMPLÁRIOS
Reinaldo de Provins também era padre, cerca de oito anos mais jovem do que Pedro de
Bolonha. O fato de que ele pensara em entrar para a Ordem dos Dominicanos,
e não para a Ordem do Templo, também sugere uma educação avançada, e a maneira pela qual
evitou uma confissão aberta quando interrogado pela primeira vez demonstra
um espírito sagaz. Ele foi admitido na Ordem em Brie quinze anos antes.
A primeira submissão desses dois padres da Ordem foi um protesto contra as condições em
que estavam sendo mantidos: a negação dos sacramentos, o confisco
de seus bens e hábitos religiosos, a comida de má qualidade, os grilhões de ferro e o modo como
aos que haviam morrido na prisão tinha sido recusado enterro em solo
sagrado. Mais tarde, quando entrevistado pelos notários da comissão no Templo de Paris, onde
estava encarcerado, Pedro de Bolonha denunciou as acusações como "coisas
vergonhosas, muito iníquas, irracionais e detestáveis (...) fabricadas, inventadas e renovadas por
testemunhas e adversários e por inimigos mentirosos". Ele insistia
"que a Ordern do Templo era limpa e imaculada e que, de acordo com todos os artigos, sempre
houve vícios e pecados". Quaisquer confissões eram claramente falsas,
feitas ou em conseqüência de tortura ou para evitá-la.
Na quarta-feira, I° de abril, Pedro de Bolonha e Reinaldo de Provins, junto com dois cavaleiros
com uma folha de serviços prestados no ultramar, Guilherme
de Chambonnet, preceptor de Blaudeix, no Auvergne, e Beltrão de Sartiges, preceptor de Carlat,
em Rouergue, compareceram diante da comissão pontifícia; ambos os
cavaleiros tinham servido na Terra Santa, e nem um nem outro confessaram nenhuma das
acusações quando interrogados pela primeira vez pelo bispo de Clermont.
Imediatamente Reinaldo de Provins pôs a própria comissão na defensiva, primeiro insistindo
que apenas o grão-mestre e o capítulo da Ordem eram autorizados
a nomear procuradores para a defesa do Templo; segundo, que os procedimentos iniciais contra a
Ordem com base em acusações de heresia tinham sido irregulares e,
portanto, de legalidade duvidosa. É claro que um pré-requisito para uma defesa adequada era a
concessão de dinheiro aos acusados para contratarem advogados e se
colocarem sob a custódia da Igreja, e não do rei. Pela primeira vez desde a prisão dos templários
em outubro de 1307, eles estavam organizando uma defesa convincente.
Mesmo após cerca de setecentos anos, as palavras de Pedro de Bolonha sugerem não só um
hábil advogado, mas também um eterno defensor dos direitos dos acusados.
Os procedimentos iniciais contra os templários, disse ele à comissão, tinham sido adotados "com
uma fúria destrutiva", os irmãos "tinham sido levados como ovelhas
para o abatedouro" e coagidos "por vários tipos de tortura, em virtude dos quais muitos haviam
morrido, muitos
O ATAQUE AO TEMPLO
estavam para sempre inválidos, e muitos na ocasião foram obrigados a mentir contra si mesmos e
contra a Ordem". A tortura, afirmou ele, removia qualquer "liberdade
de espírito, que é o que todo homem bom deve ter". Ela o privava do "conhecimento, da
lembrança e do entendimento", e, por conseguinte, qualquer coisa dita sob tortura
não deveria ser levada em conta. Ele também revelou que havia mostrado aos templários cartas
com o selo do rei Filipe com a promessa de que eles não seriam torturados,
mas também de que "uma boa provisão e elevados rendimentos lhes seriam concedidos
anualmente durante sua vida, sempre lhes dizendo em primeiro lugar que a Ordem
do Templo estava completamente condenada".3'`
Assim, todos os depoimentos contra a Ordem estavam corrompidos e, além do mais,
afrontavam o senso comum. Era crível que tantos homens nobres, eminentes
e poderosos fossem "tão tolos e loucos" que "com a perda de suas almas [eles] entrariam para a
Ordem e nela perseverariam"? Decerto, cavaleiros desse quilate, se
tivessem descoberto tais iniqüidades no Templo, em particular as blasfêmias contra Jesus Cristo,
"teriam todos gritado e divulgado o assunto para o mundo inteiro".
Essa robusta defesa do Zèmplo e as intermináveis deliberações da comissão pontifícia
exasperaram o rei Filipe IV O concílio da Igreja convocado para se reunirem
Vienne em outubro de 1310 a fim de dissolver o Templo teve de ser adiado por um ano, porque a
comissão não havia apresentado seu relatório. O rei portanto decidiu
apressar as coisas por intermédio de Filipe de Marigny, arcebispo de Sens. O arcebispo tinha sido
recentemente promovido da sé de Cambrai graças à influência de
seu irmão, Enguerrand de Marigny, que estava em via de substituir Nogaret como o principal
ministro do rei. A pedido de Enguerrand é que o rei Filipe tinha conseguido
a nomeação de Filipe pelo papa para a sé de Sens; por conseguinte, ele estava em dívida tanto
para com o rei quanto para com seu irmão, e na primavera de 1311 estava
em condição de saldá-la.
Devido a demarcações eclesiásticas que remontavam ao tempo do Império Romano, a diocese
de Paris estava situada na província de Sens. Era portanto o arcebispo
de Sens quem tinha poder para julgar os casos dos templários dentro de sua jurisdição. No
domingo, 10 de maio, quando) a comissão pontifícia estava em recesso, ele
convocou um concílio em Paris para instaurar processo contra eles. Pedro de Bolonha se deu
conta imediatamente do que se tencionava e logo apelou à comissão que
protegesse os templários "que haviam se apresentado para defender a referida Ordem". Ele pediu
à comissão que ordenasse ao arcebispo de Sens que não instaurasse
processo contra eles.
OS TEMPLÁRIOS
O presidente da comissão, Gilles Aicelin, arcebispo de Narbonne, imedia,.amente recusou-se a
levar essa petição em consideração, alegando que "tinha de celebrar
ou de assistir à missa". Ficou a cargo dos demais membros da comissão decidir que, embora
sentissem considerável simpatia pelos peticionários da Ordem do Templo,
os procedimentos da comissão pontifícia e do concílio designado pelo arcebispo de Sens eram
"completamente diferentes e mutuamente separados". Uma vez que o arcebispo
recebera seus poderes diretamente da Santa Sé, a comissão não tinha competência pari interferir.
Na segunda-feira, 11 de maio, a comissão reuniu-se novamente para tornar o depoimento de
qualquer templário que desejasse defender a Ordem na ausência de
seu presidente, o arcebispo de Narbonne. Num intervalo do processo, anunciou-se que quarenta e
quatro templários que haviam revogado suas confissões para defender
a Ordem seriam queimados como hereges reincidentes naquele mesmo dia. A comissão
imediatamente enviou o arcediago de Orléans e um dos carcereiros dos templários,
Filipe de Voet, a fim de pedirem ao arcebispo que adiasse a execução: Voet lhes contara como
muitos templários que tinham morrido na prisão haviam jurado, à beira
da eternidade, que as acusações contra a Ordem eram falsas.
A intervenção deles foi ignorada. Os quarenta e quatro templários foram amontoados em
carroças e levados para um campo próximo ao convento de Santo Antônio,
fora dos limites da cidade, onde foram queimados. Todos eles, sem exceção, negaram "os crimes a
eles imputados, mas constantemente persistindo na negação geral,
dizendo sempre que estavam sendo condenados à morte sem razão e injustamente-o que, na
verdade, muitas das pessoas foram capazes de perceber, de modo algum sem grande
admiração e imensa surpresa".3'S Os que nunca tinham admitido os crimes alegados não puderam
ser julgados hereges reincidentes e, portanto, foram condenados à prisão
perpétua. Apenas aqueles que confirmaram sua confissão e se arrependeram foram absolvidos de
seus pecados e postos em liberdade.
Quatro dias depois, mais quatro templários foram entregues pelo arcebispo de Sens para
serem queimados como hereges reincidentes, e o corpo do ex-tesoureiro
do Templo de Paris, João de La rlóur, foi exumado, a fim de
que também pudesse ser consumido pelas chamas. O efeito dessas ações era visível nas
testemunhas agora chamadas à presença da comissão: um templário da diocese de Langres, chamado Aimery de Villiers-le-Duc, insistiu que todos os erros
imputados à Ordem eram falsos, mas implorou aos membros da comissão
que não revelassem isso aos oficiais do rei, porque não queria ser queimado. Os membros da
comissão apenas foram induzidos a pro-
O ATAQUE AO TEMPLO
testar, quando um dos dois procuradores, Reginaldo de Provins, desapareceu da prisão.
O protesto foi eficaz: Reinaldo de Provins foi devolvido junto com os dois cavaleiros, Guilierme
de Chambonnet e Beltrão de Sartiges; mas agora Pedro de
Bolonha é que tinha desaparecido, e, a despeito do envio de três cônegos para ir buscá-lo, ele não
foi encontrado. Depois disso, os procedimentos da comissão prosseguiram
com dificuldade, com muitos de seus membros ausentando-se com diversas desculpas. No dia 17
de dezembro, quando Guilherme de Chambonnet e Beltrão de Sartiges disseram
que não poderiam continuara defender a Ordem sem Reinaldo de Provins e Pedro de Bolonha por
serem "leigos iletrados", disseram-lhes que ambos os padres do Templo
haviam desistido da defesa da Ordem e regressado a suas confissões originais. Reinaldo de Provins
fora excluído do sacerdócio pelo Concílio de Sens, e Pedro de Bolonha
fugira da prisão. Mais provavelmente fora assassinado por seus carcereiros; mas, qualquer que
tenha sido o destino dos dois padres da Ordem, os dois cavaleiros julgaram-se
incapazes de continuar sem eles e portanto "deixaram a presença dos membros da comissão"."'
A Destruição do Templo
Por que, nas palavras de Pedro de Bolonha, os membros da mais temível força militar do mundo
ocidental seguiram para a morte "como cordeiros para o abatedouro"?
Uma das razões foi sem dúvida a idade avançada da maioria dos templários que viviam na França.
Tendo servido por algum tempo no Oriente, muitos tinham regressado
à Europa para assumir postos na administração. Os cavaleiros mais jovens foram mandados para
Chipre: em 1307, mais de setenta por cento da força de templários tinha
sido recrutada desde o início do século."' Aí eles estavam preparados para a ação militar: tinham
combatido os sarracenos por causa de Tortosa e estavam prontos
para uma invasão mameluca da ilha.
A bula do papa Clemente V ordenando a prisão dos templários em toda a cristandade,
Pastoralis praceminentiae, chegou a Chipre em novembro de 1307. Na época
o governante defacto era Amauri, irmão do rei João, que tinha sido apoiado pelos templários
quando tomou o poderem agosto de 1306. As ordens do papa deixaram Amauri
numa situação embaraçosa. Ele estava em dívida para com os templários e, como a maioria das
outras pessoas em Chipre, julgou as acusações contra a Ordem quase com
certeza inverídicas; não obstante, ele também não estava disposto a desafiar o papa ou a fazer do
rei Filipe da França um inimigo. Ele portanto ordenou a seus oficiais
que se movessem contra os templários sob seu marechal, Ayme de Oselier, mas eles encontraram
alguma resistência e houve luta.
Por fim, os templários renderam-se e oitenta e três cavaleiros e trinta e cinco sargentos foram
colocados sob prisão domiciliarem suas propriedades. A propriedade
deles foi seqüestrada, mas os oficiais de Amaun não conseguiram encontrar o grosso do tesouro
dos templários. Nenhum julgamento ocorreu até maio seguinte, quando
dois juízes nomeados pelo papa Clemente chegaram à ilha. Nenhum dos acusados admitiu as
acusações. Os depoimentos foram tomados de testemunhas que não pertenciam
à Ordem, entre elas dezesseis cavaleiros e o senescal do reino, Filipe de Ibelin, e o marechal do rei,
Remaldo de Soissons. A maioria havia apoiado o rei Henri-
302
A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO
que II contra Amauri, e portanto talvez se tenha esperado que mostrassem animosidade contra os
templários, mas todos os depoimentos deles foram a seu favor. Filipe
de Ibelin, que foi a primeira testemunha, julgava que apenas o segredo que cercava as admissões
na Ordem é que levava à suspeita de mau procedimento. Reinaldo de
Soissons confirmou que os templários acreditavam nos sacramentos e tinham sempre conduzido
suas cerimônias religiosas corretamente.
Um cavaleiro, Jacques de Plany, foi franco em sua defesa dos templários, lembrando ao
tribunal que eles tinham derramado seu sangue por Cristo e pela fé
cristã, e que eram homens tão bons e honestos quanto os que se poderiam encontrar em
qualquer ordem religiosa. O senhor Perceval de Mar, um genovês, descreveu um
grupo de templários aprisionados pelos sarracenos que tinham escolhido morrer a trair sua fé.
Testemunhas menos importantes, embora mencionassem o segredo das admissões
na Ordem do Templo e a avareza desta, nada disseram que envolvesse os templários em blasfêmia
ou heresia. Um padre, Lourenço de Beirute, disse que ouvira as confissões
de sessenta templários e nada poderia dizer contra eles. Outros testemunhos deixaram claro que
muitos templários confessavam-se com dominicanos, franciscanos e padres
seculares, e não necessariamente com seus próprios capelães.
A única testemunha entre os latinos de Chipre que depôs contra os templários foi Simão de
Sarezarüs, o prior do Hospital de São João, mas ele não pôde fornecer
provas concretas, aludindo tão-somente a conversações que tivera com pessoas anônimas rio
passado. Com essa única exceção, todas as testemunhas nobres depuseram
a favor dos templários, não obstante fossem partidários do rei Henrique II.
Esse resultado foi considerado inaceitável pelo papa Clemente V que ordenou um novo
julgamento sob o legado pontifício no Oriente, Pedro de Plaine-Cassagne,
bispo de Rodez. Este ocorreu após o assassinato de Amauri e a restauração do rei Henrique no
verão de 1310, e, embora as atas não tenham sido preservadas, parece
que os imperativos políticos do papa prevaleceram: os cronistas relatam que o marechal do
Templo, Ayme de Oselier, e muitos outros templários morreram durante o
encarceramento na fortaleza de Kervnia.
Na Itália, os processos contra os templários variavam de acordo com as lealdades políticas dos
governantes envolvidos. Carlos II de Nápoles, primo do rei Filipe,
o Belo, até onde se sabe dos poucos depoimentos que sobreviveram, assegurou as confissões
necessárias presumivelmente graças ao uso de tortura. Nos Estados Pontifícios,
a tortura também produziu algumas con-
303
OS TEMPLÁRIOS
fissões da negação de Cristc, de escarrada na Cruz e da adoração de ídolos; mas em geral uma
investigação 1Íti nerante executada pelo bispo de Sutri teve Resultados
insignificantes. Na Lombardia, muitos dos bispos apoiaram os templários e alguns foram corajosos
o suficiente para dizê-lo. Os bispos de Ravena, Rimim e Fano não
conseguiram encontrar provas de culpa nos poucos templários conduzidos à sua presença. Em
Florença, após o uso de tortura, seis entre dezesseis templários confessaram.
t~1a Alemanha, Burhhard, arcebispo de Magdeburgo, moveu-se rapidamente contra os
templário, entre eles o preceptor alemão, Frederico de AlverIsleben. Em
Trier, um concílio provincial da Igreja convocado pelo arcebispo não encontrou nenhuma prova
contra a Ordem. Um concílio semelhante, realizado em Mogúncia e presidido
pelo arcebispo, Pedro de Aspelt, foi interrompido por um contingente de vinte cavaleiros do
Templo artnatlos, liderados pelo preceptor de Grumbach, Hugo de Salm.
O atemorizado arcebispo foi obrigado a ouvir as queixas deles de que não se tinha dado aos
membros da Ordem unta oportunidade justa de se defenderem, e de que aqueles
que tinham insistido na sua inocência tinham sido queimados. Hugo de Salm também afirmou que,
como uma prova milagrosa de sua inocência, os hábitos brancos dos templários
não foram consumidos pelo fogo.
Numa audiência posterior, o irmão de Hugo de Salm, Frederico, o preceptor do Reno,
ofereceu-se para provar a inocência da Ordem por meio de um julgamento
por ordálio. Ele disse que tinha servido no Oriente com Jacques de Molay e sabia que ele era "um
bom cristão, tão bom quanto qualquer um poderia ser". Outras testemunhas
atestaram a obra de caridade dos templários, entre elas um padre que disse que, durante um
período de séria escassez de alimentos, a comunidade de Maistre tinha
dado de comer a mil pobres todos os dias. Ao fim da audiência, o arcebispo formulou uma decisão
a favor dos templários que tinham sido conduzidos à sua presença,
o que desagradou ao papa.
Fora da França e de Chipre, a presença dos templários mais significativa era na Espanha, em
particular em Aragão, onde a Ordem tinha desempenhado um pjpel de destaque
na reconquista das terras mantidas pelos mouros. Os enormes privilégios e as substanciais
dotações que datavam dos heróicos dias da Reconquista tinham sido corroídos
pelo rei havia algum tempo. De fato, embora a Ordem ainda possuísse consideráveis propriedades
em Aragão, ela tinha sido onerada pela necessidade de remeter fundos
à Ordem na Síria e na Palestina e pelas exigências feitas pelos reis aragoneses. Conquanto o
Templo ainda atuasse como um banco, ele próprio estava endividado.
A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO
Em meados de outubro de 1307, o rei Jaime II recebeu uma carta do rei Filipe IV da França
relacionando as iniqüidades dos templários e aconselhando-o a deitar
a inão sobre suas propriedades e pessoas como Filipe fizera na França. O monarca aragonês estava
incrédulo. Os templários, escreveu ele em resposta a Filipe, o Belo,
têm vivido na verdade de uma forma digna de louvor como religiosos, até agora, neste país, de
acordo com a opinião geral, e nenhuma acusação de desvio da fé foi
feita contra eles aqui; pelo contrário, durante nosso reinado nos têm prestado fielmente grandes
serviços em tudo quanto lhes temos solicitado, na repressão dos
inimigos da fé.
Todavia, quando chegou à Espanha a notícia de que Jacques de Moláy tinha confessado os
pretensos crimes, o rei Jaime II ordenou a prisão dos templários e o confisco
de suas propriedades em seu reino. Alguns templários recusaram-se a entregar seus castelos: em
contraste com a França, a Ordem em Aragão tinha vários homens em armas
e tempo para se preparar para tal defesa. A fortaleza em Pensícola foi tomada, e o mestre do
Temple em Aragão, Exemen de Lenda, preso, mas Ascó, Cantavieja, Villel,
Castellote, Chalamera e Monzón permaneceram nas mãos da Ordem, ao passo que Ramón Sá
Guardia, o preceptor de Mas-Deu em Roussillon, resistiu na fortaleza de Miravet.
Daí ele escreveu ao rei Jaime 11, lembrando-o do sangue que tinha sido derramado pelos
templários nas guerras contra os mouros, mais recentemente contra Granada.
Durante um período de séria escassez de alimentos, vinte mil pessoas tinham sido alimentadas
pelos templários em Gardeney e seis mil em Monzón. Quando os franceses
invadiram Aragão e ameaçaram Barcelona, foram os templários que agüentaram frmes. Por todos
esses motivos, o rei deveria libertar o mestre e outros templários, que
são "leais, católicos e bons cristãos".
Contudo, àquela altura, os dados já tinham rolado - não porque o rei Jaime tivesse sido
persuadido de que os templários fossem culpados, conforme as acusações,
mas porque queria assegurar os bens deles antes que fossem desapropriados pela Igreja; ele até
sugeriu uma compensação ao papa Clemente, por meio da qual dois sobrinhos
deste receberiam terras em Aragão, se o papa abrisse mão de seus direitos à propriedade do
Templo na Espanha.'4' Talvez cônscio de que a avareza era agora a motivação
prioritária do rei, Ramón Sá Guardia escreveu para dizer quanto ele tinha pena dele, "do rei da
França e de todos os católicos em relação ao dano que se originava
de tudo isso, mais do que de nós mesmos, que temos de suportar o mal". Ele témia pela alma do
rei, caso ele iludisse a si mesmo de que estava fazendo o
305
OS TEMPLÁRIOS
trabalho de Deus e não do Diabo. Como Pedro de Bolonha, perguntava ele agora, se as acusações
eram verídicas, tantos membros das melhores famílias haviam entrado
para a Ordem, alguns deles por pelo menos seis anos, e ainda não haviam denunciado os
pretensos abusos?
Em 1° de fevereiro de 1308, o rei Jaime decidiu sitiar essas fortalezas ainda nas mãos dos
templários. Sem vontade ou incapaz de organizar um ataque frontal,
sua tática foi levar as guarnições à sujeição pela fome. Ramón Sá Guardia, que continuou a
comunicar-se com o rei, advertiu que eles estavam dispostos a morrer como
mártires, a menos que o rei Jaime garantisse protegê-los enquanto o papa Clemente
permanecesse sob a influência do rei da França. Todavia, o rei Jaime não sentiu
nenhuma necessidade de chegar a um acordo, e em fins de novembro os templários de Miravet
tinham sido levados à sujeição pela fome. Monzón resistiu até maio de 1309,
e em fins de julho, com a rendição de Chalamera, a resistência da Ordem chegara ao fim.
Seguiram-se então os processos contra os templários aragoneses, mas, como a tortura não
era permitida pela lei aragonesa, estes não resultaram em confissões.
