Piers Paul Read OS templários 1. Templários - História. I. Título. II. Série. 00-1475. CDD - 271.7913 CDU - 271.024 Reservados todos os direitos. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida por fotocópia, microfilme, processo fotomecãnico ou eletrônico sem permissão expressa da Editora. 2001 (MAGO EDITORA Rua Santos Rodrigues, 201-A-Estácio 20250-430 - Rio de Janeiro - RJ Tel.:(21)5029092 - Fax: (21)502-5435 E-mail: [email protected] vdww.imagoeditora.com.br Impresso no Brasil Printed'in Brazil Agradecimentos Mapas Prefácio Primeira Parte: O Templo 1 O Templo de Salomão 2 ONovoTemplo 3 O Templo Rival 4 O Templo Reconquistado Sumário Segunda Parte: Os Templários 5 Os Pobres Soldados de Jesus Cristo 6 Os Templários na Palestina 7 O Ultramar 8 Saladino 9 Ricardo Coração de Leão 10 Os Inimigos no Lado de Dentro 11 Frederico de Hohenstaufen 12 O Reino de Acre 13 Luís da França 14 A Queda de Acre Parte Três: A Queda dos Templários 15 O Templo no Exílio 16 O Ataque ao Templo 17 A Destruição do Templo 17 29 56 67 97 116 136 165 180 193 211 231 241 255 267 279 302 OS TEMPLÁRIOS Epílogo: O heredicto da História Apêndices 320 Agradecimentos As Cruzadas Posteriores 335 Grão-Mestres do Templo Bibliografia Notas 347 Índice 359 342 343 Sou grato pela autorização para reproduzir trechos de The Je=h Irar (A Guerra dos Judeus), de Josefo, com tradução e introdução de G. A. Williamson, Penguin Books, 1959 (Copyright © G. A. Williamson, Penguin Books, 1959); The Rude of the Templars (A Regra dos Templários), de J. M. Upton Ward, The Boydell Press, 1992 (Copyright © J. M. Upton Ward, 1992); e TheMurderedMagicians (O Assassinato dos Magos), de Peter Partner (Copyright © Peter Partner, 1981), com permissão de A. M. Heath & Co. Ltd em nome do professor Peter Partner. Mapas 1 O apogeu do Islã 63 Z A cristandade ao tempo da Primeira Cruzada 3 A França ao tempo da Primeira Cruzada 85 84 4 Ultramar 99 5 Jerusalém e o monte do Templo no século XII 140 6 Principais fortalezas dos templários na Síria e na Palestina 7 Comunidades e castelos dos templários no Ocidente em meados do século XII 160 198 Prefácio Quem eram os templários? Uma das concepções sobre essa ordem militar origina-se dos romances de Sir Walter Scott. Brian de Bois-Guilbert, o cavaleiro do Templo em Ivanhoé, é um anti-herói demoníaco, "valente como os mais intrépidos de sua Ordem, mas com a mácula de seus costumeiros vícios, orgulho, arrogância, crueldade e luxúria: um homem insensível, que não teme nem a terra nem o céu". Os dois grão-mestres da ordem não são muito melhores. Giles Amaury, de O Talismã, é traiçoeiro e malévolo, ao passo que Lucas de Beaumanoir, de Ivanhoé, é um fanático hipócrita. Em compensação, na ópera Parsifal, de Wagner, cavaleiros semelhantes aos templários aparecem como os castos guardiães do Santo Graal.' O libreto, do século XIX, baseou-se no poema épico do século XIII de Wolfram von Eschenbach, no qual os Templeisen têm apenas semelhança superficial com os templários, mas o germe de realidade foi suficiente para persuadir as gerações futuras de que há verdade na ficção. Assim, no imaginário do século XIX, os personagens brutos e depravados de Ivanhoé e O Talisvaã coexistiam com a valorosa confraria de Parsifal. No século XX surgiu uma imagem mais sinistra dos templários como os protótipos dos Cavaleiros Teutônicos, os quais, no 6m da década de 30, serviram de modelo histórico para as SS de Himmler. Em associação com uma percepção comum dos cruzados como um antigo exemplo de agressão e imperialismo da Europa Ocidental, os templários passaram a ser vistos como fanáticos brutais que impunham uma ideologia pela espada. Ou, antes pelo contrário, diz-se que eles se desencaminharam de seu compromisso com a causa cristã em virtude de seu contato com o judaísmo e o islamismo no Oriente, fundando uma sociedade secreta de iniciados por meio da qual os arcanos mistérios do antigo Egito, transmitidos aos maçons do Templo de Salomão, foram passados às lojas maçônicas dos tempos modernos. Também * Esses cavaleiros são os TPJ71pIPlsPI1. (N. do 'E) OS TEMPLÁRIOS se afirmou que os templários foram infiltrados pelos heréticos cátaros após a Cruzada Albigense; que através dos séculos protegeram os descendentes reais de uma união entre Jesus e Maria Madalena; que seu estupendo tesouro foi descoberto por um padre no Sudoeste da França no século XIX; e que eram os guardiães de relíquias fabulosas, entre as quais a cabeça embalsamada de Cristo e o Sudário de Turim. Meu objetivo neste livro foi revelar a verdade sobre a Ordem, evitando a especulação fantasiosa e registrando apenas o que a pesquisa de historiadores bem-conceituados estabeleceu. Estruturei a narrativa numa perspectiva ampla: as histórias dos templários que começam com a fundação da ordem por Hugo de Payns em 1119, ou mesmo com a proclamação da Primeira Cruzada no Concílio de Clermont em 1095, muitas vezes pressupõem um conhecimento que o leitor comum talvez não possua. A meu ver, é difícil entender a mentalidade dos templários sem examinar a importância atribuída ao Templo em Jerusalém pelas três religiões monoteístas - o judaísmo, o cristianismo e o islamismo - e sem recordar por que ele tem sido objeto de conflito desde o começo do registro da história até os nossos dias. Há outras questões pertinentes, às quais só se pode responder fazendo-se um exame retrospectivo desde os primórdios do período medieval até o turbilhonaste caos da Idade das Trevas. Num tempo em que se sugeriu que o papa se desculpasse pelas cruzadas, é conveniente examinar os motivos que levaram seus predecessores a iniciar essas guerras santas. Aqueles que já conhecem a história das cruzadas terão a impressão de que parte do que escrevi é repetitiva; mas ao recontá-la tirei proveito das pesquisas de uma nova geração de historiadores das cruzadas. Minha dívida para com esses e outros estudiosos ficará patente a qualquer leitor deste livro. Também senti que valia a pena narrar de novo o que um cronista da época denominou "Feitos de Deus por intermédio dos francos", não apenas por seu interesse intrínseco, mas também por sua relevância para os dilemas com que somos confrontados hoje em dia. Os templários eram uma força multinacional empenhada na defesa do conceito cristão de uma ordem mundial, e sua extinção assinala o momento em que a busca do bem comum dentro da cristandade passou a subordinar-se aos interesses do Estado nacional - processo que a comunidade internacional está agora procurando inverter. Existem extraordinários paralelos entre o passado e o presente na história dos templários. No imperador Frederico 11 de Hohenstaufen encontramos um governante cuja amoralidade idiossincrásica remete a Nero no passado remoto e a Hitler em tempos mais recentes. O conceito medieval de PREFÁCIO um Sacro Império Romano era notavelmente semelhante às aspirações, para a União Européia, daqueles que a criaram. Os assassinos na Síria são descendentes dos sicários judeus e ancestrais dos homens-bombas do Hezbollah. A atitude de muitos muçulmanos do Oriente Médio para com o moderno Estado de Israel é muito parecida com a de seus ancestrais para com o reino cruzado de Jerusalém. Poder-se-ia perguntar quantos líderes árabes, de Abdul Nasser a Sadam Hussein, ansiaram por tornar-se um Saladino dos nossos dias, derrotando os invasores infiéis em outra Hattin, ou, a exemplo do sultão mameluco al-Ashraf, fazendo-os recuar para o mar. Expresso aqui minha gratidão a todos os historiadores cujas obras me ensinaram o que sei acerca dos templários. Gostaria de agradecer em particular ao professor Jonathan Riley-Smith o incentivo inicial e os conselhos, e ao professor Richard Fletcher a leitura dos originais e o fato de ter-me chamado a atenção para vários erros. A nenhum desses historiadores devem ser imputadas as deficiências de minha obra. Gostaria de agradecer, ainda, a Anthony Cheetam, quem primeiro sugeriu que eu deveria fazer alguma coisa na área de história e propõs um livro sobre os templários; ao meu agente, Gillon Aitken, por me instar a levar a cabo o projeto; à minha editora, Jane Wood, o seu estímulo constante e inestimável trabalho na primeira versão do texto; e a Selina Walker a ajuda nos mapas e nas ilustrações. Também sou grato a Andrew Sinclair, que me emprestou sua coleção de livros sobre os templários; a Charles Glass por meter feito conhecer as memórias de Usamah Ibn-Munqidh; e à Biblioteca de Londres e aos seus funcionários pela prestimosa ajuda na minha pesquisa. 13 przírneírza parzrte 0 TEMPLO O Templo de Salomão Nos mapas desenhados em pergaminho na Idade Média, Jerusalém figura como o centro do mundo. Era então - e ainda é - a cidade sagrada de três religiões: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Para cada uma delas, Jerusalém era palco de importantes acontecimentos que estabeleciam o vínculo entre Deus e o homem-o primeiro dos quais foram os preparativos de Abraão para o sacrifício de seu filho, Isaac num afloramento de rocha agora oculto por uma cúpula dourada.' Abraão era um nômade rico originário de Ur, na Mesopotâmia, que cerca de 1.800 anos antes do nascimento de Cristo, por ordem de Deus, mudou-se do vale do Eufrates para o território habitado pelos cananeus situado entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo. Ali, como recompensa por sua fé no Deus único e verdadeiro, foi contemplado com aquela terra "em que jorram leite e mel" e prometeu uma prole incontável para povoá-la. Abraão estava destinado a ser o pai de uma multidão de nações, e, para selar seu pacto, ele e todos os homens de sua tribo tiveram de ser circuncisados, prática que deveria continuar "geração após geração". Essa promessa de posteridade era problemática, porque Sara, a mulher de Abraão, era estéril. Quando se deu conta de que passara da idade de engravidar, Sara convenceu Abraão a gerar um filho em Hagar, sua serva egípcia, que no devido tempo deu à luz Ismael. Alguns anos mais tarde, enquanto Abraão estava sentado à entrada de sua tenda, no maior calor do dia, surgiram três homens, os quais lhe disseram que Sara, então com mais de 90 anos, teria um filho. Abraão riu, e Sara também julgou tratar-se de um gracejo. "Agora que estou velha e velho também está o meu senhor, terei ainda prazer?` Mas verificou-se que a profecia estava correta: Sara concebeu e deu à luz Isaac. Ela então se voltou contra Ismael, a quem via como um concorrente à herança ` Referência à Cúpula da Rocha, mesquita de grande beleza construída em Jerusalém durante o período omíada. (N. do T) 17 OS TEMPLÁRIOS de Isaac, e pediu a Abraão que mandasse o menino e a mãe embora. Deus tomou o partido de Sara, e Abraão, sempre submisso às ordens de Deus, mandou Hagar e Ismael para o deserto de Bersabéia com um pouco de pão e um odre de água. Quando a água acabou, Hagar, que não suportaria ver o filho morrer de sede, pensou em abandoná-lo sob um arbusto. Mas Deus guiou os passos dela até um poço e prometeu que seu filho fundaria uma grande nação no deserto da Arábia. Depois desses acontecimentos, Deus pôs Abraão a uma derradeira prova, ordenando-lhe que oferecesse "teu filho, teu único, que amas, Isaac (...) em holocausto sobre uma montanha que eu te indicarei". Abraão obedeceu sem hesitar. Levou Isaac ao lugar indicado por Deus, um afloramento de rocha no monte Moriá, empilhou a lenha nesse altar improvisado e colocou Isaac deitado sobre ela. Mas no momento em que tomou da faca para matar o filho, recebeu ordem para não fazê-lo. "Não estendas a mão contra o menino! Não lhe faças nenhum mal! Agora sei que temes a Deus: tu não me recusaste teu filho, teu único. (... ) porque me fizeste isso (...), eu te cumularei de bênçãos, eu te darei uma posteridade tão numerosa quanto as estrelas do céu e quanto a areia que está na praia do mar (...). Por tua posteridade serão abençoadas todas as nações da terra, porque tu me obedeceste."Z Terá Abraão de fato existido? Em tempos modernos, os pontos de vista acadêmicos acerca de sua historicidade têm oscilado entre o ceticismo de exegetas alemães, que o descartaram por considerarem-no uma figura mítica, e opiniões mais positivas, resultantes de descobertas arqueológicas na Mesopotâmia.; Na Idade Média, contudo, ninguém duvidava de que Abraão tivesse existido, e quase todas as pessoas que viviam entre o subcontinente indiano e o oceano Atlântico afirmavam que descendiam desse patriarca de Ur-os cristãos, de forma figurada; os muçulmanos e os judeus, literalmente. Os judeus tinham um registro genealógico para provar isso: a compilação de textos judaicos reunidos na Torá que contam a história dos descendentes de Abraão. Por volta de 1300 a.C., de acordo com esses registros, a fome fez com que os judeus deixassem a Palestina e fossem para o Egito, onde foram acolhidos como hóspedes pelo ministro-chefe do faraó, o judeu José, que na juventude fora abandonado no deserto por seus invejosos irmãos para ali morrer. Mas após a morte de José e a ascensão ao trono de um novo faraó, os judeus foram escravizados e usados como mão-deobra forçada na construção da residência do faraó Ramsés em Pi-Ramsés. Moisés, o primeiro dos grandes profetas de Israel, tirou os judeus do Egito e levou-os para o deserto. Aí, no monte Sinai, Deus transmitiu-lhe O TEMPLO DE SALOMÃO seus mandamentos, gravados em tábuas de pedra. Para guardá-las, os judeus fizeram uma uma portátil à qual chamaram Arca da Aliança. Após muitos anos vagueando pelo deserto do Sinai, finalmente chegaram à terra prometida de Canaã. Em punição por uma transgressão passada, Moisés teve permissão de vê-la apenas a distância. Coube a seu sucessor, Josué, a reivindicação do direito de primogenitura dos judeus. Entre 1220 e 1200 a.C. eles conquistaram a Palestina, mas a luta com os habitantes autóctones não foi justa, pois Deus tomou o partido dos judeus. Sua vitória nunca foi absoluta: eram constantes as guerras com as tribos vizinhas dos filisteus, dos moabitas, dos amonitas, dos amalecitas, dos idumeus e dos arameus. Mas os judeus sobreviveram devido ao seu destino único, embora ainda indefinido. O casamento entre Deus e seu povo eleito não foi nada fácil. Ele era um Deus ciumento, que se irava quando os judeus se voltavam para outros deuses ou infringiam o rígido código de comportamento que lhes fora imposto - rituais exigentes e complexas leis resultantes dos Dez Mandamentos que Moisés recebera de Deus no cume do monte Sinai. Os judeus, por seu turno, eram volúveis: afastavam-se de Deus para cultuar ídolos como o Bezerro de Ouro' ou deuses pagãos como Astarte e Baal,s e tratavam mal os profetas enviados por Deus para puni-los. Até mesmo os reis, os ungidos de Deus, eram pecadores: Saul desobedeceu à ordem de Deus para exterminar os amalecitas,1 e Davi seduziu Betsabéia, mulher de Urias, o hitita, e mais tarde deu as seguintes instruções a Joab, o comandante de seu exército: "Coloca Urias no ponto mais perigoso da batalha e retirai-vos, deixando-o só, para que seja ferido e venha a morrer". Na virada do primeiro milênio antes de Cristo, Davi conquistou Jerusalém a seus habitantes originários, os jebuseus. Abaixo da cidadela, no monte Moab, nas imediações do local escolhido por Deus para o sacrifício de Isaac por Abraão, existia uma eira de propriedade do jebuseu Onã. Por ordem de Deus, Davi comprou-a para que ali se erguesse um templo para abrigar a Arca da Aliança. Davi reuniu o material para o Templo, cuja construção foi afinal empreendida por seu filho Salomão por volta de 950 a. C. O reinado de Salomão marcou o apogeu de um Estado judeu independente. Após sua morte, Israel foi conquistado por poderosas nações situadas a leste: os assírios, os caldeus e os persas. O Templo de Salomão foi destruído em 586 a.C. pelos caldeus, sob Nabucodonosor, e os judeus foram levados como escravos para a Babilônia. Por sua vez, os caldeus foram conquistados pelos persas, cujo rei, Ciro, permitiu que os judeus voltassem para Jerusalém e reconstruíssem o Templo em 515 a.C. OS TEMPLÁRIOS No século IV a.C., a onda de conquistas diminuiu no Oriente, passando a fluir do Ocidente: Gs persas foram derrotados pelos macedônios durante o reinado rio jovem monarca Alexandre, o Grande. Após a morte prematura de Alexandre, seu império foi dividido entre seus generais, e por algum tempo a Palestina foi disputada pelos rivais ptolomeus, baseados no Egito, e selêucidas, baseados na Nesopotâmia. Na ausência de um rei, o sumo sacerdote em Jerusalém assumia muitas funções deste entre os judeus. Em 167 a.C. uma sublevação contra os gregos por questões religiosas transformou-se numa bem-sucedida luta pela independência política. Seus líderes, três irmãos rnacabeus, fundaram a dinastia asmonéia de reis judeus, os quais recuperaram a maior parte do território que fora governado por Davi e Salomão. No deco?rei de seus constantes conflitos com os países vizinhos, fizeram um apelo ao novo e ascendente poder de Roma. O rei judeu Hircano e seu ministro Antípater colocaram-se sob a proteção de Cneio Pompeu, ou Pompeu, o Grande, general romano que havia conquistado a Síria. Jerusalém foi defendida por Aristóbulo, o pretendente rival ao trono. Depois de três meses de cerco, as legiões de Pompeu capturaram a cidade. Foram poucas as baixas entre os romanos, mas doze mil judeus morreram no conflito. No entanti, de acordo com o historiador judeu Josefo, a perda dessas vi*d2.s foi uma calamidade menos importante do que a profanação do Templo por Pompeu. Entre os infortúnios daquele tempo, nada causou maior estremecimento à nação do que a exibição por estranhos do Lugar Sagrado, até então resguardado de todos os olhares. Pompeu e seu estado-maior entraram no Santuário, o que a ninguém era permitido pelo sumo sacerdote, e viram o que ele continha: o pedestal do candelabro, as lâmpadas, a mesa, as taças para as libações e os incensórios, tudo de ou-o maciço, e uma grande quantidade de especiarias e dinheiro sagrado (...). Os romanos eram agora os árbitros do poder na nação judaica. Pompeu restabeleceu Hirc2.no como sumo sacerdote, mas, ao perceber que se tratava de um governante incompetente, atribuiu poder político a Antípater, o primeiro-ministro. Quando Júlio César veio da Síria em 47 a.C., concedeu a cidadania romana a Antípater e o nomeou comissário para toda a Judéia. Fasael, o filho mais velho de Antípater, tornou-se governador da Judéia, e Herodes, seu segundo filho, então com vinte e seis anos, foi nomeado governador da Galiléia. O cônsul Marco Antônio, confrade de César, tornou-se amigo de Herodes por toda a vida. Ern 40 a.C., w, partos invadiram a Palestina e Herodes fugiu para Roma, passando pela Arábia e pelo Egito. O Senado romano proveu-o com um exér- O TEMPLO DE SALOMÃO cito e nomeou-o rei da Judéia. Herodes derrotou os partos e, não obstante se tivesse alinhado com seu amigo Marco Antônio contra Otaviano, foi por este confirmado como rei da Judéia após sua vitória sobre Marco Antônio na batalha de Áccio. Então no auge da glória, Herodes embelezou seu reino com magníficas c'dades e imponentes fortificações, muitas das quais receberam o nome de seus patronos e de membros de sua família. No trecho do litoral entre Jafa e Haifa, construiu uma cidade a que deu o nome de Cesaréia, e em Jerusalém, a fortaleza que chamou de Amônia. Ampliou a fortaleza de Massada, onde sua família se refugiara dos partos, e nas colinas voltadas para a Arábia construiu uma fortaleza denominada Heródio em homenagem a si mesmo. Homem de coragem e habilidades excepcionais, Herodes percebeu que a sua manutenção no poder na Palestina dependia de satisfazer as expectativas dos romanos sem ferir as suscetibilidades religiosas dos judeus. Para os romanos, o controle da Síria e da Palestina era considerado essencial à segurança e bem-estar de seu império, que estendera as rotas por terra entre o Egito e a Mesopotâmia e dominava o Mediterrâneo oriental. A própria cidade de Roma dependia do suprimento de grãos do Egito, suprimento esse que estaria ameaçado, caso os portos na costa oriental do Mediterrâneo caíssem nas mãos dos partos. A situação dos judeus era mais problemática. Sob domínio cultural dos gregos desde a época de Alexandre, o Grande, e agora politicamente subordinados aos romanos, eles conservavam sua percepção do destino como O povo eleito de Deus. Sua extraordinária fidelidade a suas crenças e práticas ao mesmo tempo impressionava e exasperava os pagãos de seu tempo. Ao sitiar o remanescente da resistência judaica no Templo, Pompeu iscou pasmado com a inabalável persistência dos judeus, em especial sua manutenção de todas as cerimônias religiosas em meio a um ataque de projéteis. Como se profunda paz envolvesse a cidade, os sacrifícios diários, as oferendas aos mortos e todos os outros atos de adoração eram meticulosamente executados para a glória de Deus. Nem mesmo durante a captura do Templo, quando eram brutalmente mortos em torno do altar, eles renunciaram às cerimônias preceituadas para o dia.R Todavia, seu exclusivismo - a crença de que se contaminavam pelo contato com os gentios provocava a hostilidade de seus vizinhos. Nessa época, os judeus já não estavam confinados à Palestina: havia importantes comunidades em muitas das principais cidades do mundo greto-romano e do império persa além do Eufrates. Em Alexandria, já no século III a.C., fizeram-se críticas ao exclusivismo judeu. Em Roma, onde obtiveram isenções OS TEMPLÁRIOS fora do comum de participar de cultos pagãos e permissão para observar o Slaabat, Cícero, em seu Pro Flanco, queixou-se de seu apego às tradições de seu clã e excessiva influência; e Tácito, em suas Histórias, do que considerava misantropia dos judeus: "A qualquer outro povo eles sentem apenas aversão e hostilidade. Sentam-se isolados para fazer as refeições e dormem à parte, e, apesar de, como raça, estarem inclinados à concupiscência, abstêm-se de manter relações sexuais com mulheres estrangeiras; todavia, entre eles próprios nada é ilícito". 9 Contudo, foi na sua própria pátria que o senso de superioridade dos judeus sobre todas as nações pagãs teve sérias implicações políticas. Muitas vezes, após terem sido conquistados por nações vizinhas maiores e mais poderosas - os egípcios, os persas, os gregos e agora os romanos -,eles se insurgiam contra seus opressores por acreditarem que Deus estava do seu lado. E a um triunfo inicial seguia-se sempre uma feroz repressão. Embora cidadão romano e de origem árabe, Herodes era escrupuloso em sua observância da Lei judaica; e, para granjear ainda mais a simpatia dos adeptos da religião que adotara, anunciou que reconstruiria o Templo, provocando uma reação de suspeita por parte dos judeus. Para reassegurá-los de que levaria a cabo esse ambicioso projeto, Herodes prometeu que não demoliria o antigo Templo até que tivesse reunido todo o material para a construção do novo. Uma vez que apenas sacerdotes poderiam entrar no recinto do Templo, ele treinou mil levitas como pedreiros e carpinteiros. Os alicerces do Segundo Templo foram grandemente aumentados pela construção de gigantescos muros de retenção a oeste, ao sul e a leste. Galerias cobertas estendiam-se ao longo das extremidades da grande plataforma, sustentada por aterros ou por suportes em forma de arco. Uma cerca estendia-se ao redor da área sagrada, e em cada um dos seus treze portões havia uma inscrição em latim e em grego advertindo que qualquer gentio que a ultrapassasse seria punido com a morte. No centro, emoldurado pelas colunatas, ficava o Templo propriamente dito. De um lado localizava-se o Pátio das Mulheres, e no outro lado da Porta Formosa, o Pátio dos Sacerdotes. O acesso ao Santuário era através de duas portas cobertas de ouro, diante das quais pendia uma cortina de tapeçaria babilônica bordada com desenhos azuis, escarlates e purpúreos simbolizando toda a criação. O Lugar Santo interno, protegido por um enorme véu, era o Santo dos Santos, no qual apenas o sumo sacerdote poderia atrever-se a entrar em certos dias do ano. A rocha sobre a qual Abraão preparara Isaac para o sacrifício era o altar onde cabritos e pombos eram mortos. A cavidade que ainda pode ser vista na extremidade norte da rocha era usada para a colheita do sangue do sacrifício. O TEMPLO DE SALOMÃO A escala do Templo era estupenda e, como ele estava sobranceiro ao vale do Cédron, atingia uma altura estonteante. Seu esplendor não poderia deixar de causar nos súditos de Herodes a impressão de que seu rei, a despeito da origem árabe, era um judeu virtuoso. Mas Herodes nada deixou ao acaso. A fortaleza de Antôma fazia parte da muralha norte do complexo do Templo e era permanentemente guarnecida por um contingente da infantaria romana. Durante os festejos mais importantes, esse contingente, fortemente armado, desdobrava-se ao longo das colunatas. O Templo foi a realização máxima de uma das mais extraordinárias figuras do mundo antigo. No vigor da mocidade, Herodes alçou Israel a um nível de esplendor que este jamais vira antes e que não tem visto desde então. Sua munificência estendeu-se a cidades estrangeiras como Beirute, Damasco, Antioquia e Rodes. Experiente em combate, hábil caçador, atleta entusiástico, Herodes patrocinou e presidiu os jogos Olímpicos. Usava sua influência para proteger as comunidades judaicas na Diáspora e foi generoso com os necessitados em todo o Mediterrâneo oriental. No entanto, não conseguiu estabelecer uma dinastia estável, porque, à medida que envelhecia, foi sendo dominado por uma paranóia que transformou o déspota benévolo num tirano. Quase não resta dúvida de que Herodes estava cercado por conspiração e intriga. Seu pai e seu irmão tinham tido morte violenta, e ele próprio possuía inimigos poderosos não só entre os fariseus, facção que se ressentia do governo de um estrangeiro submisso a um imperador pagão em Roma, mas também entre os partidários de membros da dinastia asmonéia que reivindicavam a coroa da Judéia. Para aplacar estes últimos, Herodes divorciou-se de Dóris, com quem se casara na juventude, e desposou Mariamna, neta do sumo sacerdote Hircano. Hircano tinha sido aprisionado pelos partos quando eles invadiram a Palestina, mas fora libertado devido à intercessão dos judeus que viviam além do Eufrates. Encorajado pelo casamento de sua neta com Herodes, regressou a Jerusalém, onde este imediatamente o executou, não, conforme afirma Josefo, por ter reivindicado o trono, "mas porque o trono realmente era seu".'° Outro adversário potencial era Jônatas, irmão de sua mulher, o qual, aos 17 anos, foi feito sumo sacerdote por Herodes; mas quando o rapaz vestiu os trajes sagrados e se aproximou do altar durante uma festa, todos os presentes choraram de emoção, e portanto Herodes mandou sua guarda pessoal gaulesa matá-lo afogado. O que no âmbito político talvez tenha sido oportuno, no âmbito familiar foi um desastre. Herodes apaixonara-se intensamente por Mariamna, que, OS TEMPLÁRIOS após o que acontecera com seu irmão e seu avô, odiava-o com a mesma intensidade. Além do seu ressentimento, havia o desdém de uma princesa real judia por um novo-rico árabe, o que não só atormentava Herodes, mas também deixava sua família furiosa, sobretudo sua irmã Salomé. Desempenhando o papel de lago diante do Otelo de Herodes, Salomé persuadiu o irmão de que Mariamna havia cometido adultério com José, seu marido. Herodes ordenou a imediata execução de ambos. Em seguida, sua paranóia voltou-se contra seus dois filhos com Mariamna: convencido de que estavam conspirando contra ele, mandou estrangulá-los em Sebaste no ano 7 a.C. Pouco antes de sua morte, enquanto ele agonizava no leito com "uma comichão insuportável por todo o corpo, dores constantes na porção inferior do intestino, edemas nos pés como na hidropisia, inflamação do abdome e gangrena dos órgãos genitais, dos quais brotavam vermes", disseram-lhe que Antípater, seu filho mais velho e herdeiro, tinha planejado envenená-lo. Antípater foi executado pela guarda pessoal do pai. Cinco dias mais tarde, o próprio Herodes estava morto. Não foram apenas essas tragédias familiares que transformaram um potencialmente grande rei num tirano, mas sobretudo a impossível tarefa de reconciliar o povo eleito de Deus com um governo pagão. Por ocasião do censo de 7 a.C., seis mil fariseus haviam se recusado a prestar juramento de lealdade a Otaviano, agora imperador Augusto; e, pouco antes da morte de Herodes, cerca de quarenta seguidores de dois rabinos de Jerusalém, bastante conhecidos como expoentes da tradição judaica, haviam descido em cordas do teto do Templo para remover um ídolo pagão, a águia dourada que Herodes colocara acima do Grande Portão. Por causa disso, os dois rabinos foram presos e, por ordem de Herodes, queimados vivos. Os sucessores de Herodes tiveram menos êxito do que ele em manter essa incipiente insubordinação sob controle. De acordo com o testamento de Herodes, que ele alterara várias vezes, seu reino deveria ser dividido entre seus três filhos: Arquelau, Herodes Antipas e Filipe. O imperador Augusto confirmou esse arranjo, mas negou a Arquelau o título de rei, fazendo-o tão-somente etnarca, ou governador, da Judéia e da Samaria, até que, depois de nove anos de administração incompetente, ele o exonerou de ambas as funções e o exilou na cidade de Vienne, na Gália. A Judéia foi colocada sob o governo direto de um procurador romano - primeiro Copônio, em seguida Valério Grato e, em 26 d.C., Pôncio Pilatos. Essa solução não garantiu a estabilidade da Palestina. Enquanto a aristocracia judaica e o establishment saduceu fizeram o possível para conter o ressentimento de seu povo, os pesados impostos cobrados pelos romanos e sua 24 O TEMPLO DE SALOMÃO insensibilidade às crenças religiosas dos judeus levaram a revoltas esporádicas e, por fim, à guerra total. Rebeldes judeus tomaram Massada e assassinaram a guarnição romana. No Templo, Eleazar, Filho do sumo sacerdote Ananias, convenceu os sacerdotes a abolir os sacrifícios oferecidos a Roma e a César. Essa atitude de desafio progrediu para uma insurreição geral: a fortaleza de Antônia foi capturada, Anamas assassinado e os romanos rechaçados para as torres fortificadas do palácio de Herodes. Em Cesaréia, a capital administrativa dos romanos no litoral, a população gentia atacou a colônia judaica, massacrando todos os seus membros. Essa atrocidade exaltou o ânimo dos judeus por toda a Palestina, os quais saquearam cidades gregas e sírias, como Filadélfia e Pela, matando seus habitantes em represália. Em setembro de 66, o legado romano na Síria, Céstio Galo, partiu de Antioquia com a Décima Segunda Legião, a fim de restaurar a ordem na Palestina. Em Jerusalém, os rebeldes judeus prepararam-se para resistir. Após algumas escaramuças fora da cidade, Céstio bateu em retirada, que acabou transformando-se em fuga desordenada. Os judeus eram agora senhores em sua própria terra e começaram a organizar suas defesas contra o retorno dos romanos. Levando em consideração a catástrofe que estava para se abater sobre eles, não deixa de ser surpreendente o fato de os judeus terem imaginado que poderiam desafiar o poder de Roma. Decerto havia alguns "que viram com toda a clareza a desgraça iminente e deram vazão a seu pesar";" mas a grande maioria estava absolutamente convencida de que era chegado seu momento de sorte. Afinal, eles eram o povo eleito de Deus, e desde o começo dos tempos seus profetas haviam prometido não apenas a libertação, mas também um libertador, ao qual se referiam como "o ungido", ou, em hebraico, Messias. Deus prometera a Abraão e Isaac que um tipo não especificado de salvação deveria ocorrer através de seus descendentes, mas em seguida esse conceito de salvação foi combinado com a idéia de um rei da linhagem de Davi cujo reino seria eterno. Ele teria de ser um herói caracteristicamente judeu ("Eis que dias virão (...) em que suscitarei a Davi um germe justo; um rei reinará e agirá com inteligência e exercerá na terra o direito e a justiça. Em seus dias, Judá será salvo e Israel habitará em segurança")," mas sua soberania seria universal ("que ele domine de mar a mar, desde o rio até aos confins da terra. (...) todos os reis se prostrarão diante dele, todas as nações o servirão").'30 que deu coragem aos judeus para desafiar o poder de Roma foi a intensa sensação de expectativa messiânica entre eles na Palestina do século I. OS TEMPLÁRIOS A principal divisão entre os judeus era entre os saduceus e os fariseus: os saduceus eram o partido do establisliment, que controlava o Templo, e eram mais condescendentes em sua interpretação da Lei; os fariseus eram mais rígidos, mais radicais e mais austeros, e usavam a tradição oral para impor minúcias legalistas a todos os aspectos da vida judaica. Uma das principais diferenças nas crenças das duas facções dizia respeito à vida após a morte: os saduceus eram agnósticos e os fariseus insistiam na imortalidade da alma, na ressurreição dos mortos e nas recompensas divinas para a virtude e na punição para o pecado no mundo vindouro. Os fariseus foram os mais vociferantes na sua oposição ao domínio romano, e entre eles havia seitas austeras e fanáticas, como os essênios, que viviam em comunidades semimonásticas, e os zelotes, uma facção terrorista que desprezava não só os romanos, mas todos os judeus colaboracionistas. Eles enviavam assassinos conhecidos como sicários (do grego sikaroi, através do latim sicarii, literalmente "homens do punhal")para se mesclarem à multidão e assassinar seus inimigos. Um contingente de zelotes da Galiléia que se refugiara em Jerusalém travava guerra de classes contra seus anfitriões. Sua paixão pela pilhagem era insaciável: eles saqueavam as casas de homens ricos, assassinavam homens e violentavam mulheres por prazer, e brindavam aos seus espólios regados a sangue. Devido a puro tédio, entregavam-se descaradamente a práticas efeminadas, adornando o cabelo e vestindo roupas femininas, encharcando-se de perfume e pintando a área sob os olhos para tornar-se atraentes. Imitavam não apenas o vestuário, mas também as predileções femininas, e em sua extrema torpeza inventavam prazeres ilícitos; chafurdavam no lodo, convertendo a cidade inteira num bordel e poluindo-a com as práticas mais sórdidas. Muito embora tivessem feições femininas, suas mãos eram de assassinos; aproximavam-se com o seu jeito afetado de andar, inesperadamente transformavam-se em lutadores e, sacando a espada de sob seus mantos coloridos, trespassavam quem por ali estivesse passando.14 Quando recebeu a notícia da derrota de Céstio Galo, o imperador Nero recorreu ao veterano general Vespasiano e entregou-lhe o comando das forças romanas na Síria. Vespasiano enviou seu filho Tiro aAlexandria para buscar a Décima Quinta Legião e juntar-se a ele em Ptolemaida. Esse exército misto marchou para a Galiléia e, com extrema dificuldade, conquistou as fortalezas em poder dos rebeldes judeus e massacrou ou escravizou seus habitantes. Cada cidade foi ferozmente defendida, em particular Jopata, comandada por José ben-Matias, que mais tarde se bandeou para os romanos, mudou o nome para Josefo e fez um relato do conflito em sua Guerrados Judeus. 