Os prisioneiros foram mantidos em razoável conforto, com uma alimentação decente. Ramón Sá
Guardia foi tão franco perante os inquisidores quanto tinha sido em suas
cartas ao rei. Ele disse que as admissões na Ordem tinham sido completamente ortodoxas, como
tinha sido a prática da religião católica pelos templários. As alegações
da negação de Cristo eram "horríveis, extremamente hediondas e diabólicas", e "qualquer irmão
que cometesse um pecado contra a natureza" (i.e. sodomia) era punido
"com a perda do hábito e prisão perpétua (...) com grandes grilhões nos pés e correntes no
pescoço (...)". As acusações tinham surgido de "um espírito maligno e
diabólico", e todos aqueles que as tinham confessado eram mentirosos.
Em março de 1311, o papa ordenou ao arcebispo de Tarragona e ao bispo de Valência que
usassem a tortura para extrair confissões, mas os métodos que se tinham
revelado tão eficientes na França fracassaram na Espanha. Oito templários torturados em
Barcelona persistiram com os seus protestos de inocência; um concílio local
da Igreja em Tarragona, em 4 de novembro de 1312, considerou os templários inocentes, "embora
tivessem sido submetidos à tortura para confessar seus crimes".
O que aconteceu em Aragão também aconteceu nos reinos de Castela-Leão e Portugal. Os
templários eram presos e chamados ajuízo diante de comissões episcopais,
mas nenhuma conseguiu encontrar provas. para fundamentar as acusações. Em toda a península
Ibérica, foi apenas em Navarra
306
A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO
que a influência francesa predominante levou a algum êxito na extração d confissões dos
pretensos crimes dos templários.
A exemplo do rei Jaime II de Aragão, o rei Eduardo II da Inglaterra tinh recebido uma carta do rei
Filipe, o Belo, em meados de outubro de 130; descrevendo como
ele tinha posto a descoberto a cloaca de corrupção n Templo e aconselhando seu genro a
proceder como ele fizera com a prisã dos canalhas e a desapropriação de seus
bens. Como o rei Jaime de Aragão, rei Eduardo a princípio ficou cético. Embora a presença do
Templo não fosstão considerável quanto era no reino da França, com 144
a 230 cavaleiros n
Inglaterra, na Escócia, na Irlanda e no País de Gales, ele não obstante tinh desempenhado um
importante papel no governo real desde que o primeir~ grão-mestre, Hugo
de Payns, viera a Londres em 1129. Ele servira comi banqueiro aos monarcas angevinos; a ele
foram confiadas as multas paga pelos assassinos de Tomás Becket, e ele
atuara como intermediário em con tendas entre os reis da Inglaterra e da França, mantendo
fortalezas na Nor mandia que eram o dote da princesa Margarida da França,
até que sei marido, o filho e herdeiro do rei Henrique II da Inglaterra, atingisse a maio ridade.
A confiança que o rei Ricardo Coração de Leão depositava na Ordem j; foi mencionada; o
grão-mestre do Templo, Roberto de Sablé, fora não só sei vassalo,
mas também um amigo de confiança. O Templo em Londres era urr depósito seguro para as
receitas reais; e a Ordem era uma presença substan cial na vida comercial dos
reinos, tirando proveito dos muitos privilégios e isenções concedidos por reis e papas. Embora a
riqueza do Templo tivesse suscitado um pouco de inveja, sua renda
anual proveniente de bens de raie não excedia 4.800 livres, insuficentes para inspirar "fortes
sentimentos de inveja" ou "uma antipatia geral1,.1411 Jacques de Molay
fora calorosamente recebido pelo rei Eduardo I quando visitou a Inglaterra em 1294, e Guilherme
de La More, o mestre inglês, fora o conselheiro de confiança dc velho
rei. Eduardo II, que apenas ascendera ao trono três meses antes, julgou as acusações feitas contra
a Ordem implausíveis e escreveu aos reis da França, de Aragão,
de Castela, de Portugal e de Nápoles para dizer isso. A Ordem tinha uma honrosa folha de serviços
na Terra Santa e "brilha intensamente na religião". Ele também
escreveu ao papa Clemente, insistindo que os templários tinham sido "inabaláveis na pureza da
fé", ao passo que aqueles que fizeram acusações tão infames eram criminosos
e mentirosos.
Essa carta, remetida em 10 de dezembro, cruzou com a bula papal Pastora&Praeeminentiae,
ordenando a prisão de todos os templários na cristandade, a qual
o rei Eduardo recebeu quatro dias mais tarde. Isso deixou o
307
OS TLMIPLÁRIOS
jovem rei sem, alrernativa, e assim, em 26 de dezembro, ele ordenou a detenção dos templários
ingleses "da maneira mais rápida e melhor". Por essa ocasião, a notícia
da confissão de Jacques de Molay tinha chegado à Inglaterra, e Eduardo, como o rei Jaime de
Aragão, também pode. ter visto as vantagens de assumir o controle dos
bens dos templários antes que eles caíssem em outras mãos.
Não obstante, permaneceram as suspeitas sobre o rei Filipe e sua influência sobre o papa
Clemente; e o tratamento dispensado aos templários dificilmente
sugere que se acreditou nas acusações. O mestre inglês, Guilherme de La More, que foi preso em
9 de janeiro, ficou encarcerado em Canterbury, mas dois templários
tiveram permissão de acompanhá-lo, e ele teve direito a mobília, roupas, roupa de cama e seus
pertences pessoais, bem como a uni subsídioperdion de dois xelins e
seis pence. Muitos dos preceptores tiveram permissão de ficar em suas comunidades até serem
convocados a comparecer perante os inquisidores quase dois anos mais
tarde.
Na época da prisão dos templários, fez-se um inventário de suas posses chie dá um vislumbre
de seu estilo de vida e contradiz as acusações de seus críticos
de que eles estavam vivendo na abundância. No condado de Yórk, os inventários mostram que as
vestes eclesiásticas, os animais domésticos e os implementos agrícolas
eram os únicos bens de algum valor. Não havia armas, o dinheiro era pouco, e a mobília, escassa e
de má qualidade. Encontraram-se alguns estoques de carne de carneiro
salgada, toicinho defumado, peixe salgado, arenque, bacalhau seco e salgado, queijo e um pouco
de carne bovina salgada, mas quase nenhum. vinho .3111
No dia 13 de setembro de 1309, os dois inquisidores designados pelo papa chegaram à
Inglaterra: Dieudonnc:, abade de Lagny, e Sicard de Uaur, um cônego de
Narbonne, cujo arcebispo era Gilles Aicelin, o presidente da comissão pontifícia que investigava a
Ordem em Paris. Essa foi a primeira aparição dos inquisidores
na Inglaterra: ao contrário da França, onde a Inquisição fora aceita e usada como um instrumento
da monarquia, ela não tinha nenhum relevo na lei inglesa. Além disso,
os julgamentos eram feitos norrnalmente perante os jurados e a tortura não era permitida. Ern
conseqüência, o interrogatório cios templários ingleses realizado entre
20 de outubro e 18 de novembro perante os dois inquisidores e o bispo de Londres não produziu
resultados. Nenhum deles admitiu nenhuma má ação. Irnbert Blanke, o
preceptor do Auvergne que havia fugido para a Inglaterra por ocasião das prisões na França, disse
que o segredo que cercava as admissões dos templários tinha sido
"por causa de insensatez" e que nada de indesejável tinha acontecido.
n DESTRUIÇÃO Do TEMPLO
Frustrados por seu fracasso em extrair confissões, os inquisidores per suadiram o Concílio
Provincial de Canterbury, que se reuniu em Londre em 24 de novembro,
a pedir ao rei Eduardo 11 permissão para se usar a ror cura; o pedido foi redigido
eufemisticamente como se dimanasse "de acorde com os estatutos eclesiásticos".
Concedeu-se permissão, mas a tortura não produziu os resultatdos almejados. A única
irregularidade que veio à tona fo a difundida pressuposição entre os templários
de que o perdão de transgres soes pelo mestre no capítulo equivalia à absolvição sacramental.
Uma frustração adicional para os dois inquisidores, que eles expressa mam em seu relatório
para o papa, foi a relutância do rei Eduardo em da garantias para
a trarnsferência da propriedade dos templários para a Igreja Ele disse que não poderia agir sem
consultar os condes e os barões do reino uma posição que não era
apenas procrastinação, pois embora o papa pudesse legitimamente salientar que as dotações
originais tinham sido feiras em pro da missão dos templários na Terra Santa,
o rei poderia igualmente afirma que eles tinham vindo da nobreza inglesa, a qual, se a Ordem
fosse disso] vida, estava habilitada a tê-las de volta. Essa posição
foi vigorosamentf apoiada por seus barões.
Exasperado pela falta de resultados da Inglaterra, o papa Clemente instou os arcebispos de
Canterburv e, de Yórk a dedicar-se ao processo conta os templários
com maior zelo. A pressão também veio de outra parte: Gui lherme de Greenfield, arcebispo de
York, recebera uma carta do rei Filipe B insistindo na sua cooperação.
As autoridades da Igreja fizeram o possível mas, como Guilherime de Greenfield disse ao concílio
provincial que se meu nira em maio de 1310, "nunca se ouvira falar
de tortura rio reino da Ingla terra". O máximo que ele conseguiu obter foi o testemunho auricular
de tes temunhas que não ]pertenciam à Ordem: João de Nassington
fora informado de que os templários no Templo Hirst haviam prestado culto a um bezerro Um
cavaleiro, João de Ure, disse que o preceptor de Westerdale havia mos trado
à sua mulher um livro que afirmava que Cristo não havia nascido de uma virgem, e sim que era
filho de José. O único testemunho de sodomi, veio de um frade, .Adão
de Heton, que disse que, quando era criança, o; meninos costumavam dizer: "Cuidado com o beijo
dos templários". Outro frade sabia de uma mulher que encontrara as
ceroulas de um templáric numa latrina e vira que o sinal da cruz tinha sido costurado no
fundilho."'
O papa Clemente claramente suspeitava de que os ingleses estavam sendo vagarosos nas suas
averiguações, e escreveu ao rei Eduardo oferecendo-lhe indulgência
plena, se ele transferisse os templários sob a sua jurisdição para a França. Ele também exerceu
pressão sobre os clérigos ingleses ac declararem sua bulla Paciens
misericordiam que a culpa dos templários estava
309
OS TEMPLÁRIOS
estabellecida e que qualquer um que agora tentasse protegê-los era culpado por ass;ociação com
os seus pecados. O concílio provincial em York, sentindo-se incapaz
de condenar ou de absolver, autorizou o arcebispo a encaminhar todo o caso ao tribunal pontifício
no concílio a ser realizado em Vienne. Nesse imeio tempo, eles
chegaram a uma fórmula bastante inglesa, pela qual cada templário deveria declarar o seguinte
em público: "Reconheço que sou gravemente difamado pelos artigos contidos
na bula de nosso Senhor, o Papa, e; visto que não sou capaz de me exculpar, submeto-me à Graça
Divina e à decisão do Concílio". Tendo feito essa declaração do lado
de fora da Catedral de York, cada um deles estava reconciliado com a Igreja e era enviado parar
viverem várias instituições monásticas: Guilherme de Grafton para
Selby, Ricardo de Keswick para Kirkbam, João de Walpole para Byland, Tomás de Stanford para
Fountains e Henrique de Kirby para Rievaulx. O mau comportamento de Tomás
de Stanford e de Henrique de Kirby resultou emi queixas dos abades cistercienses ao arcebispo de
York.
Os processos contra os templários na Escócia e na Irlanda não foram mais bem-sucedidos em
satisfazer as expectativas do papa Clemente e do rei da França.
As únicas confissões proveitosas foram feitas na Inglaterra por dois telmplários fugitivos, Estêvão
de Stapelbrugge e Tomás de Thoroldeby, que foram recapturados
em junho de 1311 e mais tarde descreveram blasfêmias na época de sua admissão. Ambos
provavelmente tinham sido torturados. Enn junho, um padre da Ordem do Templo
chamado João de Stoke também confessou que, um ano depois de sua admissão, Jacques de
Molay lhe dissera que negasse Cristo. Quando todos expressaram arrependimento,
foram absolvidos e reconciliados com a Igreja. O mesmo se deu com outros cinqüenta e dois
templários que aceitaram a fórmula a que o Concílio de York chiegara. Contudo,
os dois templários mais eminentes da Inglaterra, o mestre„ Guilherme de La More, e o preceptor
do Auvergne, Imbert Blanke, continuaram a insistir na sua inocência
e na de sua Ordem: Guilherme até mesmo negou o uso das palavras de absolvição ao perdoar
templários em erro por suas transgressões da regra. Ele foi mandado para
a Torre de Londres para aguardar a misericórdia do papa e aí faleceu em fevereiro de 1313. Imbert
Blanke foi condenado a "ser encerrado na mais abjeta prisão, acorrentado)
a grilhões duplos, e aí ser mantido até que se ordenasse de outro modo, e a ser visitado nesse
meio tempo, com o fim de ver se ele desejava confessar mais alguma
coisa".'SZ Ele também morreu na prisão.
No sábado, 16 de outubro de 1311, após um ano de atraso, um concílio ecumênico da Igreja
Católica reuniu-se em Vienne. Essa cidade junto ao Ródano, à cerca apenas
vinte quilômetros ao sul de Lyon, fora construída
A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO
entre as ruínas de seu passado romano. O anfiteatro romano nas encostas do monte Pipet tinha
capacidade para mais de 13.000 espectadores, e o templo dedicado ao
imperador Augusto era agora usado como igreja. Fora em Vienne que o imperador Augusto tinha
exilado Arquelau, o filho do rei Herodes, e aí a desgraciosa Blandina
morrera como um mártir por Cristo "depois dos chicotes, das feras, da grelha, ela afinal foi
colocada num cesto e arremessada contra um touro". Outro mártir da época,
um oficial romano chamado Maurício, fora executado rio acima, em Augaune, na Suíça, por
recusar-se a oferecer sacrifícios a deuses pagãos. Foi na grande catedral
às margens do Ródano, dedicada a esse santo, que o papa Clemente V deu as boas-vindas aos
padres de toda a cristandade e abriu a primeira sessão do concílio.
A afluência foi desapontadora. O papa Clemente havia convocado bispos e príncipes de toda a
cristandade, incluindo os quatro patriarcas da Igreja Ortodoxa,
mas dos 161 prelados convidados mais de um terço tinha apresentado suas desculpas, enviando
delegados em seu lugar. Os bispos que compareceram fizeram-no sem muito
entusiasmo: a cidade estava superlotada, por conseguinte era difícil encontrar alojamento
decente, e nessa época do ano, conforme o bispo de Valência queixou-se
ao rei Jaime 11 de Aragão, "o país está demasiadamente frio".
Nenhum rei apareceu durante os primeiros seis meses de suas deliberações, muito embora a
reconquista da Terra Santa, um dos três itens na agenda do concílio,
os interessasse muito. O segundo item, a reforma da Igreja, estava lá quase como uma coisa
natural, mas o zelo em escoimar a Igreja da corrupção, zelo esse que animara
concílios anteriores, era difícil de conservar com um papa que havia nomeado quatro parentes
seus para o Colégio de Cardeais e usado todo expediente possível para
extorquir dinheiro aos fiéis. O cinismo era o sentimento que prevalecia entre aqueles que
participaram do concílio: um cronista francês, Jean de Saint Vector, escreveu
que "muitos disseram que o concílio foi inventado com o objetivo de extorquir dinheiro".353
O terceiro item na agenda do concílio era a Ordem do Templo. Para o papa Clemente, era
imperativo que o concílio se decidisse pela dissolução, e para esse
fim ele estivera reunindo todas as provas dos inquéritos em diferentes países, insistindo no uso da
tortura quando eles não extraíam as necessárias confissões dos
acusados. Isso havia tomado mais tempo do que ele previra e tinha sido a razão para o adiamento
do concílio por um ano. No verão de 1311, muitos dos relatórios ainda
não haviam chegado. Quando chegaram e foram estudados pelo papa e seus conselheiros no
priorado de Grazean, estavam longe de ser satisfatórios. Apenas os da França
continham
OS TEMPLÁRIOS
confissões críveis; os de fora da França, em particular da Inglaterra, de Aragão e de Chipre, só
conseguiram obter testemunhos auriculares de não-templários para
dar substância às acusações.
Além de preparar resumos desses relatórios para apresentá-lo ao concílio, o papa Clemente
pediu a dois de seus cardeais que redigissem pareceres a respeito
do que deveria ser feito com o Templo: um era Jacques Duèze, um gascão agora bispo de Avignon,
e o outro Guilherme Le Nlaire, bispo de Angers. Ambos julgaram que
a culpa da Ordem tinha sido provada e que ela portanto deveria ser extinta, não por votação no
concílio, mas pelo papa na sua condição de chefe da Igreja -deplenitvdinepotestatis.
Eles rejeitaram as objeções "de que se deveria oferecer uma defesa à Ordem, e de que tampouco
um membro tão nobre da Igreja deveria ser cortado de seu corpo sem
o rigor da justiça e grandes debates"; mas esses pontos de vista eram claramente predominantes
fora da Cúria Pontifícia e dos círculos leais ao rei da França. O
rei Jaime II de Aragão foi informado por seu representante no concílio de que "com base no que
ouvimos de cardeais e sacerdotes, não é possível condenar a Ordem
como um todo, uma vez que não há provas de culpa por parte da Ordem". O abade cisterciense
Jacques de Thérines perguntou-se se homens de origem nobre que haviam
arriscado a vida para defender a Terra Santa poderiam de fato ser hereges, e chamou a atenção
para muitas incoerências nos procedimentos inquisitoriais. Mralter
de Guisborough, um sacerdote inglês, escreveu que "a maioria dos prelados tomou o partido dos
templários, exceto os prelados da França, os quais, ao que parecia,
não ousavam agir de outro modo por temor do rei, a causa de todo este escândalo",3s+
Clemente estava numa situação difícil. Ele havia formalmente convidado os templários a irem
a Vienne para defender a Ordem, mas é claro que não esperava
que eles o fizessem. No entanto, em fins de outubro, para sua perplexidade, sete templários se
apresentaram perante o concílio, dizendo que ali estavam para defender
a Ordem e que entre 1.500 e 2.000 de seus confrades estavam nas vizinhanças prontos para apoiálos.
O papa Clemente ordenou que fossem detidos e solicitou ao concílio que formasse um comitê
de cinqüenta membros para decidir se os templários deveriam ter
permissão de defender a Ordem ou não; em caso afirmativo, se seriam apenas aqueles que tinham
comparecido perante o concílio, ou se os templários de toda a cristandade
deveriam escolher um procurador. E, caso isso se revelasse difícil demais, se o papa deveria
designar um para atuar por eles. A conclusão dessa comissão foi, por
grande maioria, que se deveria permitir que os templários montassem uma defesa. Apenas os
bispos franceses próximos do rei Filipe - os de Rheims, Sens e Rouen discordaram.
A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO
Essa decisão era muito mais extraordinária porque as condições em Vienne estavam se
deteriorando, com a escassez de alimentos fazendo os preços subir e a
disseminação de doenças resultando na morte de vários padres do concílio. A obstinação da
comissão em tais circustâncias exasperou o papa Clemente V e enfureceu
o rei Filipe da França. A fim de exercer pressão sobre o concílio, Filipe recorreu à tática que usara
quatro anos antes, convocando os Estados Gerais para reunir-se
em fevereiro - não em Tours, mas em Lyon, a apenas vinte quilômetros rio acima.
O papa, ainda receando que Filipe pudesse voltar ao ataque contra o papa Bonifácio VIII, e
ansioso para pôr uma nova cruzada em marcha, correspondia-se constantemente
com o rei, e em 17 de fevereiro recebeu uma delegação secreta e poderosa, formada pelo filho de
Filipe, Luís de Navarra, pelos condes de Boulogne e Saint-Pol, e
por seus principais ministros, Enguerrand de Marigny, Guilherme de Plaisans e Guilherme de
Nogaret. Junto com o círculo interno dos cardeais da cúria, eles conferenciaram
com o papa sobre como proceder.
Outra fonte também fez pressão para uma rápida solução: o rei Jaime II de Aragão foi enfático
em que a Ordem do Templo deveria ser dissolvida e suas propriedades
em seu reino transferidas para a Ordem Espanhola de Calatrava. O destino a ser dado à riqueza do
Templo parece ter sido um percalço nas negociações entre o papa
e o rei francês: Filipe, ainda persistindo no mesmo tipo de acordo do rei Jaime II, escreveu ao papa
de Mâcon, a apenas sessenta milhas ao norte, junto ao rio Ródano,
"ardendo com o zelo pela fé ortodoxa, e caso uma injúria tão grande feita a Cristo permaneça
impune, nós, com afeto, devoção e humildade, pedimos a Vossa Santidade
que suprimais a aludida Ordem e desejamos criar sob nova forma outra Ordem Militar, à qual
seriam conferidos os bens da Ordem supracitada, com seus direitos, honras
e responsabilidades".
Sabendo que o rei Filipe tinha um de seus filhos em mente como grão-mestre dessa nova
ordem, o papa Clemente permaneceu surpreendentemente firme na questão,
insistindo que, se o Templo fosse dissolvido, suas propriedades deveriam passar para o Hospital.
Para pôr fim ao assunto, o rei Filipe resolveu transigir, prometendo
aceitar o que quer que o papa decidisse, reservando apenas "quaisquer direitos que restem para
nós, os prelados, barões, nobres e vários outros no nosso reino".