26 O TEMPLO DE SALOMÃO Durante essa campanha. Nero foi assassinado, e mais tarde Galba, seu sucessor. Seguiu-se uma guerra civil entre Oto e Vitélio, os rivais que reivindicavam o trono, da qual Vitélio saiu vencedor. Em Cesaréia, as legiões repudiaram Vitélio e proclamaram Vespasiano imperador. O governador do Egito, Tibério Alexandre, e as legiões na Síria o apoiaram. Em Roma, os simpatizantes de Vespasiano destituíram Vitélio e proclamaram Vespasiano herdeiro do trono imperial. Ele recebeu a notícia em Alexandria, de onde embarcou para Roma, deixando ao encargo de Tito a subjugação dos judeus insurretos. OS redutos dos judeus haviam se reduzido a algumas fortalezas longínquas e à cidade de Jerusalém, que já havia sido atacada pelas legiões romanas. A resistência foi feroz: quando o renegado Josefo transpôs os muros da cidade, pedindo a seus compatriotas que se rendessem, a resposta foi escárnio e insultos. A fome já grassava na cidade, e Josefo, que em sua narrativa quis demonstrar que a depravação dos rebeldes invalidava a justeza de sua causa, relata com certo vigor como a fome induzia esposas a roubar seus maridos, filhos a seus pais, e "o mais terrível de tudo, mães a seus bebês, arrebatando o alimento de suas bocas; e quando seus filhinhos queridos estavam morrendo em seus braços, não hesitavam em privá-los dos nacos que poderiam tê-los mantido vivos". O auge desse comportamento antinatural foi a história de uma certa Maria, da aldeia de Bethezub, que matou seu bebê, "em seguida assou-o e comeu a metade, escondendo e reservando a sobra".'S Não havia a menor dúvida quanto ao desfecho do conflito, mas cada setor da cidade era violentamente disputado. Primeiro a fortaleza de Antôma caiu em poder dos romanos, mas o Templo resistiu. Durante seis dias os aríetes das legiões romanas golpearam os muros do Templo, sem nem ao menos deixarem marcas nos enormes blocos, que os pedreiros de Herodes haviam talhado de forma tão plana e unido tão firmemente. A tentativa de solapar o portão norte também fracassou. Como não estava disposto a correr o risco de sofrer outras baixas num assalto total pelas muralhas do Templo, Tito deu ordem a seus soldados para atearem fogo às portas. O revestimento de prata derreteu com o calor e a madeira foi consumida pelas chamas. O fogo propagou-se até as colunatas, abrindo caminho para os soldados romanos através da alvenaria que ardia lentamente. O ódio deles aos judeus era tão intenso que civis foram massacrados junto com os combatentes, De acordo com Josefo, que estava ansioso para justificar seu protetor aos olhos dos judeus na Diáspora, Tito fez o possível para poupar o santuário, mas os soldados o incendiaram com seus archotes. Assim foi destruído o que Josefo descreve como "o edifício mais magnífico jamais visto ou de que se ouviu fa- 27 OS TEMPLÁRIOS lar, não só por suas dimensões e arquitetura, mas também pela excessiva perfeição nos detalhes e pela glória de seus lugares santos". A solidez de suas fortificações e a determinação de seus defensores eram tamanhas, que Tiro e suas legiões levaram seis meses para capturar Jerusalém: de março a setembro do ano 70 d.C. A população foi quase dizimada. Os que haviam se refugiado nos esgotos da cidade morreram de fome, suicidaram-se ou foram mortos pelos romanos ao deixarem seu esconderijo. Josefo estimou que mais de um milhão de pessoas morreram no cerco de Jerusalém, e os sobreviventes foram escravizados. Tito deixou uma guarnição na cidadela e ordenou que o resto da cidade, incluindo os escombros do Templo, fosse arrasado. Retirou-se para Cesaréia e celebrou seu aniversário em 24 de outubro, vendo os prisioneiros judeus serem mortos na arena por feras, ou uns pelos outros, ou então vendo-os ser queimados vivos. Ao regressarem a Roma, Vespasiano e Tito, vestindo túnicas escarlates, comemoraram seu triunfo. Carroças carregadas com os esplêndidos tesouros pilhados de Jerusalém foram puxadas pelas ruas, entre eles o pedestal de ouro do candelabro do Templo, junto com colunas de prisioneiros acorrentados. Quando o cortejo chegou ao Fórum, o líder dos judeus revoltosos, Simão ben-Gioras, foi cerimonialmente executado, e a seguir os vencedores retiraram-se para regalar-se com o suntuoso banquete preparado para eles e seus convidados. Na Palestina, grupos de rebeldes ainda resistiram nas inexpugnáveis fortalezas de Herodes: Heródio, Maqueronte e Massada. Heródio caiu sem dificuldade, Maqueronte rendeu-se, mas Massada continuou nas mãos dos zelotes sob Eleazar ben-Jair, um descendente de Judas, o Galileu. Nessa fortaleza extraordinária, construída num planalto isolado, a cerca de quatrocentos e quarenta metros acima da margem oeste do mar Morto, encontravam-se mil homens, mulheres e crianças. O governador romano, Flávio Silva, circundou a fortaleza com um muro e construiu uma rampa, a fim de que um aríete pudesse abrir uma brecha no muro. A princípio os zelotes resistiram, mas, quando ficou claro que os romanos abririam uma brecha no muro no dia seguinte, Eleazar persuadiu seus seguidores de que seria melhor eles morrerem por suas próprias mãos do que serem mortos pelo romanos. Após ter queimado seus bens, cada pai matou seus familiares próximos; em seguida, foram escolhidos por sorteio dez homens para liquidar seus companheiros; e afinal um deles, também escolhido por sorteio, matou os outros nove antes de tombar pelo fio de sua própria espada. DOIS O Novo Templo A queda de Massada não representou o fim das esperanças de uma nação independente acalentadas pelos judeus que viviam na Palestina. Cerca de sessenta anos mais tarde ocorreu uma segunda rebelião contra o domínio romano, chefiada por Simeon ben-Koseba (Simeão bar-Kochba), reconhecido pelo rabi Akiba como o Messias prometido. Como no passado, a revolta teve êxito no início: as forças de Tinéio Rufo, o legado romano na Judéia, foram derrotadas. O imperador Adriano enviou para a Palestina o legado na Bretanha, Júlio Severo, que no ano 134 d.C, recapturou Jerusalém. A guerra continuou por mais dezoito meses - até agosto de 135 -, quando Beter, a última de aproximadamente cinqüenta fortalezas em poder dos rebeldes, se rendeu a Severo e Simeão bar-Kochba foi morto. A punição dos romanos por essa segunda rebelião foi severa. Os judeus cativos ou eram mortos ou escravizados. A Judéia foi abolida, tornando-se a província da Síria-Palestina. A cidade de Jerusalém transformou-se numa colônia romana da qual todos os judeus foram excluídos. No monte do Templo ergueram-se santuários ao imperador divino, Adriano, e a Zeus, o pai de todos os deuses. No entanto, nessa ocasião havia em Jerusalém outros sítios sagrados para outra religião que Rufo, o legado romano, percebeu que deveria cauterizar pela sobreposição de templos pagãos. Num terreno que um século antes fora usado para execuções públicas e sobre um túmulo contíguo, ele construiu templos a Júpiter, Juno e Vênus, a deusa do amor. Tais sítios não tinham a menor importância para os judeus, mas eram sagrados para os seguidores de Jesus de Nazaré, ou Jesus Cristo, outro reivindicante ao título de Messias. No curso dos vinte séculos decorridos desde sua vida e morte, Jesus Cristo tem permanecido uma figura controversa, hoje quanto no passado. A doutrina tradicional da maioria das Igrejas cristãs é de que sua vinda foi prenunciada pelos profetas da nação, mais especificamente por seu primo, um pregador popular chamado João Batista, e de que ele foi milagrosamente 29 OS TEMPLÁRIOS concebido no ventre de uma virgem, nasceu num estábulo na cidade de Belérp, pregou na Galiléia e na Judéia e realizou vários milagres espetaculares, a começar pela transformação da água em vinho num casamento em Caná. Epttre esses milagres houve muitos casos de cura de enfermos, mas Jesus tarrlbém demonstrou ter poderes sobre a natureza ao caminhar sobre as ágqas e acalmar tempestades. A exemplo de seu precursor João Batista, ele chamou o homem ao arrependimento e advertiu-o do julgamento e castigo eterno para os que morressem em pecado. Em contraposição à brutalidade que o rodeava na Palestina sob ocupação romana, Jesus louvava a brandura e a simplicidade: abençoava os pobres e oá mansos e dizia que aspirava à inocência de uma criança. Os valores que incentivava eram contrários aos que ele chamou de "o mundo" - a cultura do egoísmo e do comodismo. Não deveríamos lutar por riqueza, poder e ascedsãO social, mas ocupar à mesa o lugar menos importante. Não deveríamos toRiar represálias contra ações da justiça, mas, esbofeteados, deveríamos "oferecer a outra face". Não se tratava simplesmente de uma questão de passividade: ao ódio de um inimigo devia-se responder com amor. Jesus ins1 ti idas vezes que a virtude não residia nas cerimônias externas do 's lu repet ti[,? praticado pelos judeus, mas dependia de nossa disposição interna nossos sentimentos e devaneios, bem como nossos atos. Essa denegrição do ritual e da cerimônia religiosa, junto com a pretensãp de Jesus de ser o Messias e Filho de Deus, de perdoar pecados e de personificar o único meio de alcançar a vida eterna, era considerada blasfema e sediciosa pelos líderes judeus os escribas fariseus e os anciãos saduceus - que conseguiram convencer o procurador romano Pôncio Pilatos a crucifie,ir Jesus. Após sua morte, desceram-no da cruz e sepultaram-no num túmI,,lo próximo, mas três dias mais tarde, de acordo com seus discípulos, ele ressuscitou dos mortos. Mesmo deste ponto afastado no tempo, e caso seja considerada como passagem de obra de ficção, a pessoa de Jesus, conforme retratada nos Evangelhos, causa uma forte irrpressão no leitor. Ao contrário dos livros do Velho Testamento, que demonstram a majestade de Deus por meio da "complexida~le da vida, das emoções e desejos além do alcance do intelecto e da linguagem", os Evangelhos são narrativas frugais virtualmente destituídas de caracterização que, não obstante, nos persuadem de que "foi assim e não de outra forma que as coisas se passaram".'6 Para o crítico literário Gabriel Josipo~ici, Jesus se parece "corri uma força, um furacão que arrasta o que encontrapela frente e obriga todos aqueles que cruzam seu caminho a reconsiderar, completamente suas vidas. Ele tem acesso, menos a um segredo de sabedo¢a do que a uma fonte de poder". Jesus fala com extraordinária convicção O NOVO TEMPLO e autoridade, mas reivindica para si o que seria de esperar de um lunático. Porém, como G. K. Chesterton assinalou, "ele era exatamente o que o homem em delírio nunca é: um bom juiz. O que dizia era sempre inesperado, mas sempre inesperadamente magnânimo e muitas vezes inesperadamente moderado"." Até que ponto essas descrições de Jesus são historicamente acuradas? Os esforços para se chegar a um ponto de vista objetivo são com freqüência dificultados por preconceitos contra ou a favor da religião cristã. O estudioso da Bíblia E. P Sandersjulga que é possível chegar ao cerne do fato histórico. Sabemos que ele começou sob João Batista, que teve discípulos, que esperava o "reino", que foi da Galiléia para Jerusalém, que praticou algo hostil contra o Templo, que foi julgado e crucificado. Em última análise, sabemos que após sua morte seus seguidores vivenciaram o que descreveram como a "ressurreição": a aparição de uma pessoa viva mas transmudada que de fato morrera. Eles acreditaram nisso, vivenciaram isso e morreram por isso.'$ Verificou-se que essa fé em Jesus dos que o conheceram era contagiosa. "Seja qual for a importância afinal atribuída ao título `o Cristo"', escreve Geza Vermes em Jesus theJew (Jesus, o Judeu), "pelo menos um fato é certo: aidentificação de Jesus, não apenas com um Messias, mas com o esperado Messias do judaísmo, relacionava-se com o âmago, com a essência da fase inicial da religião cristã."'9 Contudo, esse messias não era um rei belicoso que conduziria os judeus ao triunfo e à supremacia neste mundo, mas algo muito mais profundo e paradoxal: um bode expiatório sacrificial que, através do seu sofrimento, confundiria Satã e venceria a morte. Os prenúncios mais explícitos sobre esse salvador, tão diferente do que a maioria dos judeus esperava, encontram-se nas profecias que Isaías fez no Templo em 740 a.C. Em sua visão Deus afirma: "Eis o meu servo que eu sustenho, o meu eleito, em quem tenho prazer". Deus fará dele a "luz das nações, a fim de que a minha salvação chegue até às extremidades da terra"; todavia, ele será "desprezado e abandonado pelos homens, um homem sujeito à dor, familiarizado com a enfermidade, como uma pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos caso nenhum dele. E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava".'o Também nos Salmos encontramos o tipo de lamento que se repete muitos séculos mais tarde no sofrimento de Cristo antes da crucificação: "tornei-me um ultraje para eles, os que me vêem meneiam a cabeça."z' E os tros autores dos Evangelhos chamam a atenção, de forma bastante para os episódios na vida de Cristo que satisfazem os vaticír•' OS TEMPLÁRIOS João salienta que, quando após Cristo ter sido crucificado os soldados romanos repartem as vestes dele entre si e lançam dados para ver com quem ficará a túnica, que não tinha costura, isso cumpre o versículo 19 do Salmo 22: "repartem entre si as minhas vestes, e sobre a minha túnica tiram sorte". Alguns estudiosos céticos de hoje acreditam que os fatos foram acrescentados após o episódio, a fim de condizerem com as profecias, e que, por exemplo o nascimento de Jesus de Nazaré foi situado em Belém, e não em Nazaré, porque isso fora vaticinado pelo profeta Miquéias. O historiador Robin Lane Fox, apesar da distância no tempo, confia o suficiente em suas próprias pesquisas para decidir que o"relato de Lucas é historicamente impossível e internamente incoerente (...). Por conseguinte, é falso"." Será que podemos descobrir alguma coisa a respeito de Jesus de outras fontes além dos Evangelhos? As únicas referências a ele feitas por um quase contemporâneo seu encontram-se nas Antiguidades Judaicas, de Josefo, e numa versão de sua História da Guerra dos Judeus, provavelmente escrita em aramaico por um círculo de leitores judeus que viviam do outro lado do Eufrates. Essas passagens são controversas: uma teoria afirma que elas foram extraídas de uma edição grega publicada em Roma, a fim de não despertarem o antagonismo do imperador Domiciano, que na época estava perseguindo os cristãos; de acordo com outra teoria, trata-se de interpolações forjadas muitos anos mais tarde por monges bizantinos. Todavia, uma controversa passagem nas Antiguidades Judaicas é citada na mais antiga história da Igreja cristã, escrita por Eusébio no século IV E mesmo que não seja provável que tenham sido acrescentadas por cristãos, as passagens em A Guerra dos Judeus discorrem tanto sobre João Batista quanto sobre Jesus. João é "uma criatura estranha, em nada se parece com um homem". Seu rosto é "como o de um selvagem". "Ele vivia como um espírito desencarnado (...) usava pêlos de animais nas partes de seu corpo não cobertas por seus próprios pêlos." Josefo relatou que Jesus era notável por seus milagres: "ele fez milagres tão maravilhosos e assombrosos que, pelo que me toca, não posso considerá-lo um homem; todavia, em virtude de sua semelhança conosco, não posso considerá-lo um anjo (...)". Josefo descreve como Muitas das pessoas comuns iam em bandos atrás dele e seguiam seus ensinamentos. Havia uma onda de ansiosa expectativa de que ele capacitara as tribos judias a livrar-se do jugo romano. (...) Quando viram que ele era capaz de fazer o que quisesse usando a palavra, disseram-lhe que queriam que ele entrasse na cidade, destruísse as tropas romanas e fizesse de si mesmo rei; mas ele não lhes deu atenção .23 O NOVO TEMPLO De acordo com Josefo, os líderes judeus influenciaram o governador romano da Judéia, Pôncio Pilatos, a consentir que crucificassem Jesus por sentirem inveja de sua popularidade. Ele também descreve como, no exato momento da execução de Cristo, o véu do Templo "subitamente rasgou-se de cima a baixo"; e; na sua prolixa descrição do Templo, menciona uma inscrição afirmando que "Jesus, o rei que nunca reinou, foi crucificado pelos judeus porque predisse o fim da cidade e a completa destruição do Templo",z4 Encontramos a mesma profecia nos Evangelhos. "Como alguns estavam dizendo a respeito do Templo que era ornado de belas pedras e de ofertas votivas, ele [Jesus] disse: `Estais contemplando essas coisas... Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra sem ser demolida!""' No Evangelho de João, Jesus sugere com mais audácia que o Templo, após a destruição, subsistirá nele. "Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei", uma afirmação que foi considerada blasfema e mais tarde fez parte da acusação contra ele. "Este homem declarou: Posso destruir o Templo de Deus e edificá-lo depois de três dias." Mais uma vez, existem teorias conflitantes a respeito das predições de Cristo de que não apenas o Templo, mas também Jerusalém seriam destruídos. Os cristãos pensam que isso explica por que a incipiente comunidade cristã em Jerusalém mudou-se para Pela antes de os romanos sitiarem a cidade. Os céticos sugerem que essas "profecias" eram acrescentadas pelos evangelistas após o evento. O que está claro, contudo, é que os cristãos primitivos consideravam a destruição do Templo em Jerusalém tanto como parte essencial da nova aliança entre Deus e o homem quanto como punição de Deus pelo repúdio dos judeus a seu Filho unigênito. Após a passagem que citei atrás, que descreve uma mãe devorando seu próprio bebê durante o cerco de Jerusalém, Eusébio, o primeiro cronista cristão, acrescenta: Essa foi a recompensa pelo tratamento iníquo e cruel dispensado pelos judeus ao Cristo de Deus. (...) Depois da paixão do Salvador, e dos gritos com que a turba de judeus clamava pela suspensão da pena do bandido e homicida [Bar rabás], e rogava que o Autor da Vida fosse morto, sucedeu desgraça a toda a nação.zH Da perspectiva do século XX, que assistiu a uma tentativa de exterminar o povo judeu mais implacável e sistemática do que a empreendida no tempo de Vespasiano e Adriano, é difícil não perceber esse julgamento como uma das fontes do anti-semitismo no estilo dos próprios Evangelhos. São Mateus, por exemplo, exprime o protesto de Pôncio Pilatos: "Estou inocente desse sangue. A responsabilidade é vossa". A isso todo o povo respondeu: 33 OS TEMPLÁRIOS "O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos".29 Mas até onde se pode julgar, isso não significou uma condenação dos judeus, como raça, do tipo que encontramos no culto da limpiesa de sangre' na Espanha, no século XVI, ou nas teorias raciais de um Houston Stewart Chamberlain" no século XIX. Notavelmente, ao que parece, o preconceito racial nu e cru inexistia tanto na Antiguidade como na Idade Média. Afinal de contas, os discípulos de Cristo, os apóstolos e os evangelistas eram todos judeus. A hostilidade que surgiu entre os judeus e os cristãos não era de ordem racial, mas religiosa, e, em virtude das contradições intrínsecas, é difícil saber como poderia ter sido evitada. A destruição do Templo, que Cristo predisse, foi mais do que um fato concreto: foi uma metáfora para a morte do judaísmo. Deus havia escolhido o povo judeu como uma crisálida para o Messias: uma vez que ele nascera, ela tinha servido a seus propósitos. A julgar pelos Evangelhos, é bastante evidente que isso foi entendido pelos líderes judeus no Sinédrio naquela época. Independentemente de seu temor de que Cristo provocasse os romanos ter sido sincero ou não (devido à relutância de Pilatos de se envolver, provavelmente não foi), sua inquietação com a crescente popularidade de Cristo parece sensata, em virtude da importância dos ensinamentos dele. Talvez eles tenham sido otimistas demais ao acreditarem que tais ensinamentos morreriam com ele; mas se era isso mesmo o que pensavam, então não foi desarrazoado o fato de o sumo sacerdote Caifás ter decidido que "é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda".3° No entanto, as reivindicações de Cristo não morreram com ele, vindo a ser aceitas por um crescente número de judeus. Deixando de lado as questões de se Cristo ressuscitou dos mortos ou não, ou de se um "espírito santo" desceu sobre o resto de seus seguidores sob a forma de línguas de fogo, não resta dúvida de que a crucificação de Jesus de Nazaré não dissuadiu seus discípulos de pregar abertamente que ele era "não só Senhor, mas também Cristo". Na Espanha dos séculos XVI e XVII, a questão da descendência cristã pura tornou-se de capital importância, e isso significava pertencer a uma família cuja genealogia ou representantes vivos não exibissem o menor traço de "cristãos-novos" de origem judia. Assim, a categoria de limpieza de sangre ("pureza de sangue") tornou-se o padrão para se estabelecer um "bom nome" (honra). (N. do T) Houscon Scewarc Chamberlain (1855-1927), autor de obras anti-semíticas, proclamava a superioridade do povo alemão, e suas idéias de pureza racial exerceram grande influência sobre as teorias racistas de Hitler. (N. do T) 34 O NOVO TEMPLO Outrossim, está claro que os líderes judeus fizeram o possível para reprimir esse nascente movimento de judeus sediciosos. Pedro foi preso e Estêvão, apedrejado até a morte. Herodes Agripa I, neto de Herodes, o Grande, decapitou o apóstolo Tiago, irmão de João. Apenas os poderes reservados pelo procurador romano inibiram uma perseguição irrestrita; mas em 62 d.C., durante o breve interregno entre a morte de Pórcio Festo e a chegada de Lucéio Albino, o sumo sacerdote Anan condenou um segundo apóstolo chamado Tiago, conhecido como "o irmão do Senhor", a ser lançado da muralha do Templo e morto a pauladas. A verdadeira bête noire dos líderes judeus, contudo, não foi um dos doze apóstolos originais de Cristo, mas Paulo de Tarso, um homem que não conhecera Jesus e era zeloso na perseguição aos cristãos, até que, a caminho de Damasco com mandados de prisão de cristãos assinados pelo sumo sacerdote, Jesus apareceu-lhe numa visão e designou-o como seu "instrumento de escol para levar o meu nome diante das nações pagãs, dos reis, e dos filhos de Israel".3" Não se tratava apenas do fato de Paulo ser um apóstata, mas de ele ter levado o repúdio ao judaísmo um passo adiante, insistindo num ponto que de modo nenhum estava claro para os primeiros apóstolos de Crista - a saber, que se poderia ser cristão sem se tornar primeiro judeu. A controvérsia acerca de Paulo continua até hoje. A ele se atribui a invençâo do cristianismo elevando "um exorcista galileu" à condição de fundador de uma religião universal.3z Todavia, a animosidade dos líderes judeus da época era causada pelo extraordinário êxito por ele alcançado em suas viagens de evangelização pelo Império Romano. As cartas que Paulo escreveu àqueles que ele convertera em cidades como Éfeso, Corinto e Roma revelam grande respeito pela tradição judaica, mas uma insistência inflexível em que a Lei mosaica é agora redundante, em que somente podemos ser salvos pela fé em Cristo. Esse repúdio radical à raison d'êLre dos judeus contrariou muitos dos judeus entre seus companheiros cristãos e não foi aceito de imediato pela Igreja primitiva. Também foi usado contra Paulo pelos líderes judeus, que o levaram à presença de Galião, procônsul da Acaia, acusando-o de "persuadir os outros a adorarem a Deus de maneira contrária à Lei". Com uma exasperação semelhante à de Pilatos, Galião recusou-se a considerar as acusações: "Se se tratasse de um delito ou ato perverso, ó judeus, com razão eu vos atenderia. Mas se são questões de palavras, de nomes, e da própria vossa Lei, tratai vós mesmos disso! Juiz dessas coisas eu não quero ser 11.33 Ao regressar a Jerusalém, Paulo foi preso outra vez e conduzido diante do Sinédrio, mas, reivindicando seus direitos como cidadão romano, foi posto sob a proteção de Lísias, um tribuno romano. Ao perceber que não pode- 35 OS TEMPLÁRIOS ria livrar-se dele por meios legais, um grupo de judeus planejou assassiná-lo; mas o complô chegou ao conhecimento de Lísias, que enviou Paulo para Cesaréia escoltado por setenta soldados de cavalaria e duzentos de infantaria. Aí ele compareceu perante o legado Félix junto com seus acusadores: o sumo sacerdote Ananias com alguns dos anciãos e um advogado chamado Tertulo, que o acusou de criar problemas "entre todos os judeus do mundo inteiro" e de ser "um dos da linha-de-frente da seita dos nazareus". Paulo invocou seu direito de, como cidadão romano, apelar a César, e portanto Félix o mandou para Roma como prisioneiro. Segundo a tradição cristã, Paulo foi finalmente decapitado em Roma, não em conseqüência das acusações feitas pelos líderes judeus, mas como vítima da primeira perseguição aos cristãos empreendida pelos romanos pagãos sob Nero, no ano 67 d.C. Para o historiador romano Cornélio Tácito, esse primeiro ataque aos cristãos não foi o produto de um plano de ação ponderado do governo imperial, mas um capricho de Nero. Após o incêndio que em julho de 64 destruíra grande parte da cidade de Roma, Nero conseguiu livrar-se da suspeita de que ele próprio fora responsável pelo incêndio, atribuindo a culpa aos adeptos dessa incômoda seita. À execução inicial dos suspeitos seguiu-se a prisão em massa de cristãos, que foram condenados à morte de várias formas requintadas: homens foram crucificados, ou besuntados dé resina e queimados, ou envoltos em peles de animais para serem dilacerados e devorados por cães. Embora Tácito julgasse que a crueldade de Nero fora longe demais, e de, fato suscitara a compaixão dos cidadãos, ele não tinha dúvida de que os cris.tãos mereciam "punição rigorosa e exemplar" devido ao seu "ódio à humani.dade". Seu desprezo pelo mundo material, sua recusa em portar armas otl em participar de quaisquer rituais pagãos mais ou menos importantes que= faziam parte da vida em Roma, as reuniões secretas e as cerimônias obscuras nas quais eles "comiam" seu deus, e sobretudo sua certeza de que seus semelhantes pagãos estavam destinados a eterno tormento enquanto eles herdariam bem-aventurança eterna, tudo isso exerceu nos romanos um efeitP semelhante ao do distanciamento dos judeus. O número de judeus, contudo, era conhecido, e eles eram vistos como uma nação, não como uma seita. Assim que a rebelião na Palestina foi sufocada, os privilégios especiais de que antes gozavam os judeus - o direito de praticar o culto nas sinagogas, de circuncisar seus filhos varões e de descansar no Shabat- foram restaurados. A exclusividade dos cristãos, por outro lado, foi considerada não só ofensiva, mas também sediciosa, e, por esse mcltivo, durante os dois séculos e meio seguintes eles foram periodicamente re-- O NOVO TEMPLO primidos. "Seja qual for o princípio de sua conduta", escreveu Plínio, o Moço, "sua obstinação inflexível parecia merecer punição." 35 Em conseqüência, na condição de funcionário do governo imperial, Plínio, cujas obras o mostram como um homem bondoso, refinado e magnânimo, pediu a execução daqueles que professavam a religião cristã. "Quanto mais nos dizimam, mais crescemos", escreveu Tertuliano, autor cristão do século II, "a semente é o sangue dos cristãos." Conquanto houvesse decerto alguns apóstatas que, diante da escolha entre serem estraçalhados por leões e tigres na arena e espargirem um punhado de incenso no altar em honra de Zeus, escolheram a segunda opção, a sistemática perseguição aos cristãos não impediu o crescimento da Igreja. Longe de evitarem o martírio, muitos deles o aceitaram como uma imitação do sofrimento de Cristo. Ao ser preso, Inácio, o terceiro bispo de Antioquia, proibiu seus seguidores de fazerem o que quer que fosse para salvá-lo e implorou aos romanos que o lançassem aos leões. "Incitai as feras a tornar-se meu sepulcro, sem deixarem sobras de mim." Policarpo, bispo de Esmirna, foi mais judicioso mas igualmente inflexível quando lhe deram o direito de escolher entre cultuar César e ser queimado vivo. "O fogo queima por uma hora e se extingue rapidamente", disse ele ao governador romano Tito Quadrato, "mas vós nada sabeis do fogo do Julgamento vindouro e do castigo eterno reservado aos iníquos." Ato contínuo Quadrato pronunciou a sentença, e "as turbas apressaram-se a buscar troncos de madeira e feixes de lenha em oficinas e banhos públicos, e como sempre os judeus participaram com mais entusiasmo do que qualquer outra pessoa",36 Essas atrocidades repetiram-se em todos os rincões do Império. Na Frísia (na Ásia Menor), uma cidadezinha foi cercada por legionários que em seguida a incendiaram, destruindo-a por completo, junto coma população inteira homens, mulheres e crianças -, quando esta invocou Deus Todo-Poderoso. E por quê? Porque todos os habitantes da cidade sem exceção-o próprio prefeito e os magistrados, bem como os funcionários públicos e toda a população-declararam-se cristãos e recusaram-se terminantemente a obedecer à ordem de praticar idolatria.; A perseguição foi particularmente impiedosa em duas cidades romanas às margens do rio Ródano: Vienne e Lyon. Primeiro servos pagãos foram induzidos a acusar seus amos cristãos de orgias incestuosas e canibalescas, a fim de incitarem o povo contra eles; em seguida, as mortes mais atrozes foram Infligidas àqueles que não abjuraram Cristo para cultuar deuses pagãos. Não só os líderes da comunidade, como o bispo Potino, mas também os indivíduos OS TEMPLÁRIOS mais humildes foram torturados. Em Vienne, uma criada, Blandina, talvez um tanto feia ("através dela Cristo provou que as coisas que os homens julgam insignificantes, desgraciosas e desprezíveis são consideradas por Deus dignas de grande glória"), era tão resistente que "aqueles que se revezaram para submetê-la a toda a sorte de torturas, do amanhecer ao anoitecer, ficaram exaustos devido a seus esforços e confessaramse derrotados - eles não conseguiam pensarem mais nada para fazer a ela". "Depois dos chicotes, das feras, da grelha, ela afinal foi colocada num cesto e arremessada contra um touro. »3s No século XIX Friedrich Nietzsche denegriu o cristianismo por ter recorrido a servos como Blandina e, acima de tudo, ao enorme número de escravos, para quem a garantia de igualdade espiritual compensava sua falta de valor como cidadãos. Contudo, o cristianismo não se limitou às pessoas sem educação: estendeu-se às famílias de senadores e até mesmo dos próprios imperadores. Filósofos e eruditos formidáveis, como Justino, Orígenes, Tertuliano e Clemente de Alexandria, não apenas adotaram o cristianismo, mas em seus próprios escritos aprofundaram a compreensão do credo cristão pela Igreja. Orígenes escoimou as escrituras dos Evangelhos apócrifos e firmou a autenticidade do Novo Testamento conforme o conhecemos hoje. Apolônio, descrito por Eusébio como "um dos mais ilustres cristãos de seu tempo pela erudição e conhecimentos de filosofia", teve uma audiência perante o Senado rornano, que no entanto o condenou a ser decapitado, porque nenhum outro veredicto era possível sob o estatuto: "A existência de um cristão é ilegal". Antes de sua prisão, Apolônio refutara com vigor a heresia de um certo Montano, que negou que a Igreja tivesse autoridade para absolver os pecados graves dos penitentes. Essa heresia foi apenas uma entre muitas que haveriam de atormentar a Igreja cristã desde seus primórdios e através de sua história. O próprio apóstolo Pedro havia advertido que "Houve, contudo, também falsos profetas no seio do povo, como haverá entre vós falsos mestres, os quais trarão heresias perniciosas (... ) ";39 e Paulo de Tarso condenou os gnósticos e os docetas em sua Epístola aos Colossenses. Inácio de Antioquia usou a palavra herege como um termo de acrimoniosa censura. Tertuliano, que por ironia mais tarde juntou-se aos montanistas, definiu um herege como alguém que coloca seu próprio julgamento acima do da Igreja, quer fundando uma seita, quer unindo-se a alguém que, em seus ensinamentos, se desvia das doutrinas que os apóstolos receberam de Cristo. A fim de refutarem falsos ensinamentos, os sucessores dos apóstolos realizaram concílios - o primeiro em Jerusalém em 51 d.C., outro na Ásia Menor cinqüenta anos mais tarde. Cada um desses "bispos" também possuía autoridade no seio de sua própria comunidade, sendo os mais preemi- O NOVO TEMPLO nentes os das cidades mais importantes do Império, tais como Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Roma, os quais eram os patriarcas da religião nascente. O primeiro entre seus pares no meio desses bispos e patriarcas surgiu na figura do sucessor de Pedro, o líder dos apóstolos, que havia presidido a comunidade cristã em Roma. Clemente, que se supõe tenha sido sagrado bispo por Pedro, escreveu no ano 96 a fim de resolver uma disputa na Igreja de Corinto. Vítor, bispo de Roma em fins do século II, estabeleceu a data para a celebração da Páscoa e excomungou um mercador de couro chamado Teodato, que pregava que Jesus tinha sido um mero homem. Vítor também é o primeiro bispo de quem se tem notícia que entrou em negociações com a família do imperador: ele forneceu a Márcia, a amante cristã do imperador Cômodo, uma relação de cristãos condenados às minas da Sardenha e conseguiu sua libertação. Cômodo, filho de Marco Aurélio, apesar de ser um regente insatisfatório, tolerava os cristãos por causa da influência de Márcia. A perseguição prosseguiu sob seu sucessor, Sétimo Severo. Era esporádica, dependendo do ponto de vista do imperador que estivesse no poder: alguns dos mais sagazes e esclarecidos, como os imperadores antoninos e Marco Aurélio, foram inclementes na repressão aos cristãos. A perseguição tornou-se acerba no tempo dos imperadores Maximiano, Décio e sobretudo Diocleciano, que em 303 empreendeu o que veio a ser chamado "A Grande Perseguição", que só terminou quando Diocleciano abdicou e retirou-se para seu palácio em Split, na costa da Dalmácia. Por julgar que o Império Romano era grande demais para ser governado por um só homem, antes de se retirar Diocleciano nomeou quatro para uma junta de governadores, ou tetrarquia, um dos quais Constâncio Cloro, a quem coube o quadrante norte do Império, que incluía a Bretanha e a Gália. Quando Diocleciano abdicou em 305, Cloro tornou-se o principal César no Ocidente, mas morreu um ano depois em York. Seu filho Constantino foi proclamado imperador pelas legiões da Bretanha e, após uma série de vitórias sobre pretendentes rivais, estabeleceu seu governo sobre todo o Império. Constantino acreditava que havia chegado ao poder com a ajuda do Deus dos cristãos. Às vésperas da crucial batalha contra o imperador rival Maxêncio na Ponte Mílvio, junto dos muros de Roma, fora-lhe dito num sonho (ou possivelmente numa visão) que pintasse um monograma cristão nos escudos de seus soldados com as palavras: "Inhocsigno vintes" ("Com este sinal vencerás"). A perseguição havia abrandado nas províncias ocidentais durante o governo de Cloro, seu pai, e agora cessara por completo em todo O Império. De acordo com o Edito de Milão, de 313, todos os decretos penais OS TEMPLÁRIOS contra os cristãos foram revogados; os prisioneiros cristãos foram postos em liberdade e sua propriedade restaurada. Mas a política de Constantino para com os cristãos foi além da tolerância. Bispos converteram-se em seus conselheiros e receberam permissão para usar o serviço postal do Império, um privilégio inestimável numa época em que as viagens por terra eram perigosas e caras. Uma lei de 333 determinava que os funcionários do Império acatassem as decisões dos bispos e acolhessem seu testemunho acima de outros depoimentos. Constantino doou a propriedade imperial de Latrão ao bispo de Roma para a construção da basílica e promulgou leis concedendo ao clero cristão privilégios fiscais e imunidades legais, "pois quando eles são livres para prestar serviços supremos à Divindade, é evidente que prestam grande benefício aos negócios de Estado". Ele apreciava a companhia de bispos cristãos, chamava-os de irmãos, recebia-os na corte e, caso tivessem sido flagelados e mutilados em perseguições passadas, beijava-lhes as cicatrizes com reverência. Como Herodes, Constantino também passou por tragédias em seu círculo familiar próximo. Fausta, sua segunda esposa, acusou Crispo, filho dele com a primeira esposa, de fazer-lhe propostas indecorosas. Crispo foi executado antes que Helena pudesse provar ao imperador que as acusações eram falsas. Fausta foi então asfixiada num banho quente demais, Na esteira dessa tragédia, Helena - convertida ao cristianismo por Constantino - partiu numa viagem penitencial à Palestina. Aí Constantino havia ordenado a demolição dos templos e a construção de igrejas no local do nascimento de Cristo, em Belém, e em outros sítios, como o da sua crucificação, em Jerusalém, e o túmulo de onde ele ressuscitara dos mortos. Durante as escavações, descobriu-se o madeiro de uma cruz com a inscrição "Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus". Se se tratava ou não do que se acreditava ser, ou de uma mentira que impingiram a uma velha crédula, o madeiro foi aceito por Helena e cristãos fiéis como a suprema relíquia de sua Salvação e, em virtude de seu significado, foi colocado na igreja construída sobre o Santo Sepulcro em Jerusalém. A conversão de Constantino foi de momentosa importância para o cristianismo. De igual importância para o futuro do Império foi sua decisão de transferir a capital de Roma para Bizâncio, às margens do Bósforo. Tornara-se claro por algum tempo que Roma estava muito mal situada como centro estratégico de um Estado cujas fronteiras mais vulneráveis e províncias mais prósperas estavam situadas no Oriente. Os imperadores haviam se tor- nado antes de tudo comandantes militares, que para seu poder ou legitimi- O NOVO TEMPLO dade já não dependiam nem do Senado nem do povo de Roma. Bizâncio, com sua estratégica posição entre a Europa e a Ásia, entre o mar Negro e o Mediterrâneo, e com seu porto natural, conhecido como Como de Ouro, adequava-se com perfeição a esse papel. Dentro de três semanas após sua vitória sobre Licínio, um de seus rivais, nas proximidades de Crisópolis, em 324, Constantino assentou as fundações dessa "nova Roma". A cidade, que já fora ampliada por um de seus predecessores, Sétimo Severo, triplicou em tamanho e foi dotada de magníficas obras públicas, tais como o Hipódromo, iniciado no tempo de Severo, um palácio imperial, casas de banho e edifícios públicos, e de ruas adornadas com numerosas estátuas provenientes de outras cidades. Cidadania plena e pão de graça eram oferecidos como estímulo a quem se estabelecesse na cidade, e havia uma política de tolerância para com pagãos e judeus. Rebatizada com o nome de Constantinopla em homenagem a seu fundador, a cidade transformou-se num centro da religião que ele protegia. Várias grandes igrejas foram construídas pelo imperador, e em 381 a cidade tornou-se a sede de um patriarca, que se juntou aos de Roma, Antioquia, Alexandria e mais tarde Jerusalém. Constantino solicitou que muitos dos primeiros concílios da Igreja se reunissem em Constantinopla ou em cidades próximas, como Nicéia e Calcedônia. A supremacia do cristianismo ainda não estava assegurada. Durante o reinado de Juliano, sobrinho de Constantino que mais tarde veio a ser conhecido como "o Apóstata", o paganismo foi restabelecido e a Igreja submetida a uma forma de perseguição renovada. Digno de nota é o fato de uma das medidas iniciadas por Juliano para opor-se aos cristãos, a quem ele cha- mava de "os galileus", ter sido a reconstrução do Templo em Jerusalém; calamidades naturais (consideradas como intervenções milagrosas pelos cristãos) dificultaram o projeto, e ele foi abandonado por causa da morte do imperador em 363. Juliano foi o último dos imperadores pagãos. Sob seu sucessor, Joviano, a igreja recuperou a posição privilegiada de que gozara no tempo de Constan- tlno e tornou-se tão intolerante para com o paganismo quanto este tinha sido para com o cristianismo. Antes, sob Constâncio, filho de Constantino, os templos pagãos tinham sido fechados e os sacrifícios aos deuses pagãos proibidos sob pena de morte. Agora a proibição era absoluta, e as cerimônias pagãs continuaram apenas secretamente, com freqüência à guisa de orgias ou de comemorações sazonais. Os templos antigos foram abandonados e entraram em decadência ou foram destruídos. OS TEMPLÁRIOS A mesma intolerância foi demonstrada com os judeus. Por terem participado da perseguição aos cristãos pelos pagãos e acolhido com prazer a contra-reforma de Juliano, o Apóstata, eles eram agora objeto de opressão pelos estatutos imperiais e de hostilidade por parte de turbas cristãs. O imperador Teodósio, um dos últimos a governar um império indiviso, promulgou um decreto em 380 prescrevendo o Credo de Nicéia como vínculo de todos os súditos. Isso se dirigia tanto contra cristãos heréticos quanto contra os pagãos e os judeus, mas encorajou excessos entre zelotes cristãos. Em 388, em Calínico, às margens do rio Eufrates, a sinagoga foi completamente destruída por um incêndio provocado por uma chusma cristã. Teodósio ordenou sua reconstrução a expensas dos cristãos, mas foi persuadido por Ambrósio, arcebispo de Milão, a revogar a ordem. "O que é mais importante?" perguntou o prelado ao imperador. "A ostentação de disciplina ou a causa da religião?"4° Outra demonstração do tipo de poder agora exercido pelos bispos ocorreu dois anos mais tarde, quando um massacre punitivo em Tessalonica ordenado por Teodósio foi condenado por um concílio da Igreja por instigação de Ambrósio, e o imperador só pôde voltar a comungar após penitência pública. Ambrósio mostra como, enquanto Roma se tornou cristã, o cristianismo se tornou romano, adotando um sistema de administração e um corpo de leis como os do Império e empregando o mesmo pessoal. Ambrósio era filho de um prefeito romano e membro da classe senatorial. Fora educado em Roma e contratado como funcionário público do Império, exercendo por volta de 371 o cargo de governador das províncias da Emília e da Ligúria, cuja sede administrativa era em Milão. Intervindo em sua condição oficial numa acirrada eleição episcopal em 373, foi inesperadamente escolhido por aclamação popular para ser bispo. Embora sua família fosse cristã, ele ainda não havia sido batizado. Foi admitido na Igreja em 24 de novembro e ordenado padre e consagrado bispo em 1° de dezembro. Foram os sermões de Ambrósio, feitos em Milão, que persuadiram um jovem professor de retórica da cidade, Agostinho, a tornar-se cristão. Filho de pai pagão e mãe cristã, ambos de origem berbere, Agostinho vivera no Norte da África até mudar-se para Milão. As características marcantes de sua juventude foram a curiosidade intelectual e a licença sexual. Antes sectário do maniqueísmo, a crença de que Deus e o Demônio são poderes iguais, sendo Deus o criador do espírito e o Demônio da matéria, e mais tarde neoplatônico, Agostinho foi persuadido por Ambrósio da verdade da doutrina cristã. Mas ele era ambicioso e tinha uma forte pulsão sexual. Abandonou sua amante de longa data, de quem tivera um filho, pela perspectiva de um casa- O NOVO TEMPLO mento vantajoso; e enquanto aguardava que sua futura noiva atingisse a maioridade, teve romances com várias outras mulheres. Seu amor pelas mulheres tinha sido sempre um obstáculo à sua conversão. Na adolescência ele havia rezado a Deus: "Concede-me castidade e continência, mas não ". Ele receara que Deus talvez atendesse à sua prece depressa demais "que tu me curasses rápido demais da minha doença da concupiscência, que eu preferia antes satisfazer do que suprimir"." Agostinho tinha agora pouco mais de rinta anos, e seus "antigos amores" impediam-no de se converter. Ele se encontrava num estado de indecisão imobilizadora, até que uma tarde, no jardim de sua hospedaria, ouviu uma voz etérea ("talvez fosse de um menino ou de uma menina") entoando "toma e lê, toma e lê". Abriu ao acaso um livro das epístolas de Paulo de Tarso, e seus olhos pousaram na Epístola aos Romanos: "Como de dia, andemos decentemente; não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes. Mas vesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne".az Agostinho foi batizado por Ambrósio em 387 e regressou para o Norte da África, onde se tornou padre. A princípio viveu numa comunidade retirada, mas depois de cinco anos foi feito bispo de Hipona. Passou os trinta e cinco anos restantes de sua vida cumprindo suas obrigações como bispo diocesano e escrevendo obras de suma importância para o futuro da Igreja. Como veremos quando discorrermos sobre a fundação dos Templários, foi a regra estabelecida por Agostinho para sua comunidade de cristãos que a ordem inicialmente adotou; e foi a teoria de Agostinho de uma guerra justa que se usou para defender as cruzadas. Há dois outros desenvolvimentos notáveis no tempo de Ambrósio e Agostinho que vieram a moldar a Europa na Idade Média. O primeiro foi a divisão do Império Romano em dois. A metade oriental tornou-se o Império Bizan- tino e com passar do tempo substituiu o uso do latim pelo do grego. A metade ocidental foi governada nacionalmente de Roma, mas, de vez em quando, de Milão ou de Ravena. A linha demarcatória era o mar Adriático e uma linha através da atual Iugoslávia que permanece problemática até hoje. Ambos os impérios estavam constantemente em guerra com as tribos e Povos além de suas fronteiras: na Ásia, os persas; na Europa, no outro lado do Danúbio e do Reno, as tribos bárbaras dos sármatas, ostrogodos, visigodos, francos, burgúndios, alamanos, quados, vândalos, e atrás deles a feroz tribo d°s hunos, que das estepes fora empurrada para a frente por razões desconhecidas. agora OS TEMPLÁRIOS A linha não podia ser mantida, mas o que veio a ser descrito como a "Queda" do Império Romano não foi a única derrota dramática ou mesmo uma seqüência de derrotas dos exércitos imperiais seguidas de uma colonização sistemática pelos vencedores bárbaros. "Essas invasões não foram ataques permanentes e destrutivos, e muito menos campanhas de conquista organizadas. Foram antes uma `corrida do ouro' de imigrantes de países subdesenvolvidos do Norte para as ricas terras do Mediterrâneo. 