O papa Clemente ainda estava perturbado, mas em 20 de março ele chegou a uma decisão
com a chegada em Vienne do próprio rei Filipe, acompanhado por seus
dois irmãos, três filhos e um forte contingente de homens armados. Dois dias mais tarde,
Clemente realizou um consistório secreto, no qual se pediu à sua comissão
especial encarregada da Ordem do Templo
OS TEMPLÁRIOS
que revisse séu parecer. Percebendo que o jogo acabara, e possivelmente subornada ou
intimidada pelos franceses, a maioria dos prelados votou pela extinção da Oirdem
- uma decisão, na opinião de um dos poucos dissidentes, o bispo dê Valência, "contra a razão e a
justiça".
Etn 3 de abril, os padres do concílio reuniram-se na Catedral de SaintMaurice para ouvir uma
homilia pregada pelo papa Clemente sobre o Salmo 1, versículo
5: "Pois os ímpios não ficarão de pé no Julgamento, nem os pecadores no conselho dos justos". O
sumo pontífice sentou-se no trono com o rei Filipe da rança de um
lado, num pedestal um pouco mais baixo, e do outro um dos filhos do rei Filipe, o rei de Navarra.
Após a homilia, e antes que os trabalhos começassem, o convocador
da sessão anunciou que, sob pena de excomunhão, ninguém tinha permissão para falar nessa
sessão, exceto com o Consentimento do papa ou a seu pedido.
O papa Clemente então leu a bula hox in excelso, que abolia a Ordem do Templo. A bula foi
cuidadosamente redigida, a fim de evitar uma clara condenação da
oídem em si: ela foi extinta "não por meio de uma sentença judicial, mas pr meio de provisão ou
ordenação apostólica", por causa da "infârtlia, suspeita, insinuação
clamorosa e outras coisas que foram aduzidas contra a Ordem"*Ela mencionava certos fatos
incontestáveis: "o segredo e a recepção clandestina dos irmãos dessa Ordem,
e a diferença de muitos desses irmãos em relação ao costume geral, à vida e aos hábitos de outros
crentes em Cflsto"; mas também aceitava como firmadas as "muitas
coisas horríveis" que tinham sido feitas "por muitos irmãos dessa Ordem (...) que mergulharam no
pecado de perniciosa apostasia contra o próprio Senhor Jesus Cristo,
no crime de detestável idolatria, no execrável ultraje dos sodomitas
O texto eça autojustificativo, lembrando os fiéis de que "a Igreja Romana tinha às vezes feito
com que outras Ordens ilustres fossem extintas por motivos
incomparavelmente menos importantes do que os acima mencionados, mesmo sem que se
imputasse culpa aos irmãos". Era até apologético: o papa chegara à sua decisão
"não sem amargura e pesar no coração". Contudo, não ~e pediu aos padres do concílio que
concordassem com a decisão do papa olá dela discordassem: a Ordem do Templo
foi abolida
por um decreto irrevogável e perpetuamente válido, e nós a submetemos à proibição Verpétua
com a aprovação do santo concílio, estritamente proibindo qualquer uin
de conjeturar entrar para a referida Ordem no futuro, ou de receber ou usatseu hábito, ou de agir
como um templário. E qualquer um que agir contra istoincorrerá
na sentença de excomunhão ipso facto.
,i,
A DESTRUIÇÃO b0 TRMPLq
Por meio de uma bula subseqüente, ,Ad provpdam, publicadai em 2 de maio, a propriedade
dos templários foí transferida para os hos;pitalários "que estão sempre
colocando suas vidas em risco al~m,mar". Fez-s,e exceção ao patrimônio dos templários em
Aragão, Castela, Portugal e Maiiorca, cujo destino seria decidido numa data
posterior.
No caso, os três reis principalmente envolvidos - Eduairdo II d, Inglaterra, Jaime II de Aragão e
sobretudo Filipe TV da França _, embor-, publicamente concordassem
com os planos do papa sobre a riiqueza dc Templo, asseguraram que uma parte permanecesse nas
suas mãos ou na; de seus vassalos. Eduardo II já tinha arrendado algumas
das propriedade; dos templários e advertido o Hospital de que não se aproveitalsse da Ac
providam para "usurpar" o patrimônio dos templários. O litígiio entre c
Hospital e os legados pontifícios continuou até 1336. O Templo de Lon dres foi por fim cedido para
o uso de advogados; a igreja do Templo perma nece de pé até hoje.
Em Aragão, o rei Jaime insistia que a segurança de seu reino dependia d, posse real das
propriedades dos templários: a resistência deles à prisão err 1308 tinha
demonstrado os perigos de uma força armada que não, devia su-, lealdade primária ao rei.
Também neste caso, só após vários anos de nego ciações é que se chegou a
um acordo. Uma nova ordem militar baseada n< Montesa, de Valência, foi criada e ficaria sujeita
ao mestre de Calatrav~ juntamente com o abade cisterciense de Stas.
No resto de Arag;ão, as pro priedades dos templários seriam transferidas para o Hospital, rhas,
ante; de tomar posse, o hospitalário castelão de Amposta teria de
presta.r homena gem ao rei. Os templários que foram reconciliados com a Igreja co>ntinuaratr a
viver nas comunidades da Ordem ou foram para outros conventos e mos
teiros, onde viviam das pensões pagas com os recursos do Templo. A disso lução da Ordem não
significava que eles tivessem sido desobrigados de seus votos.
Como no condado de York, todavia, os ex-templários em Ar-agão tive ram dificuldade de
mudar da rotina militar para a monástica. Alguns evadi ram-se dos mosteiros,
abandonaram o hábito e retornaram ao mundo secu lar. Ou desiludidos pelo que tinha ocorrido,
ou simplesmente liberados d, estrita disciplina da Ordem, alguns ex-templários
tornaram-se mercenário; e se casaram. Em alguns casos, sugeriu-se que as pensões pagas eram
polpu das demais, permitindo-lhes levar uma vida indolente. Um ex-templário
Berenguer de Bellvís, mantinha uma amante; outro foi acusado de estupro mas, o que é digno de
nota, não existem acusações de sodomia.
OS TEMPLÁRIOS
As queixas contra ex-templários levaram o sucessor do papa Clemente V, o papa João XXII, a
fazer repetidas tentativas de persuadi-los a voltar à vida religiosa.
Numa carta ao arcebispo deTarragona, o papa pediu-lhe que se assegurasse de que eles "não se
envolvessem em guerras ou em assuntos seculares" ou usassem roupas luxuosas.
Dever-se-ia tomar cuidado para que nunca houvesse mais de dois ex-templários em qualquer
mosteiro, e, caso se recusassem a voltar à vida reclusa, eles seriam privados
de sua pensão. Houve alguns casos em que essa sanção foi posta em prática, mas em geral "os
sobreviventes não eram acossados por dificuldades financeiras, ainda
que alguns estivessem vivendo uma vida frustrante; e, à medida que o seu número se reduzia,
provavelmente a preocupação da Igreja com eles também diminuía, e deixavam-nos
terminar seus dias com pouca interferência"."'
Em Portugal, permitiu-se ao rei Dinis que criasse uma nova ordem militar, a Ordem de Cristo,
e a dotasse com os bens dos templários; a magnífica sede em
Tomar, com sua rotunda, está de pé até hoje. O rei Sancho de Maiorca chegou a um acordo com a
Cúria, transferindo propriedades dos templários para o Hospital em
troca de uma renda anual. Em Castela, algumas das propriedades dos templários foram
confiscadas pelo rei, outras por barões e algumas pelas ordens militares de Ucles
e Calatrava; o fato de o rei ter deixado de assegurar a transferência para o Hospital gerou um
protesto do papado em 1366. Um padrão similar é observado na Itália,
naAlemanha e na Boêmia, onde os governantes locais confiscaram parte das propriedades dos
templários, deixando o que sobrou para o Hospital. Em Hildesheim os templários
resistiram e foram postos para fora à força. A Ordem de Pregadores Dominicanos, que
administrava a Inquisição, recebeu as casas dos templários em Viena, Estrasburgo,
Esslingen e`Vorms. No reino de Nápoles e na Provença transcorreram cinco anos antes que o rei
Carlos transferisse a propriedade dos templários. Apenas em Chipre
a transferência foi rápida e não-problemática, sem dúvida por causa da sua posição avançada.
Na França o rei Filipe IV Fora persuadido por seu irmão Carlos de Valois e por seu principal
ministro, Enguerrand de Marigny, de que render-se ao papa Clemente
na questão relativa à propriedade do 'Iémplo foi um preço que valeu a pena pagar para assegurar
a dissolução definitiva da Ordem. No entanto, o rei atacou pela retaguarda
ao escrever ao papa que concordava com a transferência para o Hospital desde que este
reformasse a Ordem, e isso só seria feito "depois da dedução das necessárias
despesas para a custódia e a administração desses bens". Como seu genro, o rei Eduardo II, ele
também reservava os direitos "do rei, dos prelados, dos barões, dos
nobres e de todas as outras pessoas do reino que tinham uma cota na mencionada
MA
A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO
propriedade". No caso, o Hospital teve de pagar por seus direitos: 200.000 li;rPSmnunois foram
transferidos para a tesouraria real em Paris pelo prior do Hospital
em Veneza, supostamente para indenizara Coroa pela perda do tesouro que fora depositado
noTemplo em Paris. Mesmo depois desse adoçamento, não ocorreu uma transferência
total; outros 60.000 livres tournois foram adiantados pelo prior do Hospital em Veneza, em 1316,
a fim de cobrir as despesas da Coroa para levar os templários ajulgamento;
e em 1318 mais 50.000 no acordo final, deixando o Hospital, no curto prazo, em pior situação
financeira do que antes.
Esse não foi o único lucro que coube ao rei da França em conseqüência do Concílio de `ienne. Em 3
de abril de 1312, menos de duas semanas após ter dissolvido a Ordem
do Templo, o papa Clemente V consumou a ambição que tinha sido o objetivo de suas tortuosas
políticas desde o início do seu pontificado. Pregando para os prelados
da cristandade reunidos na Catedral de Saint-11Iaurice, e escolhendo para seu texto um versículo
do Ilivro de Provérbios, "o desejo dos justos será satisfeito",
o sumo pontífice proclamou uma nova cruzada. Não seria um passagiu;w particnlarP, como a
maioria havia aconselhado, mas opassagiunngenei-ale cujo único proponente
fora o ex-grão-mestre do Templo, Jacques de Molay, agora definhando na prisão. Ela seria liderada
pelo rei Filipe da França, mas custeada pela Igreja mediante um
imposto de dez por cento sobre toda a renda eclesiástica nos próximos seis anos.
No ano seguinte, numa cerimônia de grande solenidade realizada em Paris, o rei Filipe, o Belo,
tomou a Cruz. Ele a recebeu das mãos do núncio pontifício,
o cardeal Nicolau de Fréauville, e foi seguido por seus três filhos, por seu genro, o rei Eduardo II da
Inglaterra, e por muitos membros da nobreza de ambos os reinos.
Com as suas dissensões superadas, o neto de São Luís e o papa gascão tiniram-se finalmente no
empreendimento para reconquistar a'Iérra Santa ao infiel. Os dois rios
de piedade e bravura convergiarri para formar uma torrente irresistível; e para celebrar essa
grande ocasião, a cidade de Paris foi enfeitada com estandartes reluzentes,
o ar encheu-se com o som de música e de regozijo, e festividades de um esplendor sem
precedentes continuaram por mais de uma semana.
Havia apenas um assunto por resolver: a pouca distância dos festejos, os oficiais mais antigos
da extinta Ordem do ~lèmplo aguardavam nas masmorras do rei
o julgamento do papa Clemente V O ex-grão-mestre, Jacques de Molay, recusara-se
obstinadamente a dar as últimas explicações sobre si mesmo a qualquer um, a não ser
ao papa, e parecia convencido de que, quando estiOS TEMPLÁRIOS
vesse face a face com a única autoridade que a Igreja pusera acima dele, com certeza defenderia
sua própria honra e a de sua Ordem.
Esse encontro nunca aconteceu. Por volta do fim de dezembro de 1313, o papa Clemente
designou uma comissão de três cardeais-o legado Nicolau de Fréauville,
Arnaud de Auch e Arnaud Nouvel -para decidir acerca do destino dos líderes dos templários. Em
18 de março de 1314, esses três cardeais convocaram um concílio de
doutores em teologia e direito canônico para se reunir em Paris na presença de Filipe de Marigny,
o arcebispo de Sens. Perante esse concílio foram chamados Jacques
de Molay, Hugo de Pairaud, Geoffroy de Gonneville e Geoffroy de Charney. A sentença então
proferida foi a de que "uma vez que esses quatro, sem exceção, tinham pública
e abertamente confessado os crimes que lhes tinham sido imputados e insistido nessas confissões,
e pareciam por fim insistir nelas (...), eles foram condenados a
prisão perpétua e severa"."'
Dois dos acusados, Hugo de Pairaud e Geoffroy de Gonneville, submeteram-se a esse
julgamento sem protestar; mas a severidade da sentença, vindo ao fim de
sete anos de encarceramento, foi decisivamente insuportável para Jacques de Molay. Agora um
velho com mais de setenta anos, que vantagem havia na submissão se a
recompensa era uma morte lenta? O papa o traíra; tudo o que ele poderia esperar nessas
circunstâncias era a justiça de Deus. Portanto, exatamente quando os três
cardeais julgaram que o caso do Templo estava afinal resolvido, Jacques de Molay e o preceptor
da Normandia, Geoffroy de Charney, levantaram-se finalmente para retratar
suas confissões e insistir que tanto eles quanto a Ordem eram completamente inocentes de todas
as acusações.
Essa virada nos acontecimentos assombrou os cardeais e precipitou em confusão o final
cuidadosamente ensaiado. Os dois cavaleiros recalcitrantes foram levados
dali pelo marechal real, enquanto a notícia do que tinha acontecido foi transmitida às pressas ao
rei. Nem bem ela o alcançara quando o rei Filipe convocou os membros
leigos de seu conselho, onde foi decidido que os cavaleiros, como hereges reincidentes, deveriam
sofrer o destino prescrito. Naquela mesma tarde, "por volta da hora
das vésperas", Jacques de Molay e Geoffroy de Charney foram conduzidos a uma pequena ilha no
rio Sena, chamada Ìle-des-Javiaux, para serem queimados na fogueira.
Antes de eles morrerem, foi dito mais tarde, Jacques de Molay fez um último pedido ao papa
Clemente e ao rei Filipe: ele os convocou a comparecer, antes
que o ano terminasse, perante o tribunal de Deus. Também foi relatado que "se verificou que eles
estavam preparados para alimentar o fogo com o espírito tranqüilo",
o que "suscitou de todos que os viram muita admiração e surpresa pela persistência na morte e
pela negação final". Os
318
A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO
dois anciãos foram então amarrados ao poste e queimados. Mais tarde, sob c manto da noite,
frades do mosteiro agostiniano situado na beira do rio e outras pessoas
pias foram recolher os ossos carbonizados dos dois templário; como relíquias de santos.
Como os céticos no Concílio de Vienne tinham predito, a planejada cruzadido papa Clemente V
nunca se realizou. Ele morreu no dia 20 de abril de 1314, pouco mais
de um mês após a morte de Jacques de Molay. O inventário dos poucos pertences encontrados no
seu quarto de dormir incluía "dois livretes na língua `romance', revestidos
de couro curtido e com um fecho de ferro (...) contendo a Regra dos Templários 11.311 O rei
Filipe, o Belo, seguiu-c para o túmulo no dia 29 de novembro do mesmo
ano, depois de um acidente durante uma caçada. As grandes somas de dinheiro que tinham sido
arrecadadas para custear a cruzada foram tragadas pelo erário francês
ou usadas para os objetivos particulares do falecido papa. Em seu testamento, o papa Clemente V
deixou 300.000 florins para seu sobrinho Beltrão de Got, visconde
de Lomagne, em troca da promessa de empreender uma cruzada, promessa jamais cumprida.
Como um cronista anônimo expressou na época, "o papa guardou o dinheiro, e
seu primo, o marquês, teve o seu quinhão; e o rei e todos os que tinham aceitado a Cruz
permaneceram aqui; e os sarracenos vivem em paz lá, e creio que eles podem
continuar dormindo em segurança".
epílogo
O Veredicto da História
Qual foi o veredicto da história sobre os templários? Desde a época de seu ~ulgarnento, a opinião
estava dividida quanto a se eles haviam cometido ou não oh crimes
a eles imputados. Dante Alighieri julgou-os vítimas inocentes da cobiça do rei Filipe, ao passo que
Raimundo Lúlio, o poeta, místico, missionário e teórico das cruzadas
maiorquino, embora a princípio em dúvida, acabou por aceitar que as acusações feitas contra a
Ordem do Templo eram verdadeiras. Contudo, ambos eram sectários: Dante
tinha sido expulso de Florença pela facção apoiada por Carlos de Anjou, enquanto Lúlio, como
Filipe, o Belo, era fanaticamente a favor da fusão das duas principais
ordens militares.
Nos séculos seguintes, julgamentos retrospectivos do Templo foram distorcidos de forma
semelhante por considerações políticas: partidários dos papas romanos
e dos reis franceses não estavam dispostos a admitir que os predecessores de seus soberanos
tinham cometido uma gritante injustiça, ao passo que democratas e constitucional
istas tendiam a retratar os templários como vítimas da tirania. Assim, no início do século XVI, em
De occultaphilosophia, de Henrique Cornélio Agripa, os templários
estavam associados com bruxas, enquanto mais tarde, no mesmo século, o pensador político
francês Jean Bodin, cita-os, junto com Jesus, como exemplo de uma minoria
vulnerável marginalizada e depois expropriada por um rei ganancioso.
Nos séculos XVII e XVIll, a presunção de culpa no caso dos templários foi usada como um
bastão com o qual protestantes e céticos desferiam golpes contra
a Igreja Católica Romana. O teólogo anglicano Thomas Fuller escreveu que foram "em parte seus
vícios, em parte sua riqueza" que causaram a "extirpação final" dos
templários, ao passo que Edward Gibbon, em sua obra IVistorY of the Decline and Fall of the
Roman Empire (História d o Deel ínio e Queda do Império Romano), mencionou
"o orgulho, a avareza e a corrupÇãD desses soldados cristãos".358 Foi tal percepção dos
templários que inspirou os personagens templários de SirWalter Scott.
320
O VEREDICTO DA HISTóRIA
Cortudo, com o advento do Iluminismo no século XVII, surgiu uma terceira concepção dos
templários como nem cristãos ortodoxos nem heréticos, mas antes como
os sumos sacerdotes de uma religião antiga e oculta anterior ao nascinento de Cristo. Poder-se-ia
pensar que um movimento intelectual que se orgulhava de substituir
a superstição pelo senso comum removeria o véu de obscuridade que cercava a história dos
templários; mas o Iluminismo, como Peter Partner assinalou em seu livro
sobre os templários, TheMurdered Magiciarls (O Assassinato dos Magos),
estava longe de ser o simples exercício das faculdades racionais que alguns dos seus protagonistas
gostavam de sugerir. A transformação das idéias sobre os templários
durante o século XVIII revela quão distantes do rigoroso racionalismocientífico os homens do
Iluminismo poderiam vaguear. No próprio corpo da histéria da Igreja,
que foi o principal alvo da racionalização e da desmistificação, os homens do século XVIII
encontraram os templários e transformaram-nos numa fantasia absurda que,
pela mistagogia e obscuridade, igualava tudo que a antiga historiografia católica pudesse oferecer.
O empreendimento foi tão bem-sucedido que até hoje é impossível
discorrer sobre os templários sem enconcar os remanescentes, ou mesmo as vestes completas e
aparatosas, do preconceito do século XVIII.319
Os Frincipais agentes desse "templarismo" - a metamorfose dos templários de história em
mito-foram os maçons, confrarias secretas comprometidas com o apoio
mútuo, cujo deísmo impreciso tornou-as inimigas da Igreja Católica Romana. Eles não foram os
primeiros a transformar os templários em personagens de ficção: antes
mesmo da dissolução da Ordem, os templários tinham começado a figurar em epopéias e
romances, com freqüência como os paladinos de amantes, consolando-os se sua paixão
não fosse correspondida e facilitando sua consumação se o, fosse. Muito mais do que os
hospitalários ou os cavaleiros teutônicos, os templários cativaram a imaginação
de cronistas e poetas. Os Cavaleiros do Santo Graal no Parsifal, de Wolfram von Eschenbach, são
descritos como templários, mas "não há indícios em seu poema de que
ele, um cavaleiro alemão pobre, possuísse quaisquer conhecimentos secretos sobre a Ordem do
Templo, que naquela época ainda tinha pouquíssimas propriedades na Alemanha
e cuja maioria dos membros eram franceses"."'
A hipótese dos maçons era positivamente tão fantasiosa quanto Parsifal. Ramsay, um jacobita
escocês exilado na França que foi chanceler da Grande Loja francesa
na década de 1730, afirmou que os primeiros maçons tinham sido pedreiros nos Estados cruzados
que tinham aprendido os rituais secretos e conquistado a sabedoria
especial do mundo antigo. Ramsay não fez
321
OS TEMPLÁRIOS
uma referência específca aos templários, provavelmente porque não queria contrariar seu
anfitrião, o rei da França; mas na Alemanha outro exilado escocês, George
Frederick Johnson, criou um mito que transformou "os templários (...) de seu aparente status de
monges-soldados iletrados e fanáticos para o de videntes cavalheirescamente
esclarecidos e sábios, que tinham usado sua estada no Oriente para recuperar seus segredos
profundos e para se emancipar da credulidade católica medieval"."'