1141 Algumas tribos, como os francos e os alamanos, já tinham obtido permissão para se estabelecer dentro das fronteiras do Império, no Nordeste da Gália; e os ostrogodos e os visigodos, impelidos para oeste pelos hunos, foram autorizados a se mudar para a Trácia. Os chamados "bárbaros" acabaram sendo recrutados pelo exército romano e chegaram até a comandá-lo. Estilicão, um meio-vândalo, casou-se com a sobrinha do imperador Teodósio e assumiu o controle do Império após a morte deste. Mas esses eram tempos de violência, confusão e desordem, quando hordas temíveis e freqüentemente famintas vagueavam pela Europa em busca de segurança e alimento. Em 406, os vândalos e os suevos, seguidos pelos burgúndios e pelos alamanos, fugiram do avanço dos hunos por sobre a superfície congelada do rio Reno e penetraram na Gália. Em 407, os romanos retiraram suas legiões da Bretanha, deixando aos próprios b.retões a defesa contra os pictos e os escotos no norte, e contra ataques piratas na costa leste por anglos, saxões e jutos. Em 410, Alarico e seus visigodos capturaram e saquearam Roma, em seguida voltaram para o norte, ao longo da costa do Mediterrâneo, fixando-se no Sudoeste da França e posteriormente na Espanha. Em 429, oitenta mil vândalos moveram-se impetuosamente pela Espanha e cruzaram o estreito de Gibraltar, alcançando as províncias romanas do Norte da África. Agostinho morreu em 430, durante o cerco deles a sua Hipona. Foram feitas tentativas, em particular pelo general romano Aécio, de estabelecer um pouco de ordem na solução da questão relacionada com as tribos bárbaras. Houve alguns triunfos transitórios: Aécio venceu uma tropa huna sob o comando de Átila, a qual então rumou para o sul, em direção à Itália, saqueando cidades na planície do Pó, e só não atacou Roma porque o papa havia pago tributo. Mas, após a morte de Aécio, os imperadores romanos do Ocidente não passavam de chefes nominais, estando o verdadeiro poder concentrado nas mãos de chefes de tribos germânicas. Um desses chefes, Odoacro, depôs o último imperador, Rômulo Augústulo, e governou a Itália como rei bárbaro. Conceitualmente, ele o fez como regente do imperador do Oriente em Constantinopla, mas na verdade o Império Romano do Ocidente, como entidade política distinta, havia chegado ao fim. 44 O NOVO TEMPLO Todavia, isso não significou "o desaparecimento de uma civilização: foi cão-somente a falência de um aparato de governo que já não poderia ser sustentado".``'' Os bárbaros, que continuaram a ser minorias nas terras que conquistaram, não se opunham ao Império, e a idéia de destruí-lo nunca lhes passou pela cabeça: "a concepção de que o Império era universal demais, augusto demais, duradouro demais. Estava em toda a parte ao redor deles, e eles não conseguiam lembrar-se de nenhuma época em que não tivesse sido assim".''SA organização social e as tradições culturais do Império Romano sobreviveram à extinção da administração centralizada única nos condados, à medida que ducados e reinos começaram a tomar forma: o principado ostrogodo na Itália; um Estado visigodo na Espanha e na Gália até o Loire; e mais ao norte o reino dos francos sólios. Antes do fim do século V, os francos, sob seu rei Clóvis, haviam se transformado na potência dominante ao norte dos Alpes. Após a derrota dos alamanos e dos visigodos, o domínio franco estabeleceu-se entre o Reno e os Pireneus. Por volta de 498, Clóvis tornou-se cristão junto com todos os seus barões - conta-se que ele teria testemunhado um milagre no túmulo de Maninho de Tours. O batismo de Clóvis, a exemplo da conversão de Constantino, foi de momentosa importância para o futuro da Igreja cristã. Contudo, os dotes que cada parte agora trouxe para essa união entre o secular e o espiritual eram muito diferentes do que tinham sido século e meio antes. Clóvis não era o chefe de governo de um Estado imenso e bem administrado, mas o líder de uma horda de lutadores ferozes e sem educação. Ele não podia conceder aos bispos, como Constantino fizera, pródigas dotações, privilégios fiscais e os emolumentos de funcionários civis graduados. Tudo o que ele podia oferecer eram as almas de seu povo selvagem e o compromisso de proteger a Igreja universal ou "Católica". Por outro lado, a Igreja tinha muito a oferecer ao chefe bárbaro, pois possuía uma organização intacta, à qual a do Estado romano servira de modelo. No topo da hierarquia estava o patriarca do Ocidente, o bispo de Roma, agora chamado papa (do grego pappas, ou "pai"), com cardeais como chefes de departamento de sua administração. Abaixo dele, no que restara das maiores cidades do arruinado Império, estavam os arcebispos; e na maioria das cidades de alguma importância, um bispo com um corpo de diáconos e padres letrados. A Igreja era portanto rica, pois recebera de imperadores cristãos generosas doações de propriedades rurais; por conseguinte, após o colapso do comércio e da legalidade, tinha condições de prover tanto O bern_estar material quanto moral aos povos sob seus cuidados. Com o colapso das instituições políticas e administrativas do mundo romano, o OS TEMPLÁRIOS episcopado tornou-se a única força moral e, graças ao seu patrimônio imobiliário, o único recurso econômico que restara para o povo. O bispo substituía o Estado como provedor de serviços públicos, fornecendo alimentos aos pobres, resgatando prisioneiros e cuidando do bem-estar dos presos. Hospícios', hospitais, orfanatos e até estalagens eram anexos de igrejas e mosteiros. A Igreja assumiu mais do que as funções do extinto Império: era o Império Romano na mente do povo. Ser romano era ser cristão; ser cristão era ser romano. Depois de Justiniano, "o mundo mediterrâneo passou a considerar a si mesmo não mais como uma sociedade na qual o cristianismo era apenas a religião dominante, mas uma sociedade totalmente cristã. Os pagãos desapareceram nas classes mais elevadas, e mesmo no campo (...) o não-cristão constatava que era um fora-da-lei num Estado unificado"." Num sentido real e consciente, os bispos da Igreja Católica assumiram as responsabilidades da classe senatorial romana: essa foi "a hipótese básica por trás da retórica e do cerimonial do papado medieval 11.41 Desde os primórdios da Igreja cristã, o bispo de Roma vinha reivindicando ascendência em questões espirituais não apenas como patriarca do Ocidente, mas como o sucessor de Pedro, a quem o próprio Cristo dera as chaves do reino do céu e o poder de "ligar e desligar", isto é, de determinar o que era verdadeiro e o que era falso; e na época das invasões bárbaras, a jurisdição romana era aceita em todas as dioceses do Império do Ocidente. Agora, à supremacia espiritual do papa, na ausência de um imperador, foi acrescida a autoridade de primeiro magistrado da cidade de Roma. Mesmo que por algum tempo a cidade tivesse estado em declínio, ela continuava, de longe, a maior e a mais populosa cidade do Ocidente. Alguns dos majestosos edifícios e esplêndidos monumentos tinham sido desmantelados por seus habitantes para serem usados como material de construção, mas ainda restava muito de seu glorioso passado. Seu povo era conservador; as antigas famílias senatoriais ainda eram preeminentes; e as influências pagãs continuavam fortes. Quando Alarico e seus visigodos ameaçaram atacar a cidade em 408, o prefeito e o Senado propuseram sacrifícios aos deuses pagãos. Suas invocações fracassaram, e o mesmo aconteceu com a iniciativa diplomática do papa Inocêncio I. Os visigodos, sob o comando de Alarico, capturaram e pilharam Roma. Contudo, quase cinqüenta anos mais tarde, o papa Leão I foi a Mântua, onde Átila, o líder dos hunos, conseguiu convencê-lo a permanecer longe de Roma. Em 455, ele encontrou Gaiserico, líder dos vândalos, fora dos muros da cidade; e embora suas tentativas de evitar Casas de hospedagem para viajantes, dirigidas por uma ordem religiosa. (N. do T) 46 O NOVO TEMPLO que pilhassem a cidade tivessem malogrado, a seu pedido eles desistiram de fazer mal à população. Mais de um século depois, outro papa, Gregório, o qual, a exemplo de Leão, veio a receber o título de "o Grande", enfrentou uma invasão lombarda e tornou-se ele próprio responsável pelo bem-estar dos cidadãos de Roma. Oriundo de uma família abastada e aristocrática, e parente de dois papas anteriores, Gregório não apenas fez uso de seus próprios recursos para mitigar o sofrimento dos pobres, como também nomeou reitores para elevar ao máximo as receitas provenientes do "patrimônio de São Pedro" - grandes propriedades espalhadas por toda a Europa que pertenciam ao papado. Em 593, quando o rei lombardo Agilulf sitiou a cidade, Gregório assumiu o comando das tropas e convenceu os lombardos a partir. Na ausência de qualquer autoridade secular efetiva, Gregório tornou-se governante de facto da Itália. Recrutou tropas, nomeou generais e celebrou tratados, mas isso não foi percebido como um afastamento radical da tradição. "Ao tempo de Gregório, a distinção mais tarde feita entre questões espirituais e seculares não estava clara: os homens nunca haviam pensado num divórcio entre a autoridade política e uma base religiosa. '141 Ele se empenhou com igual zelo em obter o bem-estar da Igreja, impondo o celibato ao clero e um rígido código para a eleição de bispos. Era tolerante com os judeus: em 599, ordenou reparação após a profanação de uma sinagoga em Caraglio, no norte da Itália, e repreendeu os bispos de Aries e Marselha por permitirem o batismo compulsório de judeus em suas dioceses. Como seu antecessor Leão, insistiu na autoridade universal do bispo de Roma, combateu a heresia, e diz-se que a visão de anglos louros pagãos sendo vendidos como escravos em Roma induziu-o a enviar Agostinho e um grupo de quarenta monges beneditinos para pregarem o Evangelho em sua terra natal. Gregório, o Grande, foi o primeiro papa que era monge, e o crescimento do ri onasticismo é o segundo progresso na história da Igreja cristã que influencia nossa compreensão dos templários. A palavra "monge" procede do grego monos e significa "sozinho" ou "solitário". Não foi usada pelos cristãos até o século IV porque até meados do século III os monges cristãos eram desconhecidos. A Igreja primitiva era encontrada sobretudo nas cidades e, a julgar pelos Atos dos Apóstolos, seus membros mantinham seus bens em comum. "Nós partilhamos tudo", escreveu Tertuliano, "menos nossas esposas." Todavia, nem todos os homens e mulheres entre os cristãos primitivos se casavam. Desde o começo a virgindade era considerada como um sinal de dedicação total a Deus. Paulo de Tarso, a quem se atribui a pecha de não olhar as mulheres com bons olhos, julgava que era bom se casar, mas melhor 47 OS TEMPLÁRIOS permanecer celibatário: ele esperava um iminente fim do mundo e, portanto, via o casamento como uma distração despropositada. Também salientou que aqueles que eram casados tinham de considerar o bem-estar de seus cônjuges, ao passo que os solteiros podiam dedicar-se integralmente a Deus. Uma leitura imparcial de suas epístolas sugere que ele não era nem puritano nem misógino, conforme costuma ser retratado. No que se refere às relações sexuais, ele recomendava a maridos e mulheres que dessem um ao Nutro aquilo que por direito lhes cabia esperar. Apesar de a princípio prescrever que os viúvos não deveriam contrair novas núpcias, mais tarde mudou radicalmente de opinião, afirmando que é melhor casar-se do que viver atormentado pelo desejo sexual ("é melhor casar-se do que ficar abrasado"). Contudo, parece certo que Paulo e os cristãos primitivos consideravam o casamento um obstáculo à perfeição. O apreço pelo celibato, embora possivelmente encontrado nas seitas essênias, foi um desvio da doutrina judaica de que homens e mulheres deveriam obedecer à ordem de Deus no Li'ro do Gênesis: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a"; mas veio do conselho do próprio Cristo quando ele louvou "eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus", acrescentando: "Quem tiv-,r capacidade para compreender, compreenda".49ISSO levou a um culto da virgindade na Igreja primitiva que algumas vezes foi longe demais: no século, III o jovem Orígenes foi censurado por ter interpretado ao pé da letra o que Jesus dissera, infligindo-se uma automutilação que mais tarde ele veio a lamentar. Em sua história, Eusébio descreve com aprovação como jovens cristãs, durante os períodos de perseguição, preferiram a morte à desonra. Dominina e suas duas filhas "em plena flor de seu encanto juvenil", aprisionadas por serem cristãs e enviadas sob escolta para Antioquia, "após terem viajadp metade do percurso (...) recatadamente pediram aos guardas que as desculpassem por um momento e atiraram-se no rio que corria ali perto".So O cânon dos santos tem muitas dessas "virgens e mártires" desse período, mas ainda não existiam freiras ou monges. Viver como cristão e estar pronto para morrer por suas crenças era considerado o bastante. Somente após a conversão de Constantino e a transformação da Igreja de uma seita perseguida numa instituição rica e privilegiada é que se t)rnou vantajoso ser cristão e possível praticar essa religião com um mínimo de, zelo. Entre a maioria dos cristãos, os padrões de piedade declinaram, mas p--rmaneceu um pequeno número que conservava o espírito fervoroso da igreja primitiva e tentava fugir das preocupações políticas e materiais do mundo. A riqueza crescente da Igreja parecia contradizer a recomendação de Cristo ao jovem rico: "Vende tudo que tens e distribui aos pobres". E a seguir: "Como é difícil aos que têm riquezas entrar no Reino de Deus".5' 48 O NOVO TEMO Os primeiros exemplos de cristãos que aceitaram as palavras de Cristo são encontrados no Alto Egito - primeiro Paulo, que aos quinze anos, para escapar da perseguição no tempo do imperador Décio, foi viver numa caverna perto de uma palmeira e de uma fonte. Ele aí permaneceu pelos próximos noventa anos sem companhia de nenhum outro ser humano, até ser encontrado por outro eremita, Antônio, pouco antes de sua morte. Antônio, um rapaz de Hieracômpolis, também no Alto Egito, após a morte de seus pais em cerca de 273, tomou providências para a educação da irmã, em seguida vendeu todos os seus bens restantes e deu o produto da venda aos pobres. Ele também foi morar numa caverna no deserto próximo, vivendo a pão e água, que consumia uma vez ao dia. Vários admiradores juntaram-se a ele, que afinal fundou dois mosteiros, para os quais formulou uma regra de vida. Sua fama era tamanha, que o imperador Constantino pediu-lhe quf orasse por ele, ao passo que Atanásio, bispo de Alexandria, escreveu un relato de sua vida. O exemplo de Antônio foi contagiante. As décadas que se seguiram à sua morte testemunharam um verdadeiro êxodo para o deserto de homens que procuravam aproximar-se de Deus, vivendo sozinhos em lugares remotos, em cavernas, cabanas improvisadas ou edifícios abandonados, comendo apenas o suficiente para a mera sobrevivência, infligindo severas penitências a si mesmos e devotando sua vida de vigília à oração. A princípio, esses eremitas reuniam-se apenas para assistir à missa e receber conselhos de eremitas mais velhos; mas em seguida foram criadas comunidades que aceitavam a direção de um líder ou "pai" escolhido. Pacômio, que viveu de 286 a 346 d.C., chefiou um grupo que acrescentou o voto de obediência à pobreza e à castidade e redigiu um código penal para transgressões. Ele é considerado o primeiro abade, palavra oriunda de abba, o equivalente hebraico de "pai°°, O exemplo dos eremitas egípcios foi seguido na Síria e na Palestina. Na Síria, alguns acorrentavam a si mesmos às paredes rochosas de suas cavernas ou viviam ao ar livre, sem nenhuma proteção contra as forças da natureza. Sua reputação de santidade atraía multidões de seguidores à procura de orações e conselhos. A fim de evitá-los, refugiavam-se ainda mais no deserto; Simeão, o Estiliza, por exemplo, passou a viver numa plataforma no alto de uma coluna de dezoito metros de altura, de onde se podiam ouvir não os desvarios de um fanático, mas palavras sensatas e de solidariedade. O imperador Marciano visitou-o incógnito, e sob influência de Simeão a imperatriz Eudóxia deixou de apoiar os heréticos monofisitas e retornou ao credo ortodoxo. OS TEMPLÁRIOS Jerônimo, um erudito romano que traduziu a Bíblia para o latim e trabalhou como secretário do papa Dâmaso, viveu entre os eremitas no deserto a leste de Antioquia. Basílio, oriundo de uma família rica e ilustre da Capadócia, na Ásia Menor, viajou pelo Egito, pela Síria e pela Palestina a fim de visitar as numerosas comunidades antes de regressar e fundar seu próprio mosteiro na propriedade de sua família em Annesi, às margens do rio Íris, perto de uma comunidade de freiras fundada por sua irmã Macrina. Ele rejeitou as proezas individuais dos eremitas em favor de uma vida comunal em que a oração era mesclada com trabalho físico e obras de caridade: um orfanato e uma oficina para os desempregados eram anexos a seu mosteiro. Embora não tenha escrito nenhuma regra, Basílio é considerado o fundador do monaquismo na Igreja do Oriente. O movimento monástico propagou-se para o Ocidente. João Cassiano, monge primeiro em Belém e mais tarde no Egito, foi enviado pelo patriarca de Constantinopla numa missão a Roma e depois permaneceu no Ocidente, estabelecendo-se em Marselha. Ele fundou dois mosteiros, um deles na Ìle des Lérins, e escreveu duas obras sobre a vida monástica, Institutos e Conferências, que foram usadas pelo pai do monaquismo no Ocidente, Bento de Núrsia, na formulação de sua regra. Como vimos, Agostinho de Hipona pensava que a conversão sincera ao cristianismo levava inevitavelmente a alguma forma de vida monástica, mas foi chamado da reclusão monástica para ajudar a administrar a Igreja. O mesmo se deu com Martinho de Tours, filho de um oficial do exército romano e ele próprio um soldado que, embora tivesse nascido na Hungria, estava estacionado em Amiens, no norte da França, onde, após dar metade de seu manto a um mendigo, teve uma visão na qual ele cobria os ombros de Cristo. Após deixar o exército por volta de 355/6, Martinho viveu por algum tempo como eremita, primeiro numa ilha da costa italiana e depois numa pequena comunidade de eremitas perto de Poitiers. Sua santidade e os milagres que lhe foram atribuídos fizeram com que fosse eleito bispo de Tours. Foi consagrado em 4 de julho de 371, a despeito das objeções de alguns outros bispos e da nobreza local de que ele não era fidalgo e parecia "desprezível, com roupas sujas e cabelos em desalinho". Mesmo como bispo, viveu uma espécie de vida de eremita num mosteiro que fundara fora de Tours. Era diligente na repressão do paganismo, destruindo santuários e derrubando árvores sagradas. Os poderes milagrosos que lhe eram atribuídos continuaram após sua morte e, como vimos, supostamente levaram à conversão de Clóvis. Martinho foi o primeiro cristão que morrera de morte natural a inspirar o culto a um santo. O NOVO TEMPLO Contudo, entre os bispos, Martinho era a exceção, e não a regra, e o progressivo envolvimento do clero regular em assuntos seculares nos últimos anos do Império Romano, associado à selvageria que prevaleceu após o colapso do Império no Ocidente, levou aquelas pessoas de índole bondosa e pia a criar numerosas pequenas comunidades isoladas do mundo com nenhum interesse fora de seus muros, a não ser o de ajudar o próximo e os viajantes, material e espiritualmente. Mesmo no interior dos muros não havia trabalho específico. Os monges a princípio não eram nem sacerdotes nem eruditos, e não havia elaboração de cântico ou ritual. Eles viviam juntos para servir a Deus e salvar suas almas.5z Esse pluralismo monástico sofreu uma transformação pela influência de Bento de Núrsia, a figura mais importante no estabelecimento do monaquismo na Europa Ocidental. Ele nasceu por volta do ano 480 numa família da pequena nobreza que vivia ao sul de Roma e nos montes Sabinos. Enviado a Roma para ser educado, ficou tão estarrecido'com a dissipação dos romanos que abandonou a cidade e viveu como eremita numa caverna na encosta de uma montanha em Subiaco. Pouco depois vieram juntar-se a ele outros rapazes que queriam partilhar seu modo de vida. Em algum momento entre 520 e 530, em conseqüência de uma intriga, abandonou a comunidade em Subiaco com um grupo de prosélitos e mudou-se para Cassino, onde, depois de demolir um templo a Apolo que encontrara no cume de uma montanha, fundou o mosteiro de Monte Cassino. Foi aí que ele escreveu sua regra, um código de conduta para seus monges que veio a estabelecer o modelo da fé religiosa na Europa Ocidental pelos seiscentos anos seguintes. Ao compô-la, Bento lançou mão das experiências de Basílio e das obras de João Cassiano; mas o teor da obra reflete a extraordinária personalidade de Bento. Em sua sensatez, ela baseia-se na herança romana do autor; em seu fervor, na intensa fé que ele possuía. A regra demonstra uma judiciosa apreciação da realidade da vida numa comunidade e uma verdadeira compreensão das forças e fraquezas inerentes à natureza humana. O abade, escolhido pela comunidade, estava investido de absoluta autoridade, mas ao exercê-la ele tinha a obrigação de "harmonizar todas as coisas de modo que os fortes ainda possam ter algo por que ansiar, e os fracos não tenham de recuar com temor". Os regulamentos para a vida diária determinavam o que os monges deviam comer e beber e o que deviam usar. Seu hábito era preto, e o material poderia variar a critério do abade, de acordo com o clima e a estação do ano. OS TEMPLÁRIOS A dieta dos monges era pobre: Bento insistia numa perpétua abstinênâa de carne e estabelecia períodos de rigoroso jejum. Os monges tinham de cntoar o ofício divino-orações e salmos-em determinados momentos do lia e da noite e, quando não estavam orando, ou à mesa, ou na cama, tinham le passar o tempo estudando, pregando e sobretudo executando algum tipo le trabalho braçal. Laborare est orares Trabalhar é orar. Os monges trabalha•am nos campos, o que tornava cada mosteiro auto-suficiente, e no escritó- io, copiando textos em velino, não só os livros da Bíblia, mas também as abras de autores clássicos. Todo mosteiro tinha de possuir uma biblioteca, e cada monge devia ter uma pena e tabuinhas para escrever. Bento viveu em tempos sombrios. Os godos haviam estabelecido um eivo na Itália e lutavam para defendê-lo das forças de Justiniano, imperador lo Ocidente, comandadas pelo grande general Belisário. Em 546, ano anteior à morte de Bento, os godos capturaram Roma e deixaram-na em ruínas: a cidade foi completamente abandonada por quarenta dias. Foi retomada por lelisário, sucumbiu de novo aos godos, e sua libertação final pelo exército de ustiniano causou uma devastação tão grande que Gibbon a considerou "a iltima calamidade do povo romano". Durante a vida de Bento, a Itália tinha lassado do crepúsculo do mundo antigo para a escuridão da Idade das Treus; mas naquela obscuridade os mosteiros beneditinos da Europa Ocidenal "tornaram-se centros de luz e vida (...) preservando e mais tarde difun(indo o que permanecera da cukura e espiritualidade antigas".53 Com o pasar do tempo, eles tornaram-se parte essencial não só da cultura, mas ambém da economia européia, porque, enquanto reinos eram guerreados e randes Estados se dissolviam, os mosteiros freqüentemente continuavam atactos. Antes de morrer, diz-se que Bento enviou um de seus monges, chamado Mauro, para fundar um mosteiro em Glanfeuil, nas proximidades de Angers, ia França. Mosteiros beneditinos agora cresciam perto dos estabelecimenos do missionário celta Columbano existentes em Annegray, Luxeuil e lontaine, nos Vosgos, que, junto com a Abadia de Bobbio, na Itália, também Lindada por Columbano, abandonaram por fim o código rigoroso e inflexível lue Columbano trouxera de Bangor, na Irlanda, em favor da regra mais Iranda de São Bento. Como vimos, em 596 o papa Gregório I, que também era monge benediino, enviou Agostinho, prior da Abadia de Santo André, em Roma, com qua enta de seus irmãos beneditinos, numa missão a Ethelbert, o rei pagão de lent. Em 633, os beneditinos foram para a Espanha. Na Inglaterra, os missio ários beneditinos entraram em contato com católicos celtas que haviam ido afastados de Roma devido às invasões bárbaras. Em 664, no Sínodo de O NOVO TEMPLO Whitby, eles retornaram ao redil romano. Seguiu-se uma onda de entusiasmo religioso no norte da Inglaterra. Benedict Biscop, companheiro de combate do rei Oswy da Nortúmbria, abandonou a carreira militar para tornar-se padre e, após visitar Roma e tornar-se monge na Ìle des Lérins, regressou à Inglaterra em 669 para fundar mosteiros em Jarrow e Wearmouth. Em 690, um beneditino inglês, Willibrord, também da Nortúmbria, embarcou com destino ao que são hoje os Países Baixos a fim de pregar aos frísios pagãos. Acompanhou-o Bonifácio, outro beneditino inglês, desta vez de Devon, o qual pregou o Evangelho às tribos pagãs da Alemanha. Foi morto por frísios pagãos e enterrado no mosteiro por ele fundado em Fulda, no Hesse. As façanhas desses missionários beneditinos foram asseguradas pelos estabelecimentos monásticos que se seguiram na esteira deles. Nos dois séculos após a morte de Bento de Núrsia, estes passaram radicalmente de refúgios remotos para comunidades de eremitas a grandes complexos que administravam extensas propriedades. Em regiões como a Borgonha e a Baviera, os mosteiros tornaram-se importantes centros cívicos e eram muitas vezes alçados a sés episcopais, nas quais tanto a autoridade política quanto a espiritual estavam combinadas no monge-bispo. Principados tais como Colônia, Mogúncia e Würzburgo viriam a ser governados por seus bispos até serem secularizados por Napoleão em 1802. Os pagãos também tiveram seus mártires, e em certos casos era difícil distinguir conversão de conquista. Após a conversão de Clóvis, os francos tornaram-se os paladinos da Igreja, e esta, o patrono dos francos. Nessa altura ocorrera uma fusão entre os galo-romanos e seus conquistadores francos. Casamentos mistos tinham se tornado freqüentes, e era cada vez maior o número de "romanos" que haviam trocado seus nomes romanos por outros francos. Por volta do século VII tinha surgido uma aristocracia "francesa", descrita pelo historiador Ferdinand Lot como "uma classe turbulenta, beli- cosa e ignorante, que desdenhava as coisas do espírito, incapaz de mostrar-se à altura de qualquer noção política séria, e fundamentalmente egoísta e indisciplinada 11.54 Em contraposição à sagacidade e à dedicação dos funcionários do Império da Antiguidade, essa nova classe dominante buscava apenas seu próprio enaltecimento e era indiferente ao bem público. Com o colapso do comércio, a terra era a única fonte de riqueza e, portanto, sua propriedade a única base de poder. Havia costumes, mas nenhuma lei que pudesse impor limites aos poderes dos reis. O barbarismo dos francos, descrito com certo vigor pelo cronista Gregório de Tours, alcançou seu nadir sob os sucessores merovíngios de Clóvis, quando, escreve Ferdinand Lot, "o rei enlameava-se na libertinagem e seus cortesãos o imitavam. Na segunda metade do século VII e no OS TEMPLÁRIOS século VIII era ainda pior: o soberano era literalmente um degenerado cheio de vícios que morria jovem, vítima de seus próprios excessos".` Devido à mediocridade desses monarcas merovíngios, o verdadeiro poder passou para as mãos dos primeiros-ministros dos reis, conhecidos como "prefeitos do palácio", mais notavelmente Carlos Martel. Seu filho, Pepino, o Breve, foi encorajado pelo papa Zacarias a depor o último rei merovíngio, Childerico III, e foi coroado rei dos francos em Soissons, em novembro de 751, por Bonifácio, o missionário de Devon, agora arcebispo e legado pontifício. Esse pacto entre o papado de um lado e os reis francos de outro permaneceria em vigor pelos próximos quinhentos anos. Os mosteiros também foram beneficiados com a aliança. A classe baronial vivia vidas mergulhadas em violência, traição e luxúria; todavia, eles implicitamente acreditavam na doutrina cristã e, receosos da danação, dotavam comunidades de monges, cujas orações e austeridade redimiriam seus pecados. O mesmo sentimento levou bispos, comprometidos por seu envolvimento no mundo secular, a fundar mosteiros em suas dioceses e assegurar-lhes privilégios e isenções. "A partir do século VII não havia um único nobre ou bispo que não quisesse assegurar a salvação de sua alma por meio de uma fundação desse tipo."56 Abadias como a de Saint Germain-des-Prés, nos arredores de Paris, tinham se tornado enormemente ricas ao fim do período merovíngio. E assim como os guerreiros francos faziam uso das orações dos monges, os monges tiravam o máximo proveito da bravura dos guerreiros. As guerras movidas pelos francos contra os saxões a leste do Elba no século VIII não visavam apenas a proteger sua fronteira e exigir tributo, mas "como guerras de cristãos contra bárbaros que eram também pagãos, elas tinham desde o início um matiz religioso".5' A resistência dos saxões não só aos francos mas também ao cristianismo era mais recalcitrante do que se pensara a princípio, e duras medidas foram tomadas para persuadi-los das vantagens da submissão e da conversão. Agora pela primeira vez entramos numa era "na qual mosteiros são fortalezas, e o batismo, o símbolo da submissão". 18 Em 782, os francos massacraram quatro mil e quinhentos prisioneiros saxões e deportaram ou escravizaram o resto. Três anos mais tarde, o rei saxão Widukind rendeu-se e foi batizado, acontecimento celebrado pelo papa com três dias de ação de graças. -O rei franco que ordenou esse massacre foi Carlos, neto de Pepino, o Breve, que, como os papas Leão e Gregório, veio a ser agraciado com o título de "o Grande". Com ele, o pacto entre os reis dos francos e os papas de Roma atingiu sua realização mais plena. No ano 800, Carlos, um prodígio de piedade, coragem e erudição, e agora senhor da maior parte da Europa, chegou a O NOVO TEMPLO Roma à frente de seu exército, onde foi recebido com cerimônia e reverência por Leão III, que havia ascendido ao trono papal cinco anos antes. Durante os trezentos e vinte e quatro anos anteriores, nenhum imperador havia reinado em Roma; agora julgava-se que em Bizâncio o trono estivesse vago, porque a atual beneficiada, a imperatriz Irene, havia deposto e cegado seu filho, Constantino VI, e, ainda mais importante, era mulher. No dia de Natal, Carlos foi assistir à missa na basílica construída sobre o túmulo do apóstolo Pedro, usando as vestes e as sandálias brancas de um patrício romano. Quando a leitura do Evangelho chegou ao fim, o papa Leão levantou-se do trono, aproximou-se do chefe franco, que estava ajoelhado, e depositou a coroa imperial em sua cabeça. Da assembléia de fiéis romanos e francos que se comprimiam na basílica elevou-se um clamoroso grito: "A Carlos Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador, vida longa e vitória!" O sumo pontífice curvou-se em obediência ao novo César. "A partir daquele momento", escreve Sir James Bryce, "teve início a história moderna."s9 OS TEMPLÁRIOS No decurso de apenas alguns anos Maomé firmou sua autoridade em Mediria, e nesse caso em conseqüência dos ataques de surpresa que organizou e mais tarde liderou contra as caravanas dos mercadores de Meca. A princípio, tais ataques eram apenas escaramuças em pequena escala: em abril de 623, um grupo de sessenta muçulmanos interceptou uma caravana que se dirigia da Síria a Meca. Um deles disparou algumas flechas contra a escolta, o primeiro ato de agressão em nome do Islã. No ano seguinte, uma força de oitocentos homens de Meca investiu contra Maomé, mas foi derrotada na batalha de Badr, que deixou um saldo de quarenta e cinco mortos e setenta prisioneiros. Essa vitória fez sua autoridade e prestígio aumentarem. Quer sua vitória, como Maomé acreditava, tenha sido uma prova da graça de Deus, quer não, ela convenceu alguns dos que não haviam participado da batalha a aceitar o islamismo. Ao mesmo tempo, Maomé estabeleceu vínculos com as tribos autóctones de Mediria, casando-se com várias mulheres. Dois dos homens capturados em Badr eram poetas: a suprema conquista cultural dos árabes nômades desse período eram suas epopéias orais, relatos das bravas façanhas de seus heróis recitados sob as estrelas. A desventura desses dois poetas foi o fato de terem escrito versos criticando Maomé: um dissera que suas próprias histórias eram tão boas quanto as do Alcorão. Ambos foram executados por ordem de Maomé. O clã judeu dos qorayzah sofreu grave punição por ter conspirado contra Maomé - os homens foram executados, e as mulheres e as crianças, vendidas como escravas. Mais tarde, na medida em que os judeus abandonaram sua oposição ao islamismo, Maomé permitiu que vivessem em Mediria sem serem molestados. Em 630, Meca finalmente capitulou. Maomé, com dez mil seguidores, foi admitido no templo sagrado, a Caaba, e a veneração da pedra negra foi a única concessão que ele fez às antigas crenças dos árabes.ó3Todos os demais ídolos pagãos foram destruídos. Conquanto nem todos os habitantes de Meca tivessem adotado o islamismo, dois mil alistaram-se no exército que ele comandou contra uma coalizão de nômades hostis e, quando ela foi derrotada, repartiram a presa entre si. As tribos da Arábia estavam agora unidas sob Maomé e sujeitas à disciplina do islamismo; mas, uma vez que isso implicava que eles não poderiam mais lucrar com a pilhagem uns dos outros, foram forçados a procurar saques e conversos em outros lugares. Em 630, Maomé seguiu para o norte à frente de trinta mil guerreiros, a fim de assegurar a submissão dos governantes de Eilat, Adhruh e Jarba, na fronteira com a Síria. Ele percebeu que "para seu contínuo bem-estar, o Estado islâmico tem de encontrar rumo ao norte um meio para dar vazão à energia dos árabes"6" e que isso significava desafiar o Império O TEMPLO RIVAL Bizantino. Regressou à Arábia, onde morreu em 632, após liderar uma peregrinação a Meca. Como podemos explicar o poder de atração de Maomé? Ao contrário de Jesus, ele não fez milagres. A visão que teve no ano 620, na qual cavalgava um corcel celestial, el-Buruq, com o anjo Gabriel, até o monte do Templo, em Jerusalém, para encontrar Abraão, Moisés e Jesus, e daí ascendia ao trono de Deus passando pelos sete céus, essa visão é comparável ao relato da transfiguração de Cristo e foi uma das razões por que Jerusalém se tornou uma cidade sagrada para o islamismo; mas ela "parece ter sido uma experiência pessoal para o próprio Maomé, porque não continha nenhuma revelação que pudesse ser incluída no Alcorão".6' Pode-se dizer que o êxito de Maomé não resultou do exercício de um poder sobrenatural sobre a natureza, mas de seu sagaz apelo ao egoísmo material e espiritual dos árabes de seu tempo. Maomé prometeu o paraíso àqueles que morressem em batalha e pilhagem aos que não o fizessem. Quando suas forças atingiram uma massa crítica, passou a ser vantajoso para outras tribos juntar-se a elas; e seu monoteísmo singelo era fácil de compreender. A autoridade do Profeta não apenas pôs fim à incessante rixa entre as tribos, como também conferiu um senso de identidade aos árabes, como aquele que os abissínios, os persas, os cristãos bizantinos e os judeus já possuíam. O islamismo era uma religião árabe, e não, como as outras fés disponíveis, algo que viera de fora. A estabilidade política causada pelo islamismo era útil para todos: mesmo os judeus e os cristãos, "os Povos do Livro", podiam obter a proteção do Profeta pelo pagamento de um imposto. Para eles, contudo, o credo do Islã era menos atraente. Os judeus desdenhavam o uso de sua escritura por Maomé e achavam a improvisação do anjo Gabriel um absurdo que dispensava explicação. Inicialmente, Maomé dissera a seus seguidores que orassem voltados para Jerusalém; mais tarde, depois da rejeição de sua mensagem pelos judeus, ele os acusou de falsificar a escritura, a fim de ocultar que a Caaba havia sido de fato construída por Abraão, e instruiu os muçulmanos a orar voltados para Meca. Para Maomé, "o Islã era a religião de Abraão ressuscitada impoluta e que fora abandonada pelos judeus".66 Os cristãos também julgavam impossível dar crédito a revelações que reescreviam a história de forma tão arbitrária e ingênua. A mais ofensiva de todas era a insistência de Maomé em que Jesus não era o filho de Deus; na verdade, era uma blasfêmia sugerir que Deus iria dignar-se de aparecer sob forma humana. Isso não significava que ele desprezasse Cristo por considerá-lo uma fraude: antes pelo contrário, ele era um profeta como Abraão e OS TEMPLÁRIOS Moisés, e Maria, sua mãe, uma virgem. E porque Deus amava tanto o filho de Maria, sua crucificação tinha sido uma ilusão: Deus não permitiria um destino tão cruel e ignóbil. Havia outros aspectos do islamismo que o apologista cristão contrastava desfavoravelmente com sua religião. Enquanto Jesus pregara o amor e a não-violência, Maomé convertia pela espada. Enquanto Jesus abençoara os mansos e os pobres de espírito, Maomé exaltava o guerreiro vitorioso. Enquanto Jesus insistia em que seu reino não era deste mundo, Maomé fundou um império teocrático. Enquanto Jesus pedia a seus seguidores que carregassem sua cruz e aceitassem o sofrimento, Maomé oferecia o produto de pilhagens, concubinas e escravos. Jesus prometia o paraíso numa vida após a morte, e Maomé, prosperidade nesta vida e o paraíso num mundo vindouro. Não há contraste mais forte entre as duas religiões do que na sua doutrina sobre a moral sexual. Jesus insistia na monogamia por toda a vida; Maomé permitia que um homem tivesse até quatro esposas e quantas concubinas quisesse. Enquanto Jesus havia rescindido a Lei de Moisés e proibido o divórcio, Maomé permitia que um homem encerrasse um casamento com uma simples declaração. Jesus apreciava o celibato e era celibatário; Maomé condenava o celibato e tinha uma concubina cristã e nove esposas. Muitos desses casamentos eram, sem dúvida, de conveniência, e seu objetivo era criar vínculos com clãs até então hostis. Todavia, os homens do seu tempo ficaram chocados pelo fato de uma das mulheres de Maomé ter desposado o filho adotivo dele. Com outra, Aixa, ele se casou quando estava com cinqüenta e três anos e ela apenas com nove. Ele havia mandado construir um aposento separado ou uma pequena suíte para cada uma de suas mulheres em volta do pátio de sua casa em Mediria, e supostamente se orgulhava de satisfazê-las todas numa única noite. Quando uma delas ficou com ciúmes de seus afagos a uma prisioneira egípcia, o anjo Gabriel mandou Maomé repreendê-la. "Os interesses de Deus em detalhes, em particular em detalhes relacionados com a vida privada do Profeta, de vez em quando desnorteavam os fiéis (... ), mas Alá apoiava o Profeta e silenciava seus críticos."6' Evangelizadores cristãos deram grande importância a esses aspectos da vida de Maomé, bem como a certos casos de traição que sugerem que, na causa do Islã, ele acreditava que o fim justificava os meios. Mas está claro que ele não era considerado imoral pelos homens do seu tempo, e na verdade elevou os padrões éticos da sociedade em cujo seio nascera. Ele prescrevia honestidade, humildade e frugalidade. Proibiu o infanticídio e insistiu no cuidado de membros vulneráveis da sociedade, em particular viúvas e órfãos. Criou uma estrutura familiar e uma forma de seguro social que eram um avanço considerável em relação ao que existia antes, e das tribos nôma- O TEMPLO RIVAL des da Arábia fez uma nação que conquistou um vasto império e fundou uma grande civilização. A escolha de um sucessor de Maomé (califa, do árabe khalifah) foi disputada entre diferentes membros de sua família e acabou levando à divisão do islamismo em sunitas, seguidores de Abu Bakr, pai de Aixa, a jovem esposa de Maomé, e xütas, seguidores de Ali, marido de Fátima, filha de Maomé. A princípio, Ali e seus adeptos aceitaram a eleição de Abu Bakr e, devido à sua morte, ocorrida dois anos depois da de Maomé, também aceitaram a eleição de Ornar, outro genro do Profeta. Foi Ornar quem comandou os muçulmanos numa vitoriosa campanha de conquista. A Síria bizantina e o Iraque capitularam em 636. O Egito caiu em poder do exército de Ornar em 641, e no ano seguinte ele era senhor da Pérsia. Por que dois antigos impérios, a Pérsia e Bizâncio, foram incapazes de resistir à investida do Islã? Ambos estavam enfraquecidos após uma longa guerra de um contra o outro e, no caso de Bizâncio, contra as tribos bárbaras que o rodeavam ao norte, em particular os ávaros. Àquela altura, importantes mudanças tinham ocorrido nessa parte oriental do Império Romano. O latim fora substituído pelo grego e, sob o imperador Justiniano no século VI, uma extensa área do Império do Ocidente, abrangendo partes da Itália, da Sicília e do norte da África, tinha sido retomada de seus conquistadores por exércitos bizantinos. Heráclio, prefeito, ou exarca, da província norte-africana, com o hediondo derramamento de sangue que invariavelmente acompanhava uma sucessão bizantina, subira ao trono imperial em 610. Nos primeiros anos de seu reinado, a Ásia Menor e a Palestina foram invadidas pelos persas. Em 614, eles capturaram Jerusalém com a ajuda dos judeus, que, em retaliação conta os maus-tratos infligidos pelos bizantinos sob Justiniano, aliaram-se aos persas na destruição de igrejas e lares cristãos." A relíquia da Verdadeira Cruz foi transladada para a Pérsia como um troféu de guerra. Em 626, Constantinopla foi cercada por um exército misto de persas e ávaros. Nesse momento desfavorável de sua sorte, a fé cristã dos bizantinos é que veio salvá-los, pois, no curso dos séculos VI e VII, a aliança entre a Igreja e o Estado havia se tornado tão estreita que equivalia a uma fusão virtual. Em muitas partes do Império, patriarcas, bispos e o clero haviam assumido as funções do serviço público imperial; e o imperador, embora distinto do patriarca, considerava-se chefe e paladino da Igreja. "A chave para compreender o Império Bizantino é a noção de que o imperador era o instrumento de Deus designado por inspiração divina para realização de Seus desígnios na terra mediante a difusão da fé cristã (...) ortodoxa. 1169 OS TEMPLÁRIOS Essa profunda fé foi conservada pelos regentes liturgia cantada e a composição de hinos, junto cot Cristo, da Virgem Maria, dos apóstolos e dos santos 'y estimularam um fervor no meio da populaça que era j imperador Heráclio, quando ávaros pagãos e persas y diante dos portões de Constantinopla. O patriarca muros da cidade segurando alto um ícone de Cristo; ~~ teis do inimigo, pintavam-se nos muros imagens d Jesus. O cerco aumentou e, numa campanha que p f"~, descrita como uma cruzada, as tropas bizantinas iw'~ recuar de volta a Nínive, na Mesopotâmia, onde em P~ Em 630, num triunfo digno dos imperadores da rj devolveu a Verdadeira Cruz a Jerusalém. a No entanto, apenas oito anos mais tarde Jerusal eitos do Islã. Após a vitória sobre os persas, o exércl~ desmobilizado, e as forças que se reuniram para resìl~ mana foram derrotadas na batalha do rio Yarmuk. Mal ) que acolheram com alegria o invasor - os judeus,' Ç, r~ tolerância oferecida pelos muçulmanos à perseguy~ cristãos ortodoxos, mas também a maioria dos cri ¡, rejeitava a doutrina ortodoxa sobre a natureza dual q prio patriarca e hierarquia e também havia sido perso~l crenças heréticas. Além do mais, como recompensa pela rendição assegurado a vida e os bens dos habitantes cristãos,~ santuários intactos. Leais aos preceitos do Profeta, p\ Povos do Livro foi leve. Se eles pagassem o necessárì ~ freqüência mais baixo do que aquele então cobradó b~ zantinos, as comunidades conquistadas poderiam s~ giões e viver de acordo com suas próprias leis. Os d~\~ maneceram a casta dominante e eram mantidos pep~ ditos, mas continuaram a ocupar fortalezas nas froqp ~4P^i Esse regime também foi uma das razões para os q~l sita do Egito, darem as boas-vindas aos invasores m~ t~9J metrópole de língua grega no Mediterrâneo, que ~ ~'l província e sede de um patriarca ortodoxo, finalme~brp Daí as tropas árabes marcharam para leste, ao longodtj j~ África. Por volta de 714 elas haviam chegado à Ásiprrus' Índia, no Oriente, ao passo que no Ocidente tinha~l de Gibraltar e, saudadas como libertadores pelos OS TEMPLÁRIO, ~r,póstolos e dos S ',I da populaça q I~,yaros pagãos e p Yr,1tinopla. O patr¡ p,,um ícone de Cr¡ ~~ ?s muros image ,9~i,1a campanha qp ¡;;topas bizantina `Ir .potâmia, onde e pi,'a imperadores i,~.isalérp. ~ ,mais tarde Jerus '?s persas, o exér lo11;eunirarn para r Di ,'i o rio Yarmuk. ~°'r - os judeus, V rnos à persegu¡ ~~¡ marori.a dos cri ~;~i, natureza dual d VU havia sido perse f pela rendição d ,í -]ri tes cristãos, e -pr.s do Profeta, o j • `;''m o necessário í i, s,0',,,,°ntão cobrado ~ s poderiam seg as leis. Os árab lanudos Pelos *i zas nas fronteir ões para os copt vasores In uçulrn ìneo, que era c ~o> finalmente ao longo dos d ado à Ásia Cen rte tinham atra Pelos judeus, O TEMPLO RIVAL do Império r= responsável í~ptão ansiosamente repletos de proezas culturais nas genros anos, de ü0 a 950, alização hurAana.I° r)7ai5 distilltis árers da real ca doradourára das origens do islamismo foi a adoção da língua ú¡Iica mar Ias . Na Síria. e na Palestina, o árabe pouco a pouco nas terras 1Irb~ìtulu o grego como língrlgua oficial no curso do século VII, e por volta do wb era de Isso comum, s`' sendo o gtego ou o aramaico falados apenas em a~b0 o em partes do sul.' Embora uma tolerância bási kt~ ~ do norte; o htbraico e Jivro" continuasse um princípio do governo islâom osPovas do Liv pPa a G ,e ursva o memesmo tratamento diante da Lei ou o direito de p~o. elg não as, g igualdade da vida pública da comunidade. A ten ki.4par em eordiçáes de igI icial a fwordos crist;rstãos e contra os judeus foi mudando lentamen lo o califa al-Mutawakkil, que reinou entre 847 ;e ~npdo quePortxemplop ' ~de q o aos cristãos fazendo-os "atar faixas de lã em tor egyexpressou>ua versão ac roda~abeça (.„ e sealgum hn homem entre eles tivesse um escravo, ele tinha de lutar duas iras de pano ano de cores diferentes em sua túnica, na frente e ;, a perseguição era mais rigorosa. Gibbon registra aq~,~z ~m cert? ocasiões, a 1, eomow',,Io Sul da iália,"a divertversão dos sarracenos era profanar e também pi 16~0, mosteiros= as igrejas", as", e como, no cerco de Salerno, um chefe mu ç°Imae ,0 estende seudivã junrlunto à mesa de comunhão e, no altar, sacrificava ca , uma freira".'3 O proselitismo cristão era proibido, dar pite a virg¡~adede uma e aa°c ~ açâo públia a Maomé ené era punida com a morte, mas esse tipo de martíri°P'~ece ter vi (nado apenasenas aqueles que o procuravam, como, por exempl°~p,~lro de Caltólia, um eren eremita da Transjordânia que em 751 foi apedrciad até a mos por pregar egar abertamente contra o islamismo; e os cinqueqtriromens elulheres que' que em Cérdova, em 850, pregaram em público Vhda~ Ne superiodo cristianis ianismo e tiveram o mesmo destino. OS::~)eregr¡no~cristãos tinh tinham permissão para visitar a Terra Santa e, Rla~ ~eo5 ocasioris de de terneterminados governantes, não eram molestados. FropaOciden1 Nr(-,,,rijnos da cidental viaavam à Palestina ou por terra através , IVyo Brzanto, ou nos naus navios darepública mercantil de Amalfi, no sul ~li ~ Os merc~ores de Am,- Amalfi co>tstruíram um hospício em Jerusalém ~0 °llidado de)eregrinos duos doente;. Conquanto o comércio fosse uma ~to% Se core-,pado com o inn ° intensoiluxo no apogeu do Império Romano, Vy°. seda do ciente (. „) e. ~ ~. ) eram vendidos nos mercados de Pavio na déde~80; e c,mios mais taras tarde, no ruge das invasões viquingues, o monbe Fle4ryìde descarréscarregar seu desprezo por aqueles homens cuja taAZinha sìdorbrandada pada por artgos de luxo do Oriente, ricas vesti~oúlpura çOro, pedras 'edras preciosas e couro de Antioquia"'.'4 65 OS TEMPLÁRIOS Em Jerusalém, a Igreja do Santo Sepulcro permaneceu sob o contra] dos cristãos. Contudo, um santuário foi construído para rivalizar com o loc da Ressurreição de Cristo: a Cúpula da Rocha. Anteriormente, ao entrar a ~ em Jesuralém (era a vez de seu servo montar seu cavalo), o califa Ornar tin ido orar no monte do Templo, abandonado desde que Juliano, o Apósta havia tentado reconstruí-lo, e agora usado pelos habitantes bizantinos eo depósito de lixo. Para os muçulmanos, todavia, a rocha era sagrada men por ser "o mais distante Templo" (em árabe masjidel-aksa) da Viagem Not na do Profeta, como descrito em 17:1 do Alcorão, do que por ser o Tem dos Profetas de Israel. Ele portanto construiu a mesquista ai-Aqsa na ext midade sudoeste do monte do Templo, e Jerusalém tornou-se, junto c Meca e Mediria, um dos três lugares de peregrinação muçulmana. Cinqüenta anos depois, o califa omíada Abd al-Malik decidiu const uma segunda mesquista sobre a rocha na qual Abraão havia preparado Is para o sacrifício e da qual Maomé havia ascendido ao céu. Foi o primeiros "`~ tuário importante construído pelo Islã e continua a ser uma das maravil' arquitetônicas do mundo. Com um traçado matemático comparável ao rn soléu de Diocleciano na Dalmácia, e seguindo os mesmos princípios usa na construção de algumas igrejas em Ravena no século VI, foi decorada artesãos sírios cristãos com um esplendor que intimidava seus visitante, que dava a judeus e cristãos a impressão de que suas religiões tinham s suplantadas pelo islamismo. Como o Profeta havida condenado como id tria a representação de seres animados, vegetação e motivos geométti formam o rico fundo do mosaico que reproduz as jóias imperiais de gov, vantes bizantinos e os ornamentos usados em imagens de Cristo. Esses símbolos de outra fé lá estão como troféus de um Islã triunfam ~ para fazer a mensagem ser compreendida por quem porventura não a tive, compreendido, há uma inscrição onde se lê: t. Ó vós, povo do Livro, não ultrapasseis as fronteiras de vossa religião, e de D dizei somente a verdade. O Messias, Jesus, filho de Maria, é apenas um apó . lo de Deus, e de sua Palavra, que ele transmitiu a Maria, e de um Espírito dele se originou. Acreditai, portanto, em Deus e em seus apóstolos, e não di Três. Será melhor para vós. Deus é apenas um Deus. Que esteja longe de glória ter um filho. ,, Como Jerome Murphy-O'Connor escreve ao citar essa inscrição em inestimável guia da Terra Santa, "Um convite para abandonar a crença' Trindade e na divina Filiação de Cristo dificilmente poderia ser expresso termos mais claros 11.75 66 O Templo Reconquistado Na península Ibérica, a conquista muçulmana mal havia terminado quando o contra-ataque cristão ou Reconquista começou. Nobres visigodos que haviam se retirado para as montanhas das Astúrias somaram suas forças às dos habitantes nativos para resistir aos invasores, e por volta de 722, dez anos antes da derrota do exército muçulmano por Carlos Martelem Poitiers, eles venceram em Covadonga uma força islâmica sob a liderança de Pelágio. Mais tarde ocuparam a Galiza, na extremidade noroeste da península, e estabeleceram uma fronteira ao longo do rio Douro entre a Espanha cristã e a muçulmana. No Oeste da Espanha, a feroz tribo dos bascos reconquistou a independência, e pouco antes do fim do século VIII os francos de Carlos Magno invadiram a Catalunha, capturando Barcelona em 801. Contudo, os acréscimos mais importantes à cristandade no Ocidente, nos séculos IX e X, resultaram da derrota e conversão de tribos pagãs no Norte e no Leste da Europa: os saxões, os ávaros, os vendes, os eslavos. A cristandade bizantina também se expandiu por meio de uma mescla de conquista e conversão. Embora ainda não houvesse uma clara divisão entre a Igreja Ortodoxa Bizantina e a Igreja Católica Romana, havia certa competição pela sujeição de reis convertidos. O patriarca de Constantinopla ficou com o reina dos rus,' cuja capital era Kiev, junto com a Bulgária e a Sérvia; ao papa couberam a Hungria e a Polônia. Apesar dos esforços missionários de Ansgário e Rembert no século IX, o cristianismo só criou raízes na Escandinávia no século X. Os viquingues, cujos ataques piratas quase haviam destruído o cristianismo celta, converteram-se tarde; entre os primeiros estava Rolão, que em 918, com um grupo de seguidores, havia fundado uma colônia no vale do baixo Sena com a san- Entre os varegos, tribo escandinava que, durante a segunda metade do século IX, penetrou na Rússia pelo Volga, destacavam-se os rus, grupo que deu origem ao nome Rússia. G7 OS TEMPLÁRIOS ção do rei da França. Devido à sua proveniência, eles eram conhecidos como os homens do Norte Nordemann em alemão, normand em francês. A ameaça do islamismo não saía da mente dos líderes cristãos, mas sua força' bélica era em grande parte dissipada ao combaterem uns aos outros. Na Gália, sob os reis merovíngios, onde contendas entre membros da nobreza: "nada mais pareciam do que a luta de animais selvagens"," o Estado tinha sido incapaz de assegurar até mesmo a mais rudimentar ordem pública. Parai sua própria segurança e a de sua família, um homem não tinha alternativa. senão comprar a proteção de um vizinho poderoso, prestando-lhe algum tipo de serviço, em geral como guerreiro em suas guerras particulares. Era; também a única forma de proteger suas terras, as quais, com o colapso do., comércio e a administração paga, eram a única fonte de subsistência. Ó~ termo usado para a promessa do subordinado era vassalagem, e aquele par seu "pagamento" era benefício, por via de regra a concessão de terras, mas às~ vezes a renda de instituições eclesiásticas. O pacto era selado com votos solenes, e apesar de se utilizar a linguagem da servidão, tornava-se "umas posição cobiçada, um sinal de honra pelo menos quando implicava vassala gem direta ao rei"." Teoricamente, esse sistema feudal era uma pirâmide que, em sua base abrangia toda a sociedade ocidental. Na verdade, a posição no topo era dis putada entre papas e imperadores; o vínculo era nocional entre imperador e reis, e problemático entre reis e seus barões. Os laços mais eficazes era formados entre os grão-duques, os condes e os príncipes - descendentes dos vassalos dos soberanos carolíngios -, cujos domínios territoriais era grandes o suficiente para manter uma força permanente de vassalos e, po, tanto, permanecer independentes do Estado. Seus vassalos, por sua vë contavam com a lealdade de cavaleiros menos importantes, cujas posses m teriais poderiam ser apenas um cavalo, uma lança, uma espada e um escud mas os que descendiam da casta de guerreiros carolíngios tornavammembros da elite social. Em teoria, se não na prática, essa lealdade era u questão de escolha: por mais que seus recursos fossem parcos e sua orige humilde, o cavaleiro permanecia um homem livre de acordo com a lei e tin o direito de ser julgado num tribunal público. Alguns vassalos dependiam inteiramente do senhor feudal, até mesm! no que dizia respeito a cavalos e armaduras. Outros, apesar de receberel~ propriedades como benefício, também poderiam possuir terras por direi próprio ou como arrendatários de uma instituição eclesiástica. Embora vassalo pudesse ter um profundo sentimento de lealdade para com o senh de quem era um "homem", e por uma questão de honra se O TEMPLO RE CONQUISTADO gaçâo de participar de suas vinganças sua promessa não era por tempo ilimitado, e sim determinada pelo costume e pela lei: por exemplo, sua obrigação de prestar serviço militar limitava-se a quarenta dias. Sua lealdade também poderia mudar, caso uma das partes não fosse capaz de cumprir com o seu dever; os cavaleiros prestavam seus serviços a príncipes diferentes que pudessem fornecer-lhes cavalos ou remunerá-los. O elo entre o senhor e o vassalo não era necessariamente hereditário, mas tendia a tornar-se hereditário: as uniões consangüíneas produziam uma cousinagé que constituía a base da lealdade ao clã. A violência também era endêmica no império do Oriente e nos califados do Islã, onde cada sucessão geralmente dava ensejo a uma guerra civil; mas, ao passo que um imperador bizantino ou um califa podiam concentrarem suas mãos todas as rédeas do poder de um Estado unificado, os diferentes principados que haviam surgido no Império do Ocidente nunca mais se uniriam sob um único soberano depois de Carlos Magno. Isso teve graves conseqüências para o papado, que, com a desintegração do império de Carlos Magno sob seus belicosos sucessores, "foi deixado indefeso no ninho de serpentes da política Italiana"."0 último papa eficiente desse período foi Nicolau I (85867). Durante os cem anos que se seguiram à sua morte, o posto de sucessor de São Pedro tornou-se o disputado privilégio de influentes famílias romanas, tais como os Teofilactos. Em 882, João VIII foi o primeiro papa assassinado: sua própria comitiva espancou-o até a morte. Estêvão VI mandou exumar o cadáver de seu predecessor, o papa Formoso, e entronizá-lo em seus trajes pontificais, a fim de que ele pudesse ser condenado por perjúrio e abuso de poder. Os três dedos de sua mão direita, que ele usara para abençoar seu rebanho foram decepados e seu corpo atirado no rio Tibre. Pouco depois Estêvão foi deposto por partidários de Formoso, encarcerado e em seguida estrangulado. A depravação íntima de muitos desse s papas não significava necessaria mente que eles fossem incompetentes n a administração da Igreja. João X, conduzido ao trono de São Pedro pela influente família Teofilacto, organi zou uma coalização de Estados italianos contra os muçulmanos, que haviam devastado o território romano durante os Sessenta anos anteriores, e liderou a força que após um cerco de três meses tomou a fortaleza deles na foz do n° Carigliano. Dois dos papas nomeados pelo déspota romano Alberico II óao VII e Agam pito II) foram reformadores sinceros e eficientes. Até mes João XI, o filho bastardo de Marózia Teofilacto, sancionou uma reforma rciginal: parentesco de primos. (N. do T) OS TEMPLÁRIOS da Igreja estreitamente relacionada com a hiia dos templários: ele somou sob a proteção direta do pontífice romancla comunidade de monges beneditinos de uma abadia na Borgonha chanl Cluny. Cluny foi fundada em 910 pelo duque de Aquia, Guilherme, o Pio, para expiar os pecados de sua juventude e assegur,aa salvação no mundo vindouro. O homem por ele escolhido para liderabmunidade foi Berno, eue descendia da nobreza burgúndia e era na épocibade da remota Abadiade Baume. Com Berno, o duque escolheu um excnte local para sua instituição nas colinas a oeste do rio Saône. Durante o século anterior, o monacato beltino havia entrado em declínio. As generosas dotações de gerações pasls haviam tornado os rnosteiros ricos e, portanto, vulneráveis a demançAos descendentes de seus antigos benfeitores. Sua receita era usada paarantir o futuro dos filhos mais jovens da nobreza local, os quais, mesm;m vocação religiosa, eram impingidos às comunidades religiosas como pis ou abades. Os bispos locais, com freqüência aparentados com os senis seculares, também usavam esses cargos monásticos para recompens,us dependentes. A fim de assegurar a eleição livre de seu ae, a comunidade de Gluny foi colocada pelo duque Guilherme sob a prot) direta do papa em Roma, enquanto Berno levou a cabo reformas para d o declínio da prática monástica e restaurar os rigores da regra originalBento de Núrsia. O movimento floresceu, e fundou-se uma rede de muros subsidiários que ficou sob a direção da comunidade em Cluny. Odo sucessor de Berno como abade de Cluny, solicitou ao papa João XI queendesse a proteção papal a um novo mosteiro em Deols. Como Berno, Odbrovinha da nobreza franca e estabeleceu a tradição cluniacense de mongristocráticos mas genuinamente humildes, sagazes mas devotados ao vemo, cultos mas também simples, e sempre espirituosos e joviais. A origem nobre de Odon lhe possibilitav:riferenciar facilmente com papas e príncipes, e eles, por sua vez, confiavnele. O papa Leão VII convidou Odon a Roma, onde ele negociou um alo entre Alberico II e o rei Hugo da Itália e deu início a reformas das lunidades monásticas em Roma e nos Estados Pontifícios, entre elas aroeira abadia de Bento de Núrsia em Subiaco. Sucedeu-lhe uma série qbades capazes, virtuosos e longevos -Aymard, Mayeul, Odilo, Hugo, PÇ-- Pedro, o Venerável -, os quais, juntos, cobriram um período de duzen-- onze anos. A exemplo de Odon, eles tornaram-se amigos e conselheiro; imperadores, reis, duques e papas. Em 972, enquanto cruzava os Alpes, ;verendo abade Mayeul de Cluny caiu presa de atacantes sarracenos proentes de sua base em Fra- O TEMPLO RECONQUISTADO aentum, na Provença. Ele foi mais tarde resgatado, mas esse escandaloso ato de banditismo desencadeou uma reação que por fim expulsou os muçulmanos da França.` A influência de Cluny no século seguinte à sua fundação viria a ser imensa: dos seis papas que foram monges entre 1073 e 1119, três eram de Cluny; contudo, não foi o zelo reformista dos beneditinos cluniacenses que tirou o papado da mira da corrupção, mas a intervenção de imperadores alemães. Após a morte de Carlos Magno, o princípio teutônico de divisão igual entre os herdeiros de um rei havia triunfado sobre o princípio romano da transmissão de um império indivisível. Sua herança havia portanto sido repartida em três: a França no oeste, a Alemanha no leste, e entre ambas um longo e estreito reino que se estendia de Flandres a Roma e que veio a ser chamado de Lotaríngia (em alemão, Lothringen; em francês, Lorraine) por ter sido dado a seu filho mais velho, Lotário, que também herdou a coroa imperial. O século que se seguiu à morte de Carlos Magno assistiu "ao nadir da ordem e da civilização"," e só quando os príncipes alemães escolheram os duques saxôes como seus líderes é que o conceito do papa Leão III de um novo imperium romano renasceu de forma modificada, com soberania sobre a Alemanha e partes da Itália conferida a um príncipe alemão. Esse "Sacro Império Romano" foi essencialmente um produto da imaginação criativa do duque da Saxônia, Óton I, ou Óton, o Grande, que, depois de vencer os magiares, marchou através dos Alpes em 951 a fim de reivindicar seus direitos sobre a Itália. Tendo sido reconhecido como rei da Itália e de Pavia, ele conduziu seu exército aos portões de Roma, onde, após comprometer-se a respeitar as liberdades da cidade e a proteger a Santa Sé, ascendeu ao altar da Igreja de São João de Latrâo com sua rainha, Adelaide, e foi coroado imperador pelo corrupto e jovem papa João XII. Essa revivescência do Império Romano não foi apenas um expediente político ou uma ficção pitoresca. A Europa Ocidental havia atingido a compreensão de si mesma como "uma sociedade singular, num sentido em que não fora antes e que não tem sidó desde então".8" Embora a lealdade imediata de um homem fosse devotada a seu senhor feudal, ele não se autodefinia como inglês, francês ou alemão, mas como cristão, cujo domínio universal da fé era visível não só na Igreja, mas também no Estado. `A primeira lição do cristianismo era o amor, um amor que devia unir num só corpo aqueles que a suspeita, o preconceito e o orgulho da raça até então haviam mantido separados. Assim, por intermédio da nova religião, formou-se uma comunidade dos fiéis, um Sacro Império (...)", que transformou "em sinônimos os nomes romano e cristão".82 Não poderia haver igrejas nacionais, porque ainda não 71 OS TEMPLÁRIOS existiam naçôes; se o homem apolítico da Idade Média tivesse sido capaz de conceituar seu senso de comunidade, ele teria dito que vivia num Estado universal. Lamentavelmente, raras vezes se obtinha a cooperação do papa e do imperador, da qual esse governo universal dependia; e à medida que os reformadores cluniacenses iam ganhando terreno dentro da Igreja, sua determinação de emancipar o clero da interferência de poderes laicos chocava com a autoridade dos imperadores. Um fator agravante era a importância atribuída pelos papas em Roma à sua posição como príncipes seculares. A base legal para sua reivindicação de uma extensa área da Itália central era a suposta "Doação de Constantino", o qual, em agradecimento de uma milagrosa cura de lepra nas mãos do papa Silvestre I, tinha legado Roma e partes indefinidas da Itália aos sucessores de São Pedro. O documento que comprovava essa doaçâc foi forjado em meados do século VIII, após o rei franco Pepino ter salvado:) papa Estêvão II dos lombardos e confirmado a Doação de Constantino como a Doação de Pepino. Fosse qual fosse o caráter legal da falsificação, os francos aceitaram-na como válida, e poder-se-ia pensar que o direito de conquista levou os Estados Pontifícios a constranger Pepino a fazer a doação. Todavia, ela foi contestada com veemência pelos imperadores bizantinos - que, como vimos, reclamavam grandes partes da Itália e governavam de Ravena por meio de seus exarcas-e também acabou sendo pleiteada por imperadores do Ocidente, que se consideravam os herdeiros dos Césares e, por conseguinte, plenos soberanos de todos aqueles territórios que um dia tinham feito parte do Império Romano. Em conseqüência dessas alegações em contrário dos imperadores do Oriente e do Ocidente, a política dos papas em Roma visava sempre a manter um equilíbrio de poder na Itália, o que lhes permitia fazer os pratos da balança pender a seu favor. Mas a soberania sobre os Estados Pontifícios de modo algum era a única diferença entre os papas e os imperadores alemães. Os príncipes seculares tinham mais poder ainda para fazer nomeações eclesiásticas dentro de seus domínios. Teoricamente, um abade era escolhido por sua comunidade e um bispo pelo clero de sua diocese, mas, como vimos no caso de Maninho de Tours, a eleição deles era com freqüência contestada. Não se tratava apenas de uma questão da capacidade espiritual de um candidato, mas sobretudo de suas lealdades e filiações políticas. Por todo O antigo Império Romano os bispos tinham assumido a tarefa da administração secular em suas dioceses. Graças a doações anteriores, eles também haviam se transformado em poderosos proprietários de terras, com vassalos armados às suas ordens. Em particular na Alemanha, dioceses como as de Colônia, Münster, Mogúncia, Würzburgo e Salzburgo eram principados O TEMPLO RECONQUISTADO soberanos. A lealdade do homem que brandisse a croça era portanto de importância decisiva para o imperador do Sacro Império Romano e para os príncipes alemães; mas o direito à croça vinha com o pálio, a faixa de lã branca usada sobre os ombros que era o símbolo de seu posto e que cabia ao papa conceder. As crescentes dissensões entre o papa e o imperador resultaram numa ruptura ^,shlica durante o pontificado de Hildebrando, homem descendente de uma Família modesta da Toscam que tinha sido o indispensável conselheiro dos quatro papas anteriores, antes de ter sido escolhido papa por aclamação popular em 1073, adotando o nome de Gregório em homenagem a Gregório, o Grande. Como seu ilustre predecessor, Gregório era um homem de inteligência e capacidade excepcionais, com longa experiência na administração da Igreja. Dedicou-se com todo o empenho à promoção da reforma, promulgando decretos contra a simonia (a venda de nomeações eclesiásticas) e o casamento de sacerdotes, mas também proibiu a investidura leiga de bispos, medida que provocou um conflito direto entre ele e o imperador Henrique IV Este convocou um sínodo de bispos alemães para depor Gregório, o qual, por sua vez, excomungou Henrique e desobrigou seus súditos dos votos de vassalagem, pois entre as exigências que ele fez para o pontífice romano em seu Dictatus papae estava um supremo poder legislativo e judiciário sobre todos os príncipes, tanto os temporais quanto os espirituais. A desobrigação de seus votos de fidelidade pelo papa foi aproveitada pelos opositores de Henrique e obrigou o imperador, em 1077, a procurar Gregório no castelo de Canossa, no norte da Itália, e professar arrependimento e pedir perdão, permanecendo descalço na neve diante do portão. Mas a humilhação de Henrique em Canossa não pôs fim ao conflito, que, em parte devido à natureza obstinada de Gregório, continuou durante o seu reinado. Em 1084, ele perdeu Roma para as forças de Henrique e só foi libertado por uma nova potência que havia surgido ao sul dos Estados Pontifícios: o reino normando da Sicília. "A fundação dos reinos de Nápoles e da Sicília pelos normandos", escreveu Gibbon, "é um evento mais romântico na sua origem, e nas suas conseqüências mais importante, não só para a Itália, mas também para o Império do Oriente."83 Apenas algumas gerações depois de Rolão e seus viquingues terem se fixado no norte da França, o ducado da Normandia, cristão e francófono, tornara-se uma potência européia. Em 1066, o tetraneto de Rolão, GuiOS TEMPLÁRIOS lherme, venceu o rei Haroldo da Inglaterra na batalha de Hastings e assegurou seu direito ao trono inglês. Ao contrário da conquista normanda da Inglaterra, a incursão normanda no sul da Itália foi uma iniciativa privada tomada num santuário do Arcanjo Miguel no monte Gargano, que se projeta no mar Adriático, na Apúlia - a espora, por assim dizer, da bota italiana. Aí, no início do século XI, um grupo de peregrinos normandos encontrou um exilado grego da vizinha cidade de Bari, então nas mãos do Império Bizantino. Ao regressarem à Normandia, os peregrinos recrutaram um exército de aventureiros que cruzavam os Alpes disfarçados de peregrinos e, embora seu assalto a Bari tivesse fracassado, transformaram-se num formidável bando de mercenários muito solicitado pelas potências em conflito na parte inferior da península Itálica - sua bravura, energia, agressão e destreza em combate levaram-nos a esmagar repetidas vezes as forças consideravelmente maiores desdobradas contra eles pelas duques lombardos de Nápoles, Salerno e Benevento, ou pelos agentes dos imperadores em Constantinopla. Para os rudes nortistas, era o momento oportuno para tomar esses ricos territórios governados por "tiranos efeminados" - e no curso de algumas décadas eles estabeleceram seu domínio sobre o sul da Itália, e apenas as cidades do litoral permaneceram nas mãos dos bizantinos. Depois de a princípio apoiarem os bizantinos em suas tentativas de reconquistar a Sicília aos muçulmanos, que a haviam dominado por duzentos anos, os normandos traçaram seus próprios planos. A numerosa família dos Hautevilles, da pequena nobreza normanda, obteve ascendência sobre seus pares barões. Em 1060, Rogério Guiscard capturou Reggio e Messina, na costa da Sicília, e, após trinta anos de lutas contra os muçulmanos, conquistou a ilha inteira, ao passo que no continente italiano as cidades de Bari e Salerno renderam-se a seu irmão Roberto. A princípio, os papas em Roma ficaram alarmados com ascensão desses Estados normandos, e em 1053 o papa Leão IX comandou um exército contra eles, o qual foi derrotado na batalha de Civitate. O papa Leão foi feito prisioneiro, mas foi bem-tratado pelos normandos, porque a concessão da coroa que estes cobiçavam era um direito dele. Ao perceberem uma vantagem num poder que poderia contrabalançar o dos imperadores alemães, a política dos papas modificou-se radicalmente. O papa Nicolau II, aconselhado por Hildebrando, o futuro papa Gregório VII, investiu os normandos com seus principados na Apúlia e na Sicília em retribuição pelo reconhecimento de sua suserania total e pela promessa de assistência militar. O papa Alexandre II, também seguindo os conselhos de Hildebrando, enviou estandartes e concedeu indulgências a cavaleiros normandos e franceses que lutavam con- O TEMPLO RECONQUISTADO tra os muçulmanos na Sicília e na Espanha. A política deu bons resultados quando os normandos, sob Roberto Guiscard, salvou Hildebrando do exército do imperador alemão Henrique IV. Todavia, os normandos opuseram-se tanto aos cidadãos de Roma, que o papa teve de fugir para Monte Cassino e depois para Salerno, onde morreu, insistindo em que morria no exílio apenas porque tinha "amado a justiça e odiado a iniqüidade". As reivindicações de Hildebrando de uma autoridade total sobre os poderes secular e espiritual para o cargo de papa trouxeram consigo um senso de responsabilidade para com os bens da cristandade; e uma de suas ambições não realizadas foi o envio de um exército cristão contra o Islã. Até então, a ameaça sarracena tinha estado suficientemente perto de Roma, de modo que os papas deixaram os bizantinos combater na frente oriental. Além disso, havia tanto uma rivalidade endêmica com os gregos bizantinos quanto desprezo por eles. Não foi apenas a tendência dos imperadores bizantinos de arrancarem os olhos de seus rivais que afrontava os cristãos católicos; os próprios papas haviam recorrido a barbaridades do mesmo tipo. Mas os gregos eram vistos como um povo traiçoeiro corrompido pela decadência do Oriente. Os imperadores bizantinos empregavam eunucos não apenas como guardiães de suas esposas, mas também como altos funcionários da Igreja e do Estado. Apenas quatro cargos lhes eram vedados, e "como era de esperar, muitos pais ambiciosos mandavam castrar seus filhos caçulas 11.14 O bispo italiano Liudprand de Cremona, que foi enviado pelo imperador do Ocidente, Óton I, numa missão diplomática a Constantinopla, descreveu-a como "uma cidade repleta de mentiras, ardis, perjúrio e cobiça, uma cidade rapace, gananciosa e jactanciosa". Mas em todos esses juízos de valor ocidentais acerca da capital bizantina havia sem dúvida certa dose de ressentimento contra a arrogância dos bizantinos e inveja de uma metrópole que ultrapassara Roma em tamanho e esplendor, que