Segundo os maçons alemães, os grão-mestres da Ordem tinham aprendido os segredos e
adquirido o tesouro dos essênios judeus, que eram transmitidos de um para
outro. Jacques de Molay, na noite de sua execução, enviara o conde de Beaujeu à cripta da Igreja
do Templo em Paris para recuperar esse tesouro, que incluía os candelabros
de sete braços dos quais o imperador Tito se apropriara, a coroa do reino de Jerusalém e uma
mortalha. É inconteste que, num depoimento prestado no julgamento dos
templários, um sargento, João de Châlons, afirmou que Gérard de Villiers, o preceptor na França,
tinha sido advertido de sua prisão iminente e, portanto, fugido
em dezoito galeras com o tesouro dos templários. Se assim foi, o que aconteceu com esse
tesouro? George Frederick Johnson disse que ele fora levado para a Escócia,
e um de seus seguidores especificou a ilha de Mull.
A especulação não chegou ao fim no século XVIII; na verdade, nunca foi mais febril do que
hoje, criando, nas palavras de Malcolm Barber, o principal historiador
dos templários na Grã-Bretanha, "uma pequena indústria muito ativa, rendosa para cientistas,
historiadores da arte, jornalistas, editores e críticos de televisão".""
Começando com as alegações esotéricas dos maçons, afirma-se que os templários foram os
guardiães do Santo Graal - que é por sua vez o cálice usado por Cristo na
última Ceia -, da linhagem de reis merovíngios descendentes da união de Cristo com Maria
Madalena ,161 ou simplesmente da relíquia mais preciosa dos templários,
o Sudário de Turim.36a
Fatos escassos são ilustrados com especulação. Em Les Templiers. Ces Grands Seigneurs aux
Blancs Manteaus (Os Templários. Esses Grandes Senhores de Mantos
Brancos) (1997), o escritor francês Michel Lamy retrocede além da criação dos Pobres Soldados de
Jesus Cristo, em 1119, até o cisterciense saxão e abade de Citeaux
Estêvão Harding, amigo e mentor de Bernardo de Clairvaux. Lamy nos lembra de como o abade
Estêvão procurou a ajuda de rabinos nas suas traduções dos livros do Velho
Testamento do hebraico. "Que razão havia para esse súbito interesse por textos hebraicos?",
pergunta ele. De acordo com Lamy, eles revelavam que um tesouro oculto
estava enterrado sob o monte do Templo. Esse é o motivo por que o patrono leigo dos
cistercienses, o conde Hugo de Champagne, foi a Jerusalém e ins-
322
O VEREDICTO DA HISTÓRIA
tigou seu vassalo, Hugo de Payns, a fundar sua Ordem dos Pobres Soldados de Jesus Cristo no
monte do Templo: "Pode-se pensar que os documentos levados para a Palestina
por Hugo de Champagne (que sem dúvida os descobriu na companhia de Hugo de Payns) tinham
algum tipo de relação com o lugar que mais tarde se tornou a moradia dos
templários",365
A mesma hipótese é encontrada em dois livros de escritores britânicos, The Holy Blood and
the Holy Grail (O Sangue Sagrado e o Santo Graal), de Michael Baigent,
Richard Leigh e Henry Lincoln (1982), e The Head of God (A Cabeça de Deus), de Keith Laidler
(1998): o ritmo lento de recrutamento nos primeiros anos da Ordem é
explicado pela necessidade de restringir essa busca do tesouro enterrado aos poucos iniciados. "A
evidente falta de atividade dos templários nos seus anos de estruturação",
escreveu Laidler, "parece ter sido devida a alguma forma de projeto secreto sob o Templo de
Salomão ou nas suas proximidades, uma operação que não poderia ser revelada
a ninguém, a não ser a alguns nobres de alta categoria. 11161
Para esses escritores, não há dúvida de que algo extraordinário foi encontrado. Será que foi,
pergunta Michel Lamy,
a Arca da Aliança? Um meio de se comunicar com forças externas: deuses, elementais, gênios,
extraterrestres ou outras coisas? Um segredo sobre o uso sagrado e poder-se-ia
dizer da mágica da arquitetura? A chave de um mistério relacionado com a vida de Cristo e sua
mensagem? O Graal? O meio de reconhecer os lugares onde a comunicação
com o céu assim como com o inferno é facilitada sob o risco de libertar Satã ou Lúcifer?
Não, afrma Laidler: o que eles encontraram foi nada menos do que a cabeça embalsamada de
Cristo.
Esta era a cabeça conhecida como Baphomet e que supostamente era adorada em segredo
pelos templários. Se não foi encontrada sob o Templo por Hugo de Payns,
então pode ter sido levada para a França por Maria Madalena, onde entrou para a posse dos
cátaros e foi conservada na sua fortaleza de Montségur. Quando ela estava
quase se rendendo aos cruzados, três parfaits fugiram com o tesouro. "Mas qual era esse tesouro
dos cátaros? Quanto ouro e prata poderiam três parfaits carregar?
Não poderia ter sido dinheiro (...). Tinha de ser outra coisa, algo que tivesse sido essencial para o
ritual que aconteceu no equinócio da primavera, no dia anterior
à capitulação do castelo" - em outras palavras, a cabeça de Cristo. E para onde os cátaros fugitivos
poderiam tê-la levado senão para o "único lugar na França que
estava além do alcance do rei, uma organização que para todos os efeitos era autônoma e
partilhava essencialmente a mesma visão do mundo gnóstica dos cátaros: a
Ordem do Templo"?3e'
323
OS TEMPLÁRIOS
Assim, quando Gérard de Villiers evadiu-se do Templo de Paris em 1307, levou consigo essa
relíquia mais importante de todas. A esquadra de galeras dos templários
que zarpou de Lã Rochelle se dividiu, metade rumando para o sul, para Portugal, onde mais tarde
foi absorvida pela Ordem de Cristo do rei Dinis, metade navegando
rumo ao norte, para a Escócia, onde lançou âncora no estuário do Forth. Ao sul de Edimburgo
estava o castelo de Rosslyn, de propriedade dos Saint-Clairs, uma família
com longos vínculos com os templários, onde a capela era "um Templo de Salomão diferente". Foi
aí, sob um pilar, que os templários fugitivos enterraram "a Cabeça
de Deus".
Por mais intrigantes que tais especulações possam ser, elas traem, pelo seu uso da linguagem,
a falta de um fundamento histórico plausível: "a resposta parecia
residir (...)"; "parece bastante provável que (...)"; "sabe-se que (...)"; "bem poderia ter (...)";
"parece certo que (...)". "Após alguma pesquisa", escreve Andrew
Sinclair em seu Livro The Discovery of the Grail (A Descoberta do Graal), "esses fantasistas
formularam uma hipótese. Cristo ou o Graal foi enterrado sob uma montanha
no Sul da França? Jesus desposou Maria Madalena e forneceu a linhagem dos merovíngios? Em
algumas páginas, a asserção se torna real, a idéia é transformada em prova
(...)"."g Ou, como Peter sucintamente o expressa em relação aos templários, "o templarismo (...)
foi uma crença forjada por charlatães para os incautos".369
O enigma da Ordem do Templo não foi deixado completamente para os charlatães, mas também
tem sido objeto de estudo sério por historiadores profissionais. A Revolução
Francesa de 1789, que derrubou as duas instituições que tinham particular interesse na culpa dos
templários - a monarquia e a Igreja Católica-,abriu caminho para
uma investigação menos parcial. O fato de a família real francesa ter sido aprisionada na torre de
menagem do Templo de Paris, e daí ter ido para a execução, foi
visto por muitos defensores dos templários como uma vingança simbólica pela morte de Jacques
de Molay: em março de 1808, uma missa de réquiem foi celebrada no aniversário
de sua morte. No mesmo ano, o donjon do Templo foi demolido: ele se havia transformado num
lugar de peregrinação de monarquistas leais à memória de seu rei martirizado.
Três anos antes, em 1805, uma peça intitulada Les Templiers (Os Templários), da autoria de
um advogado da Provença, François Ravnouard, que defendia a inocência
dos templários, tinha sido encenada no Théâtre français. A peça conveio bastante a Napoleão para
que ele redigisse uma crítica durante a campanha em benefício de
seu chefe de polícia. Quando os arquivos papais foram levados para Paris em 1810, Raynouard
teve permissão para
324
O VEREDICTO DA HISTÓRIA
procurar documentos que pudessem lançar luz nova sobre o julgamento d templários. O material
que ele divulgou nada provo.l de conclusivo, mas f a balança oscilar
a favor da inocência da Ordem. E.e certamente "não d nenhum apoio àqueles que nutriam
suspeitas sombrias das práticas de bt xaria pelos templários ou de seus ritos
religiosos gnósticos"."°
Já quase no fim do século XIX, contudo, o historiador alemão Ha Prutz, após um exaustivo
estudo dos depoimentos dos templários, conclL que muitos deles tinham
sido contaminados pelo ca:arismo e eram culpad de adoração do Diabo.3'I Por outro lado, o
historiador da Inquisição o ame cano Henry Charles Lea, escrevendo cerca
de de:: anos depois de Pru~ decidiu que o templários eram quase cote certeza inocentes: nenhum
del estivera disposto a morrer por suas crenças heréticas; nenhuma
prova co creta de adoração do Diabo tinha sido encontrada; e as confissões, feitas s~ tortura,
meramente demons.ravam, como Pedro de Bolonha dissera na oc sião,
"o desamparo da vítima, independentemente de quão eminente fos,~ depois que a acusação fatal
de heresia lhe fosse imposta; e era imposta p meio da Inquisição".3'z
A experiência dos julgamentos de fachada de Stalin no século demonstrou a eficácia não só da
tortura, mas também de meios secundári de coerção, tais como
a privação do sono, em induziras pessoas a darem fal testemunho contra si mesmas. Os
carcereiros de Filipe, o Belo, demonstl ram a mesma brutalidade dos agentes
do NKVD` e da Gestapo; e seus pr pagandistas, como Guilherme de Nogaret e Guilherme de
Plaisans, revel ram um talento digno de Goebbels. O exagero e a deturpação
do que de fa aconteceu podem persuadir o sujeito do interrogatório, em particular , guém
"insuficientemente instruído para ser capaz de perceber a diferen entre
(...) o inofensivo e o criminoso", 373 a alterar sua percepção do que ler brava. Assim, a veneração
das imagens de Cristo ou de João Batista pode s apresentada como
adoração de um ídolo; o cordão amarrado ao redor da ci tura, prática comum entre os templários,
é deturpado de talismã pio e amuleto diabólico; o beijo simbólico
que era comum como "o clímax e seqüências de ações tanto na vida monástica quanto na
secular""' transfC ma-se na entrega à paixão homossexual.
Será que o Templo era um foco de homossexualidade? Inevitavelmente, n, últimas décadas do
século XX, durante as quais as atitudes para com homossexualidade na Europa
e na América mudaram da condenação para
Sigla de Norodn~ Komisariat huurnnitsch Djel (literalmente, Comissariado do Povo pa Assuntos
Internos, na extinta União Soviética). (N. do T)
OS TEMPLÁRIOS
tolerância, parece quase "homofóbico" sugerir que muitos dos templários não eram
homossexuais. Assim, o historiador francês jean Favier julgou que a "ausência de
mulheres, a influência do Oriente, tudo contribuiu para o fato de a sodomia ter penetrado
profundamente nos costumes do Templo". E o historiador americano joseph
Strayer concorda, acreditando que a homossexualidade é sempre encontrada em instituições
exclusivamente masculinas - talvez ele estivese pensando nas escolas públicas
britânicas.
Essas pressuposições do século XX são úteis para se chegar a um veredicto sobre essa
acusação específica? Não pode haver dúvida de que a homossexualidade
não era desconhecida na sociedade medieval: ela era comum na corte de Guilherme, o Ruivo, e
embora agora pareça que Ricardo Coração de Leão não era homossexual,
afirmou-se que a promiscuidade do imperador Frederico 11 abrangia rapazes e moças; seu
senescal na Terra Santa, Ricardo Filangieri, foi acusado por seus inimigos
Ibelins de relações amorosas homossexuais com o bailli imperial em Acre, Filipe de Maugustel.3's
Que a sodomia era encontrada entre os templários é também estabelecido pelo relato de
caso encontrado nas "Especificações das Penitências" de sua regra."'
Todavia, é significativo que "o ato foi tão ofensivo que o mestre e "um grupo de respeitáveis
homens da casa" decidiram que ele não deveria ser apresentado ao capítulo;
e essa mesma repugnância é encontrada na prontidão de muitos templários, entre eles Jacques de
Molay, em confessar quase tudo, menos a prática de sodomia. Se, portanto,
for possível evitar as distorções do preconceito do fim do século XX, poder-se-á estar bastante
seguro de que não havia sodomia institucionalizada no Templo e ao
mesmo tempo rejeitar as acusações de heresia, blasfêmia e idolatria como destituídas de provas.
Existe, escreveu Malcolm Barber num artigo recente, "O Julgamento
dos Templários Revisitado", um consenso bastante geral entre os historiadores modernos de que
os templários não eram culpados conforme afirmado".3"
Qual deveria ser o veredicto mais abrangente da história sobre os Cavaleiros da Ordem do
Templo? Para Peter Partner, que em The Murdered Magicians (O Assassinato
dos Magos) tão efetivamente salvou a reputação dos templários não só do diabolismo de Filipe, o
Belo, mas também da "mistagogia e obscuridade" dos maçons, somos
deixados com algo completamente vago. "A característica mais marcante dos templários
medievais era o seu caráter ordinário; eles representavam o homem comum, e não
o visionário incomum." A queda da Ordem aconteceu em conseqüência da "mediocridade e
O VEREDICTO DA HISTÓRIA
falta de fibra deles (...) a maioria, incluindo seus líderes, no momento do julgamento provou que
não tinha muito a dizer".3'R
Em certos aspectos, esse veredicto sobre os templários é positivamente tão condenador
quanto o dos maçons ou o de Filipe, o Belo. Eles eram mesmo medíocres?
Certamente, se se compara a matéria-prima de um templário, um cavaleiro franco como o conde
d'Eu, com um cavaleiro muçulmano como Usamah Ibn-Munqidh, o muçulmano
parece possuir muito mais das qualidades que nos agradam hoje. Usamah não é apenas pio,
corajoso e um caçador hábil, como também poeta. O conde d'Eu, conforme descrito
por João de Joinville, em vez de escrever poesia, "montou uma máquina de balística em miniatura
com a qual podia atirar pedras à minha barraca. Ele nos observava
enquanto tomávamos a refeição, ajustava sua máquina para corresponder ao comprimento de
nossa mesa e então disparava contra nós, quebrando nossas panelas e copos",3'9
e ele abatia as aves domésticas de Joinville - o tipo de brincadeira rude que pode ser encontrado
em alguns ranchos de oficiais do Exército Britânico hoje.
Os monges guerreiros do Templo eram de algum modo diferentes de cavaleiros como o conde
d'Eu? Até que ponto o aspecto religioso de sua vocação os elevava
acima dos cavaleiros seculares? Se o cavaleiro da Ordem do Templo mostrasse em batalha a
mesma bravura prodigiosa de seu homólogo secular, ele também partilhava
sua falta de cultura e sofisticação. Num poema satírico escrito em fins do século XIII pelo trovador
flamengo Jacquemart Giélée, Renart le nouvel, o templário é
retratado como consideravelmente menos sofisticado do que o hospitalário: ele "não é um orador
adestrado, seu argumento é simples e desajeitadamente externado, repetindo-se
com freqüência - `nós somos defensores da Santa Igreja'- e enfatizando o perigo que os
muçulmanos representam para a Europa (...)" 38° - uma imagem que condiz quase
com exatidão com a impressão que adquirimos através dos séculos de Jacques de Molay. Mas essa
falta de sofisticação não exclui certa santidade. O grande respeito
pelos templários do franciscano John Peckham, arcebispo de Canterbury mais ou menos na época
em que Giélée escreveu sua sátira, e "um homem de grande integridade
e austeridade", sugere um alto padrão de santidade na Ordem.
Assim, um veredicto definitivo sobre os templários deve depender de nosso juízo acerca da
cristandade católica, e em particular de sua prolongada guerra
contra o Islã, as cruzadas. De modo geral, hoje se percebe que as cruzadas - como a Inquisição foram uma coisa má. Neste caso, mais uma vez nos deparamos com "as
vestes completas e aparatosas (...) do preconceito do século XVIII" de Peter Partner. Diderot, no
verbete sobre as cruzadas em sua Encyclopaedia, descreveu o Santo
Sepulcro como "um fragmento de
OS TEMPLÁRIOS
rocha que não vale uma gota sequer de sangue humano"; para ele, os cruzados eram motivados
pela cobiça, "imbecilidade e falso zelo". Para o filósofo escocês David
Hume, eles foram "a maior demonstração e o mais durável monumento da insensatez humana
que já surgiram em qualquer era ou nação".38'
Essa opinião passou por meio de Edward Gibbon ao mais renomado historiador das cruzadas
de nossos dias, Sir Steven Runciman: o veredicto ao fim de sua monumental
obra foi o de que a guerra santa travada pela Igreja Católica foi "nada mais do que um longo ato
de intolerância em nome de Deus, que é o pecado contra o Espírito
Santo".382 Runciman foi particularmente injuriado pelo saque de Constantinopla pelos latinos,
declarando que "nunca houve crime maior contra a humanidade do que
a Quarta Cruzada" - como assinala o historiador Christopher Tyerman, um juízo estranho de emitir
menos de dez anos após o término da Segunda Guerra Mundial. Mas
Runciman não está só: para o historiador israelense Joshua Prawer, o reino de Jerusalém foi um
exemplo precoce do colonialismo europeu; e para o teólogo Michael
Prior as cruzadas são um impressionante exemplo de como "a Bíblia foi usada como agente de
opressão". 333
Só mais recentemente é que os historiadores lançaram um novo olhar na mente dos cruzados
e chegaram a uma conclusão menos condenadora. "Os historiadores
das cruzadas", escreveu Jonathan Riley-Smith, professor de História Eclesiástica na Universidade
de Cambridge, "subitamente descobriram (...) a fragilidade fundamental
dos argumentos a favor de uma motivação materialista geral, e a insuficiência das provas em que
eles se baseavam tornou-se muito mais clara. Os filhos intrépidos
mais jovens começaram afinal a sair de cena. Poucos historiadores parecem acreditar mais neles
11.114
A verdade que emergiu da pesquisa recente é que o cruzado muitas vezes vendia ou
hipotecava seus bens materiais na esperança de uma recompensa puramente
espiritual. Ao contrário do jihad muçulmano, a cruzada era sempre voluntária. Para um cavaleiro
secular, um período de aventura e o subseqüente renome cavalheiresco
podem ter sido um incentivo para tomar a Cruz; mas para o cavaleiro que ingressava numa ordem
militar, era bastante provável que a austera regra da caserna combinada
com o claustro levasse ou a um longo período na prisão ou a morte precoce.
Desde o começo, o grau de desgaste na Ordem do Templo era alto. Seis dos vinte e três grãomestres morreram em combate ou na prisão. O postulado de um ano
originalmente considerado foi abandonado por causa da urgente necessidade de homens para
servirem no Oriente. Nos depoimentos em seu julgamento,-foi dito que 20.000
templários haviam morrido no
O VEREDICTO DA IiISTóRIA
ultramar. Alguns foram mortos em combate, mas outros, após terem sido aprisionados,
preferiram morrer a renunciar à sua fé. "Para avaliar como é surpreendente encontrar
esses mártires", escreveu Jonathan Riley-Smith sobre os que partiam em cruzada,
dever-se-ia lembrar que o martírio, por envolver a aceitação voluntária da morte
no interesse da fé e refletir a morte de Cristo, é o supremo ato de amor de que
um cristão é capaz e o exemplo perfeito de uma morte cristã. É a doação de sua
própria vida pelo mártir, e um ato de tão grande mérito que justifica o mártir
imediatamente aos olhos de Deus?s
Da perspectiva cristã, poder-se-iam portanto aplicar aos templários as palavras de João no Livro do
Apocalipse: "Estes são os que vieram de grande tribulação, e
lavaram os seus vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro".386
É claro que os cavaleiros do Templo também ceifaram vidas, mas aqui também há um
equívoco acerca da motivação daqueles que lutaram nas cruzadas. Devido à
animosidade anticatólica que data do Iluminismo, e porque a maioria das histórias das cruzadas
tende a começar com a Primeira Cruzada, é comum vê-la como a primeira
de muitas ondas de agressão do Ocidente cristão contra o Oriente islâmico. No entanto, foi o Islã,
e não a cristandade, que desde o começo promoveu a conversão pela
conquista; e até mesmo a cristandade, em certas épocas e em certos lugares, também batizou à
ponta da espada, mas seu crescimento nos três primeiros séculos, até
abranger todo o Império Romano, foi quase inteiramente pacífico. Por conseguinte, desde a época
da primeira razzia do Profeta Maomé, a percepção dos cristãos era
a de que as guerras contra o Islã eram travadas ou em defesa da cristandade ou para libertar e
reconquistar terras que eram legitimamente suas.
Isso está explícito na Reconquista, na pregação do papa Urbano II após a derrota bizantina na
batalha de Manzikert e na pregação do dominicano Humberto de
Romans no século seguinte. O apelo de Humberto "baseava-se em grande parte no argumento de
que o Islã se expandira agressivamente à custa de governantes cristãos
e de que os exércitos cristãos tinham tanto o direito quanto a obrigação de deter a expansão
islâmica e de reaver as terras que os muçulmanos tinham ocupado".38'
A idéia de que um homem podia chegar ao martírio enquanto ele próprio estava perpetrando
violência não era nenhuma inovação, mas está claramente estabelecida na
cristandade ocidental desde fins do século VIII.