nunca fora saqueada por um exército bárbaro e que, a despeito de toda a crueldade ocasional empregada no exercício do poder, era uma sociedade profundamente religiosa, na qual as capacidades intelectuais eram tidas em alta estima e o analfabetismo entre as classes média e alta era virtualmente desconhecido. Em outras palavras, o Império do Oriente, apesar de sua suscetibilidade a influências orientais, havia conservado mais da pujança do Estado romano unificado da Antiguidade do que o Império do Ocidente. Ele havia mantido um serviço público assalariado e um exército permanente disciplinado e profissional. Ao contrário dos exércitos adhoc de indivíduos indisciplinados encontrados na Europa Ocidental, reunidos por períodos limitados de acordo com o costume feudal, as unidades regulares do exército bizantino poOS TEMPLÁRIO diam ser treinadas para obedecer às ordens complexas de um estrategista treinado na ciência militar. O Estado mais bem administrado do mundo tinha nessa época seu exército mais etlcaz. Sérias divergências tinham surgido entre os ramos oriental e ocidental da Igreja cristã sobre questões, tais como a primazia das duas sés patriarcais, a obediência religiosa de povos recentemente convertidos, como os búlgaros, e sobre a doutrina não só a notória cláusula filioque` no ~-c,~o, a qual permanece incompreensível para quase todos os teólogos mais eruditos, mas sobretudo a veneração de imagens ou ícones de Cristo e dos santos. No século VIII, os imperadores do Oriente haviam se aproximado da posição muçulmana de que a veneração de ícones era indistinguível da adoração de imagens esculpidas e, portanto, deveria ser proibida. A controvérsia subseqüente levou a um século de violência e perseguição: os papas em Roma haviam condenado o iconoclasmo, o qual, se tivesse triunfado através da cristandade, teria matado na origem a arte pictórica, que veio a ser uma das mais sublimes manifestações da civilização ocidental - não teria havido nem Fra Angelico, nem Rafael, nem Leonardo da Vinci. Todavia, o conflito havia afetado de maneira adversa as relações entre os ramos grego e latino da cristandade, as quais atingiram seu nadir com a troca de anátemas e excomunhões em 1054. Contudo, quando sobreveio o endêmico conflito entre Bizâncio e o Islã, nunca houve a menor dúvida de que os latinos dariam uma prova de lealdade a seus pares cristãos do Oriente. Durante algum tempo, após a primeira onda de conquista muçulmana, uma fronteira tinha sido estabelecida entre o Império Bizantino e o califado abácida de Bagdá na cordilheira de Tauro além de Antioquia, no extremo sul da Ásia Menor. No início do século X, sob dois generais armênios, as forças imperiais empenharam-se numa campanha de reconquista que culminou com a retomada de Chipre e do norte da Síria, incluindo a cidade de Alepo. Embora Jerusalém ainda permanecesse nas mãos dos califas fatímidas que governavam do Cairo, Antioquia, cidade muito maior e também sede de um patriarca, estava de novo nas mãos dos cristãos. Por volta de 1025, o Império Bizantino estendia-se do estreito de Messina e do norte do Adriático, no oeste, ao rio Danúbio e à Criméia, no norte, e às cidades de Melitene e Edessa do outro lado do Eufrates, no leste. Todavia, essa supremacia militar não se manteve. Internamente, uma mudança social a favor dos grandes latifundiários do Império tinha levado ao desaparecimento da classe de pequenos proprietários na Anatólia, os quais Filioque, palavra latina que significa "e do filho", pertencente à frase do credo católico: "Creio no Espírito Santo (...) que procede do Pai e do Filho". (N. do T) O TEMPLO RECONQUISTADO até então haviam fornecido tropas para o exército bizantino, e, por conseguinte, a uma crescente confiança em tropas mercenárias; e externamente havia aparecido nas fronteiras orientais do Império Bizantino uma nova onda de conquistadores islâmicos, os turcos seldjúcidas. Os seldjúcidas eram uma tribo de saqueadores nômades originários das estepes da Ásia Central que no século X haviam conquistado o território do califado de Bagdá e, adotando o islamismo, se autoproclamado os paladinos dos muçulmanos sunitas. Ondas posteriores de membros de uma tribo turcomana afim inspirados pela mesma mescla de zelo religioso e paixão pela pilhagem, como os fundadores árabes do islamismo, aproximaramse com intenção predatória das fronteiras orientais do Império Bizantino. Em 1071, sob o sultão Alp Arslan, os seldjúcidas avançaram contra um enorme exército bizantino em Manzikert, perto do lago de Van, na Armênia, composto em grande parte de mercenários que tinham sido reunidos pelo imperador Romano IV Diógenes. Os bizantinos foram derrotados e o próprio imperador feito prisioneiro por Alp Arslan. Nada agora detinha o avanço das tropas turcas: as tribos turcomanas moveram-se impetuosamente pela Ásia Menor, e antes de 1081 haviam tomado Nicéia, a menos de cento e sessenta quilômetros de Constantinopla, e fundaram uma província na Ásia Menor que, por ter feito parte do Império Romano, foi denominada sultanato de Rum. A força dos bizantinos havia sido minada por sua necessidade de combater numa segunda frente. No mesmo ano da batalha de Manzikert, Bari, seu último baluarte na Itália, havia se rendido aos normandos da Sicília, sob o comando de Roberto Guiscard, que havia cruzado o Adriático, tomando o porto de Dyrrhachium (Durazzo) e planejado um avanço em direção a Tessalonica. Os bizantinos eram impotentes para resistir a eles. AÁsia Menor, agora dominada pelos turcos seldjúcidas, tinha sido sua principal fonte de cereais e fornecido metade de seu potencial humano. O outrora poderoso Império do Oriente tinha sido reduzido a um pequeno Estado grego resistindo ao aniquilamento. Nessa crise, os bizantinos tiveram o bom senso de alçarAleixo Comneno, seu general mais competente, ao trono imperial. A Providência também veio em seu auxílio com a morte do líder dos normandos, Roberto Guiscard, e do sultão seldjúcida Alp Arslan. Entretanto, a situação dos bizantinos continuou crítica, e portanto o imperador Aleixo apelou para seus confrades cristãos do Ocidente. A primeira aproximação de Aleixo da cristandade ocidental foi a Roberto, conde de Flandres, que por volta de 1085 havia enviado um pequeno contingente de cavaleiros a Constantinopla. Talvez tenha sido Roberto 77 OS TEMPLÁRIOS quem informou Aleixo de que o papa agora possuía muito mais peso na Europa Ocidental do que o imperador do Oriente, e na primavera de 1095 delegados bizantinos chegaram para o concílio da Igreja que estava sendo realizado em Piacenza, no norte da Itália. O papa que presidiu o Concílio de Piacenza foi um burgúndio chamado Odon de Lagery, filho de uma família da pequena nobreza que vivia em Châtillon-sur-Marne. Sua origem era portanto a mesma dos líderes da reforma ciuniacense, e sua educação também o tinha imbuído de zelo religioso. Ele teve aulas nas escolas da catedral em Reims com o excepcional Bruno, que em 1084 havia fundado uma comunidade de monges num local remoto dos Alpes, próximo a Grenoble, a casa-mãe da ordem dos Cartuxos, Lã Grande Chartreuse (A Grande Cartuxa). Odon de Lagery fora ordenado padre em Reims, e galgara todos os postos da administração arquiepiscopal até tornar-se arcediago da catedral, mas em 1070 abandonara o clero regular para tornar-se monge em Cluny. Durante algum tempo ele serviu como prior sob o abade Hugo, mas em seguida foi chamado a Roma, onde Hildebrando, então papa Gregório VII, o nomeou cardeal-bispo de Óstia. Em 1088, foi eleito papa e adotou o nome de Urbano II. Homem cortês, conciliador e de boa aparência, Urbano tinha em comum com seu mentor, Gregório VII, a mesma alta apreciação de seu cargo, mas era muito mais diplomático no exercício de sua autoridade nas difíceis circunstâncias da época. Sua política de conciliação estendeu-se a Bizâncio: em 1089, no Concílio de Melfi, ele havia suspendido o interdito de excomunhão do imperador Aleixo e sido recompensado com gestos igualmente conciliatórios em Constantinopla. A reconciliação encorajou Aleixo a solicitar auxílio à Igreja latina. Seus embaixadores foram admitidos no Concílio de Piacenza, e os padres do concílio ouviram sua eloqüente descrição dos sofrimentos de seus confrades cristãos no Oriente. No encerramento do concílio, os bispos se dispersaram com uma clara compreensão da ameaça representada pelo avanço dos infiéis; ao passo que Urbano II, ao partir para a França, levou consigo todo O ônus de sua responsabilidade pessoal, como O Príncipe dos Apóstolos, paia com o destino da Igreja universal de Cristo. Após ter cruzado os Alpes, Urbano II foi primeiro para Valence sobre o Ródano, e então para Le Puy, onde o bispo era outro prelado aristocrático, Ademar de Monteil. Ademar fora em peregrinação a Jerusalém alguns anos antes e poderia ajudar o papa com sua experiência. De Le Puy, o papa Urbano convocou os bispos da Igreja Católica para encontrá-lo em Clermont, em novembro do mesmo ano. Em seguida, tomou o rumo do sul, viajando para Narbonne, a apenas uns cento e sessenta quilômetros da frente ocidental da O TEMPLO RECONQUISTADO cristandade, no outro lado dos Pireneus. Ele agora estava na Provença, na época governada por Raimundo de Saint-Gilles, conde de Toulouse e marquês da Provença, um experiente veterano que lutara contra os sarracenos na Espanha. De Narbonne, Urbano II seguiu para leste, ao longo da costa do Mediterrâneo, até Saint-Gilles, no estuário do Ródano, e depois de novo para o norte, através do vale do Ródano, até Lyon, aonde chegou em outubro. Daí ele foi para Cluny, na Borgonha, onde já tinha sido prior, e consagrou o altar-mor da grande igreja, que por muitos anos seria a maior da Europa Ocidental. De Cluny ele cominou para o norte, até Souvigny, a fim de orar no túmulo do abade Mayeul, que no século anterior fora seqüestrado pelos sarracenos enquanto cruzava os Alpes, recusara a tiara pontifícia e era agora reconhecido como um dos mais santos abades de Cluny. Quais eram os pensamentos de Urbano enquanto rezava junto ao túmulo de Mayeul? Sem dúvida, ele sentia que alguma coisa teria de ser feita para ajudar o Império Bizantino na sua luta contra os turcos seldjúcidas. Mas também havia um interesse urgente da Igreja do Ocidente: o livre trânsito de peregrinos para a Terra Santa. Por muitos séculos, a peregrinação tinha sido parte essencial da vida devocional dos cristãos. Todo ano, milhares e milhares de peregrinos viajavam pela Europa para orar nos santuários preferidos - o do Arcanjo Miguel, no monte Gargano, que atraiu os cavaleiros normandos para o sul da Itália; o do apóstolo Tiago, em Compostela, na Galiza, no noroeste da Espanha -, às vezes começando na Abadia de Vézelay, na Borgonha, que abrigava as relíquias de Maria Madalena, ou na própria Abadia de Cluny. Ou iam a Roma, a fim de orar diante dos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo - como vimos, tratava-se de um grupo de peregrinos anglo-saxôes que foram feitos em pedaços quando saqueadores sarracenos atacaram Roma no século IX. Contudo, o destino mais almejado de todos os peregrinos era a Terra Santa, o solo pisado pelo Deus que se fez Homem: Nazaré, a cidade de sua infância; Belém, sua terra natal; e sobretudo o local de sua ressurreição dos mortos, a Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém. A viagem era um empreendimento caro e perigoso. A maneira mais fácil de viajar à Palestina era pelo mar, num navio dos mercadores de Amalfi, mas nesse caso corria-se o risco de pirataria e naufrágio. A viagem por terra tornou-se mais fácil com a conversão da Hungria ao cristianismo nos primeiros anos do século XI, e até a invasão seldjúcida a rota de dois mil e quatrocentos quilômetros através do Império Bizantino, de Belgrado a Antioquia, era relativamente segura; mas assim que penetravam na Síria islâmica, os cristãos poderiam estar sujeitos a ser molestados e a pagar onerosos pedágios. 79 OS TEMPLÁRIOS Nada disso dissuadia os peregrinos, para quem os próprios riscos e sofrimentos que a sua viagem implicava eram parte da sua finalidade. Para muitos, "a peregrinação era uma forma de martírio"85 que asseguraria a salvação da alma do peregrino. Às vezes ela era imposta como uma espécie de penitência que expiaria os pecados mais graves; "a mais importante expressão da renovada espiritualidade no século XI - que se originou em Gluny - foi a peregrinação penitencial";sb e alguns dos mais notórios vilões do período, tais como Foulques Nerra de Anjou ou Roberto, o Diabo, conde da Normandia, foram a Jerusalém para escapar da punição divina de seus crimes Foulques, como a esposa de Bath, de Chaucer, três vezes. Essas peregrinações penitenciais eram encorajadas e organizadas pela Igreja. Os monges de Cluny apresentavam a peregrinação a Jerusalém como o clímax da vida espiritual de um homem - uma ruptura dos laços que o prendiam ao mundo, com Jerusalém, a Cidade Santa, como uma antecâmara do mundo vindouro. Assim como o bom muçulmano era obrigado a ir em peregrinação a Meca pelo menos uma vez na vida, a ambição de muitos cristãos pios era tocar o Santo Sepulcro de Cristo antes de morrerem. "Na verdade, a atitude do cristão do século XI para com Jerusalém e a Terra Santa era obsessiva. 1187 De modo geral, no curso dos quatro séculos durante os quais a Palestina tinha sido governada pelos sucessores do Profeta, o acesso a seus santuários sagrados tinha sido permitido aos Povos do Livro. A única perseguição aberta a cristãos havia ocorrido no começo do século XI, durante o reinado do califa egípcio al-Hakim, um fanático que havia ordenado a destruição de todas as igrejas cristãs em seu domínio, entre elas a Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, cuja reconstrução foi autorizada por seu sucessor. Todavia, apenas uns trinta anos antes do momento em que o papa Urbano se ajoelhou diante do túmulo do abade Mayeul, o arcebispo de Mogúncia, junto com os bispos de Utrecht, Bamberg e Ratisbona, havia guiado um grupo de sete mil peregrinos do Reno ao Jordão. Emboscado por um bando de muçulmanos nas proximidades de Ramleh, na Palestina, o grupo foi obrigado a lutar em autodefesa. Outra consideração que talvez tenha ocupado os pensamentos do papa Urbano, embora isso jamais tenha sido estabelecido e permaneça essencialmente objeto de conjeturas, era a necessidade de encontrar uma forma de dar vazão ao excesso de energia da classe guerreira franca. Como era essa sua origem, Urbano II estava bastante familiarizado com o problema representado por cavaleiros belicosos cujo único talento era sua habilidade com a lança e a espada. Descendentes dos companheiros de batalha dos reis merovíngios e carolíngios, eles eram agora uma classe distinta na sociedade: uma eli- O TEMPLO RECONQUISTADO te militar. Mas o custo do equipamento necessário para um cavaleiro era considerável - a túnica de cota de malha, o escudo, a espada, a lança, o capacete de aço e o cavalo. Embora alguns costumes e precedentes do passado bárbaro mitigassem o uso da força, a maioria das contendas era resolvida com a espada. O ataque repentino às colheitas e aos animais domésticos de um vizinho era tão comum para os cavaleiros cristãos da Idade Média quanto tinha sido para as tribos árabes antes do advento de Maomé. "A violência estava em toda a parte, chocando-se com muitos aspectos da vida cotidiano."R8 Mesmo quando as dissensões eram apresentadas perante uma corte, esta sempre deixava Deus decidir a questão por meio de um duelo ou de um julgamento por ordálio. Para restringir o conflito endêmico entre os diferentes grupos no seio da nobreza rapace da cristandade, e em particular para manter suas mãos longe dos bens da Igreja, papas e bispos haviam tentado impor as usuais sanções de interdição (proibição de assistir à missa e recusa dos sacramentos) e excomunhão (expulsão da Igreja); mas também, mais recentemente, o conceito de "Trégua de Deus" - a designação de certos dias santos ou períodos penitenciais do ano, tais como a Quaresma, quando era proibido lutar. Todavia, só em parte esse estratagema fora bem-sucedido: a cristandade ocidental continuava a ser escandalosamente afligida por disputas fratricidas. Como seria mais sensato se se pudesse aprender uma lição do exemplo de normandos como os Hautevilles, cuja agressão havia sido canalizada para a conquista de novos reinos a expensas do Islã! Com tais pensamentos na mente, o papa Urbano II ergueu-se do túmulo do abade Mayeul e tomou o caminho para o sul, em direção a Clermont, a hm de encontrar os cerca de trezentos bispos que tinham obedecido à sua convocação. De 19 a 26 de novembro, o concílio, reunindo-se na catedral, aprovou vários decretos contra os abusos comuns da investidura leiga, da simonia e do casamento dos sacerdotes. O rei Filipe da França foi excomungado por causa de seu relacionamento adúltero com Bertrada de Monfort, e o concílio endossou a idéia de uma Trégua de Deus. Na terça-feira, 27 de novembro, os padres do concílio foram convocados para se reunir num campo além dos limites do portão oriental de Clermont para uma sessão aberta ao público. O trono pontifício havia sido colocado numa plataforma, de modo que o papa Urbano II pudesse dirigir-se à multidão que havia se reunido a fim de ouvir o que ele tinha a dizer. Apesar de os relatos de seu discurso terem sido escritos após o evento e possivelmente coloridos pelo que o inspirou, parece que o papa primeiro narrou os reveses dos cristãos bizantinos no Oriente e o sofrimento que eles tinham suportado nas mãos dos turcos seldjúcidas; em seguida, continuou a descrever a opresOS TEMPLÁRIOS são e o molestamento de peregrinos cristãos que se dirigiam à cidade santa de Jerusalém, conjurando imagens de Siâo que teriam sido completamente familiares a seus ouvintes por causa da constante entoação dos Salmos. Com a cativante eloqüência e o genuíno fervor de um pregador experiente, ele lembrou seus ouvintes do exemplo dado por seus ancestrais no tempo de Carlos Magno. Exortou-os a parar de lutar uns contra os outros por motivos ignóbeis de vingança e cobiça e, em vez disso, a voltar suas armas contra os inimigos de Cristo. Por sua vez, como o sucessor de São Pedro, com seus poderes concedidos por Deus paca "ligar e desligar" na terra, ele prometeu que aqueles que se empenhassem nessa causa com um espírito de penitência teriam seus pecados pregressos perdoados e obteriam total remissão das penitências terrenas impostas pela Igreja. O apelo de Urbano foi recebido com entusiásticos gritos de "Deuslevolt" ("Deus o quer"), e num gesto dramático, que quase com certeza havia sido ensaiado pelos dois líderes da Igreja, Ademar de Monteil, bispo de Le Puy, ajoelhou-se diante do papa e pediu permissão para participar dessa Guerra Santa." Um cardeal da comitiva do papa também se pôs de joelhos e liderou os ouvintes de Urbano no Confiteor, a confissão dos pecados, após o que o sumo pontífice concedeu absolvição. Um escritor do século XX descreveu o apelo do papa Urbano como uma "combinação de piedade cristã, xenofobia e arrogância imperialista".9° Outros sugeriram que, ao proclamar Jerusalém como O objetivo da cruzada quando o apelo do imperador Aleixo tinha sido de ajuda militar na Anatólia contra os turcos seldjúcidas, o papa estava tirando proveito da ignorância e credulidade de seu rebanho. No entanto, está claro que formadores de opinião não são um produto do fim do século XX: já no Concílio de Piacenza, os embaixadores do imperador Aleixo haviam dado ênfase à situação de Jerusalém precisamente porque "viria a ser um eficiente slogan de propaganda na Europa".9' Além disso, o objetivo do papa era "a defesa dos cristãos onde quer que eles estivessem sendo atacados. `Pois de nada adianta libertar os cristãos dos sarracenos num lugar e entregá-los noutro à tirania e opressão sarracenas"'.9Z Será que o papa não sentiu nenhum drama de consciência quanto ao uso de violência? Na Igreja primitiva, a exortação de Jesus a oferecer a outra face de modo geral tinha sido tomada a sério, e a violência era portanto julgada pecaminosa em quaisquer circunstâncias. Foi Agostinho de Hipona quem a considerou justificada em legítima defesa, e sua doutrina, dispersa por várias de suas obras, foi reunida no século X1 por Anselmo de Lucca. Essa doutrina foi absorvida pelo pensamento papal durante o pontificado de Gregório VII com respeito à reconquista da Sicília e da Espanha; e, sem dúvida, por oca- O TEMPLO RECONQUISTADO sião da notícia da derrota bizantina em Manzikert, quando em nome do apóstolo Pedro ele apelou duas vezes aos fiéis que sacrificassem suas vidas para "libertar" seus irmãos no Oriente. Agora a doutrina de Agostinho estava ligada ao conceito de peregrinação penitenciai, fazendo "atingir o auge uma onda em direção à Terra Santa de culto do Santo Sepulcro que havia produzido regularmente peregrinações em massa a Jerusalém no decorrer do século XI (... ) ".93 Os peregrinos eram armados, a fim de assegurar, nas palavras do papa Urbano, que os sarracenos "não continuem a triturar sob seus tacões os que crêem em Deus". As indulgências que ele prometeu e os privilégios que concedeu aos cruzados eram quase indistinguíveis daqueles concedidos aos peregrinos: "quando a marcha começou, tinha-se a impressão de que (...) pertencia inteiramente ao universo tradicional da peregrinação a Jerusalém".9'' Nisso o papa, fiel à sua vocação cluniacense, mostrou que estava tão interessado no que a cruzada poderia fazer pelo cruzado quanto no que o cruzado poderia fazer pela "Igreja asiática". Ele se referia com freqüência à exortação de Cristo, a qual deveria ser do conhecimento de todos que o ouviram, a abandonar esposas, famílias e bens por amor dele, erguer suas cruzes e segui-lo. A fim de dar substância ao símbolo, cruzes de pano foram distribuídas em Clermont a todos aqueles que juraram partirem cruzada. Estas eram costuradas em seus mantos, na altura do ombro, não apenas para significar seu compromisso sagrado, mas também para mostrar que o cruzado gozava de certos privilégios e sanções legais. A família e o patrimônio do cruzado tinham de ser protegidos pela Igreja. Ele estava isento do pagamento de impostos e lhe era assegurada moratória de suas dívidas. Em troca, esperava-se que ele cumprisse com seu dever: o homem que faltasse à sua promessa estava sujeito a excomunhão automática. Embora, como vimos, tivesse havido precedentes na Sicília e na Espanha para uma guerra santa movida por cristãos contra muçulmanos, está claro que o apelo feito pelo papa Urbano em Clermont foi visto como momentoso, "um choque para o sistema comunal" e "algo diferente de tudo que fora tentado antes".95 Para consternação de Urbano, a reação mais imediata e radical não foi entre a classe dos cavaleiros, na qual ele pensara, mas entre os pobres. Enquanto Urbano prosseguia em sua viagem predicante pela França> passando ao largo dos territórios controlados pelo rei Filipe, a quem ele condenara no concílio, vários pregadores populares inflamaram o populacho excitável e idealista no norte da Europa e formaram um exército mal armado e sem disciplina que, sem mais nem menos, partiu para subjugar os sarracenos e libertar Jerusalém. oceano Atlântico REINO DA FRANÇA. _ l ALEMANHA A cristandade ao tempo da Primeira Cruzada Rarishona Viena. HUNGRIA -_ Veneza s -i ' - __ -_ Belgrado LEÃO-CASTELA ARAGÃO CATA LJNI-lÁ - - ~,:y .. (aarselha _ _ -': y. _y_ IMPÉRIO BIZANTINO ai-Mona CALIFADO __ DE CÓRDOVA â é •.~-o ~ W _ n p z -o rr, ó °' z . z: x á ~ '~ õn ~a x ÇO OS TEMPLÁRIOS Seu líder era um carismático pregador da Picardia conhecido como Pedro, o Eremita, que afirmava ter recebido uma carta do céu autorizando a cruzada. Os bispos fizeram o possível para deter os velhos e os enfermos, e proibiram especificamente os monges e o clero de partir na cruzada sem a permissão de seus superiores, mas o movimento saiu de controle. O fascínio da aventura e a promessa de recompensa espiritual acabaram sendo irresistíveis. Como ainda podemos constatar pelas imagens esculpidas na estatuária de catedrais medievais, as pessoas viviam com um medo real dos tormentos do inferno. Ali estava uma oportunidade de pôr um ponto final a esses temores. Homens casados eram proibidos de partir sem permissão de suas esposas, mas muitos ignoraram a proibição. Uma mulher manteve o marido em casa para que ele não ouvisse a pregação da cruzada, mas quando ele ouviu através da janela o que estava sendo oferecido, pulou para fora e tomou a Cruz. O começo da cruzada foi catastrófico. As forças lideradas por Pedro, o Eremita, e por um cavaleiro chamado Gualtério Sem-Haveres passaram pela Alemanha e pela Hungria em razoável ordem; mas, enquanto marchavam ao longo do Reno, contingentes de alemães sob o comando de um padre chamado Gottschalk e de um barão da pequena nobreza, conde Emich von Leinigen, atacaram as comunidades judaicas que encontraram pela frente em cidades como Trier e Colônia. Essa provavelmente não era a turba indisciplinada que outrora se supunha. "Esses exércitos continham cruzados de, todas as partes da Europa Ocidental, liderados por capitães experientes."96 Todavia, eles eram sem dúvida praticamente incapazes de fazer uma distinção significativa entre muçulmanos e judeus; é quase certo que devem ter contado com pilhagem en route para financiar a viagem à Palestina; e apenas conseguiram fazer uma idéia da cruzada sob o conhecido aspecto de uma vingança que os obrigava a desforrar-se do sofrimento de seus confrades cristãos no Oriente. Em conseqüência, seguiu-se uma série de pogroms massacres, conversões forçadas e suicídio coletivo de judeus em santificação de sua fé (kiddush ha-shem), como o dos zelotes em Massada doze séculos antes. No começo do século, a Igreja percebera claramente o perigo a que comunidades judaicas estariam expostas em circunstâncias desse tipo: o papa Alexandre VI havia escrito aos bispos da Espanha ordenando-lhes que protegessem os judeus em suas dioceses, "a fim de que eles não fossem mortos por aqueles que estão partindo para lutar contra os sarracenos na Espanha".9' Assim sendo, em algumas cidades alemãs, os príncipes-bispos e a nobreza local acolheram os judeus sob sua proteção, e o clero ameaçou os here- O TEMPLO RECONQUISTADO ges infiéis de excomunhão. Mas foi quase inútil. Em Mogúncia, o cronista cristão Alberto de Aix descreve como os pretensos cruzados, depois de terem arrombado as fechaduras e posto as portas abaixo (...) aprisionaram e mataram setecentas pessoas que inutilmente tentavam defender-se contra forças muito superiores às suas; as mulheres também foram massacradas, e as criancinhas, independentemente do sexo, foram mortas com a espada. Os judeus, ao verem os cristãos insurgir-se como inimigos contra eles e seus filhos, sem o menor respeito pelas fraquezas da velhice, por sua vez pegaram em armas contra seus correligionários, contra suas mulliéres, filhos, mães e irmãs, e massacraram a si mesmos. Uma coisa horrível de descrever: as mães pegavam a espada e cortavam a garganta das crianças enquanto estavam ao seio, optando por se destruírem com suas próprias mãos em vez de sucumbirem aos golpes dos incircuncisos.9H As atrocidades não se restringiram à Renânia: em Speyer, Worms, e em lugares tão distantes quanto Rouen, no oeste, e Praga, no leste, os cruzados investiram contra os judeus. Sem dúvida, o zelo religioso da turba assassina "era apenas uma tênue tentativa de encobrir o verdadeiro motivo: cobiça. Pode-se supor que para muitos cruzados a pilhagem dos. judeus era a única forma de financiar uma viagem como aquela".99 Mas os judeus não eram a única vítima da criminalidade dos cruzados: na Hungria, a turba predatória começou a saquear os habitantes, que também foram todos massacrados. Alberto de Aix escreveu mais tarde que muitos cristãos acreditavam que isso fosse a punição por Deus daqueles "que pecaram diante dele por causa de sua grande impureza e de relações sexuais com prostitutas, e.massacraram os judeus errantes (...) mais por avidez de dinheiro do que pela justiça de Deus"."' Nesse meio tempo, a força liderada por Pedro, o Eremita, e Gualtério Sem-Haveres havia chegado a Constantinopla escoltada pela cavalaria dos recém-conquistados pechenegos, os quais o imperador Aleixo usava como polícia militar. Apesar de terem sido aconselhados a esperar o resto do exército cruzado, os seguidores de Pedro foram ficando cada vez mais inquietos e começaram a saquear os subúrbios da cidade. Aleixo providenciou para que fossem transferidos para o outro lado do Bósforo e os alojou num acampamento militar perto do território controlado pelos turcos seldjúcidas. Um ataque bem-sucedido de um contingente francês encorajou alguns alemães a seguir o exemplo. Quando caíram numa cilada dos turcos, a força principal saiu para libertá-los e foi aniquilada pelos turcos em 21 de outubro de 1096. Isso marcou o ignominioso fim da "Cruzada Popular". 87 OS TEMPLÁRIOS Dois meses após a derrota dessa vanguarda indisciplinada em Xerigordon, nas proximidades de Nicéia, os primeiros contingentes do tipo de exército que o papa Urbano tinha imaginado começaram a se reunirem Constantinopla. O primeiro a chegar foi o conde Hugo de Vermandois, primo do rei da França, que tinha vindo por mar com um pequeno grupo de cavaleiros e soldados. Em 23 de dezembro, chegou uma força muito maior, liderada por Godofredo de Bouillon, duque da Baixa Lorena; por seus irmãos, Eustáquio, conde de Boulogne, e Balduíno de Boulogne; e pelo primo deles, Balduíno de Lê Bourg. Descendentes de Carlos Magno tanto pelo lado paterno quanto materno (e, segundo uma lenda posterior, de um ganso), esses quatro eram exemplos clássicos de guerreiros francos paladinos da Igreja. Seu séquito abrangia a diversidade do antigo império franco, com cavaleiros de língua alemã e francesa. Godofredo havia conservado o ducado da Baixa Lorena durante o governo do imperador Henrique IV, mas o fato de ele ter vendido todas as suas propriedades e seu castelo em Bouillon para financiar sua participação na cruzada sugere que não tencionava voltar para casa, embora não se saiba se o seu objetivo era um principado no Oriente ou a coroa do martírio. Em seguida chegou um contingente de normandos do sul da Itália comandado por Boemundo de'Iàranto, então com quarenta anos, o filho mais velho de Roberto Guiscard. Aqui havia menos ambigüidade: os antecedentes dos normandos sugeriam que eles tinham intenções predatórias, e com justa razão fizeram o imperador Aleixo sentir certa inquietação. Contudo, Boemundo havia tomado a Cruz com visíveis sinais de sincera convicção enquanto fazia o cerco a Amalfi, tendo entregado pessoalmente as cruzes de pano àqueles que queriam juntar-se a ele, entre os quais seu jovem e impetuoso sobrinho Tancredo. Com seu contingente, eles haviam cruzado O Adriático da Itália à Grécia, de onde continuaram em perfeita ordem para Constantinopla. A mesma rota fora seguida por um grupo de poderosos nobres do norte da Europa - Roberto II, conde de Flandres, cujo pai havia combatido em prol do imperador Aleixo; Roberto, duque da Normandia, irmão do rei inglês, Guilherme, o Ruivo; e Estêvão, conde de Blois, genro de Guilherme, o Conquistador -, ao passo que o maior contigente de todos - provençais e burgúndios sob o conde Raimundo de Toulouse - tomou uma rota intermediária ao longo da Dalmácia, depois através de Dyrrhachium até Tessalonica, e daí até Constantinopla. Acompanhava-o Ademar de Lê Puy, designado por Urbano II como seu legado e líder espiritual da cruzada. A influência de Ademar era preciosa para conciliar as divergências entre os príncipes francos e negociar a passagem do exército cruzado pelo Império AR O TEMPLO RECONQUISTADO Bizantino. O imperador Aleixo não havia previsto uma força desse tamanho e apenas permitiu que seus líderes entrassem em Constantinopla, mantendo as tropas fora dos muros da cidade. Em abril de 1097, o exército cruzado atravessou o Bósforo sem encontrar resistência. O sultão turco, Kilij Arslan, induzido por uma falsa sensação de segurança em virtude de sua vitória anterior sobre o exército de Pedro, o Eremita, atacou os cruzados fora de Nicéia. Ele aprendeu tarde demais que estava resistindo a algo mais difícil de vencer: a cavalaria pesada composta de cavaleiros ocidentais. Ana Comneno, filha do imperador Aleixo, escreveria na biografa do pai que "o primeiro choque irresistível" de uma investida dos cavaleiros francos "faria um buraco nas muralhas de Babilônia"."' A derrota do sultão, seguida pelo cerco de Nicéia não só pelo exército franco, mas também por uma esquadra bizantina trazida por terra até o lago contíguo à cidade, fez com que a guarnição de Nicéia se rendesse ao almirante bizantino Butumites. Embora tivessem desempenhado um importante papel na batalha, os cruzados cumpriram as promessas que haviam feito ao imperador Aleixo de devolver suas antigas posses e permaneceram do lado de, fora enquanto as tropas dele entravam na cidade. Apesar de terem recebido presentes de considerável valor, não houve possibilidade para o tipo de pilhagem que um exército vitorioso poderia ter esperado como espólios de guerra. Não obstante, eles estavam animados. "A menos que Antioquia se revele um obstáculo", escreveu Estêvão de Blois numa carta à sua esposa, "esperamos estarem Jerusalém daqui a cinco semanas." Mas a ida foi mais difícil do que haviam previsto, pois não estavam acostumados ao calor do verão na Anatólia. Havia escassez de água e, uma vez que os turcos haviam devastado a terra à sua frente, também faltavam alimentos. Quando se aproximavam de Doriléia, a vanguarda, formada pelos normandos italianos e franceses, por um contingente bizantino e por alguns flamengos, foi atacada pelo exército de Kilij Arslan. Os turcos tinham aprendido de sua experiência de Nicéia e executavam manobras a fim de evitar um ataque frontal da cavalaria dos cruzados. Seus arqueiros montados cercaram os cruzados. Os soldados de infantaria cristãos foram defendidos pelo exército de Boemundo e seus cavaleiros, que se mantiveram firmes até que a retaguarda, sob o comando de Godofredo de Bouillon, Raimundo de Toulouse e Ademar de Lê Puy, viesse em seu socorro e derrotasse os turcos. O acampamento turco, abandonado pelo exército em fuga, foi tomado pelos cruzados, e dessa vez a presa foi deles. Depois desse segundo triunfo, o exército prosseguiu em sua marcha através da Anatólia. A fome e a sede continuavam sendo um tormento, e as tropas tiveram de combaterem duas outras batalhas antes de atingirem um OS TEMPLÁRIOS refúgio seguro no reino ristão da Arnênia Cilício, um Estado anômalo na região sudes e da Anatólia Os armênia tinham sito primeiro aí instalados por imperadores bizantinos ;orno recompensa pela prestação de serviço militar, e a eles vieram juntar-seos compatriotas que os ;urcos haviam expulsado do torrão nato armênio, na; proximidades do lago de Van. w Após tm período dedescanso e recreação como hóspedes dos armênios em sua capital, Marash,o exército cruzado, comandado por Ademar de Le Puy, desceu as colinas, avançou lutando através do rio Orontes, e em 21 de outubro dc 1097 clregoL à cidade deAntioquia. Á cidade era um espetáculo assustador com cerca ds cinco quilímetros de extensão e um quilômetro e meio de lagura, fora construída empane na planície do Orontes, em parte nas encostas escarpadasdo monte Sílpio, e suas muralhas eram entrecortadas por quttrocentss to>res erguidas pelo imperador Justiniano e reforçadas pelos bizaitinos cem aros antes; e no seu ponto mais elevado, a trezentos metros soma da cidade, situava-se a cidadela. Antioquia tinha sido uma das principaismetrópeles do Império Romano e permanecia não apenas a chave estratégia para todo o norte da Síria, como também um rico e poderoso principado, com uma população emgrande parte cristã, mas guarnecida pelos turcos que ahaviarr conquistado aos bizanrinos doze anos antes. Os líceres latinos são conseguam chegar a um acordo sobre se deveriam toma a cidade de assalto ou esperar por reforços. Tirando proveito da hesitaçãoJos cruztdos,os turcos fatiam sortidas, atacando os grupos enviados para Irocurar comida. O cerco arrastava-se. Com frio, molhado e faminto, o exército cristão viu seu moral baixar a ponto de os cruzados começarem a s: perguntar se, Deus não os havia abandonado como punição por suas más sções. Tendo já perdido un grande número de cavalos e mulas na marcha aravés da lrtatólia, de moda que três quartos dos cavaleiros tinham de viajar r pé, eles agora comiam is animais que ainda estavam vivos. O preço dos alimentos vindos da Armênia tornava-os acessíveis apenas aos ricos, e atuns flamengos empobrecidos que haviam seguido Pedro, o Eremita, cometidos como rafurs', comiam os turcos que matavam. "Nossas tropas", esceveu RaRulfode Caen, ";ozinhavam adultos pagãos em panelas, empalavan crianças emespetos e a; devoravam depois de grelhadas."'°Z Em janeiro de 1098, Pedro o Eremita, foi pego por Tancredo quando tentava desertar c forçados regressar. Em fevereiro, o contingente bizantino abandonou o arco. Para piorar a situação, os cruzados receberam a notícia de que um grancL exército, comandado po Kerbogha de Mossul, estava em marcha para socorer Antioquia. * Denomi,ação oriunda do fato de eles usarem grosseiros mancos de pele. (N. do T) 90 O TEMPLO RECONQUISTADO Nesse momento de crise, Boemundo de Taranto pôs as cartas na mesa. Ele tinha um traidor submisso dentro de Antioquia, mas queria a promessa dos outros cruzados de que a cidade seria sua se ele a capturasse. Pondo de lado as objeções de Raimundo de Toulouse, o principal rival de Boemundo, o conselho de príncipes concordou. Ao perceber que a rendição da cidade era iminente, Estêvão de Blois foi embora. No mesmo dia, o resto do exército cruzado simulou uma retirada para longe dos muros da cidade, mas voltou sob o manto da noite, foi introduzido na cidade pelo espião de Boemundo e esta foi tomada. Quando Kerbogha de Mossul chegou a Antioquia, os sitiantes transformaram-se em sitiados, mas, inspirados pela milagrosa descoberta, sob a catedral, da Lança Sagrada que havia trespassado o flanco de Cristo, eles fizeram uma sortida que pôs os sarracenos em fuga. Gomo se julgou desaconselhável continuar rumo a Jerusalém sob o intenso calor do verão, o exército cruzado permaneceu em Antioquia, e a data de sua partida foi marcada para 1° de novembro, Dia de Todos os Santos. Nesse ínterim, os mais intrépidos puseram-se a caminho, a fim de rivalizar com Balduíno de Boulogne, que no início daquele ano havia fundado o primeiro Estado latino na área, em Edessa. Ao entrar na cidade com uma força de apenas oitenta cavaleiros, ele fora saudado pelo governante armênio, Thoros, e por ele adotado como filho. Todavia, Thoros não era benquisto por seus súditos monofisitas, e apenas um mês mais tarde, provavelmente com a conivência de Balduíno, foi deposto e assassinado, deixando Balduíno como o único governante de Edessa. Em julho, Antioquia foi afligida pela peste, que em 1° de agosto vitimou Ademar de Le Puy. Como legado pontifício e líder espiritual da cruzada, e por natureza sábio e conciliador, ele havia desempenhado um papel inestimável ao serenar os ânimos dos briguemos e jactanciosos príncipes. Para escaparem da peste, muitos deles haviam partido de Antioquia, e o moral do exército estava de novo baixo. O rancor existente entre Boemundo e Raimundo refletiu-se num crescente antagonismo entre seus seguidores normandos e provençais - a chacota favorita dos normandos era dizer que a Lança Sagrada era uma fraude. Em setembro, após regressarem aAntioquia, os príncipes escreveram ao papa Urbano pedindo-lhe que viesse liderar pessoalmente a cruzada. A festa de Todos os Santos chegou e passou. Raimundo afinal concordou que Boemundo conservasse Antioquia, desde que participasse do assalto a Jerusalém, com o que este concordou; mas a apatia parecia paralisar os líderes. Seguiram-se semanas de procrastinação, e foi apenas a instâncias de soldados cada vez mais exasperados que os príncipes finalmente concordaram em nomear Raimundo de Toulouse seu comandante-em-chefe. OS TEMPLÁRIOS O exército cruzado parou ae rxtml~yU~a ~•= 13 de janeiro de 1099, marchando entre as montanhas e a costa do Mediterrâneo. A maioria dos emires locais, em vez de impedir seu avanço, preferiu prestar apoio à progressiva horda do monstruoso Fraiej. As forças mais significativas em Damasco, Alepo e Mossul observavam e aguardavam, pois, a seu ver, não lhes interessava vir em auxílio dos califas fatímidas do Egito, que no ano anterior haviam reocupado Jerusalém. Em 7 de junho de 1099, o exército cruzado levantou acampamento diante dos muros da Cidade Santa. Conquanto fosse menor do que Antioquia, e bem menos importante em termos políticos e estratégicos, Jerusalém tinha permanecido bem fortificada desde que o imperador Adriano a reconstruíra. Os bizantinos, os omíadas e os fatímidas haviam todos renovado as defesas da cidade, e Iftikhar, seu governador fatímida, havia sido amplamente advertido da aproximação dos cruzados. Os habitantes cristãos haviam sido expulsos, mas não os judeus. As cisternas da cidade estavam repletas de água e havia farta provisão de alimentos, enquanto os poços fora da cidade tinham sido obstruídos ou envenenados. Os muros eram guarnecidos por tropas árabes e sudanesas, e se havia solicitado ajuda ao Egito. Conscientes de sua vulnerabilidade a uma força auxiliar, com escassez de alimentos e água, e carecendo de equipamento pesado, como torres e manganelas, os cruzados compreenderam que não tinham condições para fazer um cerco prolongado. Apenas um terço dos que haviam partido da Europa Ocidental dois anos antes ainda estava vivo - sem levar em conta peregrinos não-combatentes, entre os quais mulheres e crianças, isso significava uma força de combate de aproximadamente doze mil soldados de infantaria e mil e duzentos ou mil e trezentos cavaleiros. Eles sabiam que não podiam contar com a ajuda dos bizantinos: com efeito, o imperador Aleixo, em vez de ajudá-los, estava em negociações com o califa do Cairo. Providencialmente, navios da Inglaterra e duas galeras de Gênova haviam chegado ao porto de )afã, que tinha sido abandonado pelos muçulmanos. Sua carga abasteceu o exército com alimentos, e também com pregos, porcas e parafusos. rIáncredo e Roberto de Flandres foram até Samaria à procura de madeira adequada e regressaram com troncos de árvores no lombo de camelos. Carpinteiros das galeras genovesas puseram-se a construir torres móveis, catapultas e escadas para escalar as muralhas. Na noite de 13 de julho teve início o assalto. A primeira torre a alcançar as muralhas foi a de Raimundo de Toulouse, mas a defesa daquele setor era dirigida pelo governador muçulmano, Iftikhar, e os provençais não conseguiram um ponto de apoio nos muros. Na manhã de 14 de julho, a torre de Godofredo de Bouillon foi levada para junto do muro norte, e por volta de O TEMPLO RECONQUISTADO meio-dia fez-se uma ponte do seu andar superior, de onde o próprio Godofredo e Eustáquio de Boulogne comandaram o assalto. Os primeiros a cruzar a ponte foram dois cavaleiros flamengos, Litold e Gilberto de Tournai. Atrás deles vieram os cavaleiros que lideravam o contingente lotaringio, seguidos de perto por Tancredo e seus cavaleiros normandos. Enquanto Godofredo enviou seus homens para abrirem os portões da cidade, Tancredo saiu lutando pelas ruas até o monte do Templo, que alguns muçulmanos tencionavam transformar em seu reduto, mas Tancredo era rápido demais para eles. Ele tomou a Cúpula da Rocha, pilhou seu precioso conteúdo e, em troca da promessa de um considerável resgate da parte dos muçulmanos que se renderam, permitiulhes refugiar-se na mesquita ai-Aqsa, ostentando seu estandarte como penhor de sua proteção. Iftikhar e sua guarda pessoal recolheram-se à Torre de Davi, que ele em seguida entregou a Raimundo de Toulouse em troca do tesouro da cidade e de um salvo-conduto para que ele e seu séquito pudessem deixar Jerusalém. Raimundo aceitou as condições, apossouse da cidadela e escoltou Iftikhar e sua guarda pessoal para fora da cidade. Foram os únicos muçulmanos que escaparam com vida. Inebriados pela vitória, e ainda impregnados do ardor da batalha, os cruzados começaram a chacinar os habitantes da cidade com a mesma indiferença para com a idade ou o sexo das vítimas que fora demonstrada mais de mil anos antes pelos legionários de Tiro. O estandarte de Tancredo na mesquita al-Aqsa não bastou para salvar os que nela se haviam refugiado: foram todos mortos. Os judeus de Jerusalém fugiram para a sinagoga em busca de segurança, mas os cruzados incendiaram-na e os judeus foram queimados vivos. Raimundo de Aguilers, capelão de Raimundo de Toulouse, não fez nenhuma tentativa de minimizar o horror do que tinha visto quando mais tarde descreveu a captura de Jerusalém em sua crônica. Durante sua visita ao monte do Templo, ele havia caminhado até os tornozelos em sangue fresco e coagulado. "Em todas as (...) ruas e praças da cidade, podiam-se ver montes de cabeças, braços e pés. As pessoas andavam, em termos bem claros, sobre homens e cavalos mortos." Mas para ele os defensores muçulmanos haviam apenas recebido o que mereciam. "Que puni çâo mais oportuna! O próprio lugar que durante tanto tempo suportou blasfêmias contra Deus estava agora encoberto pelo sangue dos blasfemos." Apologistas muçulmanos não demoraram a chamar atenção para o contraste entre a selvageria dos francos e a civilidade e humildade do califa Ornar quando capturou Jerusalém em 638; os cristãos replicaram que os bizantinos haviam se entregado sem luta. Mas essa polêmica surgiria mais tarde. Agora havia apenas júbilo pelo fato de terem executado a missão que lhes OS TEMPLÁRIOS fora incumbida pelo papa Urbano e de as promessas dos cruzados terem sido cumpridas. Depois de três anos de sofrimento e penúria, e de uma viagem de três mil e duzentos quilômetros, em climas inclementes e através de terreno inóspito, os peregrinos haviam chegado ao fim da viagem. Em 17 de julho, os príncipes, barões, bispos, padres, pregadores, visionários, guerreiros e criados do acampamento seguiram em procissão pelas ruas da cidade deserta até a Igreja do Santo Sepulcro. Aí deram graças a Deus pela extraordinária vitória e celebraram o sacrifício da missa no santuário mais sagrado de sua religião: o túmulo de onde Jesus de Nazaré, o Templo vivo da Nova Aliança, ressuscitara dos mortos. seflanaa parzrte OS TEMPLÁRIOS cinco Os Pobres Soldados de Jesus Cristo Nos anos que se seguiram à captura de Jerusalém, foram criados quatro Estados diferentes nos territórios conquistados, o que veio a ser conhecido como "Outremer" (ultramar) na Europa Ocidental. No norte ficava o principado de Antioquia, governado por Boemundo de Taranto, um normando do sul da Itália. A leste, na outra margem do Eufrates, estava o condado de Edessa, governado por Balduíno de Boulogne. Ao sul de Antioquia situava-se o condado de Trípoli, do qual se apropriara Raimundo de Saint-Gilles, conde de Toulouse, que morreu durante o cerco da cidade em 1105. Ainda mais para o sul, estendendo-se de Beirute, no norte, a Gaza, no sul, ficava o reino de Jerusalém, governado por Godofredo de Bouillon, que, recusando-se a chamar-se rei onde Cristo tinha usado uma coroa de espinhos, assumiu em vez disso o título de "Defensor do Santo Sepulcro". O papa Urbano II falecera em Roma duas semanas após o triunfo dos cruzados, mas antes que a notícia da tomada da cidade chegasse ao Ocidente. Antes de morrer, ele nomeara Daimbert, um arcebispo de Pisa, para suceder a Ademar de Le Puy como legado pontifício da cruzada. Daimbert tornou-se patriarca de Jerusalém e logo após a morte de Godofredo, em 1100, tentou fumar-se como um soberano teocrático em seu lugar. Os cavaleiros francos não aceitaram isso e, ao invés, convocaram de Edessa o irmão de Godofredo, Balduíno de Boulogne. Este teve menos escrúpulos em adotar o título de rei, e no dia de Natal de 1100, na Igreja da Natividade, em Belém, o derrotado Daimbert o coroou rei de Jerusalém. A ordem social agora vigente na Síria e na Palestina latinas baseava-se no sistema feudal da Europa Ocidental. Mas ao passo que um exército conquistador com um líder forte, como Guilherme, o Conquistador, na Inglaterra ou Rogério de Hauteville na Sicília, havia permitido que esse líder mantivesse o controle sobre seus vassalos, a maneira pela qual Godofredo de Bouillon e depois Balduíno de Boulogne foram escolhidos como os primeiros entre seus pares pelos líderes da cruzada levou-os a enfatizar os direitos dos vassalos e a uma codificação daqueles direitos desconhecidos no Ocidente. A 97 OS TEMPLÁRIOS ot ofediênciaos príncipes de Trípoli e Antioquia e dos condes de Edessa aos rereis de Jcrualém era tão tênue quanto a dos grandes condes e duques aos reis da flana: eles só se colocavam sob a autoridade deles quando perce biam yuesa própria segurança estava ameaçada por uma coalizão muçul- m nana. Ojovm sobrinho de Boemundo, Taneredo, que havia conquistado a G GalilëiacSlon, continuou vassalo do rei Balduíno, mas agia como um prín ci ciae so6arab. Também havia transferências dos príncipes dirigentes de um p pjincipado~íra outro, como pedras de um tabuleiro de xadrez: quando Boe m mundo t'oi apturado numa expedirão contra os turcos danishnaend, Antio q qua foigoprnada em sua ausência por Tancredo. Quando Balduíno de B Boulogict'~ convocado para o trono em Jerusalém, seu primo Balduíno de L Le Boucgccnou-se conde de Edessa. Depois do resgate de Boemundo, foi a voz de Baldíno de Le Bourg ser capturado, após o que Tancredo assumiu o g governoda?dessa, mas voltou paraAntioquia como regente quando seu tio B Boemuadoegressou à Europa para buscar reforços. A r ca,cez de potencial humano era endêmica no ultramar desde o c começo.Nloutono de 1099, após aderrota do exército egípcio enviado para socorrelJci)salém, a maioria dos cruzados sobreviventes iniciou a viagem d de voltaacsa. Em Jerusalém, Godofredo de Bouillon foi deixado com cerca d de trezcnrcl cavaleiros e mil soldados de infantaria. Ao ascender ao trono, E Balduíao ao tinha mais do que isso. Embora não houvesse ameaça imi n nente dona invasão fatímida e se pudesse contar com o apoio de cristãos a aUtôcmusa frágil situação do reine de Jerusalém só poderia ser assegurada f por expo ulterior, e em particular pela tomada dos portos mediterrâ r ricos. Casientes dessa necessidade, e ansiando tanto por glória quanto por r recomvOs espirituais com que )s primeiros e bem-sucedidos cruzados t tinhali cumulados, outros contingentes de franceses, lombardos e k bávarosp'aliram da Europa. Foram todos atacados e vencidos ao cruzarem a f Anatóli3,upenas um pequeno número escapou, regressando a Constanti r nopla. ao rei Balduíno eram as esquadras das repúblicas marítimas i italianas-Pisa, Veneza e Gênova-, que, ao perceberem as oportunidades c oferecüas elo domínio latino da costa oriental do Mediterrâneo, barganha r rim sevapio no cerco dos portos em troca de privilégios comerciais quando eles fusca tomados. Haifa, Jafa, Arsuf, Cesaréia, Acre, Sídon, um após o outro esse' portos sucumbiram às forças latinas, até que, por fim, com a quedade~iro em 1124, a armada fatímida perdeu todas as bases na Pales- t tina e aflolteira litorânea do ultramar ficou livre de perigo. Apaa1cação do interior era mais problemática. As galeras italianas tam- 1 bém troustam um crescente número de peregrinos que foram inspirados a 98 ~ Mediterrâneo ARMËNIA CILÍCIA CONDADO DE EDESSr1 Anrinqma -:uepn PRINCIPADO DE ANTIOQUI:1 - ASSASSINOS limosa 17-d'. • Hum, ' CONDADO DE I'ríhnli urc.. . Dama Tiro Acre . TRIPOLI Haifa °x° Harun lllnt> REINO` DE p usalcm Cat° JERUSALÉM a.u aydoiu I_+4> rNlen.mr:í- > o0 zoo km 100 milhas OS TEMPLÁRIOS fazer peregrinação a Sião devido à notícia da vitória dos cruzados. Alguns portavam armas, mas outros estavam equipados apenas corri a sacola e o bastão dos peregrinos: a distinção entre peregrino e cruzado continuava imprecisa. Estes não apenas oravam na Igreja do Santo Sepulcro a fim de cumprirem suas promessas, como também saíam em peregrinação a muitos santuários da Judéia e da Somaria que uma familiaridade com as Escrituras e indiferença à historicidade transformaram num parque temático da religião cristã. Em Jerusalém, havia a Cúpula da Rocha, agora transformada de mesquita em igreja, santificando o lugar onde Jesus havia açoitado os cambistas e conhecida pelos cruzados como o Templo do Senhor. Na extremidade sudeste do monte do Templo encontrava-se a casa de São Simeão, que continha a cama da Virgem e o berço e a banheira do menino Jesus; e ao norte da Porta de Josafá, uma igreja construída onde antes fora a casa dos pais da Virgem Maria, Joaquim e Ana. Nos arredores da Cidade Santa havia a casa de Zacarias, onde João Batista tinha nascido; o poço de Maria, de onde eia e José haviam voltado para encontrar Jesus em Jerusalém; o sítio onde fora abatida a árvore da qual se fez a cruz usada na crucificação de Jesus; e o lugar onde ele ensinou o Pai-nosso a seus discípulos. Um caminho bastante trilhado por peregrinos cristãos conduzia, a leste de Jerusalém, a Jericó e ao rio Jordão, aonde muitos iam para um rebatismo em suas águas. Aí eles passavam pelo bloco de rocha usado por Jesus para montar no jumento que cavalgou até Jerusalém no Domingo de Ramos; pela cisterna na qual José havia sido jogado por seus irmãos; pelo toco da árvore à qual Zaqueu havia subido para ver Jesus; pela curva da estrada onde o bom samaritano havia encontrado a vítima de uno assalto; pelo local onde a Sagrada Família havia descansado durante a fuga para o Egito; e finalmente pelos baixios onde João tinha batizado Jesus com as águas do Jordão. Por causa da natureza do terreno e do descontentamento dos muçulmanos entre os habitantes, o caminho não era mais seguro do que na época do bom ,,>amaritano. A partir do momento em que desembarcavam em Jafa ou em Cesa.réia, os peregrinos eram vulneráveis a ataques de saqueadores sarracenos e de bandoleiros beduínos que viviam nas cavernas das colinas da Judéia. Os peregrinos aunados podiam defender-se, mas não havia proteção alguma para os desarmados. As forças à disposição do rei Balduínojá estavam espalhadas ao máximo, protegendo as fortalezas estratégicas e os portos do Mediterrâneo. Em 1101, o conde Hugo de Champagne foi à Terra Santa com um séquito de cavaleiros. De 'Iìoyes, no trecho superior do rio Sena, ele governava um grande c rico principado que tinha feito parte do reino franco ocidental dei- OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO lado por Carlos, o Calvo. Hugo era pio e infeliz no casamento, pois não tinha certeza se era mesmo pai de seu filho mais velho. Entre seus vassalos estava um cavaleiro chamado Hugo de Payns. Seu lugar de nascimento era provavelmente Payns, a alguns quilômetros de Troyes a jusante do Sena. Ele, era parente do conde de Champagne, tinha o feudo de Montigny e trabalhava como administrador na casa do conde. I?m 1108, o conde Hugo regressou à Europa, mas em 1114 estava de volta a Jerusalém. Quer Hugo de Payns o tivesse acompanhado ou não em sua primeira peregrinação, quer tivesse ido só agora para a 'terra Santa, parece que aí permaneceu quando Hugo voltou de novo para a Europa. A essa altura, ao rei Balduíno I, que não tinha tido filhos, sucedera seu primo, Balduíno de Lê Bourg, e ao patriarca Daimbert,'Warmund de Picquigny. Foi a eles que Hugo e um cavaleiro chamado Godofredo de Saint-Omer propuseram a organização de uma comunidade de cavaleiros que seguiria a regra de uma ordem religiosa, mas se devotaria à proteção dos peregrinos. A regra que tinham em mente era a de Agostinho de Hipona, seguida pelos cônegos da Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém. A proposta de Hugo foi aprovada polo rei e pelo patriarca, e no dia de Natal de 1119, Hugo de Payns e outros oito cavaleiros, entre eles Godofredo de Saint-Orner, Archambaud de Saint-Aignan, Payen de Montdidier, Geoffroy Bissot e um cavaleiro chamado Rossal ou possivelmente Rolando, fizeram votos de pobreza, castidade e obediência perante o patriarca na Igreja do Santo Sepulcro. Eles chamaram a si mesmos "Os Pobres Soldados de Jesus Cristo", e a princípio não usavam um hábito que os distinguisse, e sim as roupas de sua profissão secular. A fim de proporcionar-lhes uma renda suficiente, o patriarca e o rei dotaram-nos com vários benefícios. O rei Balduíno II também lhes providenciou um lugar para viver, encontrando espaço no palácio em que ele transformara a mesquita al-Aqsa, na borda sul do monte do Templo, conhecido pelos cruzados como o Tenaplum Salomonzs- o 'Ièmplo de Salomão. Em conseqüência, eles vieram a ser conhecidos sucessivamente como "Os Pobres Soldados de Jesus Cristo e do Templo de Salomão", "Os Cavaleiros do Templo de Salomão", "Os Cavaleiros do Templo", "Os'lèmplários" ou simplesmente "O Templo". E possível que a intenção original de Hugo de Payns e seus companheiros fosse apenas retirarse para um mosteiro, ou talvez fundar uma confraria leiga comparável ao hospício de São João, que havia sido fundado pelos mercadores de Amalfi antes da Primeira Cruzada para cuidar dos peregrinos. fliguel, o Sírio, um cronista medieval, sugeriu-que foi o rei Balduíno, mais do que consciente de sua incapacidade de administrar o reino, quem persuadiu Hugo de Payns e seus companheiros a continuarem a ser cavaleiros em OS TEMPLÁRIOS vez de se tornarem monges, "a fim de trabalharem para salvar a alma dele e de protegerem estes lugares contra ladrões". Outro historiador das cruzadas medieval, Jacques de Vitry, descreve a natureza dual de seu juramento: "defender os peregrinos contra salteadores e estupradores", mas também observar "pobreza, castidade e obediência, de acordo com as regras de padres ordinários". A decisão de permanecerem em armas deve ter sido inspirada pela crescente insegurança dos latinos no ultramar. Um grupo de setecentos peregrinos desarmados que viajavam de Jerusalém ao rio Jordão na Semana Santa de 1119 foi emboscado pelos sarracenos: trezentos foram mortos e sessenta levados como escravos. Saqueadores sarracenos haviam chegado até os muros de Jerusalém, e havia se tornado perigoso sair da cidade sem uma escolta armada. Mais tarde, ainda nesse ano, chegou ao reino a notícia de uma catástrofe no principado de Antioquia: Rogério, atuando como regente de Boemundo II, filho de seu primo Boemundo, havia sido assassinado numa emboscada e suas forças aniquiladas no que veio a ser chamado de "Campo de Sangue". Isso levou a urgentes pedidos de ajuda ao papa Calisto II, aos venezianos e até ao arcebispo de Compostela, no Noroeste da Espanha. Como sempre, os reveses foram vistos como castigo divino: achava-se que alguns dos latinos que tinham se estabelecido na Terra Santa se haviam suavizado e corrompido pelos costumes lassos do Oriente. Uma reunião de líderes leigos e espirituais em Nablus, em janeiro de 1120, saudou o projeto de Payns tanto por seu potencial espiritual quanto prático. Não se sabe se foi feita uma consulta ao papa Calisto II em Roma sobre a fundação dessa confraria, mas, como filho do conde Guilherme da Borgonha, ele provavelmente teria sido favorável às aspirações dos cavaleiros. Tampouco o que deve ter-se afigurado uma boa idéia na época-a fusão de habilidades militares com vocação religiosa - parece ter sido considerado como um desvio radical de qualquer norma. Já vimos como a aprovação da luta por uma causa justa por teólogos católicos havia evoluído para uma santificação da cruzada - parecia quase inevitável que o "mosteiro nômade" mais cedo ou mais tarde tomasse a forma de uma ordem militar. Em 1120, Foulques de Anjou, um poderoso nobre do centro da França, foi em peregrinação à Terra Santa e associou-se aos Pobres Soldados de Jesus Cristo. Parece que ele havia desenvolvido um elevado conceito do mestre deles, Hugo de Payns, e após seu regresso dotou a Ordem com uma renda regular. Vários outros nobres franceses fizeram o mesmo. Em 1125, Hugo, conde de Champagne, voltou a Jerusalém pela terceira e última vez. Ele havia repudiado sua; nfiel esposa, deserdado o filho que acreditava não fosse seu e transmitido o condado de Champagne a seu sobrinho Teobaldo.loa OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO Hugo renunciou então a todos os seus bens, materiais e fez os votos de pobreza, castidade e obediência como um pobre soldado de Jesus Cristo. Esse não foi o mais significativo ato penitenciai do conde Hugo. Uns dez anos antes, ele havia dado uma extensão de terra inculta e reflorestada, a mais ou menos sessenta e cinco quilômetros a leste de 'Iroyes, a um grupo de monges liderados por Bernardo de Fontaines-les-Dijon, um jovem nobre burgúndio. Essa fundação em Clairvaux era um ramo da Abadia de Citeaux, da dual uma nova ordem monástica, os cistercienses, tomou seu nome. Citeaux fora fundada em 1098 por um abade beneditino, Roberto de h-lolesme, que percebeu que as comunidades cluniacenses haviam abandonado os rigores e a simplicidade da regra de Bento de Núrsia. Com suas dotações maciças e poderes e responsabilidades conseqüentes, os abades e priores cluniacenses haviam sido atraídos pelos negócios do mundo secular. Deixando aos servos o cultivo de suas terras, os monges haviam abandonado o trabalho braçal para trabalhar ou como funcionários da administração ou como "monges do coro" devotados a uma soberba liturgia, elaborada com uma pletora de novas devoções. A igreja da abadia em Cluny, a maior da Europa, 'era ricamente decorada e seus ornatos eram fabulosos. O dinheiro jorrava nos cofres monásticos, proveniente não apenas das rendas, dos dízimos e dos direitos feudais, como também do fluxo de peregrinos que partiam de Cluny e passavam pelas estações de posta a caminho do santuário de São Tiago em Compostela, no noroeste da Espanha. Um breve relato dessa nova fase de renovação monástica revela os estreitos vínculos daqueles envolvidos nos primeiros dias dos templários. Roberto de Molesme, como Hugo de Payns, nasceu nas proximidades de Troves. Tornou-se monge beneditino aos dezesseis anos e mais tarde foi abade do mosteiro cluniacense de São Miguel de Tonnerre, a cerca de cinqüenta quilômetros de Châtillon-sur-Seine, onde Bernardo freqüentou a escola. A pedido de um grupo de eremitas que viviam na vizinha floresta de Colam Roberto abandonou seu cargo para ensiná-los a viver de acordo com a regra beneditina. Mais tarde ele levou essa comunidade para terras pertencentes à sua família, situadas num penhasco de onde se descortinava a vista do pequeno rio Laignes, entre Zónnerre e Châtillon-sur-Seroe, onde fundaram o mosteiro de Molesme. Dois outros monges à procura de um árduo caminho para a perfeição passaram por Molesme. Um foi Bruno, nascido em Colônia, que havia estudado e mais tarde ensinado na escola da catedral em Reims. Entre seus discípulos, estava o jovem nobre burgúndio Odon de Lagery, que prosseguiu seus estudos até tornar-se monge de Cluny e depois o papa que pregou a Primeira Cruzada, Urbano II. Depois de desavir-se com o arcebispo de Reims, OS TEMPLÁRIOS Bruno retirou-se do mundo para viver como eremita perto de Molesme, ;nas, julgando seu refúgio insuficientemente remoto, foi para o sul, para Savoy, e fundou um conglomerado de eremitérios nas montanhas de Chartreuse. La Grande Chartreuse (A Grande Cartuxa) tornou-se a casa-mãe da mais rigorosa de todas as ordens monásticas, a dos cartuxos, com suas ramificações, ou cartuxas, por todo o mundo. Um segundo monge que passou por Molesme foi um inglês, Estêvão Harding, membro da nobreza anglo-saxã cuja família se tinha arruinado em conseqüência da Conquista Normanda em 1066. Indo primeiro para a Escócia, e daí para a França, Estêvão estudou em Paris e em 1085, aos vinte e cinco anos, fez uma peregrinação a Roma, onde recebeu a tonsura de um monge beneditino, e depois retornou pelos Alpes para juntar-se à comunidade de Molesme. A essa altura, a reputação de santidade de Roberto tinha atraído dotações que, por sua vez, haviam provocado em muitos dos monges uma lassidão que ele julgava incompatível com seu conceito de vida beneditina. Em 1098, o ano anterior à rendição de Jerusalém aos cruzados, Roberto deixou Molesme com quase vinte adeptos, entre eles Alberico e Estêvão Harding, e, após uma breve estada na diocese de Langres, foram para o sul a fim de fundarem uma comunidade em Citeaux, a aproximadamente vinte e cinco quilômetros ao sul de Dijon. Aí eles puderam viver de acordo com o seu conceito da regra de Bento de Núrsia. Abandonaram as longas litanias e orações que ocupavam o dia inteiro dos monges do coro de Cluny e rejeitaram todos os vínculos com a nobreza local. A comunidade devia ser auto-suficiente: o trabalho braçal pesado tornou-se parte da rotina diária do monge. Como símbolo de sua dedicação a uma vida de pureza, mudaram a cor do hábito de preta para branca. Recusavam-se a aceitar oblatos infantis e não empregavam servos, mas aceitavam irmãos leigos para trabalharem em suas propriedades, os quais - caso estas se situassem a certa distância do mosteiro viviam numa "herdade". Na ausência de Roberto, Molesme tinha entrado em declínio. O papa Urbano II ordenou-o a voltar. Sucederam-lhe como abades em Citeaux primeiro Alberico de Aubrey e depois Estêvão Harding. Impressionados com a sua austeridade, os papas viriam a conceder posteriormente aos cistercienses isenções do pagamento de dízimos e tributos senhoriais; mas seu distanciamento afastou a nobreza da Borgonha, e a austeridade que impressionou papas dissuadiu aqueles com vocação monástica. Nos primeiros anos do abadado de Estêvão Harding, tinha-se a impressão de que o projeto fracassaria. Então, em 1113, o jovem e carismático Bernardo chegou de Fontainesles-Dijon com trinta e cinco parentes e amigos seus. A ordem cisterciense (7S POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO passou por um rejuvenescimento. Antes do fim do século haveria mil e duzentas comunidades filiadas a Citeaux por toda a Europa. Três anos após sua admissão em Citeaux, o próprio Bernardo levou doze outros monges para darem início a um mosteiro no arborizado vale do Absinto, doado por Hugo, conde de Champagne, e conhecido como um refúgio de salteadores. Eles mudaram o nome para vale da Luz (Clairvaux) e começaram a desbravar o terreno e a construir uma igreja e uma habitação. Clairvaux logo atraiu um intenso fluxo de fervorosos rapazes. No fim do século XX, quando um monge é visto como algo excêntrico à margem da sociedade, é difícil entender como tantos jovens que pertenciam à elite do seu país haviam optado por uma vida de renúncia. Sem necessariamente pôr em dúvida a sinceridade e convicção de cada um que estava respondendo a um chamado de Deus, não se deve esquecer que a escolha de um descendente de uma casa nobre, ou mesmo da pequena nobreza, era então, e continuaria a ser por algum tempo, entre lutar e orar, entre a guerra e o ministério, entre o escarlate e o preto. Por conseguinte, um rapaz com uma índole sensível ou estudiosa, ou simplesmente com aversão à violência e ao derramamento de sangue, bem poderia ser direcionado para a vocação religiosa por uma mãe pia e amorosa -- este parece ter sido o caso de Bernardo e sua mãe, Arlete de Montbard. Aqueles que ingressassem num mosteiro menos rigoroso como Cluny poderiam contemplar uma carreira como administrador eclesiástico ou homem de Estado, terminando, a exemplo de Odon de Lagery, como papa. Ou eram livres para dedicar-se à erudição e ao saber: Estêvão I-larding foi um erudito de primeira ordem, que revisou o texto da Bíblia latina e pediu a rabinos que o ajudassem a entender o hebraico do Antigo Testamento. A decisão de Bernardo de escolher o portão mais estreito e o caminho mais íngreme para o Reino dos Céus em Citeaux demonstra a pureza de sua vocação. Também revela certo grau de autoconhecimento: pelo seu próprio relato, sua natureza irascível e até mesmo violenta só poderia ser domesticada pela vida austera seguida pelos cistercienses. Indícios dessa natureza são encontrados em sua discussão sobre um jovem monge com Pedro, o Venerável, abade de Cluny. Em sua carta a Pedro, Bernardo desdenhosamente contrastou a vida aprazível, fácil e luxuosa em Cluny com a dieta frugal e o severo regime em Clairvaux. Arrebatado por sua própria retórica, Bernardo censura severamente a degeneração moral da comunidade de Pedro. Ele é ardente, provocador, obstinado, revolucionário: até mesmo a beleza de Cluny é um sintoma de corrupção. Pedro, em sua réplica, é conservador, moderado, conciliador, gentil. OS TEMPLÁRIOS Outro aspecto da vocação monástica que surpreende e mesmo afronta as normas aceitas do fim do século XX é o elevado valor atribuído à castidade. É difícil não sentir pena das aristocráticas moças da Borgonha e da Champagne quando seus maridos potenciais retiravam-se para trás dos muros dos mosteiros cistercienses. Cristo tinha louvado aqueles que "se fizeram eunucos" por causa do Reino; e o apóstolo Paulo, nos primeiros dias da Igreja, havia escrito que, embora fosse bom ser casado, permanecer solteiro era melhor. Agostinho de Hipona, como vimos, pensava que uma entrega sincera a Cristo era incompatível com o casamento; e uma das principais campanhas do papado nesse período era a insistência no celibato para o clero. Vários fatores concorrem para explicar o que no século XX talvez pareça uma neurose. Em primeiro lugar, a equação fundamental da vida eremítica era que a indulgência de instintos atávicos fechava os canais para o espírito de Cristo. A própria força e intensidade do sexo, e o modo pelo qual ele compromete a vontade, tornavam-no um obstáculo no caminho da santidade. Também havia a idéia proposta por Agostinho de Hipona, nunca desenvolvida e mais tarde abandonada, de que o Pecado Original de Adão e Eva tinha algo a ver com o sexo e que foi transmitido pelo ato sexual. Uma sensação de repulsa pelo nosso aparelho reprodutor é encontrada, no judaísmo, na impureza ritual de uma mulher durante o período menstrual, e nas Confissões, de Agostinho, na aversão por ele expressa às suas emissões noturnas involuntárias. Será que isso significava que mesmo dentro do casamento o sexo era errado? Por volta do século XI, existiam duas correntes de pensamento contraditórias na doutrina da Igreja. Por um lado, havia moralistas monásticos que julgavam que as relações sexuais conjugais só poderiam ser justificadas se o seu propósito fosse a procriação-e ainda assim a conjunção carnal continha certo grau de pecado. O expoente mais radical desse ponto de vista era Pedro Damião, um dos principais ideólogos das reformas gregorianas - um monge que fez carreira na administração pontifícia até tornar-se cardealbispo de Óstia, vivia à base de pão grosseiro e água choca, usava uma cinta de ferro ao redor dos quadris e submetia-se a freqüente e severa flagelação. Ele considerava o casamento "como um disfarce obscuro para o pecado, e se regozijava com qualquer expediente que desencorajasse os homens em quem a imagem divina fora estampada de envolver-se em algo tão degradante"."' Ao mesmo tempo, era crescente a insistência do papado na natureza sacramental do casamento como uma condição sagrada que, para sua validade, dependia de livre consentimento. Em meados do século XII, o papa OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO inglês Adriano IV decidiu que esse direito se aplicava até a escravos; e "embora se passassem muitos longos anos até que a sociedade ocidental acreditasse em seus próprios ouvidos, a decisão dele afinal prevaleceu"."' Inevitavelmente, se o sexo era um pecado fora do casamento e uma fonte de imperfeição mesmo dentro dele, era melhor evitar a fonte de tentação. Era axiomático que monges não deviam misturar-se com mulheres, cujos olhares convidativos haviam induzido muitos homens bons à perdição. "Nenhuma comunidade religiosa era mais radicalmente masculina em sua têmpera e disciplina do que os cistercienses, nenhuma evitava o contato com o sexo feminino com maior determinação ou erguia barreiras mais difíceis contra a intrusão de mulheres." É claro que igualmente tentadores para as mulheres eram os rapazes bonitos, e foi sem dúvida pensando na salvação de suas almas, mas também em assegurar o futuro das mulheres solteiras de sua própria família e das famílias de seus monges, que Bernardo fundou em Jully, próximo a Molesmé, uma comunidade de freiras, entre as quais sua própria irmã caçula, Humbeline. Será que essas moças se tornaram freiras voluntariamente? Segundo a hitaprima de Bernardo de Clairvaux, Humbeline tinha sido casada e levado uma vida mundana antes de ser persuadida pelo irmão a se arrepender e, com consentimento do marido, tornar-se freira." Aconteceu o mesmo com Guido, o irmão mais velho de Bernardo: ele era casado e tinha duas filhas, e no entanto foi convencido por Bernardo a renunciar a elas e ingressar na comunidade em Clairvaux. É ,evidente que aqui estava um profeta plenamente reconhecido em seu próprio país. Em que consistia a natureza do carisma de Bernardo? Seu biógrafo na pita prinaa considerava-o bonito: o corpo era esguio e frágil; a compleição, mediana; a pele, macia; os cabelos, louros e a barba, avermelhada; a tez, fresca e rosada. Mas seu poder sobre os outros procedia claramente de sua personalidade e convicção. "Sua face irradiava um intenso esplendor, cuja origem não era terrena, mas celestial (...) até mesmo sua aparência física era transbordaste de pureza interior e abundância de graça."'°9 É inútil especular como ele teria aparecido na televisão; tudo o que precisamos saber em relação aos templários é que Bernardo de Clairvaux, conforme sintetizado por Dom David Knowles, um historiador beneditino contemporâneo nosso, era um da pequena categoria de grandes homens no mais alto grau, cujos dons e oportunidades foram exatamente harmonizados. Gomo líder, como escritor, como pregador e como santo, seu magnetismo pessoal e sua força espiritual eram importantes e irresistíveis. Homens vinham de todos os rincões da Europa para Clairvaux e eram enviados de novo por todo o continente (... ). Por Os TE \7PLARIOS quarenta anos, Citeaux-Clairvaux foi o centro espiritual da Europa, c outrora São Bernardo teve entre seus ex-mondes o papa, o arcebispo de York c muitos cardeais e bispos.] 