OS TEMPLÁRIOS
rocha que não vale uma gota sequer de sangue humano"; para ele, os cruzados eram motivados
pela cobiça, "imbecilidade e falso zelo". Para o filósofo escocês David
Hume, eles foram "a maior demonstração e o mais durável monumento da insensatez humana
que já surgiram em qualquer era ou nação".3e'
Essa opinião passou por meio de Edward Gibbon ao mais renomado historiador das cruzadas
de nossos dias, Sir Steven Runciman: o veredicto ao fim de sua monumental
obra foi o de que a guerra santa travada pela Igreja Católica foi "nada mais do que um longo ato
de intolerância em nome de Deus, que é o pecado contra o Espírito
Santo".'8z Runciman foi particularmente injuriado pelo saque de Constantinopla pelos latinos,
declarando que "nunca houve crime maior contra a humanidade do que
a Quarta Cruzada" - como assinala o historiador Christopher Tyerman, um juízo estranho de emitir
menos de dez anos após o término da Segunda Guerra Mundial. Mas
Runciman não está só: para o historiador israelense Joshua Prawer, o reino de Jerusalém foi um
exemplo precoce do colonialismo europeu; e para o teólogo Michael
Prior as cruzadas são um impressionante exemplo de como "a Bíblia foi usada como agente de
opressão". 3B3
Só mais recentemente é que os historiadores lançaram um novo olhar na mente dos cruzados
e chegaram a uma conclusão menos condenadora. "Os historiadores
das cruzadas", escreveu Jonathan Riley-Smith, professor de História Eclesiástica na Universidade
de Cambridge, "subitamente descobriram (...) a fragilidade fundamental
dos argumentos a favor de uma motivação materialista geral, e a insuficiência das provas em que
eles se baseavam tornou-se muito mais clara. Os filhos intrépidos
mais jovens começaram afinal a sair de cena. Poucos historiadores parecem acreditar mais neles
11.114
A verdade que emergiu da pesquisa recente é que o cruzado muitas vezes vendia ou
hipotecava seus bens materiais na esperança de uma recompensa puramente
espiritual. Ao contrário do jihad muçulmano, a cruzada era sempre voluntária. Para um cavaleiro
secular, um período de aventura e o subseqüente renome cavalheiresco
podem ter sido um incentivo para tomar a Cruz; mas para o cavaleiro que ingressava numa ordem
militar, era bastante provável que a austera regra da caserna combinada
com o claustro levasse ou a um longo período na prisão ou a morte precoce.
Desde o começo, o grau de desgaste na Ordem do Templo era alto. Seis dos vinte e três grãomestres morreram em combate ou na prisão. O postulado de um ano
originalmente considerado foi abandonado por causa da urgente necessidade de homens para
servirem no Oriente. Nos depoimentos em seu julgamento,,foi dito que 20.000
templários haviam morrido no
O VEREDICTO DA I'ISTóRIA
ultramar. Alguns foram mortos em combate, mas outros, após terem sido aprisionados,
preferiram morrer a renunciar à sua fé. "Para avaliar como é surpreendente encontrar
esses mártires", escreveu Jonathan Riley-Smith sobre os que partiam em cruzada,
dever-se-ia lembrar que o martírio, por envolver a aceitação voluntária da morte
no interesse da fé e refletir a morte de Cristo, é o supremo ato de amor de que
um cristão é capaz e o exemplo perfeito de uma morte cristã. E a doação de sua
própria vida pelo mártir, e um ato de tão grande mérito que justifica o mártir
imediatamente aos olhos de Deus?s
Da perspectiva cristã, poder-se-iam portanto aplicar aos templários as palavras de João no Livro do
Apocalipse: "Estes são os que vieram de grande tribulação, e
lavaram os seus vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro".386
É claro que os cavaleiros do Templo também ceifaram vidas, mas aqui também há um
equívoco acerca da motivação daqueles que lutaram nas cruzadas. Devido à
animosidade anticatólica que data do Iluminismo, e porque a maioria das histórias das cruzadas
tende a começar com a Primeira Cruzada, é comum vê-la como a primeira
de muitas ondas de agressão do Ocidente cristão contra o Oriente islâmico. No entanto, foi o Islã,
e não a cristandade, que desde o começo promoveu a conversão pela
conquista; e até mesmo a cristandade, em certas épocas e em certos lugares, também batizou à
ponta da espada, mas seu crescimento nos três primeiros séculos, até
abranger todo o Império Romano, foi quase inteiramente pacífico. Por conseguinte, desde a época
da primeira razzia do Profeta Maomé, a percepção dos cristãos era
a de que as guerras contra o Islã eram travadas ou em defesa da cristandade ou para libertar e
reconquistar terras que eram legitimamente suas.
Isso está explícito na Reconquista, na pregação do papa Urbano II após a derrota bizantina na
batalha de Manzikert e na pregação do dominicano Humberto de
Romans no século seguinte. O apelo de Humberto "baseava-se em grande parte no argumento de
que o Islã se expandira agressivamente à custa de governantes cristãos
e de que os exércitos cristãos tinham tanto o direito quanto a obrigação de deter a expansão
islâmica e de reaver as terras que os muçulmanos tinham ocupado".38'
A idéia de que um homem podia chegar ao martírio enquanto ele próprio estava perpetrando
violência não era nenhuma inovação, mas está claramente estabelecida na
cristandade ocidental desde fins do século VIII.
OS TEMPLÁRIOS
Por que, então, apesar de haver alguns hospitalários canonizados, não existem santos
templários? Isso pode serem parte explicado pela modéstia de cada cavaleiro,
mas também pelo envolvimento da Igreja no fim da Ordem. Sua destruição final, como vimos, a
morte cruel de vários de seus membros, não foi obra de muçulmanos, mas
das forças de coerção da Inquisição a serviço do "mais cristão" rei da França. O período de
existência de duzentos anos da Ordem do Templo coincide quase exatamente
com a reivindicação do papado a uma soberania suprema sobre o mundo todo. Um indício da
devoção sincera da Ordem a seus objetivos originais é o fato de que, embora
fosse uma força multinacional, jamais foi recrutada pelos papas em sua constante luta para impor
a seus rivais, os imperadores alemães, suas reivindicações ao domínio
universal.
Todavia, os papas estavam tão decididos a vencer essa disputa que não conseguiram
perceber, até que fosse tarde demais, a ameaça representada pelo Estado
nacional predador. O perigo representado por Frederico II de Hohenstaufen tinha sido óbvio, e sua
megalomania pagã, fácil de ver para todos. Mas quem poderia ter
imaginado que o neto de São Luís seria o instrumento para a queda dos pontífices romanos - um
homem "cuja devoção religiosa (...) algumas vezes beirava o misticismo"
e que "com freqüência impunha sua política, mesmo em claro antagonismo com os interesses
reais"?3$$ O papa Bonifácio VIII, ao sentar-se no trono de Constantino durante
as comemorações do centenário em 1300, demonstrou a altura das pretensões papais; Clemente
V apenas alguns anos mais tarde, declarou que tinha perdido "a liderança
moral, espiritual e autorizada que o papado havia firmado na Europa durante séculos de trabalho
minucioso, coerente, detalhado, dinâmico e progressista".319
Na Inglaterra, mais de duzentos anos mais tarde, o rei Henrique VIII espoliaria os mosteiros
exatamente como o rei Filipe IV da França tinha espoliado o
Templo, tirando proveito dos interesses particulares de novas forças sociais; mas, ao contrário do
rei Filipe IV, ele não conseguiu fazer o papa de seu tempo curvar-se
à sua vontade e repudiou a autoridade da Santa Sé. Assim como no caso da percepção das
cruzadas pelo Iluminismo, a percepção whig da história inglesa vê nisso a
gênese do Estado nacional inglês. A Reforma que se seguiu na Inglaterra, na Escócia e no
continente europeu levou à fragmentação daquela cristandade unificada que
os sucessores de São Pedro tinham tentado por tanto tempo preservar. A Revolução Francesa em
1789 também espoliou e quase destruiu a Igreja Católica, deixando mosteiros
como Citeaux e Molesme em ruínas e convertendo Clairvaux em prisão. Napoleão teve êxito onde
Guilherme de Nogaret fracassara: em levar um papa prisioneiro a Paris
para observar impotentemente
O VEREDICTO DA HISTÓRIA
enquanto o aventureiro corso coroava a si mesmo imperador na Catedral de Notre-Dame.
Com essa cerimônia, o Vigário de Cristo foi mais uma vez humilhado pelo poder da força
bruta. A história européia por fim abandonou as restrições intrínsecas
às aspirações cristãs e moveu-se rapidamente em direção à era moderna. Se a balança de
sofrimentos suportados pela humanidade pende ou não para a Idade Média sob
o peso das cruzadas, da Inquisição e das guerras religiosas, ou para a era do Estado nacional sob a
carnificina das trincheiras, dos gulags e dos campos de concentração,
cabe a cada um de nós decidir.
APÊNDICES
1
As Cruzadas Posteriores
As guerras entre cristãos e muçulmanos continuaram por muitos séculos após a dissolução da
Ordem do Templo. No decorrer do século XIV os mamelucos do Egito foram
substituídos pelos turcos otomanos como a principal força que impulsionava a expansão islâmica.
Assim designados por causa do emir seldjúcida Oman, cujo feudo ficava
ao sul de Nicéia, na Anatólia, eles rapidamente se expandiram durante o século XIV conquistando
toda a Ásia Menor e, passando ao largo de Constantinopla pelos Dardanelos,
moveram-se impetuosamente através da Macedônia e da Bulgária até o Danúbio. Os sérvios
cristãos foram derrotados na batalha de Kosovo em 1386.
O imperativo cristão tornou-se então não a reconquista de Jerusalém, mas a ajuda a
Constantinopla. Em 1396, uma grande força expedicionária da Europa Ocidental,
liderada pelo rei Sigismundo da Hungria e pelo conde João de Nevers, foi aniquilada em Nicópolis,
às margens do Danúbio. Em 1443, um exército cruzado convocado pelo
papa Eugênio IV foi vencido em Varria. Dez anos mais tarde, Constantinopla render-se-ia aos
turcos otomanos.
Essa catástrofe para a cristandade teve o mesmo impacto da rendição de Jerusalém mais de
dois séculos antes. João Capistrano foi enviado pelo papa Nicolau
V para pregar uma nova cruzada na Hungria, recrutando um exército que em 1456 derrotou uma
força otomana superior que sitiava Belgrado. Contudo, a prorrogação foi
apenas temporária: Belgrado rendeu-se em 1521, e os húngaros foram afinal vencidos na batalha
de Mohács em 1526.
Um avanço paralelo do Islã sob os otomanos ocorreu no Mediterrâneo. Os Cavaleiros do
Hospital perderam Rodes em 1522 e o reino latino de Chipre caiu em 1571.
A vitória de uma esquadra cristã na batalha de Lepanto no mesmo ano possibilitou aos venezianos
manter-se firmes em Creta até 1669. O único progresso feito pelos
cristãos antes do século XVII foi na Espanha: entre 1482 e 1492 a Reconquista chegou ao fim com
a queda de Granada, o último principado islâmico na península Ibérica.
335
OS TEMPLÁRIOS
I século XIV em diante, o idealismo das primeiras cruzadas tinha dado lugar frios cálculos da
parte de governantes cristãos, por um lado, e a um profL:io
cinismo entre seus súditos, por outro. No século XVI, Erasmo condenotodo o conewito da cruzada,
e a Reforma que se seguiu solapou o valor penillcial de se empreender
uma cruzada por negar o poder dos papas para remir penitências e perdoar pecados. AS principais
forças que tomaram parti4 contra o Islã procediam daquelas nações
cujos interesses ele ameaçava:, venezianos no Mediterrâneo e os Habsburgos da Áustria na
Europa Orienl.
(rpogeu da expansão islâmica na cristandade, que começara durante a vida Profeta no século
VIII, ocorreu em 1683, quando um exército otomancitiou Viena,
a capital do imperador do Sacro Império Romano, Leopoldcla Áustria. 1•stados alemães vizinhos e
os poloneses sob jan Sobieski formam um exército que aliviou o cerco;
e em 1684, uma Liga Santa foi forma sob os ~Pícios do papa para repelir o avanço otomano. No
século XVII a Rússia assumiu a defesa dos cristãos ortodoxos que viviam
sob domío muçulmano. Buda foi reconquistada em 1686, Belgrado em 1688, e, pe Paz de
Karlowitz em 1699, grandes partes da Europa Central e da Gréc foram recuperadas
pelas potências cristãs. Os sérvios, que tinham perrrnecido leais à Igreja Ortodoxa durante cinco
séculos de domínio otomancreconquistaram a independência sob o
Tratado de Berlim em 1878. Apóss guerras dos Balcãs de 1912 e 1913, as fronteiras do Império
Otomanctgora o Estado da Turquia, foram recuadas para a Trácia, onde
permanece hoje.
Pls séculos XIX e XX, colônias espanholas, francesas e italianas foram estalecidas no norte da
África, e a Grã-Bretanha tornou-se o suserano virtual (Egito
e do Sudão, mas essas conquistas foram inspiradas pela rivalidadeamercial e política, e não pelo
zelo religioso. O conceito de cristandadeavia perdido seu significado.
Quando o general Allenby se apossou de Jerusém após derrotar os turcos em Gaza em 1917, ele
estava cônscio do signi:ado histórico do que fizera. Um cabograma do
Ministério da Guerra britâco afirmava' "Fortemente sugerem desmonte à entrada. Imperador
alem entrou a cavalo e o comentário circulou: `Um homem melhor do que ele
alou a pé'. Va>>tagens do contraste serão óbvias".39° O "homem melhor" a qur' Ministério da
Guerra se referia não era Jesus Cristo, que entrou na cidacno lombo de
um jumento, mas o sogro de Maomé, o califa Ornar. O genel Allenby desmontou e entrou a pé na
Cidade Santa.
(domínio britânico no ultramar depois de 1917 foi partilhado com os frances, que exerceram
um protetorado sobre a Síria até 1941. Em 1947, os blânicos retiraram-se
da Palestina, cujos habitantes judeus, no ano
336
AS CRUZADAS POSTERIORES
seguinte, proclamaram um Estado judeu. Jerusalém foi governada pelo Reino Hachemita da
Jordânia até junho de 1967, quando foi tomada pelas forças israelenses durante
a Guerra dos Seis Dias. Seu status preciso sob o direito internacional continua sem solução. O
monte do Templo permanece nas mãos dos muçulmanos. A Igreja do Santo
Sepulcro é partilhada, freqüentemente com acrimônia, por seis denominações cristãs diferentes.
Que papel foi desempenhado pelas ordens militares nas cruzadas posteriores? Após a queda de
Acre, os cavaleiros teutônicos abandonaram a causa da Terra Santa para
concentrar-se em campanhas contra os prussianos e os lituanos pagãos no Báltico. Em 1309,
transferiram sua sede de Veneza para Marienburg, ao sul de Danzig (Gdansk),
e, tendo absorvido uma ordem militar menor na Livônia, os Irmãos da Espada, no século XIII,
obtiveram controle do litoral báltico até o golfo da Finlândia, ao norte.
Freqüentemente criticados pelos papas em Roma por estarem mais interessados em escravizar do
que em converter seus prisioneiros pagãos, eles importaram camponeses
da Alemanha para colonizar as terras prussianas conquistadas e lucravam com o comércio como
um membro da Liga Hanseática. Agora que a Terra Santa era inacessível
aos cavaleiros ocidentais, as campanhas sazonais dos cavaleiros teutônicos contra os lituanos
pagãos, chamadas Reisen, tornaram-se uma forma elegante de os cavaleiros
europeus provarem seu valor. Henrique Bolingbroke participou de várias dessas Reisen antes de se
apoderar do trono inglês como Henrique IV
Em 1386, Jagiello, o grão-duque da Lituânia, levou todo o seu povo para a Igreja Católica e
desposou Jadwiga, a princesa herdeira da Polônia. Em 1410, os
exércitos desse Estado recém-unificado derrotaram os cavaleiros teutônicos na batalha de
Tannenberg: 400 cavaleiros e o grão-mestre foram mortos. Depois disso, a
Ordem entrou em declínio, perdendo seus poderes, por um lado, para os alemães seculares que
tinham colonizado o país e, por outro lado, para seu vizinho mais forte,
o rei da Polônia. Em 1525, o último grão-mestre, Alberto de Brandem burgo-Ansbach, converteuse ao protestantismo, dissolveu a Ordem e transformou seu território
num ducado secular. Dos cinqüenta e cinco cavaleiros que restaram na Prússia, poucos
continuaram católicos. A maioria se casou e acabou absorvida pela nobreza local,
os junkers prussianos. Em 1561, o último Landmeister do ramo livômo dos cavaleiros teutônicos
seguiu o exemplo, transformando-se no duque secular de Courland. Uma
Ordem remanescente com propriedades na Alemanha católica continuou a existir até ser abolida
por Napoleão em 1809. Foi restaurada como uma corporação eclesiástica
honorária pelo império austríaco em 1834.
337
1
OS TEMPLÁRIOS
AS CRUZADAS POSTERIORES
N
>enín;ula Ibérica, as ordens militares continuaram a combater os moudo alcance de qualquer outro poder. Sua prontidão a assumir
estava fora
um
~ nas s)b a direção de reis. Em Castela, as ordens de Santiago, Alcántara e
papel em algum futuro passagium parliculare se harmonizava
C ,b trava continuaram a defender e a consclidar as terras conquistadas aos
concepção da cruzada do rei Filipe IV quanto com a do papa
importante
tanto com a
a) ó ros. A. Ordem de Alcántara também protegia a fronteira com Portugal na
Clemente V.
Es~I~Nmadura. Todas as ordens hispânicas contribuíram para a vitória cristã
da rivalidade entre o Templo e o Hospital, não existem
Apesar
provas de
no ,o Saldo em 1340, a qual levou à captura de A]geciras em 1344. No século
hospitalários exultaram com o destino de seus irmãos. As duas ordens
e tl~e~1o subseqüente, a Reconquista estava limitada a vários ataques de surtido menos diferenças do que pontos em comum, e os hospi
t~l~ a a Granada, o último principado mouro. Todas participaram das últimas
talários continuaram a ter um grande respeito pelos templários.
que os
tinham sempre
h
"Sua he
paÌ~ mnhks, que em 1492 finalmente consumaram a Reconquista, expulpropriedades que tinham pertencido aos templários fez crescer seu
sat,l~lo os Inuçulmanos da Espanha.
tornado proprietários rurais
rança de
prestígio, não tanto pelo fato de eles se terem
IIPepcis disso, as ordens espanholas continuaram como ricas e poderosas
importantes, mas porque era uma honra seguir os passos de uma corpo
mais
CO~,, ~~°raçoes dentro dos Estados ibéricos. Enl Aragão, o Hospital era o maior
nobre".391 A adição das propriedades dos templários às que eles
ração tão
já
ptr ~~ rietário rural individual e em Castela a Ordem de Alcántara possuía
apesar das "deduções" feitas pelo rei Filipe IV e por outros
possuíam,
reis
mui arde da Estremadura. O poder dos mestres inevitavelmente os envolveu
aumentou consideravelmente os recursos do Hospital, mas com o
europeus,
en ntriga política. Reis e nobres reiteradamente asseguraram o cargo de
tempo, conforme Jacques de Molay predissera, a falta de
passar do
competi
m` t` =re Pára os candidatos que eles apoiavam que eram muitas vezes seus
declínio e à estagnação. Em 1343, o papa Clemente VI escreveu
fll~l,~l~s legítimos ou ilegítimos. Entre 1487 e 1499, as ordens castelãs ficaram
"a opinião virtualmente unânime e popular do clero e
ção levou ao
`~p
que era
do Estado
sol jd? controle do rei, e Montesa foi incorporada à Coroa de Aragão em 1587.
hospitalários nada estavam fazendo pela defesa da fé. Fize
~Em Portugal, a Ordem do Templo, cora. permissão do papa, tinha sido
propostas para se criar uma nova ordem dotada com parte da riqueza
rel rl;aniz,lda como a Ordem de Cristo. Aí, tanbém, era controlada pelos reis
poli igueles, que conseguiram instalar prírcipes reais ou outros favoritos
1522, os hospitalários perderam Rodes para os turcos
secular" que os
iam-se
do Hospital .3112
Em
otomanos e
corVt !h mestres. Seus feitos mais significativos se deram sob seu mestre, o
imperador Carlos V lhes doou a ilha de Malta. Em 1565, sua
em 1530 o
ca pi
p,,, lÀpe I4enrique, nomeado em 1418, o qual usou a riqueza da ordem para
foi sitiada pelos turcos, mas eles prepararam uma heróica
re ~s
tal La Valeta
fl, h (ciar c-,xpedições exploratórias à costa da África, ao redor do cabo da Boa
grão-mestre, Jean Parisot de La Valette, deixando mortos
E
tência sob seu
:rança e por fim à Ásia. No século XVI, o controle das ordens passou para
sV
quase 250 entre os 1.500 cavaleiros. Depois de um cerco de cinco meses, os
a Ç~4p'oa, e, como as sucessivas bulas papais atenuaram os votos de pobreza,
retiraram. Seis anos mais tarde, galeras dos hospitalários contribuí
ca
r~,t~
i
turcos se
&de e obediência, a qualidade de membro transformou-se meramente
ram para a derrota da esquadra otornaria na batalha de Lepanto.
o questão de honra e prestígio.