1,1 Em 1127, Hugo de Payns foi enviado pelo rei Balduíno II com Guilherme de Burros numa missão diplomática à Europa Ocidental. O objetivo dessa missão era persuadir Foulques de Anjou a desposar Welissanda, filha do rei Balduíno, e tornar-se herdeiro do trono de Jerusalém - e recrutar tropas para um planejado ataque a Damasco. Hlugo tinha um terceiro objetivo: conquistar recrutas e obter a sanção do papa para sua ordem, os Cavaleiros do Templo. Não se sabe qual era o tamanho da Ordem nessa ocasião: os cronistas mencionam apenas os nove fundadores, mas o próprio fato de que o mestre tenha sido escolhido pelo rei Balduíno para essa importante müssão, e de que ele se julgava capaz de fazer com duo alguns cavaleiros entrassem para o seu séquito, sugere que a Ordem havia alcançado certo prestígio no ultramar. Sem dúvida, o rei Balduíno julgou que sua oferta a Foulques e à nobreza européia fosse atraente: cinco anos antes, sua posição tinha sido desesperadora, mas agora ele podia fazer esse apelo de uma posição de poder. Corri Tiro nas mãos dos latinos, ele podia contemplar um ataque ao interior do território muçulmano. Em 1124, ele havia sitiado Alepo; em 1125, tinha derroxado um exército sarraceno em Azaz e feito incursões no território damasceno. No início de 1126, com a força militar completa de seu reino, havia penetrado ainda mais no território damasceno, com considerável êxito. A própria Damasco parece ter estado ao seu alcance: com reforços e uma derradeira arremetida, ela poderia ter caído, afastando a ameaça de muçulmanos do interior, criando um novo principado para os latinos e fornecendo quantidades fabulosas de presas de guerra. Como Balduíno tinha três filhas e nenhum filho, era evidentemente indispensável para a estabilidade em longo prazo do reino que Melissanda, sua filha mais velha, se casasse com um homem de certa posição social. Independentemente do que os papas pudessem dizer a respeito da validade de um casamento que dependesse do livre consentimento do casal, era essencial à segurança do ultramar que cada feudo tivesse um líder forte. Gomo concessão à maior probabilidade de um homem morrer jovem, tinha-se convencionado que um feudo poderia ser herdado por sua mulher e filhos. No entanto, nem uma mulher nem uma criança poderiam comandar cavaleiros em batalhas. Portanto, era imperativo que, logo após a morte de um barão, sua mulher desposasse alguém que pudesse fazê-lo. Não existem provas de OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO que as próprias esposas questionassem essa necessidade, embora, como veremos, seus sentimentos às vezes influíssem na escolha. A viagem de hlugo à Europa foi um enorme sucesso. Em abril de 1128, encontramo-lo em Anjou visitando Fouldues em Le Mans. I?mjunho, Godofredo, filho de Foulques, casou-se cota Matilda, a herdeira de Henrique I da Inglaterra, deixando Fouldues livre para mudarse para Jerusalém e desposar iylelissanda. O rei Henrique I reagiu com generosidade à arrecadação de fundos de Hugo, dando-lhe "grandes tesouros, que consistiam em ouro e prata ", o que sem, dúvida pavimentou o caminho para a bem-sucedida viagem de Hugo pela Inglaterra, pela Escócia, pela França e por Flandres, recolhendo pequenas doações de armaduras e cavalos e dotações mais significativas dos condes de Blois e de Flandres, e de Guilherme II, castelão de Saint-Olner, na Picardia, pai"' de Godofredo de Saint-Omer, que, junto com Hugo cie Payns, fora o co-fundador dos Pobres Soldados de Jesus Cristo. Não está de todo clara se a arrecadarão de fundos de Hugo foi especificamente para sua Ordem ou, de modo mais geral, para a planejada campanha do rei Balduíno IT contra Damasco. ACrôjr2caflyaglo-Saxã relata, sem dúvida com certo exagero, duo Hugo conseguiu recrutar mais pessoas do que o papa Urbano II para a Primeira Cruzada. Numerosas escrituras públicas mostram nobres francos vendendo seus bens ou levantando empréstimos para financiar sua participação numa cruzada. A autoridade que Balduíno deu a Hugo e seu sucesso no recrutamento de nobres importantes para o assalto a Damasco sugerem que ele era uma figura investida de mais autoridade do que antes se supunha. O selo primitivo dos templários exibia dois cavaleiros montando um único cavalo para simbolizar sua pobreza, mas não existe nada que sugira que Hugo viajou pela Europa dessa forma. Não obstante a turbulência política na Europa possa ter impedido monarcas de primeira categoria, tais como os reis da Inglaterra e da França e n conde de Flandres, de tomar a Cruz, eles haviam reagido de maneira entusiástica ao pedido de Hugo de ajuda à sua Ordem militar. Mais importante ainda, contudo, foi a aprovação da nova Ordem pela Igreja. Como o historiador Joshua Prawer assinala, "no uso medieval, oido significava bem mais do que uma organização ou pessoa jurídica, porque incluía a idéia de uma função social e pública. Os homens que pertenciam a um O1-(Io não seguiam simplesmente seu destino pessoal, mas ocupavam um lugar numa forma de organização política cristã"."' A fim de assegurar essa aprovação, Hugo compareceu perante o concílio da Igreja reunido em T royes em janeiro de 1129. O conde Teobaldo de Champagne era anfitrião dos veneráveis sacerdotes, e na presidência do concílio estava o legado pon tifício, Mateus de Albano. A maioria dos prelados presentes eram franceses 109 OS TEMPLÁRIOS - dois arcebispos, de Reims e de Sens, dez bispos e sete abades, entre eles Estêvão Harding, abade de Molesme, e Bernardo, abade de Clairvaux. A despeito da sanção prévia do patriarca de Jerusalém, a aprovação do concílio não foi uma conclusão precipitada. Uma carta de encorajamento, que se julga ter sido escrita por Hugo aos irmãos em Jerusalém enquanto ele estava na Europa, sugere uma crise no estado de ânimo deles. Havia - e continuava a haver - dúvidas no espírito de alguns eminentes sacerdotes acerca da moralidade da guerra: alguns eram de opinião que a reprimenda de Cristo a Pedro quando este decepou a orelha do servo do sumo sacerdote significava que o uso da violência era incompatível com a vida de um religioso professo. O culto lombardo Anselmo, arcebispo de Canterbury, havia considerado o ato de tomar a Cruz para ir em cruzada imensamente inferior à vocação monástica: "Para ele, a escolha importante era simplesmente entre a Jerusalém celestial (...), que seria encontrada na vida monástica, e a carnificina da Jerusalém terrena neste mundo, que, sob qualquer que fosse o nome, não passava de uma visão de destruição (...)".'" Todavia, Anselmo estava agora morto e a preeminência por ele conquistada em virtude de sua santidade e sabedoria tinha passado para Bernardo de Clairvaux. Apesar de sua vida encerrada em Clairvaux, Bernardo sabia da fundação da Ordem dos Templários por intermédio do conde Hugo de Champagne, seu amigo e benfeitor. Ao ouvir que Hugo havia entrado para a Ordem em Jerusalém, Bernardo escreveu-lhe congratulandoo, mas ao mesmo tempo lamentando-se de que ele não tivesse optado por tornar-se monge em Clairvaux. Devido ao patrocínio anterior de Hugo, Bernardo deve ter tido certa dívida de gratidão para com esse grande nobre que havia renunciado ao mundo. Um homem ainda mais estreitamente relacionado com os templários era o tio mais moço de Bernardo, André de Montbard, meioirmão de sua mãe. Ambos devem tê-lo mantido informado das necessidades do ultramar: em 1124, quando o abade cisterciense de Morimond propôs a fundação de um mosteiro na Terra Santa, Bernardo rejeitou a idéia alegando que "as necessidades lá são cavaleiros que combatam, e não monges que cantem e se lamentem". 114 Para atrair o apoio de Bernardo, Hugo de Payns lhe escrevera de Jerusalém pedindo-lhe ajuda na obtenção de "confirmação apostólica" e na redação de uma Regra de Vida. Ele enviou o pedido aos cuidados de dois cavaleiros, Godemar e André - é possível que este último fosse o tio de Bernardo, a quem ele dificilmente se recusaria a atender. Embora prostrado pela febre; Bernardo obedeceu a uma convocação imperativa para participar do concílio da Igreja em Troyes e claramente dominou os debates: Jean Michel, que registrou as atas do concílio, disse que o fez "por ordem do concílio e do OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO venerável padre Bernardo, abade de Clairvaux","5 cujas palavras eram "prodigamente elogiadas" pelos prelados ali reunidos. A única oposição - cujas razões são desconhecidas - veio de João, bispo de Orléans, descrito pelo cronista Ivo de Chartres como um "súcubo e sodomita" e conhecido pela alcunha de "Flora"."` I Iugo de Payns, acompanhado de cinco membros da Ordem - Godofredo de Saint-Omer, Archambaud de Saint Armand, Geoffroy Bisot, Payen de NIontdldier e um certo Rolando -, descreveu a fundação da Ordem e apresentou sua regra. Examinada atentamente e revisada pelos padres do concílio, foi transcrita por Jean Michel num documento de setenta e três artigos. A influência cisterciense logo se faz notar. O prólogo nada tem de bom a dizer sobre a cavalaria secular: ela "desprezou o amor à justiça que constitui seus deveres e não fez o que deveria, que é defender os pobres, as viúvas, os órfãos e as igrejas, mas empenhou-sé em pilhar, roubar e matar";"' mas agora àqueles que se juntavam aos templários oferecia-se a oportunidade de "abandonar a massa da perdição" e de "revitalizar" a ordem de cavalaria e ao mesmo tempo salvar suas próprias almas. Isso significava renúncia total e, quando não ocupados com obrigações militares, viver a vida de um monge. "Vós que renunciais a vossos próprios anseios (... ) para a salvação de vossas almas (... ) esforçai-vos em toda a parte, com desejo sincero, por ouvir as matinas e todo o serviço de acordo com a lei canônica (...)"; e se as circunstâncias tornassem isso impossível, "em vez de rezar as matinas, ele deveria rezar treze pai-nossos: sete para cada hora e nove para as vésperas". Assim como nas ordens beneditina e cisterciense se fazia uma distinção entre o monge e o irmão leigo, a diferença entre um cavaleiro do Templo e um sargento ou escudeiro deveria tornar-se evidente pela sua vestimenta. "Ordenamos que os hábitos de todos os irmãos sejam sempre de uma só cor, ou seja, brancos, pretos ou marrons." O branco só poderia ser usado por um cavaleiro de profissão plena, "a fim de que aqueles que renunciaram à vida de trevas reconheçam uns aos outros como tendo sido reconciliados com o seu criador pelo símbolo de seus hábitos brancos, que significam pureza e castidade absoluta". Castidade, isto é, celibato, era a condição sinequa non do juramento do cavaleiro. "A castidade é a convicção do coração e a sanidade d0 corpo. Pois se um irmão não fizer o voto de castidade ele não poderá alcançar o descanso eterno nem poderá ver Deus, conforme a promessa do apóstolo que disse (...) `Esforçai-vos para levar a paz a todos, conservai-vos castos, sem o que ninguém pode ver Deus'." Consentia-se que homens casados ingressassem na Ordem com a permissão de suas esposas, mas não podiam usar o hábito branco, e as viúvas, embora fossem sustentadas pela Ordem por causa do domínio feudal trazido OS TEMPLÁRIOS por seus maridos, deviam, como as outras parentas dos cavaleiros, ser banidas das comunidades dos templários. A companhia de mulheres é uma coisa perigosa, pois por causa dela o velho diabo tem desviado muitos do reto caminho do Paraíso (...). Acreditamos que seja perigoso para qualquer religioso olhar demais para o rosto de uma mulher. Por esta razão nenhum de vós deve atrever-se a beijar uma mulher, seja viúva, moça, mãe, irmã, tia, seja outra qualquer; e doravante os Cavaleiros de Jesus Cristo devem evitar a qualquer preço os abraços das mulheres, pelos quais os homens muitas vezes se arruinaram, a fim de que possam permanecer eternamente perante a face de Deus com a consciência pura e a vida firme." Seguindo a regra de Bento de Núrsia, possivelmente como precaução contra outras formas de pecado sexual, o dormitório onde os cavaleiros dormiam deveria estar "iluminado até de manhã"; e os templários tinham de dormir "vestidos com camisa e calções e sapatos e cinto". Isso talvez visasse a capacitá-los a lutar em pouco tempo: "ordenamos que todos façam o mesmo, de modo que cada um possa vestir-se e despir-se, e calçar e tirar suas botas com facilidade". O fanqueiro da Ordem visava a assegurar que as roupas dos cavaleiros lhes assentassem bem e que seus cabelos fossem cortados curtos; todavia, não lhes era permitido barbear-se: todos os cavaleiros do Templo usavam barba. Não devia haver variações de seus trajes de acordo com a moda: "nenhum irmão terá uma peça de pele em suas roupas (...). Nós proibimos sapatos de bico fino e cadarços e vedamos seu uso a qualquer irmão (...) pois é manifesto e bastante conhecido que essas coisas abomináveis pertencem aos pagãos", Como os monges, os cavaleiros tinham de comerem silêncio no refeitório. Porque "se sabe que o hábito de comer carne corrompe o corpo", o consumo de carne era permitido apenas três vezes por semana - abster-se por completo, como os cistercienses, enfraquecê-los-ia como combatentes. Aos domingos, os cavaleiros e o clero tinham permissão para fazer duas refeições à base de carne, ao passo que os escudeiros e os sargentos "devem contentar-se com uma refeição e ser gratos a Deus por ela". Às segundas e quartas-feiras e aos sábados, os irmãos podiam fazer duas ou três refeições à base de vegetais e pão. Eles tinham de jejuar às sextas-feiras, e durante os seis meses entre Todos os Santos (1° de novembro) e a Páscoa deviam consumir uma quantidade mínima de alimentos. Os doentes estavam isentos do jejum. Um décimo da comida dos templários e todas as sobras eram destinados aos pobres. OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO Pode-se perceber nessa primitiva regra dos templários o medo de Bernardo de Clairvaux e dos padres do concílio de que, sem a salvaguarda do enclausuramento monástico, os cavaleiros do Templo resvalassem de volta para os hábitos do mundo. A Ordem poderia possuir terras e beneficiar-se do trabalho de arrendatários e vilões, os quais ela deveria governar de maneira justa. Também lhe era permitido receber dízimos como parte de uma dotação leiga ou clerical. A falcoaria e a caça eram proibidas, exceto ao leão, o qual, como Satã, "vem rodeando e procurando o que possa devorar". Não só sapatos de bico fino e cadarços eram proibidos a um cavaleiro do Templo, mas também ornamentos de ouro ou prata em suas rédeas e uma sacola de linho ou lã para comida. Os irmãos tinham de evitar a frivolidade em duas conversas - "palavras vãs e gargalhadas pecaminosas" - e tampouco deviam passar o tempo tagarelando, "pois está escrito (...) que conversa em excesso não é destituída de pecado". Eles não podiam jactar-se de suas proezas passadas: "nós proibimos e impedimos com firmeza qualquer irmão de narrar a outro ou a qualquer pessoa os atos de bravura por ele praticados na vida secular, os quais deveriam.antes ser chamados disparates cometidos na execução dos deveres de um cavaleiro, e os prazeres da carne que ele teve com mulheres imorais". Eles tinham de evitar "a praga da inveja, do rumor, do ressentimento e da maledicência"; e, presumivelmente uma injunção prática contra a inveja, "nenhum irmão deveria pedir de modo explícito o cavalo ou a armadura de outro", e, se o mestre decidisse dá-los a outro, ele "não deveria ficar aborrecido ou indignado"."9 Reconhecia-se que os cavaleiros deveriam ter algum contato com o mundo, mas eles não podiam "ir à vila ou à cidade sem a permissão do mestre (...) exceto para orar à noite no Sepulcro e nos lugares de oração que se situam dentro dos muros da cidade de Jerusalém". Mesmo aí os irmãos tinham de ir aos pares, e, caso fossem obrigados a hospedar-se numa estalagem, "nem irmão, nem escudeiro, nem sargento, podem ir aos aposentos de outro para vê-lo ou falar com ele sem permissão". A exemplo de um abade numa comunidade monástica, o poder do mestre era absoluto. "A fim de executarem seus santos deveres e obterem a glória do regozijo do Senhor e de escaparem do medo do fogo do inferno, é conveniente que todos os irmãos professos obedeçam estritamente a seu mestre. Pois nada é mais caro a Jesus Cristo do que a obediência. Pois assim que algo é ordenado pelo mestre ou por aquele a quem o mestre deu autoridade, deve ser feito sem demora, como se o próprio Cristo o tivesse ordenado." Se o desejasse, o mestre poderia aconselhar-se com os irmãos mais sábios e, em se tratando de assuntos sérios, "reunir a congregação inteira para ouvir os conselhos de OS T:MPLÁRIOS todo o capítulo". O mestre e o capítulo estavam autorizados a punir os irmãos que transgredissem. Dos setenta e três artigos dessa rega aprovada no Concílio de Troyes para os Cavaleiros do Templo, cerca de tri>ta baseiam-se na regra de Bento de Núrsia. Bernardo e os padres do concílio pareciam mais ansiosos em transformar cavaleiros em monges do que monges em cavaleiros. Há algumas referências à vocação militar dos irmãos-por e~emplo, especificando o número de cavalos a serem colocados à disposição de cada cavaleiro - e uma concessão às condições no ultramar: ser-lhes-ia permitido trocar suas camisas de lã por outras de linho nos meses de verão. Mas em feral o foco da regra parece ter sido a salvação das almas dos cavaleiros, e não a eficácia de uma força de combate. Os padres do concílio não parecem ter previsto que a aplicação da disciplina monástica a uma unidade militar resultada, pela primeira vez desde o colapso do Império Romano do Ocidente, nutra cavalaria pesada disciplinada e uniformizada que iniciava uma campanhaque não estava sujeita a oscilações de lealdades pessoais ou às incertezas dos tributos feudais."' Contudo, a Ordem dos Cavaleiros do Templo bem poderia ter mal grado desde o início, se não tivesse recebido a aprovação da Igreja no Concí lio de Troyes, em seguida confirmada pelo papa Honório II. Essa aprovação deveu-se em grande parte ao apoio de Bernardo de Clairvaux, o qual ele reforçou, após seu retorno a Clairvaux, escrevendo o tratado De laude novas militae ("Em louvor da nova ordem de cavalaria"). Será que isso foi suscitado por críticas à Ordem? Ao regressar a Jerusalém, Hugo de Payns recebeu uma carta de Guigo, o quinto prior da Grande Cartuxa. Ele era um monge respei tadíssimo e evidentemente sentiu que era seu dever convencer os templá rios de que deveriam ver sua voca~âo antes de tudo como espiritual, e não como marcial. "Na verdade, é inútil para nós atacarmos os inimigos externos se não derrotarmos primeiro os internos.""' Ele enviou cópias de sua carta', por dois mensageiros e pediu a Hugo que assegurasse que ela fosse lida para todos os membros de sua Ordem. .! i Foi decerto para mitigar quaisquer dúvidas no espírito dos templários já existentes e de recrutas potenciais que Hugo insistiu com Bernardo para escrever De lande. Bernardo afirma na introdução que bastaram apenas três pedidos para que ele pegasse na pena. O tratado é dirigido aos irmãos e no início os adverte de que o Diabo tentará solapar a resolução deles, impugnando seus motivos para matar o inimigo e levar os espólios de guerra, tentando desviá-los do ofício escolhido com a quimera de um bem maior. Ele reconhecia que eles eram uma inovação na vida da Igreja, "completamente diferente da maneira habitual da cavalaria","' cujos motivos puros transfor- OS POBRES SOLDADOS DE JESUS CRISTO oravam homicídio, o que era mau, em malecídio' - o homicídio do mal -, o que era bom. Não havia dúvida no espírito de Bernardo de que a Terra Santa era o patrimônio de Cristo injustamente confiscado pelos sarracenos grande parte do tratado era preenchida com uma descrição das cenas de sua vida e Paixão. Era para o bem espiritual dos templários que eles pisariam o mesmo solo que seu salvador. Acima de tudo, deparar com a realidade material do Santo Sepulcro faz o cristão recordar-se de que aqui ele também vencerá a morte. Ide em frente em segurança, cavaleiros, e com alma intrépida afugentai os inimigos da cruz de Cristo, certos de que nem a morte nem a vida podem separar-vos do amor de Deus, que está em Cristo Jesús, repetindo para vós mesmos a cada perigo: Quer vivamos, quer morramos, nós somos do Senhor. Quão gloriosos são os vencedores que regressam da batalha! Quão abençoados são os mártires que morrem em combate! Regozijai-vos, destemidos atletas, se viverdes e conquistardes no Senhor, mas exultai e glorificai ainda mais se morrerdes e vos juntardes ao Senhor. A vida de fato é fecunda e a vitória gloriosa, mas (...) a morte é melhor do que qualquer dessas coisas. Pois se aqueles que morrem no Senhor são abençoados, quão mais abençoados são aqueles que morrem pelo Senhor? Malecide no original. (N. do T) OS TEMPLÁRIOS na, e um grupo de seus vassalos comprometeram-se a servir com os templários por um ano. Ele também decretou que os templários, junto com seus dependentes, deveriam ser dispensados da jurisdição de tribunais leigos. Uma segunda ordem de monges militares com raízes na Terra Santa - os Cavaleiros do Hospital de São João - também foi atraída para a Reconquista ibérica. Essa ordem tinha sido fundada não como uma ordem militar, mas como uma comunidade leiga devotada ao cuidado de peregrinos pobres pelos monges de Santa Maria dos Latinos, um mosteiro fundado em Jerusalém antes da Primeira Cruzada por mercadores de Amalfi, os quais naquela época exerciam o monopólio no comércio do Ocidente com o Levante. Gomo os Templários primitivos e os cônegos da Igreja do Santo Sepulcro, os cavaleiros seguiram a regra de Agostinho de Hipona e construíram seu hospício no local onde a concepção de São João Batista tinha sido anunciada por um anjo. Um bula papal de 1113 sancionando o Hospital chama seu fundador de irmão Gérard. Após a captura de Jerusalém em 1099, sua piedade, associada a uma excepcional competência como "o mais eficiente oficial de aquartelamento que os cruzados haviam encontrado",'26 levou a dotações por Godofredo de Bouillon e seus sucessores e por europeus pios impressionados com o que tinham ouvido dos soldados e peregrinos que retornaram. Por volta de 1113, o Hospital havia fundado várias casas na Europa para prestar assistência a peregrinos a caminho da Terra Santa. O irmão Gérard morreu em 1120 e sucedeu-lhe Raimundo de Le Puy, um cavaleiro franco que por princípios religiosos permanecera em Jerusalém depois da Primeira Cruzada. Evidentemente, a necessidade imperativa de uma força para proteger os peregrinos era tão óbvia para ele quanto para Hugo de Payns. Se Raimundo e seus confrades tinham renunciado à espada e à armadura, eles agora as recobravam. Embora o Hospital nunca abandonasse sua vocação original de cuidar dos peregrinos e dos enfermos, acabou tornando-se uma ordem militar. Em 1128, enquanto Hugo de Payns estava na Europa, o irmão Raimundo de Le Puy acompanhava o rei Balduíno II numa campanha contra Ascalão. As duas ordens expandiram-se lado a lado: a estrutura administrativa desenvolvida pelos templários na Europa era baseada na que já havia sido criada pelos hospitalários, ao passo que a aprovação da regra dos templários pela Igreja no Concílio de Troyes e o tratado de Bernardo de Clairvaux em sua defesa sancionaram e encorajaram a evolução do Hospital numa ordem militar comparável. Os hospitalários retiveram a regra mais branda dos cônegos agostinianos, mas tiraram dos templários o título de mestre para o OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA seu superior. Seus alojamentos junto da Igreja do Santo Sepulcro logo absorveram o mosteiro de Santa Ana e possuíam um grande átrio com capacidade para dois mil peregrinos e várias centenas de cavaleiros, "um edifício tão grande e maravilhoso que parecia inacreditável, a menos que alguém o visse". 127 O rei Afonso de Aragão, "o Batalhador", apesar de todas as suas proezas como martelo dos mouros, revelou-se incapaz de gerar filhos. Seu casamento com Urraca de Castela foi dissolvido em 1114. Sem herdeiros, e possivelmente com a expectativa de prevenir uma disputa pelo seu reino que levasse a dissensões após a sua morte, redigiu um testamento, em outubro de 1131, deixando seu reino para os Cônegos do Santo Sepulcro em Jerusalém e para as duas ordens militares, os hospitalários e os templários. "A estes três concedo todo o meu reino (...) também a autoridade que tenho em todas as terras de meu reino, tanto sobre os clérigos como sobre os leigos, os bispos, os abades, os cônegos, os monges, os nobres, os cavaleiros, os burgueses, os camponeses e os mercadores, os homens e as mulheres, os pequenos e os grandes,'os ricos e os pobres, bem como os judeus e os sarracenos, com leis como as que meu pai e eu temos tido até agora e que devemos ter."'z8 Não se sabe o motivo dessa decisão, mas, quando Afonso morreu em 1134, ela foi ignorada e, a despeito do apoio do papa Inocêncio II, os três beneficiários foram incapazes de fazê-la cumprir. Todavia, quando dez anos mais tarde se chegou a um acordo em Gerona com Raimundo Berenguer de Barcelona, os templários foram compensados com o domínio de meia dúzia de fortalezas, um décimo da receita real, isenção de vários impostos e um quinto de todas as terras conquistadas aos mouros."' Assim, não obstante sua relutância inicial, eles foram atraídos para a Reconquista e tornaram-se uma das forças mais temíveis em Portugal e na Espanha. O próprio fato de a Ordem do Templo ter sido capaz de assumir esse compromisso militar numa segunda frente em 1114 demonstra seu êxito no recrutamento de cavaleiros. Suas razões para alistar-se variavam, mas seria um erro subestimar o zelo religioso. O consenso entre historiadores de que outrora as cruzadas eram um frágil pretexto para pilhagem e rapina havia agora mudado em favor da motivação penitenciai. "O compromisso de participar de uma cruzada (...) implicava pesadas despesas e verdadeiros sacrifícios financeiros, e os ônus sobre as famílias eram ainda mais pesados se vários membros decidissem partir."'3° O mesmo acontecia com um cavaleiro que se juntava aos templários: "esperava-se que os postulantes providenciassem OS TEMPLÁRIOS suas próprias roupas e equipamento quando ingressavam na ordem",I" e suas famílias e amigos muitas vezes arcavam com as despesas. Com freqüência, doação e compromisso estavam associados. Hugo de Payns e Geoffroy de Saint-Omer foram elogiados por trazerem seus bens consigo. No Norte da Provença, Hugo de Bourbouton ingressou na Ordem do Templo em 1139, doando-lhe terras suficientes para fundar a comunidade de Richerenches, que continua a ser uma das mais bem preservadas até hoje. Ele afirmou que o fez em obediência à exortação de Cristo no Evangelho de São Mateus: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la". 131 Seis anos mais tarde, seu filho Nicholas seguiu-lhe o exemplo e doou toda a sua propriedade à Ordem, exceto as ovelhas, que deveriam prover à subsistência de sua mãe. "Eu me submeto à mesma ordem de cavalaria de Deus e do Templo, a fim de servir como servo e irmão, embora indigno, e que todos os dias da minha vida possa eu merecer a indulgência de meus pecados e por herança [estar] com o eleito na eternidade."'33 A família Bourbouton procedia de uma classe social um pouco abaixo da dos grandes nobres da Europa ocidental, com quem tinha relações de amizade, e o mesmo se pode dizer de Hugo de Payns, de Geoffroy de SaintOmer e da maioria dos que proviam a liderança da Ordem. Contudo, esta também apelava a cavaleiros mais pobres, e no começo uma origem fidalga não parece ter sido um requisito necessário à admissão. É claro que um postulante teria de ser treinado em combate a cavalo, com experiência ou em batalhas ou pelo menos em justas. As ordens militares eram na verdade menos exclusivas do que os mosteiros :134 a instrução não era uma exigência - poucos dentre os cavaleiros sabiam ler ou escrever, e com certeza não em latim. Cabia aos capelães recitar o ofício, e tudo o que se requeria dos irmãos era que eles rezassem o número de pais-nossos prescritos nas horas determinadas. Sem dúvida, havia postulantes cujos motivos eram mistos. Grandes do reino, como Hugo, conde de Champagne, ou Harpin de Bourges, entraram para a Ordem do Templo num estádio mais avançado de suas vidas, após perderem suas esposas-um devido à separação, o outro por morte. Cavaleiros mais jovens e de recursos limitados eram atraídos pelas "perspectivas de viagens e promoção no mundo".13= Também havia a irresistível atração da Terra Santa. Há casos de cavaleiros que haviam viajado à Palestina a suas próprias expensas, como, por exemplo, oprimo de Rogério, bispo de Worcester, que ingressou numa ordem militar quando seus recursos acabaram. OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA Como a Ordem cresceu em poder e riqueza, ela oferecia uma estrutura de carreira comparável à da Igreja. Em pouco tempo, os mestres das ordens militares tornaram-se figuras de proa, não só na Síria e na Palestina, mas também na Europa Ocidental. Os mestres provinciais e outros funcionários graduados, com recursos enormes à sua disposição, passaram a pertencer à mesma categoria dos mais eminentes pares do reino. Sua reputação de honestidade e discernimento os transformou nos conselheiros de confiança de papas e reis. Talvez tenha havido motivos mais românticos: baladas e canções de gesta gostavam de sugerir que os cavaleiros entravam para a Ordem do Templo por causa de amor não retribuído. Como veremos, dizia-se que Gérard de Ridefort, o décimo mestre, havia se alistado por ter sido repudiado como marido por uma herdeira, mas nesse caso um desgosto amoroso pode ter sido menos significativo do que expectativas frustradas; todavia, não seria fantasioso inferir pelo menos uma analogia parcial entre a Ordem do Templo e a Legião Estrangeira francesa. Embora um período probatório constasse na regra primitiva, ele foi rejeitado sob pressão causada por atritos; e mesmo no início da Ordem haviam sido tomadas providências para recrutar entre cavaleiros excomungados. "Onde sabeis que cavaleiros excomungados se reúnem, ordenamo-vos que ides lá."'36 Um cavaleiro acusado de homicídio poderia ingressar na Ordem para expiar seus pecados. A penitência imposta aos cavaleiros que assassinaram o arcebispo de Canterbury Tomás Becket, foi de quatorze anos de serviço na Ordem. Por fim, havia o permanente apelo de camaradagem masculina em situações de perigo e necessidade. Isso certamente era uma importante característica das cruzadas, e sem dúvida atraía homens para as ordens militares. A tendência beneditina e cisterciense em se desligar do mundo não se estendia à amizade entre homens. Muito pelo contrário, os grandes abades, como Anselmo de Canterbury, Bernardo de Clairvaux e Aelred de Rievaulx, viam-na como um dos maiores bens que esta vida tinha a oferecer. Aelred escreveu um tratado sobre o assunto, De spiritualiamicitia. Bernardo, "embora não excluísse mulheres de suas amizades, recusava-se ainda menos a permitir que o amor de marido e mulher pudesse partilhar a qualidade da verdadeira amizade humana"; não obstante, pensava que "o amor humano era infinitamente menor do que o amor de Deus, [e] o amor conjugal, menor do que o amor entre amigos do sexo masculino".13' Numa sociedade onde a violência era endêmica e a coroa era incapaz de controlar barões rebeldes, os laços de parentesco e amizade eram de suma importância, e verificamos que a cousinage com freqüência determinava quem entrava para um mosteiro ou partia em cruzada. Durante duas gerações, vinte e cinco descendentes de OS TEMPLÁRIOS Guido de Monthéry tomaram a Cruz; ey nós vimoscomo Bernardo apareceu diante dos portíSes de CiteaUX com trirrlta e cinco )arentes e amigos. Será que havia um elernento sexual nesses laços masculinos? Com certeza, entre os monges não havia proibiição do tipc de amitié particulière que mais tarde não foi vista com bons olhos na históriada Igreja. Algumas cartas escritas por Anselmo, o arcebispo benieditino de Canterbury, se parecem com cartas de amor: "Meu bem-amado (...) já que não alimento dúvidas de que amamos urh ao outro com a mesmia intensidaJe, tenho certeza de que cada um de nós deseja igualmente o olutro, pois alueles cujos espíritos são fundidos juntos no fogo do amor sofrern de igual nodo se seus corpos estão separados pelo lugar de suas atividades diárias (...)"; ou: "Se eu tivesse de descrever a paixão de nosso amor mútuo, receio qLe àqueles que não conhecem a verdade eu daria a irrlpressão de; exagerar. Fortanto, tenho de ocultar um pouco da verdade. Mas tu sabes quão profunda é a afeição que vivenciamos - olhos nr3s olhos, beijo por beijo), abraço po- abraço". Conquanto Anselmo estivesse escrevendo cerca de meio século antes da fundação da Ordem do fémplo, seu caso é adequado à nossa consideração do modo de vida semimorástico dos ttemplários. As inferências deduzidas pelo erudito arrlericano John Boswel113's de passagens como as acima citadas, de que Anselmo considerava os atos homossexuais como "fraquezas comuns, pelas quais quase tidos poderiam sentir empatia", foram refutadas de maneira convincente pelo eminente historiacor Sir Richard Southem. Esse autor assinala que "ninguém sabia coisa algurra a respeito de tendências homossexuais inatas ou tilha interesse nelas; na medida em que se sabia que elas existiatrn, eram vistas simplesmente com) sintomas da má conduta geral da humanidade". A úuca forma de homossexualidade notada no século XI era a sodomia, "e esta era mais ou nnenos equiparada com outra forma de sexo antinaturatl, a cópula com animais ".`39 A condenação inequíwca da sodomia pela Igreja como um pecado contra Deus e contra a natureza baseou-se nas doutrinas de Paulo de Tarso'` e de Agostinho de Hipona,I" as quais eram bastan:e conhecidas dos instruídos beneditinas. Elas semdúvida tinham menor importância para os barões e os cavaleiros analfabetos, e a sodomia era com certeza praticada, no tempo de Anselmo, n~i corte do r-,i Guilherme, o Ruivo. "Deve-se reconhecer que esse pecado se tornou tão ~omum", escreveu Anselmo, "que quase ninguém se envergonha dele, e muitos, por serem ignorantes da sua enormidade, abandonam-se a ele." Em -onseqüência do que viu, Anselmo, como arcebispo de Canterbnlry, "foi no:ável por suar condenação desse pecado e de qualquer comportalmento que pudesse erlcorajá-lo, como cabelos compridos e roupas efeminadas".I4z OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA Portanto parecia certo que, embora a oportunidade de amores homossexuais não fosse um motivo para ingressar na Ordem do Templo, os padres do Concílio de Troyes estavam cônscios do perigo: daí o regulamento de que o dormitório dos irmãos deveria permanecer iluminado a noite inteira. A proibição de partilharem camas, dormirem nus ou no escuro era "para que o Inimigo hostil não lhes desse ensejo para pecarem".'43 Também está claro que havia casos em que cavaleiros ou sargentos sucumbiam à tentação. A transgressão foi incluída no detalhado rol de penitências redigido pela Ordem por volta de 1167, descrita como "o imundo e fétido pecado da sodomia, o qual é tão imundo, tão fétido e tão repugnante que não deveria ser mencionado". 144 Sua gravidade era da mesma ordem que matar um cristão ou uma cristã - e era considerado mais grave do que dormir com uma mulher. Após o retorno a Jerusalém de seus emissários, Hugo de Payns e Guilherme de Burres, com forças que haviam recrutado na Europa, o rei Balduíno II iniciou imediatamente seu planejado ataque a Damasco. No começo de novembro, Balduíno saiu da fortaleza de Banyas à frente de seu exército, que incluía um contingente de templários, e chegou a menos de dez quilômetros de Damasco. Guilherme de Burres partiu numa expedição de pilhagem com o contingente da Europa, o qual, ansioso por saquear, saiu de controle. A trinta quilômetros do acampamento principal, esse contingente foi atacado pela cavalaria damascena e apenas quarenta e cinco homens sobreviveram. Balduíno, esperando pegar o inimigo desprevenido enquanto celebrava essa vitória, ordenou a seu exército que atacasse. Mas assim que as tropas iniciaram a marcha contra Damasco começou a chover torrencialmente e as estradas tornaram-se intransitáveis, de modo que a ação teve de ser abandonada. Existem poucas informações a respeito das atividades de Hugo de Payns e dos templários primitivos durante os anos seguintes. A primeira fortaleza a ser transferida para uma ordem militar, Bethgibelin, situada entre Hebron, nas colinas da Judéia, e Ascalão, no litoral, foi entregue aos hospitalários em 1136. É provável que os templários tenham concentrado seus recursos na tarefa para a qual tinham sido originalmente destinados: a proteção das rotas em geral seguidas pelos peregrinos. Na Cisterna Rubea, a meio caminho entre Jerusalém e Jericó, os templários construíram um castelo, uma estalagem e uma capela. Havia uma torre dos templários mais perto de Jericó, em Bait Jubr atTahtani; um castelo e priorado no cume do monte Quarantânia, onde Jesus jejuou por quarenta dias e foi tentado por Satanás; e um castelo às margens do rio Jordão, no local onde Jesus foi batizado por João Batista." OS TEMPLÁRIOS A primeira fortaleza importante transferida para os templários não foi noreirno de Jerusalém, mas na fronteira mais ao norte das possessões latinas, no; mentes Amanus. Essa estreita cadeia de montanhas estende-se ao sul da Ás.a M enor e, com picos que atingem de d o is a três mil metros, cria uma barreira natural entre o reino armênio da Cilicia e o principado de Antioquia, e também entre Alepo e o interior da Síria e a costa mediterrânea. A estrada por entre essas montanhas a partir de Alepo ou de Antioquia até os portos de Alexandreta e Port Bonnel (Arsuz) é pelo desfiladeiro de Belen, também conhecido como portões da Síria. Na década de 1130 os templários receberam a responsabilidade de proteger a região montanhosa frentei riça entre o reino da Cilícia e o principado de Antioquia - a fronteira deAmanus. Afim de guardarem o desfiladeiro de Belen através da cordilheira deAmanus, eles ocuparam a fortaleza de Barghas, que denominaram Gastou, um Castelo "que domina um cume inacessível, erguido numa rocha inexpugnável e cujos alicerces tocam o céu".'46 Gaston ficava no lado oriental da cordilheira, de onde se descortinava a planície de Alepo a Antioquia. Mais ao norte, para protegerem o desfiladeiro de Hajar Shuglan, eles ocuparam os castelos de Darbsaq e de Ia Roche de Roussel. Eras 1130, o príncipe de Antioquia, Boemundo II, foi morto quando combatia os turcos danishmend e sua cabeça embalsamada foi enviada pelo emir dCmishmend Ghazi como presente ao califa de Bagdá. Sua viúva, Alice de Jerusalém, foi a segunda das três admiráveis filhas de Balduíno de Le Bourg e Morphia, uma princesa armênia. Melissanda, sua irmã mais velha e herdeira de Jerusalém, estava agora casada com Foulques de Anjou. Constança, filha de Alice, herdou então o trono do pai em Antioquia, mas, ao saber da morte do marido, Alice usurpou o trono. Logo se tornou evidente que esse não era o limite de suas ambições: ela planejou deserdar a própria filha e frustrar uras movimento de seu pai, o rei Balduíno de Jerusalém, para exercer seus direitos como regente. Alice enviou um emissário a Zengi, o governador sarraceno de Alepo, pedindo-lhe ajuda. Esse infeliz mensageiro foi interceptado por Balduíno e enforcado. Alice fechou os portões de Antioquia ao pai, provavelmente com o apoio de cristãos autóctones entre seus cidadãos, mas os barões franceses não a apoiaram e reabriram os portões. Pai e filha foram reconciliados. Alice foi banida para o porto de Latáquia, mas sua deslealdade para com o pai sem dúvida apressou o firas dele. Regressando enfermo a Jerusalém, Balduíno foi admitido como Cônego da Igreja do Santo Sepulcro e morreu em agosto de 1131 usando o hábito de um monge. OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA Cinco anos mais tarde faleceu Hugo de Payns. O capítulo geral dos cavalei- ros do Templo reuniu-se em Jerusalém para eleger um novo grão-mestre, Roberto de Craon, o qual, embora fosse conhecido como "o Burgúndio", era na verdade de Anjou e, portanto, foi sem dúvida o candidato preferido de Foulques. Contudo, ele também havia firmado reputação como um notável administrador, e logo demonstrou sua compreensão das necessidades da Ordem do Templo ao obter privilégios adicionais e excepcionais do papa Inocêncio II na bula Omne datum optimum, publicada em 1139. Tratado por "nosso querido filho Roberto", a bula decretava que a Ordem do Templo deveria ser isenta de toda a jurisdição eclesiástica intermediária e estar sujeita apenas ao papa. Até mesmo o patriarca de Jerusalém, em cuja presença os cavaleiros fundadores haviam feito seus votos, perdeu toda e qualquer autoridade sobre a Ordem. A bula consentia que a Ordem tivesse seus próprios oratórios e permitia que padres nela ingressassem como capelães, o que tornou os templários completamente independentes tanto no ultramar quanto no Ocidente. A Ordem foi autorizada a receber dízimos, mas não precisava pagá-los - uma isenção que até então se aplicava apenas à.Ordem Cisterciense; ela poderia ter cemitérios vinculados a suas casas e enterrar viajantes e seus confrâtres - direitos com um considerável valor pecuniário. Os templários também tinham o direito aos despojos tomados ao inimigo e deviam ser responsáveis apenas perante seu mestre, que tinha de ser um deles e escolhido pelo capítulo sem qualquer pressão dos poderes seculares. O que estava por trás dessa generosidade do papa? Inocêncio II, nascido Gregório Papareschi, procedia da classe alta romana, mas sua eleição tinha sido contestada, e um candidato rival, que adotara o nome de Anacleto II, era apoiado pelo rei normando da Sicília, Rogério II. Inocêncio fugiu para a França, onde recebeu o apoio de Bernardo de Clairvaux, cuja influência era suficiente para trazer Luís VI da França e Henrique I da Inglaterra para o seu lado. Norberto, o arcebispo de Magdeburgo, persuadiu os bispos alemães e o rei Lotário III a apoiá-lo, e por fim apenas a Igreja na Escócia, na Aquitânia e na Itália normanda reconheceu Anacleto II. Anacleto morreu em 1138 e no ano seguinte Inocêncio regressou a Roma pondo fim ao cisma de oito anos. Será que Omnedatum optimum foi a recompensa de Bernardo por seu apoio? A gratidão talvez tenha sido um fator; todavia, as bulas que reforçavam os privilégios dos templários, publicadas durante os pontificados subseqüentes de Celestino II e Eugênio III Milites Templi em 1144 e Militia Dei em 1145 -, sugerem que o apoio à Ordem era agora a política oficial da Cúria romana. Manter a Terra Santa continuou a ser uma prioridade para quem quer que estivesse usando a tiara 125 OS TEMPLÁRIOS papal, e a Ordem do Templo, que começara em conseqüência do carisma de alguns cavaleiros pios, já se tornara o principal sustentáculo da guerra da cristandade contra o Islã. Se alguém duvidasse da necessidade de crescente ajuda ao ultramar, a demonstração veio logo após a publicação de Milites Templi, na véspera do Natal de 1144, pela rendição de Edessa ao exército do governador de Mossul, Irnad ad-Din Zengi. A notícia dessa catástrofe alcançou o recém-eleito papa Eugênio III em Viterbo, no outono de 1145. Italiano de origem humilde, Eugênio tinha sido monge em Clairvaux, tendo sido atraído para a comunidade pelo magnetismo de Bernardo, e na época de sua eleição era abade da casa cisterciense de São Vicente e Santo Anastácio, além dos limites de Ruma. Em reação a esse revés no Oriente, Eugênio endereçou uma bula, Quantum praedecessores, a Luís VII, rei da França, pedindo-lhe que tomasse a Cruz. Agora, pela primeira vez, um monarca europeu assumia o desafio de uma cruzada. Luís era descendente direto de Hugo Capeto, eleito rei dos francos por seus barões em 987. Tendo herdado o trono de seu pai, Luís, o Gordo, aos dezessete anos, era casado com Alienor, filha e herdeira de Guilherme, duque de Aquitânia. Apesar de ter apenas vinte e cinco anos quando recebeu o apelo do papa, ele convocou seus barões ajuntar-se a ele em Bourges por ocasião do Natal de 1145. Aí lhes disse que planejava partir em cruzada e solicitou-lhes que fizessem o mesmo. Luís não mencionou nem a exortação do papa, nem sua encíclica Quantum praedecessores, apresentando a iniciativa como se fosse sua. A reação foi insatisfatória. Os principais barões tinham pouco respeito por Luís, que, três anos antes, havia precipitado uma guerra ao apropriar-se de terras pertencentes a Teobaldo de Champagne, seu vassalo mais poderoso. Em Bourges, até mesmo seu conselheiro mais eminente, o abade Suger de Saint-Denis, argumentou contra a idéia de uma cruzada. Estadista perspicaz que percebia o valor de uma monarquia forte, Suger receava que os barões franceses criassem problemas na ausência do rei. O máximo que Luís ccnseguiu em Bourges foi um acordo para adiar a decisão sobre o assunto até a Páscoa seguinte, quando a corte se reuniria em Vézelay, na Borgonha. Sem se intimidar por esse contratempo inicial a seu plano, o rei Luís voltou-se para o único homem na França cuja autoridade e prestígio excediam os do abade Suger: Bernardo de Clairvaux. Fazia trinta e dois anos que Bernardo tinha aparecido diante dos portões de Citeaux e trinta que ele fundara a comunidade cisterciense em Clairvaux. Nesses anos, como vimos, ele havia firmado uma posição ímpar como mentor de papas e reis. Não só 126 OS TEMPLÁRÍOS NA PALESTINA Eugênio III havia sido um de seus monges, mas naquele mesmo ano o irmão de Luís VII, Henrique de França, ingressara na comunidade em Clairvaux. O poder de Bernardo não se originava apenas dessas relações influentes: num mundo em que tantos pregavam, mas tão poucos praticavam as virtudes cristãs, sua piedade e ascetismo o qualificavam a atuar como a consciência da cristandade, constantemente punindo os ricos e poderosos e protegendo os pobres e os fracos. Para alguns historiadores modernos, que vivem numa época em que a maioria das pessoas são indiferentes ao que as espera após a morte, Bernardo se parece com um zelote virtuoso a seus próprios olhos - alguém que "via o mundo com os olhos de uma fanático"'"' e "tinha uma inquietante tendência a considerar natural e certo que seus contemporâneos eram malvados que precisavam arrepender-se". 