~k únüca ordem que continuou a dar Lma contribuição substancial à
século XVII, os hospitalários, agora mais comumente
Durante todo o
gtt ra santa da cristandade contra o Islã foi u Hospital, os Cavaleiros de São
os cavaleiros de Malta, forneceram uma útil força naval,
conhecidos como
JoV~'~ Sob o grão-mestre Foulques de Villaut, eles tinham ficado notavel-campanhas contra as potências islâmicas, quer para ataques pira
quer para
m`Vte calados durante o julgamento dos terlplários, em parte por receio do
escala a expensas de navios procedentes dos portos do norte
tas em pequena
q ,,\ , hes Poderia acontecer caso se opusesses a Filipe, o Belo, em parte porremadores eram escravos, e os ofciais, jovens aristocratas das
da África. Os
qV `I~esperavam lucrar com a extinção do TerAplo. Por que eles foram poupalangues da Ordem que mais tarde se retiraram para administrar as
diferentes
dQ e'Se Guilherme de Nogaret era de fato n-to de cátaros, talvez ele tenha
comendadorias na Europa. A qualidade de membro da Ordem
numerosas
siç erpnflutnciado a seu favor pela atitude complacente da Ordem para com
sinecura dentro de uma corporação aristocrática privile
assegurava "uma
os ÇregeN durante a Cruzada Albigense. À primeira vista, parece pequena a
proporcionava um satisfatório benefício para toda a vida".'9' A vida
giada que
pr h¡abilidlade de que a blasfêmia, a heresia ea sodomia contaminassem uma
capital da Ordem na ilha de Malta, foi descrita pelo historia
em La Valeta, a
or~,~ ~m~ mas não a outra. Todavia, o Hospitaltinha várias vantagens: possuía
Cavaliero como monótona. "A monotonia era o traço predomi
m~ advD,gados treinados na sua folha de paramentos e sua sede em Rodes
ilha. O tom estabelecido no topo era de moderada urbani-
íli
338
dor Roderico
nante da vida na
339
OS TEMPLÁRIOS
dade, com ude, com uma meticulosa e exagerada insistência na disciplina e na precedência." 1cia."
Por volta Por voltado fim do século XVIII, a decadência do Hospital chegara a um ponto em
quito em que sua inexpugnável fortaleza de La Valeta pôde ser tomada
por Napoleão Bopoleão Bonaparte após um cerco de apenas um dia. Dos 322 cavaleiros na
guarnição, cilrnição, cinqüenta eram velhos demais para lutar. Como Napoleão
comentou maisntou mais tarde, "o lugar certamente possuía imensos meios físicos de resistência,
ristência, mas absolutamente nenhuma força moral". Na ocasião em
que Napoleão foipoleão foi afinal derrotado na batalha de Waterloo, Malta foi ocupada pelos
britâni,os britânicos, que não tinham a menor intenção de devolvê-la
ao remanescente da ;cente da Ordem do Hospital. Depois de deporem o grão-mestre que tinha
perdidha perdido Malta, Ferdinand de Hompesch, os cavaleiros de São João
escolheram colheram como seu sucessor o czar da Rússia, Paulo I, "que não era católico ou celibo)
ou celibatário, ou um irmão professo, mas com certeza era louco".
394
Seguiu-s Seguiu-se o que um historiador do Hospital chamou de "os piores vinte anos da
históls da história da Ordem: vinte anos de oportunidades desperdiçados
por interesses peresses pessoais mesquinhos, que tornaram permanentes os desastres
temporários nporários do período revolucionário".39s Não obstante, já quase no
fim do século, ela vculo, ela voltou ao objetivo filantrópico por que fora originalmente criada: uma
corporaça corporação de católicos romanos devotos, cujos membros
aristocráticos trabalhavam balhavam para ajudar os doentes, os pobres e os destituídos. E como
tal permanece a-manece até hoje.
Foi inevi Foi inevitável que os cavaleiros de Malta da atualidade renunciassem à sua vocação t.
vocação militar, uma vez que a Igreja Católica desistira
do conceito de uma cruzada a cruzada armada: de fato, desde o Segundo Concílio do Vaticano
tem-se demonstradorlonstrado um respeito pelo herege e pelo infiel que
teria frustrado São Bernardo demardo de Clairvaux. Contudo, não se pode dizer que esse espírito
de tolerância teerância tenha significado o fim de toda inimizade
entre cristãos e muçulmanos. Mesalos. Mesquitas são construídas na parte mais importante do
que um dia foi chamado ichamado de cristandade - em Paris, em Londres
e na própria Roma -, mas a práticas a prática da religião cristã continua proibida na Arábia, o
âmago do Islã. Vários Estadcios Estados, como o Irã, o Sudão, o Afeganistão
e o Paquistão, governam de acordo coacordo com a doutrina do Alcorão. Conflitos armados entre
cristãos e muçulmanos çulmanos continuam na África, nos Balcãs, na
Indonésia e nas Filipinas. Fundamentahdamentalistas islâmicos em anos recentes assassinaram
missionários cristãos no Ptãos no Paquistão, monges coptas no Egito,
e monges trapistas e um bispo católicoo católico na Argélia.
O conflit O conflito também prossegue na Terra Santa entre os palestinos, em sua maioria rr
maioria muçulmanos, e os israelenses, na maior parte judeus.
Após longa hesitação, o 'itação, o Vaticano acabou reconhecendo o Estado de Israel e, embora
340
AS CRUZADAS POSTERIORES
continue a argumentar que Jerusalém deveria ser colocada sob ju internacional, não mais advoga
a reconquista cristã da Terra San tinha sido o principal objetivo
de tantos papas durante tantos anos. , Igreja testemunha com consternação o êxodo da Terra
Santa de nativos que sentem que não têm nenhum futuro no país que assistiu
cimento de sua religião. No próximo milênio, se a atual tendência coI o único grupo significativo de
cristãos a ser encontrado assistindo ac ços religiosos na Igreja
do Santo Sepulcro em Jerusalém serão os pel que até aí terão ido de aviões a jato.
Grão-Mestres
do Templo
Hugo de Payns
Roberto de Craon
Everardo de Barres
Bernardo de Trémélay
André de Montbard
Bertrand de Blanquefort
Filipe de Nablus
Odon de Saint-Amand
Arnoldo de Torroja
Gérard de Ridefort
Roberto de Sablé
Gilberto Erail
Filipe de Plessiez
Guilherme de Chartres
Pedro de Montaigu
Armando de Périgord
Ricardo de Bures
Guilherme de Sonnac
Reinaldo de Vichiers
Tomás Bérard
Guilherme de Beaujeu
Teobaldo Gaudin
Jacques de Molay
1119-1136 1137-1149 1149-1152 1152-1153 1153-1156 1156-1169 1169-1171 1171-1179 11801184 1185-1189 1191-1193 1194-1200 1201-1209 1210-1219 1219-1232 1232-1244 1244-1247
1247-1250 1250-1256 1256-1273 1273-1291 1291-1293 1293-1314
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I~
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Holy Land, 1275-1314. Oxford: 1991.
2 Ibid., Gênesis, 22:12-18.
SCOT'1=JAMES, Bruno (org.). The Letters of Saint Bernard of Clairvaux. LonJohnson, A History of the Jews (História dos Judeus),
Londres, 1987,
dres: 1953.
pp. 6-7.
14.
3 Ver Paul
SINCLAIR, Andrew. TheDiscovery of the Grail. Londres: 1998.
Êxodus, 32:1-6.
-
4 ABíbliadeJerusalém,
SIRE, H. J. A. The Knights of Malta. New Haven e Londres: 1994.
5 Ibid., 2 Juízes.
SMAIL, R. C. Crusading Warfare, 1097-1193. Cambridge: 1995.
15:19-20.
6 Ibid., 1 Samuel,
SOUTHERN, R. W WesternSocietyand theChurch in theMidNeAges. Harmond2 Samuel, 11:14-15.
sworth: 1970.
introdução de G. A.
7 Ibid.,
8 Josefo, The Jewish War (A Guerra dos Judeus), tradução e
Williamson, Londres, 1959, p. 40.
. SaintAnselm: A Portrait in a Landscape. Cambridge: 1990.
Robert S. Wistrich, 4nti-Semitism: The Longest Hatred,
9 Citado em
Londres,
SUMPTION, Jonathan. TheAlbigensaán Crusade. Londres: 1978.
TYERMAN, Christopher. England and the Crusades, 1095-1588. Chicago:
80.
1988.
1991, p. 8.
10 TheJewish War, p.
11 Ibid., p. 174.
. The Invention of the Crusades. Londres: 1998.
12A Bíblia de Jerusalém, Jeremias 23:5-6.
UPTON WARD, J. M. The Rule of the Templars: The French Text of the Rule of
Salmo 72:8-11.
13
the Order of the Knights Templar. Trad. e introd. de J. M. Upton Ward.
TheJewish War, p. 255.
Woodbridge: 1992.
15
Ibid.,
14
Ibid., p. 319.
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22
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Ibid.,
Ver Robin Lane Fox
IUersion: Truth and Fiction in
WISTRICH, Robert S. Anti-Semitism: The Longest Hatred. Londres: 1991.
War, p. 406.
241.
21
23
TheJewish
2,47
NOTAS
24 Ibid., p. 407.
62
Ibid.
25 A Bíbia de Jerusalém, Lucas, 21:5-6.
Study in Cultural Orientation, Chi
26 Ibid.,João, 2:19.
64
63
Gustave E. von Grunebaum, Medieval lslam: A
cago27 Ibid.,Mateus, 26:61.
, 1947, p. 68.
Watt, Muhammad, Prophet and Statesman, p. 220.
28
Euséhio, The History of the Church from Christ to Constantine, tradução de G. A.
KarenArmstrong, Muhammad.-ABiographyoftheProphet, Londres,
1991, p. 139.
Wlliamson, Londres, 1965.
29
66
Von Grunebaum, Medievallslam, p. 78.
A Bíbria de Jerusalém, Mateus, 27:25.
67
Ibid., pp. 79-80.
65
30
Ibid., João, 11:50.
68
Wrstrieh, Anti-Semitism: The Longest Hatred, p. 20.
31
Ibid., Atos dos Apóstolos, 9:15.
69
Fletcher, The Conversion of Europe, p. 341.
32
A. N. Wilson, Paul: The Mind of the Apostle, Londres, 1997. Ver também Hyam
Von Grunebaum, Medievallslam, p. 201.
70
Maccoby, The mythmaker: Paul and the Invention of Christianity, Londres, 1986.
Joshua Prawer, The Latin Kingdom of Jerusalem: European Colonialism
71
in the Middle
33
A Bíblia de Jerusalém, Atos dos Apóstolos, 18:13; 16-17.
34
Ibid., Atos dos Apóstolos, 24:5-6.
72
Ages, Londres, 1973, p. 4.
Von Grunebaum, Medieval lslam, p. 182.
35
Citado em Edward Gibbon, lhe Decline and Fall of the Roman Empire, Londres,
Gibbon, The Decline and Fall of the Roman Empire, p. 721.
1960, p. 197.
74
73
Keen, The Penguin History of Medieval Europe, p. 47.
36
Eusébio, The History of the Church from Christto Constantine, p. 171.
Murphy-O'Connor, The Holy Landa An Archaeological Guide from
75
Jerome
Earliest
37
Ibid., p. 341.
Times to 1700, Oxford, 1986, p. 78. (Esgotado.)
38
Ibid., pp. 200, 202.
Toronto, 1996, p. 1.
39
76
E L. Ganshof, Feudalism, tradução de Philip Grierson,
A Bíblia de Jerusalém, 2 Pedro, 2:1.
77
Ibid., p. 19.
40
E Holmes Duddon, The Life and Times of SaintAmbrose, Oxford, 1935.
Duffy, Saints and Sinners: A History of the Popes, New Haven;
78
Eamon
CT, 1997,
41
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Oxford, 1991.
Oxford,
42
79
p.82.
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1972, p. 4.
43
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Bryee, The Holy Roman Empire, p. 78.
80
Londrres, 1971, p. 122.
81
Keen, The Penguin History of Medieval Europe, p. 12.
44 Roger Collins, Early Medieval Europe, 300-1000, Londres, 1991, p. 91.
Holy Roman Empire, p. 93.
45 James~ Bryee, The Holy Roman Empire, Londres, 1904, p. 12.
and Fall of the Roman Empire, p. 723.
46 Browrn, The World of Late Antiquily, p. 174.
TheApogee, Londres, 1991, p. 131.
47 Ibid., p. 135.
85
84
82
83
Gibbon, The Decline
John Julius Norwieh, Byzantium:
Fletcher, The Conversion of Europe, p. 232.
48 Mau ri.ce Keen, The Penguin History of Medieval Europe, Londres, 1968, p. 78.
Prawer, The Latin Kingdom of Jerusalem, p. 7.
49 A Bíblia de Jerusalém, Mateus, 19:12.
the Mea of Crusading, Londres,
87
51 A Bíbléia de Jerusalém, Lucas, 18:23-4.
History of the Crusades, organizado por
88
1993, p. 21.
Marcus Bull, em The Oxford Mustrated
52 David', Knowles, Christian Monasticism, Londres, 1969, p. 12.
Oxford, 1995, p. 15.
89
86
Jonathan Riley-Smith, The First Crusade and
50 Eusébio, The History of Church from Christ to Constantine, p. 343.
53 Ibid., ]p. 23.
1988, p. 9.
Bryce, The
Jonathan Riley-Smith,
Ver Christopher Tyerman, lhe Invention of the Crusades, Londres,
54 Ferdimand Lot, lhe End of the Ancient World and the Beginnings of the Middle Ages,
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Crusades, p. 7.
55 Ibid., ]p. 394.
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56 Ibid., lp. 389.
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Mayer, The
Norman Housley, "Jerusalem and the Development of the Crusade
1099-1108", em The Horns of Hattin, organizado por B. Z. Kedar,
57 Richarrd Fletcher, The Conversion of Europe: From Paganism to Christianity,
32.
1992, p.
371-13386 AD, Londres, 1997, p. 213.
the Crusades, p. 77.
93
58 Bryee„ The Holy Roman Empire, p. 69.
59 Ibid., Ip. 49.
95
94
Riley-Smith, The Oxford Illustrated History of
Mayer, The Crusades, p. 31.
Bu11, em The Oxford Mustrated History of the Crusades, p. 17.
60 W Mo) ntgomery Watt, Muhammad Prophet and Statesman, Oxford, 1961, p. 51.
Riley-Smith, The First Crusade and the Mea of Crusading, p. 52.
61 Ibid., lp. 129.
a,~ Q
97
96
Fleteher, The Conversion of Europe, p. 31.
349
OS TEMPLÁRIOS
NOTAS
98
Citado em Dan Cohn-Sherbok, The Crucified Jew: Twenty Centuries of Christian
Riley-Smith, The First Crusade and the Mea of Crusading,
130
p. 44.
Aná-Semitism, Londres, 1992, p. 40.
to the Early Fourteenth Centuries, p. 2
99
Mayer, The Crusades, p. 44.
131
132
Forey, TheMilitary Orders.- From the Twelfth
A Bíblia de Jerusalém, Mateus 16:24-5.
100
Citado em Riley-Smith, The First Crusadeand the Mea of Crusading, p. 96.
Citado em Barber, The New Ânighthood, p. 261.
101
Citado em R. C. Smail, Crusading Warfare, 1097-1193, Cambridge, 1995,
Alan Forey, em The Oxford Alustrated Ristory of the Crusades,
133
134
p. 204.
p. 115n.
135
Imagesofthemili,
Helen Nicholson, Templars, HospitallersandTeutonicKnights:
102
Citado em Amin Maalouf, The Crusades through Arab Eyes, tradução de jon
Orders, Leicester, 1995, p. 62.
Rothschild, Londres, 1984, p. 39.
136
Upton Ward, The Rule of the Templars, p. 22.
103
Riley-Smith, The First Crusade and the Mea of Crusading, p. 154.
MedievalIdea of Marriage, p. 267.
137
Brooke, The
104
Miehel Lamy, Les Templiers: Ges GrandSeigneurs aux Blancs Manteaux, Bordéus,
John Boswell, Christianity, Social ToleranceandHomosexuality:
138
Gaypeoplein Wes
1997, p. 26.
Europe from the Beginning of the Christian Era to the Fourteenth Gentury,
Chie
105
1980.
Christopher N. L. Brooke, TheMedievalIdeaofMarriage, Oxford, 1989, p. 136.
106
Ibid., p. 138.
107
140
R. W Southern, Western Society and the Church in the MidNe Ages, Harmondsworth,
A Bíblia de Jerusalém, Romanos 1:26.
1970.
141
139
Southern, SaintAnselm, p. 150.
Santo Agostinho, Confissões, III, 8.
108
"Traité du Précepte et de Ia dispense", citado em Philippe Delacroix, Vrai
Southern, SaintAnselm, p. 130.
Visage de Saint Bernard, Abbé de Clairvaux, Angers, 1991, p. 52.
orders: From the Twefth to the Early Fourteenth Centuràes,
143
142
Forey TheMilitary
p. 1 f
109
Citado em Adriaan H. Bredero, Bernard of Clairvaux: Between Cult and History,
Upton Ward, The Rule of lhe Templars, p. 112.
Edimburgo, 1996, p. 95.
jordan", em Malcc
145
Denys Pringle, "Templar Castles on the Road to the
110 Knowles, Christian Monastieism, p. 78.
Faith and Caring for lhe S
111
148.
144
Barber (org), The Military Orders: Fighting for the
Ver A. J. Forey, The Templars in the Corona de Aragon, Oxford, 1973, p. 5.
112
Prawer, The Latin Kingdom of Jerusalem, p. 254.
citado por judi Upton Ward, em "The Surrendei
146 Imad ad-Din al Isfahani,
113
R. W Southern, Saint Anselm: A Portrait in a Landscape, Cambridge, 1990,
Gaston and the Rule of the Templars", em Barber (org),
TheMilitary ord
p.
p. 169: Anselmo modificou sua linha de conduta quando quis livrar-se de um
Fightirrgfor the Faith and Caringfor the Sick, p. 181.
cunhado incômodo.
Londres, 1995, p. 107
147 John Julius Norwich, Byzantium: TheDeclineandFall,
114
Citado em Maleolm Barber, The New Knighthood.- A History of the Order of the
148 Mayer, The Crusades, p. 99.
Temple, Cambridge, 1994, p. 13.
the Crusades, p. 81.
149 Riley-Smith, The oxford 1llustrated History of
115
The Rule of the Templars: The French Text of the Rule of the Order of the Knights Templar,
150 Citado em Steven Runcirnan, A History of
the Crusades, vol. 2, The Kingdon
tradução e introdução de J. M. Upton-Ward, Woodbridge, 1992, p. 20.
and the 1lrankish East 1100-1187, Cambridge, 1952, p.
Jerusalem
254.
116
Marion Melville, La Fie des Templiers, Paris, 1978, p. 3.
Bernard of Clairvaux, organizadas e traduzidas por Bru
151 lhe Letters of Saint
117
461.
Upton-Ward, The Rule of the Templars, p. 19.
Scott-James, Londres, 1953, p.
118
Ibid., p. 36.
152 Ibid.
119
199.
Ibid., p. 28.
153 Stephen Howarth, The Knights Templar, Londres, 1982, p.
120
Colin Morris, The Papal Monarchy: The Western Church from 1050 to 1250, Oxford,
154 Melville, La Ire des Templiers, p. 92.
1989, p. 280.
1988, p. 182.
121
p. 66.
155 Christopher Tyerman, England and the Crusades, 1095-1588,
Citado em Barber, The New Knighthood, p. 49.
122
Maurice Keen, Chivalry, Londres, 1994, p. 8.
Aquitaine", em janet L. Nelson (org), Richa
156 Barber, The New KIrighthood,
157 Jane Martindale, "Eleanor of
123
Forey, The Templars in the Corona de Aragon, p. 271.
History and Myth, Londres, 1992, p. 40.
Coeur de Lion àn
124
Rev. Dr. E. Martin, The Templars in Yorkshire, York, 1929, p. 380.
Bredero, Bernard of Clairvaux, p. 150.
158 Citado em
125
Alan Forey, The Military Orders: FromtheTwefthtotheEarly Fourteenth Centuries,
159 Von Grunebaum, Medieval Islam, p. 58.
Londres, 1992, p. 189.
Cambridge, 1995, p. 43.
160 R. C. Smail, Crusading Warfare, 1097-1193,
126
H. J. A. Sire, The Knights of Malta, New Haven e Londres, 1994, p. 4.
The Latin Kingdom of ierusalem, p. 67.
127
Nicolo de Martoni, citado em Sire, The Knights of Malta, p. 8.
Riley-Smith, The Feudal Nobzlity and the Kingdom of Jerusale
128
81.
Citado em Barber, The New Knighthood, p. 27.
129
Forey, The Templars in the Corona de Aragon, p. 22.
Kingdom of Jerusalem, p. 506.
350
161 Prawer,
162 Ver Jonathan
1174-1277, Londres, 1973, p.
y
163 Prawer, The Latin
~S~
164 Ibid., p. 504.
165 Jonathan Phillips.
166
167
168
169
OS TEMPLÁRIOS
em Th, Oxford Illustrated Hìstory of the Grusades, p. 116.
Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 238. Ibid., p. 383. Citado em Maalouf, The Grusades
through Arab Eyes, p. 129. Susan Edington, "Medicai Knowledge ira
the CrusadingArmies: The Evidence of Albert of Aachen and Others", em Barber (org.), The Military
Ordens: Fighting for the Faith and Garing for the Sick, p. 326.
170
Robert Irwin, "Islam and the Crusades", em The Oxford Illustrated History of the
Grusades, p. 235.
171
Citado em Barber, The New Knighthood, p. 93.
172
Ibid., p. 93.
173
Jaroslav Folda, "Art ira the Latira East, 1098-1294", em The Oxford Illustrated
History of the Grusades, p. 150.
174
Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 416.
175
Jaroslav Folda em The Oxford Illustrated History of the G'rusades, p. 416.
176
Ann Hyland, ~The Medieval Warhorse: From Byzantiurn to the Grusades, Stroud,
1994, p. 153.
177 Nieholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 117.
178 Upton Ward, The Rule of the Templars, p. 91.
179 Knowles, Ghristian Monasticism, p. 84.
180 Sail Grusading Warfare p 39
181
m, Helen Nicholson, "Before William of Tyre: European Reporta ora the Military
Ordens Deeds ira the East, 1150-1185", em Helen Nicholson (org.), TheMilitary
Ordens, vol. 2, Aldershot, 1998, p. 114.
182
Runeiman, A History of the Grusades, vol. 2, The Kingdom of Jerusalem, p. 366.
183 Barber, The New Knighthood, p. 76.
184 Smail, Crusading Warfare p 201.
185
186
Runeiman, A History of the Grusades, vol. Z, The Kingdom of Jerusalem, p. 178.
Bernard Hamilton, "Queens of Jerusalem", em
Ghurch History, Oxford, 1978, p. 157.
187
Bernard Lewis, The Assassina: A Radical Sect ira Islam, Londres, 1967, p. 27.
188
Guilherme de Tiro, Historia Rerum ira partibus transmarinisgestarum, citada em
Bernard Hamilton, "The Elephant of Christ: Reginald of Châtillon", em
Barker (org.), Studies ira Ghurch History, p. 98.
189
Runeiman, A History of the Grusades, vol. 2, The Kingdom of Jerusalem, p. 348.
190
Kamal ad-Din, citado em Lewis, The Assassina, p. 111.
191
Citado em Barber, The New Knìghthood, p. 103.
192
193
194
D. Barker (org.), Studies iu
Ver ibid., p. 104. Runeiman, A History of the Grusades, vol. 2, The Kingdom of Jerusalem, p. 398.
"The Elephant of Christ: Reginald of Châtillon", em Barker (org.),
Studies ira Ghurch History, p. 99. Sir Steven Runciman em sua History of the Grusades não faz
menção a resgate.
195 Ibid., p. 100n. 196 Citado em Barber, The New Knighthood, p. 109.
IMOTAS
197
Tyerman, Eugland and the Crusades, p. 46.
198
Runeiman, A History of the Crusades, vol. 2, The Kingdom of Jerusalem, p. 406,
nota 4.
199
Ibid., p. 448.
200
Ibid., pp. 441-2.
201
"The Elephant of Christ: Regìnald of Châtillon", em Barker (org.), Studies ira
Church History, p. 104.
202
Ibid., p. 107.
203
Pedro de Blois, citado por Michael Markowski em "Peter of Blois and the Con
ception of the Third Crusade", em Kedar (org.), The Horns of Hattin, p. 264.
204
Prawer, The Latira Kzitgdom of Jerusalem, p. 81.
205
William J. Hamblin, "Saladin and Muslim Military Theory", em Kedar (org.),
The Horns of Hattin, p. 236.
206
Smail, Crusading Warfare, p. 38.
207
Barber, The New Knighthood, p. 117.
208
Michael Markowski, "Peter of Blois and the Conception of the Third Crusade",
ira Kedar (org.), The Honras of Hattin, p. 13.
209
Mayer, The Crusades, p. 136.
210
Ver Tyerman, The Invention of the Crusades, p. 28.
211
Alfred Richard, Contes, II, p. 457, citado em Jane Martindale, "Eleanor of Aquitaine", em
Nelson (org.), Richard Goeur de Lion ira History and Myth, p.
210.
212
Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 185.
213
Tyerman, Englaudandthe Grusades, p. 58.
214
Steven Runciman, A Hútory of the Grruades, vol. 3, The Kingdom of Acre, Cambridge,
1954, p. 11.
215
Norwieh. Byaantium: The Decline and Fall, p. 129.
216
217
Runeiman, A History of the Grusades, vol. 3, The Kingdom of Acre, p. 54n. Peter W Ed bury, The
Kingdom of Gyprus and the Grusades,1191-1374, Cambridge, 1991, p.
17.
218
Runeiman, A History of the Grusades, vol. 3, The Kzizgdom of Acre, p. 73.
219
Ver John Gillingham, Richard the Lionheart, Londres, 1978, p. 161.
220
H. E. Marshall, Our Island History, Londres, p. 167.
221
J. O. Prestwich, "Richard Coeur de Lion: Rex Bellicosus", em Nelson (org.),
Richard Goeur de Lion ira History and Myth, p. 16.
222
Gillingham, Richard the Lionheart, pp. 285, 288.
223
A. Bothwell-Gosse, The Ternplars, London, 1918, p. 11. Par outro lado, Ricardo
associou esses vícios às ordens religiosas quando ordenado a abandoná-los pelo
pregador Foulques de Neuilly. Ver Runciman, A History of the Grusades, vol. 3,
The Kingdom of Acre, p. 109n.
224
Duffy Saints and Sinners, p. 110.
225
Tyerman, The Invention of the Crusades, p. 89.
226
Norman Housley, em The Oxford Illustrated History of the Grusades, p. 266.
227
Citado em Peter Partner, The Murdered Magiciaus: The Templars and their Myth,
Oxford, 1982, p. 30.
353
OS TEMPLÁRIOS
NOTAS
228
101.
Nieholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 102.
266 Citado em ibid., p.
229
Michael Gervers, "Pro defensione Terre Sancte: The Development and Exptoitation
267 Citado em ibid., p. 217.
of the Hospitallers' Landed Estate ira Essex", ira Barber (org.), The Military
Maalouf, The Crrhrades through Arab Eyes, p. 228.
Ordens: Fighting for the Faith and Garing for the Siek, p. S.
Knighthood, p. 240.
268 Citado em
269 Barber, The New
230
Nicholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Kmights, p. 131.
History of the Crusades, vol. 3, The Kingdom of Acre, p. 193.
270 Runciman, A
231
75.
Barber, The New Knighthood, p. 267.
271 Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p.
232
Forey, The Templars ira the Gorona de Aragon, p. 349.
Kingdom of Arynenia, Edimburgo, 1978, p. 110.
233
Ibid., p.351.
273
234
anc
272 T S. R. Boase, The Ciliciam
Smail, Crusading Warfare, p. 101.
Ibid., p. 48.
274
Para uma relação abrangente, ver Riley-Smith, The Feudal Nobility
235
Nieholson, Templars, Hospitallers and Terttomic Knights, p. 21.
Jerusalém 1174-1277, pp. 62-3; ou Prawer, The Latira Kingdo
Kingdom of
236
Peter W Edbury e John Gordon Rowe, William of Tyre, Cambridge, 1988,
Jerusalem, p. 404.
p. 128.
275
Citado em Riley-Smith, The Feudal Nobility amd the Kingdom of Jerusalem,
p.
237
Alan Forey, em The Oxford Illustrated History of the Crusades, p. 213.
Prawer, The Latira Kimgdom of Jerusalem, pp. 509-10.
238
Forey, The Templars ira the Gorona de Aragon, p. 136.
Kedar, Crusade and Mission: European Approaches toward
277
276
Ver
Ver BenjamIin Z.
239 Edbury e Rowe, William of Tyre, p. 148.
Muslims, Princeton, 1984, p. 157. 240 Mayer, The Crusades, p. 188.
278 Citado em ibid., p. 126. 241 Ibid., p. 189.
279 Upton Ward, The Rule of the Templars, p. 148.
242 Citado em ibid., p. 191.
280 Forey, The Templars ira the Corona de Aragon, p. 323.
243 Peter Lock, "The Military Ordens ira Mainland Greece", em Barber (org.), The
281
Citado em Forey, The Military Ordens: From the Twelfth to the Early Fourte
Military Ordens: Fighting for the Faith and Caringfor the Sick, p. 333.
244 Norman Housley, The Later Grusades, 1274-1580, Oxford, 1992, p. 153.
The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 93.
Centnries, p. 208.
282
Prawer,
245 Forey, em The Oxford Illustrated History of the Crusades, p. 189.
Jonathan Phillips em "The Latira East", em The Oxford Illustr
283
246 Jonathan Sumption, The Albigensian Grusade, Londres, 1978, p. 38.
Grusades, p. 119.
Citado por
History of the
247
Zoe Oldenbourg, Massacre at Monségur, tradução de Peter Green, Londres,
"Le Templier de Tyre", citado em Prawer, The Latira Kingdom
284
of Jerusa,
1961, p. 27.
p. 326.
248
Père D'Avrigny, citado em Ronald Knox, Enthusiasm, Oxford, 1950, p. 319.
Nicholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 30.
249
Citado em Sumption, The Albigensian Grusade, p. 53.
Knighthood, p. 230.
250
Ibid., p. 31.
Templa
285
286 Barber, The New
287 Malcolm Barber, "Supplying the Crusader States: The Role of the
251
Raimonde Reznikov, Gathares et Templiers, Portet-sur-Garonne, sal., p. 21.
Kedar (org.), The Horns of Hattin, p. 319.
252
em
Ibid., p. 13.
288 Prawer, The Latira Kàngdom of Jerusalem, p. 197. 253 Ibid., p. 46.
289 Keen, Ghivalry, p. 120.
254
Sumption, The Albigensian Grusade, p. 208.
Colonialism, p. 34.
255
290
Tyerman, The Invention of the Grusades, p. 75.
Ver Prior, The Bible and
291
Keen, Chivalry, p. 56.
256
James M. Powell, "The Role of Women ira the Fifth Crusade", em Kedar
Runciman, A History of the Crusades, vol. 3, The Kingdom of Acre,
292
p. 220.
(org.), The Honras of Hattin, p. 301.
293
Citado em Barbes The New Knighthood, p.
142.
257
Citado em Barber, The New Knighthood, p. 163.
Saint Louis, tradução de M. R. B. Shaw, Harmom
258 Citado em ibid., p. 130.
294
João de Joinville, The Life of
worth, 1963, p. 175.
259
Citado em Thomas Curtis vara Cleve, The Emperor Frederick II of Hohenstaufen,
Keen, The Penguin History of Medieval Europe, p. 133.
Immutator Mundi, Oxford, 1972, p. 64.
260
296
Joinville, The Life of Saint Lauis, p. 201.
Maalouf, The Grusades through Arab Eyes, p. 230.
297
Ibid., p. 222.
261
Van Cleve, The Emperor Frederick II of Hohenstaufen, p. 239.
Irwin, "Islam and the Crusades", em TheOxfordlllustratedHistorj
262
295
Maalouf, The Crusades through Arab Eyes, p. 230.
298
Ver Robert
lhe Crusades, p. 238.
263
Citado em Van Cleve, The Emperor Frederìck II of Hohenstaufen, p. 421.
Joinville, The Life of Saint Louis, p. 277.
299
264 Citado em ibid., p. 335.
300 Ibid., p. 288.
265 Ibid., p. 420.
301Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 414.
OS TEMPLÁRIOS
302 Mayer, The Creades, p. 253.
303 Flores Historiarm, citado em Barber, lhe New Knighthood, p. 157.
304
Ver Judi UPton- Ward, "The Surrender of Gaston", em Barber (org.), The
Military Order Fighting for the Faith and Caring for the Sick, pp. 186-7.
305
Sylvia Schein,Fidelis Crucis: The Papaey, the West, and the Recovery of the Holy Land
1274-1314, Oxbrd, 1991, p. 20.
306
James A. Brudage, "Humbert of Romans and the Legitimacy of Crusader
Conquests", em Kedar (org.), The Horns of Hattin, p. 311.
307 Schein, FidelifCrucis, p. 25.
308 Ibid., p. 41.
309
Ver peter Edóury, "The Templars in Cyprus", em Barber (org.), The Military
Ordens: Fighting for the Faith and Caring for the Sick, p. 193.
310 Barber, The Ac Knighthood, p. 176.
311 Citado em Sehein, Fidelis Crucis, p. 67.
312 Runciman, ANistory of the Crusades, vol. 3, The )~Jngdom of Acre, p. 420. 313 Citado em
Sehein, Fidelis Crucis, p. 115.
314 Ibid., pp.1256,
315 Citado em ibia,, p. 126.
316 Nieholson, T mplars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 125.
317 Norwieh, 8ykntium: The Decline and Fall, pp. 264-73.
318
Edbury, `The Templars in Cyprus", em Barber (org.), The Military Orders:
FightingfortheFaithandCaringfortheSick, p. 194.
319 Citado em Tyerman, England and the Crusades, p. 233. 320 Schein, FideliJCrucis, p. 140.
321
Citado em ibid., p. 145.
322
E. A. R. Brovn, "The Prince is Father of the King: The Character and
Childhoed OfPhilip de Fair of Franee", Medieval Studies, 49, pp. 282-334.
323
Ver Reznikov, Cathares et Templiers, p. 21; e Ives Dossat, Guillaume de Nogaret,
petit-filsd'hérétiques, Annales dá Midi, n° 212, Toulouse, outubro de 1941.
Do panegírico de Guilherme de Nogaret durante o processo póstumo contra BonifácioVIII, citado
em Malcolm Barber, TheTrialoftheTemplars, Cambridge, 1978, p. ?9.
325 Ibid., p.31 326 Bryce, Tlt Holy Roman Empire, p. 109. 327 Sophia i\lenache, Clement V
Cambridge, 1998, p. 19. 328 Ver ibid.,p. 40.
329 Ibid., p.96.
330 Schein,Telelif Cruás, p. 180.
331
Ibid., p.110.
332
333
334
335
336
337
Citado em Barber, The Trial of the Templars, p. 16. Citado em ibid., p. 48. Citado em Menache,
Glement V, p. 207. Jean de Saint.Vlctor, Prima Vta, citada em Menache,
Clernent V, p. 206. Barber, lha Thal of the Templars, p. 67. Ibid., p.'ó.
NOTAS
338 Citado em ibid., p. 100. 339 Ibid., p. 184.
340 Menache, Clement l; p. 192. 341 Ibid., p. 199.
342
James Brundage, "The Lawyers of the Military Ordens", em Barber (org.
Military Ordens Fighting for the Faith and Garing for the Sick, p. 351.
343 Citado em Barber, The Trial of the 7érnplars, p. 125.
344 Citado em ibid., p. 148.
345
Da Crônica de Guilherme de Nangis, citada em Barber, The Trial of the Tem
p. 157.
346
Ver ibid., p. 161.
347 Forey, The Military Ordens: From the Twelfth to lhe Early Fourseenth Genturies, p. 348 Ver
Barber, The Trial of the Templars, p. 206.
349
Menache, Clement V, p. 229.
350 Martin, The Templars in Yorkshire, p. 142. 351 Ibid., p. 147.
352
Citado em Barber, The Trial of the Templars, p. 202.
353
Jean de Saint Vector, p. 656, citado em Barber, TheTrialoftheTemplars, p. 2
354
Crônica de Walter de Guisborough, p. 396, citada em Menache, Glem
p. 236.
355
Forey The Templars in the Gorona de Aragon, p. 364.
356
A Crônica de Guilherme de Nazzgis, citada em Barber, The Trial of the Tem,
p. 241.
357
Ver Simonetta Cerrini, "A New Edition of the Latin and French Rule o
Temple", em Nicholson (org.), TheMilitary Ordens, vol. 2, pp. 211-12.
358 Citado em Barber, The New Knighthood, p. 316.
359 Partner, The Murdered Magiciarrs, p. 100.
360 Nieholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 94. 361 Partner, The Murdered
magicians, p. xix.
362
Barber, The New Knighthood, p. 331.
363
Ver Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln, The Holy Blood az
Holy Grail, Londres, 1982.
364
Ver Ian Wilson, The Blood and the Shroud, Londres, 1998.
365 366
367 368 369 370 371
372
Lamy, Les Templiers. Ces Grand Seigneurs aux Blancs Manteaux, p. 28. Keith Laidler, The Head of
Goda The Lost Treasure of the Templars, Londres, 1 p. 177. Ibid.,
p. 199. Andrew Sinclair, The Discovery of the Grail, Londres, 1998, p. 264. Partner, The Murdered
Magicians, p. 112. Ibid., p. 138. H. Prutz, Geheimlehre und Geheimstatreten
des Templerherren-Ordens, Berlim, 1 pp. 62, 86, 100, citado em Malcolm Barber, "The Trial of the
Templars Re ted", em Nicholson (org.), TheMilitary Ordens, vol 2.,
p. 330. H. C. Lea, A History of the Inguisition in the Middle Ages, Nova Iorque, 1 p. 334, citado em
Barber, "The Trial of the Templars Revisited", p. 329.
357
OS TEMPLÁRIOS
373
J. Favier, PhilippeleBel, Paris, 1978, p. 447; citado em Barber, "The Trial of the
Templars Revisited", p. 330.
374
Southern, Sainl Anselm, p. 153.
i
375
ee
Ver Riley-Smith, The Ferulal Nobility and the Kingdom of Jerusalern, p. 201.
376
Ver Upton-Ward, The Rule of the Templars, Artigo 573, p. 148.
377
Barber, "The Trial of the Templars Revisited", p. 331.
378
Pa rtner, The Murdered Magicians, p. 180.
379
Joinville, The Life of Saint Louis, p. 310.
380
Nicholson, Templars, Hospitallers and Dutonic Knights, p. 74.
381
David Hume, History, i, p. 209, citado em Tyerman, The Invention of the Crusades,
Indi
'
p. 111.
382
Runeiman, A History of the Crusades, vol. 3, The Kingdom of Acre, p. 480.
383
Prior, The Bibleand Colonialism, p. 35.
l,,
384
76
Jonathan Riley-Smith, "The Crusading Movement and Historians", em The
al-Kamil, sultão 213-214, 219-221, 238
Oxford Alustrated History of the Crusades, p. 7.
Ibrahim 239-240
Abraão 17-18, 22, 25, 59
385
Riley-Smith, The First Crusade and the Mea of Crusading, p. 115.
sultão 77
386
A Bíblia de Jerusalém, Livro do Apocalipse 7:15.
rei de Jerusalém 146, 153-15~
abácidas 65,
al-Mansur
Acre
Carlos de Anjou 257
Alp Arslan,
Amauri,
387
"Humbert of Romans and the Legitimacy of Crusader Conquests", em Kedar
comércio 224
163-164, 165, 171, 194
complexo do Templo 236
Amauri de Chipre 302-303
(org.a, The Homns of ~attin, p. 306.
grão-mestre 110, 13,
388
Menache, Clement V, p. 177.
389
Ibid., p. 86.
Frederico II 221-222, 238
André de Montbard,
mamelucos 250, 254, 259-262, 267-
268
146-147
an-Nasir Yusuf, sultão de Alepo 240, 246
390
Citado em Amos Elon, Jerusalem: City of Mirrors, Londres, 1989, p. 167.
259-262, 267-268
Anselmo de Canterbury 121, 122
queda de
391
Michael Gervers, "ProdefensioneTerreSancte: The Development and Exploitation
Saladino 178, 183, 185
Antioquia 76, 89-91, 92, 178,
252
of the Hospitallers' Landed Estare in Essex", em Berber (org.), The Military
Cruzada 185-188
Antioquia, principado de 97-98,
Terceira
99, 12~
Orders: FightingfortheFaithandCaringfortheSick, p. 20.
Puy 78,
259
392
Ver Schein, Fidelis Crucis, p. 245.
Ademar de Monteil, bispo de Le
82, 90, 91, 97
anti-semitismo 33, 137
393
Anthony Luttrell, "The Military Orders, 1312-1789", em The Oxfordlllustrated
imperador 29
Aragão, reino de 197, 200, 235, 258,
Adriano,
272
History of the Crusades, p. 347.
Afonso I, rei de Aragão 117, 119
304-307, 315
394 Jonathan Riley-Smith, The Atlas of the Crusades, Nova Iorque, 1991, p. 156.
Jordão, conde de Toulouse 117,
Arca da Aliança 19, 323
128, 132, 147, 149
Armando de Périgord, grão-mestre 239
395 Sire, The Knights of Malta, p. 250.
agostinianos 101, 118-119
Agostinho de Hipona 42-44, 83, 101, 106
240, 243
Armênia Cilícia 90, 99, 124, 150, 200, 224
Aimery, patriarca de Antioquia 150
281, 282
al-Ashraf 260, 262
Amoldo de Torroja, grão-mestre 169, 170
Alcorão 57, 58, 59
Ascalão 145-146, 148, 168, 176, 188, 189
alegações de bruxaria 286, 290, 292, 295298, 325-326
Afonso
assassinos 13, 148-149, 163, 189, 194, 247
250
alegações de heresia 286, 290, 295-304,
306, 308-309, 314, 325-326
ávaros 61, 62, 67
Ayyub 238, 240, 245
Aleixo Comneno, imperador bizantino 77,
ayyúbidas 201, 219, 238, 241, 246
82, 87, 88, 92
Aleixo IV Ângelo, príncipe 202
Balduíno I, rei de Jerusalém (Balduíno de
Aleixo V Ducás, imperador bizantino 203
Alexandre VI, papa 86
Alice de Jerusalém 124
Balduíno II, rei de Jerusalém (Balduíno de
Le Bourg) 88, 98, 101, 108-109, 118,
Alice, rainha de Chipre 223, 239
Alienor de Aquitânia 116, 126, 130, 131,
168, 181-182
358
ÍNDICE
ÍNDICE
Boulogne) 88, 91, 97-98, 100
123-124, 136, 147
Balduíno 111, rei de Jerusalém 132, 145,
147, 150, 151, 165
o IV, rei de Jerusalém 165, 168Filipe Augusto, rei da França 182, 186
Balduín'), 170, 171
e os templários 143, 234, 268, 281,
314, 316, 338
16~ ° V rei de Jerusalém 170
Filipe de Montfort 240
turcos otomanos 335
Baphonís 44-46
188, 191
fortalezas 123, 144, 248-249, 251
Balduín'let 286, 323
Frederico 11218, 219, 221, 238
Nablus, senhor da Transjord
igrejas 196
persas 62
,,
rousinage 69, 121
Credo de Nicéia 42
cristianismo monofisita 62
Filipe de
154, 163
bárbaro.
al-Malik az-Zahir Rukn ad-Din
França (Filipe, o B
Malta 339
Cruzada Albigense 204-210
Baibars~, 250-254, 259
mamelucos 251, 253, 260, 268
277, 279-281, 283-285, 287-;
24i'm°s 70, 103, 121, 195, 210
315, 317-319, 330
mongóis 249
ver tambérrr cátaros
272-
cruzadas 328-329, 335-341
312-
benedit também beneditinos cluniacenses
queda de Acre 261, 268
Albigense; ReconFilipe, rei da França 83
ver finos cluniacenses 72, 78, 103
233, 267
rendição a Saladino 178
benedil~e Núrsia 50-53, 70, 103, 112
Francisco de Assis 213, 216, 218, 233
Bento G Tomás 249
Sicília 200
Rudes 269, 335
Luís IX 241-249
Bérard~o de Clairvaux 103-105, 107, 11086-94
classe de guerreiros 80, 88
Bernar 1, 113, 114-115, 121, 125-129, 134211, 328
Clóvis 45
13 )o de Trémélay, grão-mestre 145126-135
Império Romano 44
vertall,: ' --- Cruzada
quista
franciscanos 195,
Frederico 11214, 218-222
francos 55
Terceira Cruzada 188
cavaleiros 112
11 5
Celestino V, papa 271, 276, 278, 293, 294
estilo de vida no ultramar 136-13
Filipe IV, rei da
Primeira Cruzada 83, 85,
Quarta Cruzada 201-204,
Quinta Cruzada 211-213, 221
celibato 48, 106, 111, 205
Segunda Cruzada
Bernart 6
67
Cesaréia 21, 25, 27, 28
Terceira Cruzada 182-192
invasão da Catalunha
14 d de Blanquefort, grão-mestre 147,
Chartres, Concílio de (1150) 135 ,
Rocha 66, 93, 100, 140, 144,
promoção do cristianismo
Cúpula da
54-55
Bertradl~ 154
Chipre 150-151
177,221,222
15(ido de Taranto 88, 89, 91, 97, 98,
2
Frederico I, imperador do Sacro Imp
Luís IX 242
Romano 183-184
templários 189, 200, 257, 269, 270-
Daimbert, patriarca de Jerusalém
97, 101
Boemu
Frederico II, imperador do Sacro Imp
Idpdo II, príncipe de Antioquia 124
133, 168, 220,
Romano xii-xiii, 12,
271, 302-303
Damasco 108-109,123,132-
199, 213,
Boemu fido III, príncipe de Antioquia 153,
240, 249
222, 223, 235, 238, 241, 249
7
Boemu
Terceira Cruzada 186
cistercienses 103-105, 111-112, 121, 125,
Davi 19, 25
Damieta 213, 214, 233, 243, 245
Foulques de Anjou 80, 102, 108-109,
1dÃo VIII, papa 271, 275-278, 279,
195, 207, 210
BonifO, 292-294, 330
Citeaux, Abadia de 103, 104-105
Foulques, patriarca 199
2?-io, marquês de Montferrat 203
Gusmão 207, 218, 233, 285
Bonifá~
252
145, 147
Doação de Constantino 72
Clairvaux, Abadia de 103, 105, 107
Clemente V, papa 279-284, 286, 288-289,
'6-57, 58, 59
222, 238, 239-
Domingos de
Gaston 124, 152, 178, 200, 224,
291-295, 302-303, 309, 311, 313, 317,
Edessa 91, 97, 98, 99, 126
Geoffroy de Saint-Omer 120
Caaba 57
319, 330
Eduardo I, rei da Inglaterra 254, 256, 260,
II 102
Clermont, Concílio de 81, 83
Margines 249, 250
267, 271, 274, 279, 281
Geoafdoy de
Cadija
Gérard de Ridefort, grão-mestre 121,
Calistdíh rei de Nápoles 279, 303
315
Clóvis 45, 50, 53
Ntagno 67, 71
171, 173-174, 176, 178
Carlos
Cluny 70-71, 79, 80, 105
Eduardo II, rei da Inglaterra 307-310,
Egito 201, 212-213, 238-240, 243, 246,
gnosticismo 38
Carlos conde de Anjou 252, 253, 256, 257250
comunidades de templários 116,196,198
Carlos4~8, 259
cônegos do Santo Sepulcro 119, 194
ï8 o de Bouillon 88, 89, 92, 97
2~ ~nos 68, 80
201, 204
empréstimo de dinheiro 197
Conradino, rei de ,Jerusalém 249, 253
cartux,
186-187, 189
casam' Peregrino 212, 219, 235, 237, 250,
Gre ório IX,
218-219, 224, 235
eremitas 49-50, 205
Estêvão de Otricourt 245
Estêvão Hardin 104-105, 110, 322
godos 52
Gregório I (o Grande), papa 47, 52
Comado II, rei daAlemanha 132,133,135 ~
Casteli,3, 269
Conrado III, rei da Alemanha 128-131
2i> e fortalezas 144, 152, 198, 237, Contado,
God i
Enrico Dandolo, doge de Veneza
carolíd'lls 104, 236
Conrado de Montferrat 178,183, 184-185,
Godofredo de Saint-Omer 101, 109, 1
unto 48, 60, 106
249-
Estêvão VI, papa 69
g
g
papa
rei de Jerusalém 218, 223, 239, Estêvão, conde de Blois 88, 89, 91Gregório VII, papa 74, 78, 82
castelt~l8
181
246, 249
Eugênio III, papa 126, 127, 129, 134, 135
Gregório VIII, papa 180-
2, 194, 204-210, 241, 274, 323, 325
Constança, princesa deAntioquia 131,148,
32, 33, 38, 48
Gregório X, papa 255-257
cátaro~ros do Hospital de São João 11888, 93
Gualtério de Brienne 240
150, 153, 167
Eusébio
Eustáquio, conde de Boulogne
CavalE 9
Constantino, imperador 39-41, 49, 72
Gualtério de Mesnil, 163-164
1 !~ub 238
Constantinopla
Everardo de Barres 116,129, 130-131,135
Gualtério Sem-Haveres 86, 87
A icarrota 147, 154
cruzadas 88, 203, 281
Guido, rei de Jerusalém (Guido de
Fakhr ad-Din 219, 243, 244, 245
b,aIno funcionários civis 199
171-176, 178, 184, 185, 1
fariseus 23, 24, 26, 30
c~izada Albigense 209
zrn
fundação 41
Islã 63
fatímidas 65, 76, 92, 149, 153, 166
361
Guilherme de Beaujeu 256-257, 259-261,
268
Guilherme de Burres 108, 123
Guilherme de Chartres, grão-mestre 212
Guilherme de Nogaret 274, 277, 284, 289,
292, 294-295, 313, 325
Guilherme de Sonnac 243-244, 245
Guilherme de Tiro 145-146,148,154,164,
169, 194, 199, 202, 223
Guiscard, Roberto 77, 88
Hasan-Sabah 149, 163
Hattin, batalha de 175
Henrique I, rei da Inglaterra 109, 116
Henrique II, rei da Inglaterra 168, 170,
174, 177, 180, 181-182
Henrique JI, rei de Chipre 258, 260, 261,
270, 303
signan)
189
Henrique IV, imperador do Sacro Império
Romano 73, 88
Henrique VI, imperador do Sacro Império
Romano 191
Heráclio, imperador bizantino 61, 62
Heráclio, patriarca 169, 171, 177
Hermann de Salza 199, 218, 219, 221
Herodes Agripa 135
Herodes, o Grande 20, 22-25
Hildebrando ver Gregório VII
Hircano, rei da Judéia 20, 23
homossexualidade 122, 217, 235, 286-287,
291, 297, 306, 315, 325-326
Honório III, papa (cardeal Savelli) 199,
211,215,217,218
hospitalários ve-Cavaleiros do Hospital de
São João
Hugo de Payns 101-103, 108-111, 114,
116, 120, 123, 125, 323
Hugo de Vermandois, conde 88
Hugo, conde de Champagne 100, 102,110,
120, 322
Hugo, rei de Chipre 257, 258, 270
Humphrey de Toron 166, 171, 175, 185,
186
Iftikhar 92, 93
Igreja do Santo Sepulcro 140 conquista islâmica de Jerusalém 66 Frederico 11221 igrejas baseadas
na 196
ÍNDICE
ÍNDICE
peregrinação à 80, 83, 100 Primeira Cruzada 93 reconstrução (1149) 141
Império Bizantino 43, 55 Chipre 150 cruzadas 88-89, 92, 130, 133, 184, 202203 Filipe IV 281
Islã 59, 61-62, 76
Itália 72, 74, 77 rivalidade com o papado 75 turcos seldjúcidas 82,149
Império Romano 20-23, 30, 39-40, 44-46,
51
Inab, batalha de (1149) 149
Inocêncio II, papa (Gregório Papareschi) 119, 125, 200
Inocêncio III, papa 193-194, 199-200, 201
202, 207-208, 209, 211, 214
Inquisição 285, 288, 291, 295, 308, 325
Iolanda, rainha de Jerusalém 212, 218, 238
Isaac Ducás Comneno, príncipe de Chipre
186
Isabel, rainha 185, 189
Islã ver também muçulmanos Abraão 18 conversão forçada ao 329 divisão do 61 fundação do 5666
Império Bizantino 75-77 mapa 63
islamismo sunita 61, 64, 77
islamismo xiita 61, 64, 148
Jacques de Mailly, marechal do Templo
173
Jacques de Molay 271, 282-284, 286-288,
295-297, 304, 310, 318
Jacques de Vitry 211, 233-234
Jaime I, rei de Aragão 236, 256
Jaime II, rei de Aragão 305-307, 312, 313,
315
Jean Michel 111
Jerusalém 140 conquista islâmica 66 conquista persa 62 cristãos primitivos 40
cruzadas 92-93, 188, 201, 213, 220221, 223 domínio latino 136-139 Império Romano 20-27, 29, 33,
40 Maomé 58 peregrinações a 79-80, 83, 100, 102 primórdios da história
17-28 Saladino 177 sécuL vy 336, 341 Jerusalém, reino ,.97-98, 99 Jesus Cristo 29-34, 40, 59 Joana
de Navarra 273 João Batista 30, 31, 32 João Cassiano, 50, 51 João
de Brienne (rei de Jerusalém) 212214, 218, 219, 223 João de Giubelet 250 João de Ibelin 222, 223,
235, 250 João de Joinville 241-242, 244, 245-246, 247, 327 João
de Villiers 261, 268 João VIII, papa 69 João X, papa 69 João XI, papa 69-70 João XII, papa 71 João
XXII, papa 292, 316 João, rei da Inglaterra 188, 191, 199 Josefo
20, 23, 27-28, 32 judaísmo vertambém judeus Abraão 18 anti-semitismo 33, 137-138 Jesus Cristo
29-35 mundo greco-romano 21 primórdios da história 18-19 judeus ver
também judaísmo e cristãos primitivos 42 e o Islã 58, 59, 62 Estados cruzados 137 Primeira
Cruzada 86-87, 93 Juliano, o Apóstata 41-42, 66 Justiniano, imperador
52, 61, 90
Kerbogha de Mossul 90
Knowles, Dom David 107
Lã Forbie, batalha de (1244) 240, 250
Lança Sagrada 91
Languedoc,cátaros 206-209,241
Leão 1, papa 46
Leão 111, papa 55, 64
Leão IX, papa 74
Leão, príncipe da Armênia Inferior 20i
Leopoldo, duque daÁustria 184,187,1
Luís da Baviera, duque 213
Luís IX, rei da França 241-249, 252, 2 273, 275
Luís VII, rei da França 126-127, 129, 1 135, 168, 181, 202
Luís VIII, rei da França 209
Lyon, Segundo Concílio de (1274) 25f
Malta 339
mamelucos 244, 246-247, 250-252, 2 262, 267-268, 272, 281
maniqueístas 206
Mansurá 243-245
Manuel Comneno, imperador bizant 130, 133, 150, 151, 167
Manzikert, batalha de 77, 83, 329
Maomé 56-61
Marco Antônio 21
Margarida da Provença 241-242, 243, 2 247
Maria, mãe de Jesus 144
Mariamna (segunda mulher de Herod 23-24
Martinho de Tours 50, 72
Martinho IV papa 258, 270
Massada 21, 25, 28
Mayeul de Cluny, abade 70, 79, 81
Meca 56-59, 172
Melissanda, rainha de Jerusalém 108-1i 132, 134, 147, 149
merovíngios 54, 68, 80, 322
mesquita al-Aqsa 66, 139, 140, 177
Messias do judaísmo 25, 29, 30, 31, 34, 6
mestres 113, 121, 141
vertambém nomes individuais
Miguel VIII Paleólogo, imperador biz~ tino 255
Milícia da Fé de Jesus Cristo 209
MilitesTempli (1144) 125-126
MilitiaDei (1145) 125
Moisés 18-19
monasticismo 47-55
ÍNDICE
mop~óis 243, 248,249-250, 254, 267, 272,
>77, 2$1
moq~anista5 38
Paganismo
Pacômio 49
mop~e do 'fbmpla140
der tamkán mesquita ai-Aqsa; Cúpula
da Rocha;templo de Salomão
Wificios dos terrlplários 138-139
17reder0 11220
Ma%é 59
beregrinos 100
ialadi00 177
§antuá(io Islâmico 66
Mona Alberto dever Gregório VIII
muç,almanOs 64
ber ta0ém Islã
ameaça a Roma 75
ataques a peregrinos 100, 102
convefsão aocristianismo 224
EstadOs cruzados 136-139
França 71
Nie~Sia, Primeira Cruzada 89
NiQÇ)lau IV papa 258, 267, 268-269
Nip
br, Ra1Ph 195
norrnarldo9 73-75 77, 88, 91
Nur ed-Dín 151,153-154, 165-167, 177
Odcracro 4'1
~~qm de Lagery ver Urbano II
qm de Saint-Amand, grão-mestre 163,
168
~~ÇIn Poilechienz58
k>n, abade de Cluny 70
Orar, califa 61, 66, 93, 336
O»te datiA Optimrem (1139) 125, 163, 200
Orem dos Cavaleiros Teutônicos 184
e os dmplaqos 143
fortalezas na palestina 212, 248
Frederico 11218 219, 221
La Fotbie 240
mamelucos 254, 260
mona°IS 249
mudança pata a Prússia 269, 337
Ori,.genes38, 48
osCkogodaç 43, 4$
ótç,n I (oGrande) duque da Saxônia 71,
75
ÍNDICE
Império Romano 21, 24, 29, 36-37, 41, 46 mártires 53 norte da Europa 67 tribos árabes 56, 58
Palestina conquista islâmica 6` conquista persa 61 domínio latino 136-137
fortalezas dos templários 123,152, 248 Império Romano 20-28, 30, 32-37 língua árabe 65
peregrinações à 100, 102 primórdios da história 18-19 século XX 340 papado
conflitos com governantes seculares 71-72 cristianismo primitivo 46-47 desintegração do império
de Carlos Magno 69-70 Doação de Constantino 72 e o Império Bizantino
75-78 pacto franco 54-55 privilégios das ordens militares 125, 194, 199, 236, 271 supremacia do
277 Papareschi, Gregório ver Incêncio II partos 20 23 Paulo de Tarso
35-36, 38, 47, 122 Payen de Montdidier 116 pedreiros-livres 321 Pedro de Bolonha 297-299, 301,
302 Pedro de Capitólia (eremita) 65 Pedro de Montaigu, grão-mestre
213, 222 Pedro de Rovira 116 Pedro de Sevrey 262 Pedro II, rei de Aragão 208, 210 Pedro, o
Apóstolo 38, 46 Pedro, o Eremita 86, 87, 89, 90 Pedro, o Venerável 105,
134 Pedro, São 35, 39 Pelágio de Santa Lúcia, cardeal 213-214, 221,223,234,243 Pepino, o Breve
54 Pepino, rei 72 peregrinação 79-80, 92, 100, 102
período do Evangelho 29-36 Pérsia, conquista islâmica da 61 Piacenza, Concílio de 78, 82 Pietro dei
Morrone 276, 293 Pobres Soldados de Jesus Cristo 101-102, 322-323
Poitiers, batalha de 64, 67 Pôncio Pilatos 24, 30, 33 Portugal 117, 119, 235
Qalawun 259-260
Quantrempraedecessores (1145) 126-127
Raimundo Berenguer IV, conde de Barcelona 117, 119 Raimundo de Le Puy 118, 145 Raimundo de
Poitiers 131, 132, 148, 153 Raimundo de Saint-Gilles, conde de Toulouse
79, 88, 89, 91, 92-93, 97, 190 Raimundo II, conde de Trípoli 148-149 Raimundo III, conde de Trípoli
164, 165, 167-168,170-171,173 Raimundo VI, conde de Toulouse
208, 209, 210 Raimundo VII, conde de Toulouse 210 Reconquista 67, 118, 119, 233, 235, 329, 335,
338 Reinaldo de ChâtiLlon 149-150, 151, 167, 168, 171-172, 175, 181
Reinaldo de Provins 298, 301 Reinaldo de Spoleto 219 Reinaldo de Vichiers 246, 249 regra de vida
111-114, 141-143, 234 relíquias 40 Ricardo Coração de Leão 181-182,
185192,193 Ricardo Flangieri 223, 236, 239, 326 riqueza 195-196, 235-236 benefícios 116, 120,
196-197 confisco de 313-315 Inglaterra 307 lendas relativas à 322-323
serviços financeiros 199 Roberto de Craon, grão-mestre 125 Roberto de Flandres 92 Roberto de
Molesme 103-104 Roberto de Sablé, grão-mestre 186, 189, 191 Roberto
II, conde de Flandres 88
Roberto, conde de Artois 243, 2250
Roberto, duque da Normandia 88 Roche Ia Roussel 124 Rodes 269-270, 335, 339 Rogério de Flor
261, 269-270 Rogério de Mowbray, conde da P bria 196 Rogério de San Severino
257 Rogério des Moulins, grão-mestre pitai 169, 173 Rogério II, rei da Sicília 125, 128, 1 Rolão 67,
73 Roma conquistas islâmicas 64, 69 cristãos primitivos 42 Doação
de Constantino 72 godos 52 papado primitivo 46-47 Ruad 263, 270, 271, 272
Sacro Império Romano 71 saduceus 24, 26, 30 Safed 152, 250-251, 252 Saladino 165-179, 183,
187-188, 1 Salimbene 214, 216, 217 Salomão 19 Salomé 24 Sanders, E. P
31 Santiago, Ordem de 117, 338 Santo Graal 322, 323 Saphet248 sarracenos ver ayyúbidas; fatímic
melucos; muçulmanos; turco: cidas saxões 54, 67 segredo 195, 286,
303, 308, 314 serviços financeiros 199 Sibila, rainha de Jerusalém 171, 1' Sicília 73-75, 77, 214,
253, 258 Simão de Montfort 201-202, 208, 2 211 Simeão EstiLita
49 Sinan (Velho da Montanha) 154,1 f sistema feudal 68-69, 98, 137 Suger de Saint-Denis, abade
126, I
Tancredo 88, 90, 93, 98, 136
Tancredo, rei da Sicília 185
ÍNDICE
templarismo 321-324 Templo de Londres 197 Templo de Paris 129, 197, 324 Templo de Salomão
17-28 destruição pelos romanos 27, 33 Pobres Soldados de Jesus Cristo 101
profanação por Pompeu 20, 21 profecias de Jesus 33 reconstruído por Herodes 22 tesouro
enterrado 323 Teobaldo Gaudin 262, 271 Teodósio, imperador 42 Tertuliano 37,
38, 47 Thoros, rei da Armênia Cilícia 150 Tiberíades 174 Tiro 27 Tomás Becket 169 Trípoli, condado
de 97, 98, 99 Troyes, Concílio de 109,110,114,123,141 turcos khwarezmitas
240 turcos otomanos 335, 336, 339 turcos seldjúcidas 77, 79, 82 Império Bizantino 149 Primeira
Cruzada 88, 89-90
Segunda Cruzada 130, 132
Terceira Cruzada 184
ultramar 97-115, 136-164, 237 ver também Palestina Urbano 11, papa (Odon de Lagery) 78-79, 8083, 91, 97, 103, 104 Urbano 111, papa 180 Urbano IV, papa 199 Usamah
Ibn-Munqidh 136, 138-139, 147, 327
vassalagem 68-69, 98 vau de jaboc 168 Verdadeira Cruz 40, 61,175,176,187, 214 vestuário 112,
113, 142 Vienne, Concílio de (1311) 310-315 viquinques 68, 74 visigodos
44, 46, 47 Vítor, bispo de Roma 39
Walter Map 164, 195, 234
zelotes 26, 28 zoroastrismo 204
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