148 Entretanto, para Bernardo, rodeado pela brutalidade secular e pela corrupção do clero, e absolutamente convencido da realidade do inferno, não era possível fazer muita coisa para salvar uma alma exposta ao perigo. O fascínio do mal, a seu ver, residia não apenas na óbvia tentação da riqueza e do poder temporal, como também na mais sutil e de resto mais perniciosa atração de falsas idéias. Além de sua piedade, Bernardo era famoso pela extraordinária inteligência, que demonstrou em seus sermões sobre Graça e Livre-arbítrio e sobre o livro Cântico dos Cânticos, do Velho Testamento. Reconhecia prontamente idéias heréticas e era implacável na perseguição de quem as pregava. Em 1141, no Concílio de Sens, acusou o célebre téologo (e amante de Heloísa) Pedro Abelardo de heresia e persuadiu os bispos convocados a condenar a doutrina exageradamente nacionalista de Abelardo. Em 1145, ao mesmo tempo que Eugênia III estava pensando numa nova cruzada, Bernardo estava no Languedoc pregando contra as idéias heréticas de um pregador popular, Henrique de Lausanne. Após ter cooperado para a reconciliação do rei Luís VII com o conde Teobaldo de Champagne, Bernardo ouviu de forma acolhedora o pedido do jovem rei. Não obstante, ele não gostaria de ver um arriscado empreendimento espiritual liderado por um senhor secular e, portanto, encaminhou de novo a questão ao papa Eugênio, o qual, em 1° de março de 1146, republicou sua bula Quantum praedecessores e atribuiu a Bernardo a tarefa de promulgá-la na França. No dia 31 de março, Luís VII e os nobres franceses reuniram-se em Vézelay, conforme fora combinado. Como já se sabia que Bernardo iria pregar, admiradores seus vieram de toda a França. Do mesmo modo como acontecera com o papa Urbano II em Clermont, em 1095, a igreja que abrigava as relíquias de Maria Madalena não era grande o suficiente para conter a multidão: um palanque teve de ser construído nas cercanias da cidade. A eloqüên- 127 OS TEMPLÁRIOS cia de Bernardo surtiu o efeito desejado. Quando terminou seu discurso, havia tantos homens dispostos a tomar a Cruz que Bernardo teve de cortar seu hábito em tiras de pano. Primeiro veio o rei Luís, e depois dele seu irmão Roberto, conde de Dreux. Muitos dos que seguiram os príncipes capetíngios "estavam seguindo, ou tinham a intenção de seguir, as pegadas de pais e avós",14' como Afonso Jordão, conde de Toulouse, que havia nascido enquanto seu pai sitiava Trípoli; Guilherme, conde de Neves, cujo pai participara da desastrosa expedição de 1101; Thierry, conde de Flandres, que era casado com a enteada da rainha Melissanda; e Henrique, herdeiro do conde de Flandres. A eles juntaram-se Amadeu, conde de Savóia; Arquibaldo, conde de Bourbon; e os bispos de Langres, Arras e Lisieux. Alguns dias mais tarde, Bernardo escreveu ao papa: "Vós ordenastes, e eu obedeci, e a autoridade de quem deu a ordem tornou fecunda minha obediência (...). Aldeias e cidades estão agora desertas. Vós dificilmente encontrareis um homem para cada sete mulheres. Em toda a parte, vereis viúvas cujos maridos ainda estão vivos"."' A pregação de Bernardo não se limitou a Vézelay. Daí ele seguiu para o norte, para Châlonssur-Marne, de onde foi para Flandres. Aos recrutas potenciais que não pôde encontrar pessoalmente ele remeteu cartas. Ao povo inglês escreveu: O Senhor do céu está perdendo sua terra, a terra na qual apareceu aos homens, na qual viveu entre os homens por mais de trinta anos (...). Sabe-se que vosso país é rico em homens jovens e vigorosos. O mundo está repleto de louvores a eles, e o renome de sua coragem está nos lábios de todos (...). Iç' Ele enfatizou a boa sorte deles por lhes ter sido dada essa oportunidade de salvar suas almas. Vós agora tendes uma causa pela qual podeis lutar sem pordes vossas almas em perigo; uma causa em que vencer é glorioso e pela qual morrer não é senão ganhar (...). Não percais esta oportunidade. Tomai o sinal da cruz. Imediatamente vós tereis indulgência de todos os pecados que confessardes com o coração contrito. Não vos custa muito comprar, e se a usardes com humildade, vereis que ela é o reino dos céus. A princípio, nenhuma exortação semelhante foi feita aos alemães, porque o papa Eugênio queria que o rei Conrado III o ajudasse contra o rei normando da Sicília, Rogério II. Contudo, Bernardo foi chamado à Renânia pelo arcebispo de Mogúncia, a fim de deter a pregação não autorizada de um monge cisterciense chamado Rodolfo, pregação essa que estava incitando 128 OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA pogroms contra os judeus. Bernardo já havia condenado tais atrocidades em suas cartas. "Os judeus não devem ser perseguidos, mortos ou mesmo postos em fuga (...). Para nós os judeus são as palavras vivas da Escritura, pois sempre nos fazem lembrar do que o Senhor sofreu.""' O monge Rodolfo foi posto no seu lugar, mas o entusiasmo pela cruzada que ele havia despertado já não podia ser aplacado. Por conseguinte, decidiu-se incluir os alemães, e Bernardo viajou de cidade em cidade apregoando essa maravilhosa oportunidade para a remissão dos pecados. Sua ênfase recaía sempre sobre a vantagem espiritual para o pecador - a excepcional oportunidade de escapar à punição de seus pecados -, e Deus parecia validar o que ele oferecia, operando milagres por onde ele passava. A missão mais importante de Bernardo era persuadir o relutante rei Conrado a liderar os cruzados alemães. Ele fracassou na primeira tentativa em Frankfurt, em novembro de 1146, mas deram-lhe uma segunda oportunidade em Speyer no Natal. Embora um intérprete, ele agora pedia a Conrado que imaginasse Cristo no Dia do Juízo comparando o que fizera por Conrado com o que Conrado fizera por ele. "Homem, o que eu deveria ter feito por ti e não fiz?" A resposta do rei foi ajoelhar-se e tomar a Cruz. Em janeiro de 1147, o papa Eugênio III cruzou os Alpes com destino à França. Ele encontrou-se com o rei Luís em Dijon e prosseguiu até Clairvaux, a abadia onde fora outrora monge. De Clairvaux foi para Paris, onde passou a Páscoa na Abadia de SaintDenis. No dia da Páscoa ele presenteou o rei Luís com o estandarte real, a oriflamme, e um cajado de peregrino; então, no dia 27 de abril, a oitava da Páscoa, compareceu à reunião do capítulo dos templários franceses em seu novo enclave, construído um pouco ao norte da cidade de Paris. Foi uma ocasião solene e grandiosa, que firmou a importância da Ordem. Eugênio designou o irmão Aymar, tesoureiro dos templários em Paris, para receber a renda de um imposto de um vinte avos sobre todos os bens da Igreja que o papa havia instituído para financiar a cruzada.''' Acompanhavam o papa o rei Luís da França, o arcebispo de Reims, quatro outros bispos e cento e trinta cavaleiros. O mestre da Ordem, Everardo de Barres, havia tornado a chamar seus melhores homens de Portugal e da Espanha. Com eles estavam pelo menos outros tantos sargentos e escudeiros. A visão dos cavaleiros barbados em seus hábitos brancos impressionou todos os cronistas que registraram o evento; e é quase certo que foi nessa ocasião que o papa Eugênio lhes deu o direito de usar uma cruz escarlate sobre o peito, "de modo que o sinal servisse triunfantemente como um escudo e eles nunca recuassem em face dos infiéis": o sangue vermelho do mártir foi superposto ao branco do casto. 154 OS TEMPLÁRIOS Vários dos nobres alemães haviam seguido o exemplo de Conrado de tomar a Cruz, mas alguns dos que possuíam terras no Oriente, como Henrique, o Leão, duque da Saxônia, e Alberto, o Urso, margrave de Brandemburgo, receberam os mesmos privilégios do papa Eugênio para uma cruzada contra os vendes pagãos, nas fronteiras orientais da Europa cristã. Apesar dessas defecções, um exército de aproximadamente vinte mil homens partiu de Ratisbona em maio de 1147 para seguir a rota por terra da Primeira Cruzada. O exército francês, que se havia reunido em Metz, seguiu poucas semanas mais tarde, o rei Luís acompanhado por sua corajosa esposa, Alienor de Aquitânia. Ao contrário de seu predecessor, Aleixo Comneno, o imperador bizantino Manuel Comneno não havia solicitado ajuda à Europa Ocidental e suspeitava de suas intenções. Ele estava em guerra com Rogério da Sicília e sentira-se obrigado a firmar um pacto com os turcos seldjúcidas para lhe darem cobertura na retaguarda. Para os cruzados ocidentais, esse pacto com o infiel só era compreensível como um sintoma de traição, e a suspeita que Manuel alimentava sobre eles foi retribuída ao décuplo. Ansioso para seguir viagem, Conrado cruzou o Bósforo com seu exército de alemães, que se separou em Nicéia. Oto, bispo de Freising, partiu com todos os não-combatentes pela rota mais longa junto à costa - rota essa ainda sob o controle dos bizantinos -, ao passo que Conrado seguiu à frente do exército pela rota direta através da Anatólia. Em Doriléia os alemães foram atacados e vencidos pelos turcos seldjúcidas, e os sobreviventes, Conrado entre eles, regressaram a Nicéia, onde os franceses juntaram-se a eles. Os dois reis então conduziram suas tropas para Êeso, ao sul, lutando constantemente com os bizantinos em busca de alimentos. Em Éfeso, Conrado adoeceu e voltou por mar para Constantinopla. Os franceses dirigiram-se para o interior, ao longo do vale do Meandro. O rei Luís já havia descoberto o valor do mestre dos templários franceses, Everardo de Barres, e o enviou como um de seus três embaixadores para tratar como o imperador bizantino, Manuel Comneno. Agora ele passava a apreciar o valor de seus cavaleiros. Enquanto marchavam durante o penetrante tempo invernal - a rainha e suas damas de honra tiritando em suas liteiras -, os cruzados eram constantemente fustigados pela cavalaria ligeira dos turcos, composta de soldados com um talento extraordinário para disparar flechas enquanto cavalgavam. A cavalaria pesada dos francos, tão eficaz numa batalha campal, não podia ser desdobrada nos estreitos desfiladeiros dos montes Cadmus. Aí os turcos intensificaram seus ataques, e o exército francês estava em risco de desintegrar-se. Nessa situação extrema, Luís voltou-se para Everardo de Barres, que dividiu o exército em diferentes OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA unidades, cada uma comandada por um cavaleiro do Templo: "uma forma de organização comunal remediou a situação; os cruzados formaram uma fraternidade com os templários, a cujas ordens juraram obedecer°.'S5 Dessa maneira a coluna alcançou o porto bizantino de Antália, de onde o rei Luís tomou um navio para Antioquia com a nata do que sobrara de seu exército, deixando que o resto se encaminhasse para a Síria da melhor maneira possível. Uma calorosa recepção aguardava o rei Luís e os cruzados franceses quando chegaram a Antioquia. O príncipe regente era agora Raimundo de Poitiers, um dos filhos mais novos do duque Guilherme de Aquitânia que alguns anos antes fora casado com Constança, a jovem herdeira do principado. Ele era portanto tio de Alienor de Aquitânia, e cavalgou até o porto de São Simeão para saudar sua sobrinha real e os cruzados franceses. Para Raimundo e os barões latinos, o pequeno destacamento francês era consideravelmente realçado pela presença da jovem rainha com suas damas de honra; e Alienor também estava contente de ver seu destemido tio Raimundo. Bonita, inteligente, vivaz, entusiasmada e com cerca de vinte e cinco anos, ela julgava que seus sentimentos pelo jovem marido petulante e indeciso não haviam melhorado durante a terrível viagem através da Anatólia. A situação de Luís nessa conjuntura piorou devido à falta de dinheiro: ele havia gastado todo o seu tesouro em alimentos e transporte, fornecidos a preços extorsivos por seus aliados bizantinos. Mais uma vez voltou-se para o mestre francês dos templários. Everardo de Barres tomou um navio até Acre, onde usou os recursos da Ordem do Templo para arrecadar a quantia necessária. O rei escreveu ao abade Suger, instruindo-o a pagar à Ordem dois mil marcos de prata, quantia equivalente à metade da renda anual das propriedades reais,'"' o que demonstrava não apenas os elevados custos de uma cruzada, como também os consideráveis recursos financeiros da Ordem do Templo. O prazer de Alienor em flertar era claramente apreciado por seu tio, e começaram a circular mexericos em sua corte, em Antioquia, de que a afeição de um pelo outro havia ido além dos limites do decoro. Não se sabe quais eram os sentimentos de Constança, esposa de Raimundo; ela mais tarde demonstraria que também era suscetível à paixão, mas nessa fase talvez fosse jovem demais para se dar conta do que estava acontecendo. Mas não o rei Luís, cujo ciúme era agravado pelo apoio direto de Alienor às idéias de Raimundo acerca do que deveria ser feito com a força expedicionária francesa. Raimundo queria que Luís atacasse Alepo a fim de aliviar a pressão sobre suas forças em confronto com os turcos seldjúcidas no norte. Ele arguOS TEMPLÁRIOS meltava que era também a melhor medida preparatória para a reconquista de ?dessa, cuja queda tinha levado à cruzada. Luís talvez tivesse concordado,não fosse pela suspeita de que Railmundo estava dormindo com sua muIhe~. Ao ser informado de que Conrada, agora restabelecido, havia chegado a Acr, ele anunciou que apenas em Jerusalém seu goto poderia ser cumprido e deu ordens a seu exército para marchar rumo ao sul. Alienor, com a autocorifiança de uma mulher que sabe que é mais ripa do que o marido, disse que ficaria e que solicitaria a anulação do casamento, mas Luís levou-a consigo à força. Apesar das perdas sofridas pelos exércütos alemão e francês enquanto cruzavam a Anatólia, uma força considerável da Europa Ocidental reuniu-se em Acre em junho de 1148. Tropas lideuadas pelo marquês de Montferrat e pehs condes de Auvergne e de Savóia haviam se juntado aos dois reis, Conrad) e Luís. Uma força provençal sob d comando de Afonso Jordão, conde de Toulose, tinha chegado por mar. Também por mar veio o que restou de um contingente de cruzados ingleses, flamengos e fdsiosque fora desviado en rou,e por Afonso Henriques, rei de Portugal, para ajudá-lo a tomar Lisboa aos mocos. No dia 24 de junho, a reunião de latinos da Europa e do ultramar foi presidida pelo jovem rei de Jerusalém, Ba.lduíno III, que governava juntamente core a mãe, Melissanda. Faziam parte da sua comitiva os principais barões e bispos de seu reino. A equipe local era superada em hierarquia pelos visitantes entre eles o rei Comado e dois dos seus meios-irmãos, o duque da Áustria e o bispo de Freisingen, seu sobrinho Frederico da Suábia, guelfo da Bavie-a, e os poderosos bispos de Metz e Toul. Com o rei Luís estavam seu irmão Roberto de Dreux, Henrique de Champagne (filho de Teobaldo,seu antigo inimigo) e Thierry, conde de Flandres. Também estavam presentes os grão-mestres do Templo e do Hospital. Ás ausências marcantes foram as de Raimundo de Poitiers, príncipe de Antioquia, agastado depois da rixa core Luís, e de Afonso Jordão, conde de Toulouse, que morrera subitamente em Cesaréia. O que se deveria fazer com esse poderoso exército? Um conselho de sábio3 teria concordado com Raimundo de Antioquia que a maior ameaça aos francos vinha de Alepo, governada por Nur ed-Din, filho de Zengi. Sua derrota também era a necessária preliminar para a recuperação de Edessa. Ao sul, a estrada para o Egito estava bloqueada pela fortaleza de Áscalâo, ainda nas mãos dos califas fatímidas. O terceiro objetivo possível era Damasco, mas Damasco era o único domínio muçulmano na região que se mostrara disposto a aliar-se aos francos contra Nur ed-Din. Essa consideração foi des- OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA cartada tanto pelos barões locais, que estavam de olho na extensa faixa de terra controlada pelos damascenos, quanto pelos monarcas europeus, que julgavam que Damasco, uma cidade com ressonância bíblica, não lhes traria apenas presa de guerra, mas também renome. A exemplo da força comandada pelo rei Balduíno II vinte anos antes, o exército cruzado marchou através de Banyas e chegou a Damasco em 24 de julho, assentando acampamento nos pomares ao sul da cidade, onde se preparou para o cerco. Os damascenos fizeram sortidas e atacaram os francos com forças irregulares escondidas nos pomares. Chegando à conclusão de que a cobertura do terreno estava ajudando o inimigo, os dois monarcas europeus mudaram o acampamento para o terreno aberto a leste de Damasco. Aí puderam desdobrar sua cavalaria pesada, mas não havia água, e eles tiveram de enfrentar a seção mais bem fortificada dos muros da cidade. Reforços muçulmanos entraram em Damasco pelo norte e juntaram-se às forças nativas em repetidas incursões. Enquanto os líderes do invencível exército dos cruzados discutiam uns com os outros sobre quem governaria a cidade assim que ela fosse capturada, suas forças foram obrigadas a continuar na defensiva, e começaram a circular rumores de que eles tinham sido traídos. Chegou ao acampamento a informação de que Nur ed-Din estava a caminho para socorrer Damasco com a condição de que lhe permitissem entrar na cidade. Os barões locais então se deram conta da insensatez de sua estratégia e em 28 de julho persuadiram os monarcas europeus a abandonar o cerco. Fustigado pela cavalaria ligeira damascena, o outrora invencível exército moveu-se com dificuldade de volta à Galiléia. A humilhação dos cruzados era total. Inevitavelmente, depois de uma derrota desse tipo, seus causadores procuraram bodes expiatórios e os encontraram em muitas formas diferentes e contraditórias. Os cruzados culpavam os barões do ultramar, que antes tinham tido relações tão amigáveis com os damascenos. Eles já haviam recebido seu dinheiro; não era provável que o tivessem recebido de novo? Mesmo os templários ficaram sob suspeita. Em novembro, o rei Comado partiu desgostoso da Terra Santa. Com seu séquito, foi de navio de Acre a Tessalonica, de onde foi atraído de volta a Constantinopla pelo imperador Manuel Comneno. Se nutria suspeitas de traição dos gregos, ele as refreou: o imperador grego e o rei alemão tinham um inimigo comum em Rogério da Sicília, e uma aliança foi selada com o casamento do irmão de Comado com a sobrinha de Manuel. Para o rei Luís VII, os bizantinos tinham sido a causa de todos os seus infortúnios e agora estavam juntos com os sarracenos como inimigos da crisOS TEMPLÁRIOS tandade. A despeito dos rogos do abade Suger para que ele retornasse, Luís demorou-se na Palestina, meditando sobre a catástrofe, seu ódio aos gregos induzindo-o a uma aliança com o rei Rogério. Quando afinal decidiu regressar à Europa Ocidental, escolheu um navio siciliano. À altura do Peloponeso, a flotilha foi atacada por uma esquadra bizantina, e quando o estandarte de Luís foi erguido, permitiram que seu barco prosseguisse, mas alguns de seus companheiros e a maior parte de seus bens, que estavam noutro navio siciliano, foram capturados e levados como presa para Constantinopla. Essa derradeira humilhação fez com que o fremente ódio de Luís aos gregos finalmente estourasse. Em Potenza, com o rei Rogério, Luís planejou uma nova cruzada, que incluía Constantinopla entre seus objetivos. Ele continuou a promover a idéia em sua viagem para o norte, ignorando o ceticismo expressado pelo papa Eugênio e recrutando vários cardeais da cúria, o abade de Cluny, Pedro, o Venerável, e até mesmo seu principal mentor, o abade Suger de Saint-Denis. Sem dúvida, a disposição de ânimo vingativa de Luís originava-se em parte da consciência de que perdera muito mais no Oriente do que um excelente exército e os lauréis da vitória: também perdera sua esposa, e com ela urr dote maior do que o reino da França. Quando eles passaram por Roma na volta, o papa Eugênio tentou reconciliar o casal real, cujo casamento problemático era então de conhecimento público, insistindo em que dormissem na mesma cama e chorando ao abençoá-los quando partiram."' Apesar dos conselhos do papa, o casamento nunca se refez da humilhação de Luís durante a Segunda Cruzada. Entre as lembranças do ainda jovem rei, a responsabilidade pelo fiasco diante dos muros de Damasco pelo menos fora partilhada com outrem. Mas aquela terrível marcha através da Anatólia, seu exército constantemente fustigado, salvo da aniquilação não pela sua liderança, mas pela disciplina dos templários; seu abandono de uma grande parte de seu exército no porto de Anatólia; e a desgraça final de se descobrir um marido enganado na corte do tio de sua mulher - tudo isso era decerto mais doloroso e, na sua própria opinião, provinha da traição dos gregos. Visando a submeter-se a uma prova e a procurar vingança, Luís solicitou mais uma vez a Bernardo de Clairvaux que pregasse essa nova cruzada. Como antes, Bernardo sentiu que não poderia recusar. Sempre ansiando pela paz do claustro, ele não obstante sentiu-se compelido a tentar recuperar algo do que fora perdido. Ele havia se correspondido com a rainha Melissanda em Jerusalém e com o tio dele, André de Montbard, o senescal dos templários no ultramar, e portanto sabia muito bem que eles necessitavam de ajuda. Também estava cônscio de que muitos dos que tinham tomado a OS TEMPLÁRIOS NA PALESTINA Cruz instigados por ele consideravam-no responsável pelo desastre. Ele se defendeu no segundo livro de sua De consideratione. Os bodes expiatórios aqui não eram barões traiçoeiros ou gregos ardilosos: para Bernardo, a derrota foi a punição de Deus por causa dos pecados dos homens. Para seus críticos, essa hipótese em parte tornou Deus inescrutável demais: alguns, como Gerhoh de Reichersberg, preferiam ver a cruzada como a obra do Diabo. Num concílio da Igreja realizado em Chartres em 1150, pediram a Bernardo que não apenas pregasse como também liderasse uma nova cruzada. "Espero que a esta altura vós já deveis ter sido informado", escreveu ele ao papa Eugênio, como a assembléia em Chartres, numa decisão das mais surpreendentes, me escolheu como líder e comandante da expedição. Estejais absolutamente certo de que isto nunca foi, nem é agora, por conselho ou desejo meus, e que está completamente além de meus poderes, conforme eu os avalio, fazer tal coisa. Quem sou eu para organizar exércitos em ordem de batalha, para comandar homens armados? Eu não poderia pensarem nada mais distante da minha vocação, mesmo supondo que tivesse a força e a habilidade necessárias. Mas vós sabeis tudo isto, e a mim não me compete ensinar-vos. O que aconteceu foi que a Ordem Cisterciense obstou a determinação do concílio. A nobreza da Europa Ocidental também não reagiu ao apelo do abade de Clairvaux. Homens demais haviam morrido bem recentemente, e em vão. O entusiasmo do rei Luís era contrabalançado pelo ceticismo do rei Contado. A idéia de uma nova cruzada foi abandonada, e dentro de três anos cinco dos principais atores haviam saído de cena. O abade Suger de SaintDenis morreu em janeiro de 1151; o rei Conrado III, em fevereiro de 1152. Mais tarde, no mesmo ano, o grão-mestre dos templários, Everardo de Barres, renunciou ao seu cargo para tornar-se monge em Clairvaux. O papa Eugênio III morreu em julho de 1153, e o abade Bernardo de Clairvaux, um mês depois. Sete O Ultramar NJa Europa, a decepção que se seguiu ao fiasco dia Segunda Cruzada obrigou O6 latinos na Terra Santa a chegar a um tipo doe acordo com os infiéis que teria parecido sacrílego às gerações de cruzados anteriores. Isto foi também a conseqüência de um processo de aclimatação cultural que havia ocorrido durante mais de meio século de vida no Oriente. Os primeiros cruzados tinham achado que encontrariam bárbaros incivrilizados e pagãos depravados na Síria e na Palestina. Mas os que permaneceram no Oriente Médio foram O1brigados a reconhecer que a cultura da Palestina árabe - muçulmana, cristã e judaica-era mais desenvolvida esofistïcada do que a da sua terra. Alguns logo adquiriram costumes orientais. Balduíno de Lê Bourg, que se, casara com uma armênia, passou a usar um cafetã oriental e jantava de c,Scoras no tapete, ao passo que as moedas cunhadas por Tancredo mostravgm-no com o turbante de um árabe. O cronista e diplomata damasceno LJsamah Ibn-Munqidh descreve um cavaleiro franco reassegurando a um convidado muçulmano que nunca permitia que carne de porco entrasse em st.ia cozinha e que seu cozinheiro era egípcio.'S9 Os francos empregavam médicos, cozinheiros, criados, artesãos e trabalhadores sírios. Vestiam-se com trajes orientais e incluíam em suas dietas as frutas e os pratos do país. Tinham vidros nas janelas, mosaicos no assoalho e chafarizes no pátio de suas casas, que eram projetadas de acordo com o modelo sírio. Em suas festas havia dançarinas e em seus funerais, carpideiras profissionais; eles tomavam banho, usavam sabão e comiam açúcar.'6° Procedentes de países de clima frio, onde não se encontravam produtos fiescos durante o inverno, e onde até mesmo a batata ainda era desconhecida, o encontro não só com o açúcar, mas também com figos, romãs, azeitonas, arroz, pasta de grão-de-bico, pêssegos, laranjas, limões e bananas, com O$ condimentos originários da região e com iguarias como uma espécie de sorvete de frutas, cujos nomes desde então entraram no vocabulário gastro- O ULTRAMAR nômico do Ocidente, esse encontro deve ter convencido os cruzados de que não era apenas no sentido espiritual que essa era a terra prometida. Decerto que o clima quente era debilitante, e na verdade, em alguns casos, verificou-se que era fatal; mas, entre os que sobreviveram, muitos adotaram o estilo de vida fragrante e sensual que haviam julgado efeminado nos bizantinos. Os francos não apenas se suavizaram pelo estilo de vida que encontraram na Síria e na Palestina, como também foram obrigados a alcançar um modos vivendi com os muçulmanos, que continuaram a ser a maioria da população. Contanto que pagassem seus impostos, os suseranos francos estavam dispostos a permitir que as comunidades muçulmanas escolhessem sua própria administração.- Como nos territórios reconquistados na Espanha, havia insuficientes imigrantes cristãos para substituírem os muçulmanos; por conseguinte, era importante que os proprietários de feudos os persuadissem a ficar. Da prosperidade deles dependia a riqueza de um barão, cuja renda principal não provinha da terra, como na Europa. 'A Terra Santa era uma área urbanizada par excellence",'6' e os rendimentos de um barão originavam-se do arrendamento de propriedades, de pedágios, de licenças para banhos públicos, fornos e mercados, de taxas portuárias e de impostos sobre mercadorias. 'bz Pelos padrões da época-e até pelos de hoje-,esses encargos e exações não eram pesados: o imposto sobre a produção de um agricultor (terrage) era fixado em cerca de um terço. Embora a lealdade fundamental dos muçulmanos fosse sempre para com o Islã, há indícios de que não estivessem insatisfeitos com o domínio latino. A administração dos suseranos francos era de fato mais leve do que no período anterior de dominação muçulmana." O respeito dos francos pela lei feudal contrastava de maneira favorável com as caprichosas exigências dos príncipes muçulmanos. Não há dúvida de que os muçulmanos eram cidadãos de segunda classe; eles eram proibidos de usar trajes francos, mas .tinham suas próprias cortes e funcionários. A conversão ao cristianismo implicava plenos direitos civis e levava à assimilação à população síria cristã. Entre os próprios francos não havia servos, fato que os distinguia das sociedades feudais da Europa Ocidental. "Embora hierárquica, tratava-se de uma. sociedade de homens livres, na qual mesmo os mais pobres e mais destituídos não só eram livres, mas também gozavam de uma condição legal mais elevada do que os mais ricos entre a população nativa conquistada. 1,164 Apesar das atrocidades anti-semíticas que haviam acompanhado a Primeira Cruzada, existia um elevado grau de tolerância aos judeus nos Estados cruzados: eles eram tratados muito melhor do que seus congêneres na 137 OS TEMPLÁRIOS Europa Ocidental e podiam pratícar sua religião com relativa liberdade."' Tornaram-se mais freqüentes as peregrinações aos lugares santos e a Jerusalém de judeus procedentes de lugares tão distantes quanto Bizâncio, a Espanha, a França e a Alemanha.'` Os latinos católicos não fizeram nenhuma tentativa de converter os muçulmanos ou os judeus: havia uma notável falta de qualquer tipo de atividade missionária. As disputas religiosas que aconteceram foram antes entre os católicos e os cristãos ortodoxos, exacerbadas pela rivalidade dos latinos com Bizâncio, ou entre a Igreja Católica e a Ortodoxa, de um lado, e as igrejas Jacobita, Armênia, Nestoriana e Maronita, do outro. A população autóctone - tanto a muçulmana quanto a cristã - também foi beneficiada com a prosperidade resultante do aumento do comércio. Antes da conquista pelos cruzados, um pequeno fluxo de comércio de produtos orientais, como sedas e especiarias, chegava ao Oriente por intermédio dos mercadores de Amalfi. Com a captura dos portos da costa do Mediterrâneo e a concessão de privilégios às crescentes potências marítimas da Itália - Veneza, Gênova e Pisa -,foi estimulado um considerável comércio com o interior do território muçulmano, financiado por uma moeda latina, o besant - "a primeira moeda cristã de ampla circulação, cunhada cem anos antes dos florins e dos ducados da Itália". 167 Os templários tiraram proveito dessa prosperidade através de seus feudos e também acabaram oferecendo aos muçulmanos autóctones uma tolerância que chocava os recém-chegados da Europa. Houve um incidente célebre quando Usamah lbn-Munqidh foi a Jerusalém negociar um pacto contra Zengi, o governador sarraceno de Alepo. Quando eu estava visitando Jerusalém, costumava ir à mesquita al-Aqsa, onde meus amigos templários ficavam. Ao longo de um dos lados do edifício havia um pequeno oratório no qual o Franj havia erigido uma igreja. Os templários puseram esse lugar à minha disposição, a fim de que eu pudesse fazer minhas orações. Um dia eu entrei, disse Allahn akbar [Deus é grande] e estava prestes a começar minha prece, quando um homem, um Fraj, lançou-se sobre mim, agarrou-me e me virou para o leste, dizendo: "É assim que nós oramos". Os templários precipitaram-se para a frente e o tiraram dali. Em seguida preparei-me para orar de novo, mas o mesmo homem, aproveitando um momento de descuido, voltou a se lançar sobre mim, virou meu rosto para o leste e repetiu: "É assim que nós oramos". Mais uma vez os templários intervieram, levaram-no e desculparam-se comigo, dizendo: "Ele é um estrangeiro que acabou de chegar da terra do Franj e nunca viu ninguém orar sem voltar a face para o leste"."R 138 O ULTRAMAR Apesar de sua amizade com os templários, a atitude de Usamah para com os francos foi de desdém. Ele escarnece do julgamento por combate e do julgamento por ordálio como uma forma de justiça, bem como de suas práticas médicas. De fato, os francos desenvolveram uma abordagem pragmática da doença: o tipo de histeria religiosa causado pela epidemia em Antioquia durante a Primeira Cruzada não se repetiu, "talvez porque oração e penitência não funcionaram"; e em seguida os cruzados "parecem ter abordado a medicina de uma maneira muito prática, talvez tenham tido menos para aprender dos médicos nativos do que se supusera".'69 De modo geral, a única qualidade dos latinos que se julgava digna de respeito pelos muçulmanos eram suas proezas militares. Eles menosprezavam a cultura e as crenças dos cristãos. "De acordo com o Balaral-Fava`id, os livros de estrangeiros não mereciam ser lidos (...) [e] qualquer pessoa que acredite que seu Deus saiu dos órgãos genitais de uma mulher é absolutamente louca; não se deveria dirigir-lhe a palavra, e ela não tem nem inteligência nem fé.""° Esse desdém pelas crenças religiosas do inimigo era, em geral, mútuo. Os templários podem ter permitido que seu hóspede muçulmano rezasse na sua capela, mas usavam a mesquita al-Aqsa como centro administrativo e depósito. Teodorico, um monge alemão em peregrinação a Jerusalém na década de 1170, chamando-a de palácio de Salomão, descreve como era usada para "armazenagem de armas, roupas e alimentos que eles sempre têm prontos para guardar a província e defendê-la". Abaixo da mesquita ficavam os estábulos dos templários, "erigidos pelo rei Salomão" e com espaço, segundo seus cálculos, para dez mil cavalos. Contíguo à al-Aqsa ficava o palácio originalmente ocupado pelo rei Balduíno e várias outras casas, habitações e anexos para todos os fins, e é repleto de lugares para passear, gramados, salas de audiência do conselho, alpendres, consistórios e esplêndidas cisternas para o abastecimento d'água. (...) Do outro lado do palácio, que fica no oeste, os templários construíram uma nova casa, cuja altura, extensão e largura, e todos os seus porões e refeitórios, escadaria e telhado, ultrapassam em muito o costume deste país. (...) Na verdade, eles aí construíram um novo Palácio, assim como do outro lado têm o antigo. Aí também, na extremidade do pátio externo, construíram uma nova igreja de dimensões e acabamento magníficos.'71 E difícil saber quantos homens viviam nesse complexo. No máximo, havia provavelmente cerca de trezentos cavaleiros e mil sargentos no reino de Jerusalém."z Teria havido um número irregular e indeterminado de cavaleiros servindo por um período definido na Ordem, e havia os templários turcópolos - soldados de cavalaria ligeira nascidos na Síria e empregados pela BAIRRO DO PATRIARCA A Igreja do Uavi O Hospital Jardim dos Cônegos A idadela de avdo Umplo do Senhor Porta das Aflições Convento dos Cônegos BAIRRO ®® ARMÊNIO Cúpula da Bucha ~ terra Formosa da Cadeia Palácio do rei Salomão ~ ;õpu,a Porta Dourada Igreja BAIRRO SÍRIO > ~'D d ~ n _W h ° h •~ CD õ y ?' ó h .o x ~ 'v ~ n. cu .D o ~ ~? ~ w o õ co• w ~ c~ ~' c ~ ~. Gy vr p,yy w ° ~ orq ç .... C w ~ r„ Oro, w ~y Orá p,~ c~ ~ iE ~ w Q, ~ aa co m ór io O -C ~ ~ ó ~Jh cu Ç4 'C N. r~n ~ ~ C ~~~w rr ~ (D 'O CD °c CD 2 O 3 ('°D~ Ó. (~'D. ~~ mwa r) rD 2. á. ~ h ~: c in h tL~ w ã~ o.~ to C io °' ct o w _~. õ •, i •ó >v á>• "• per' ~ ~' ~. ~- r~> w á~ c~ ó• ndÓ •r" Or Q. w' .. , C '_'' c • ~7, C). O b O v> 2 ~.r~'nc~Çncn Óarwn n CD CL C N w h Q. C ~~n ~ ~ .a < C w W O C CD .C.,v~, O C Õ p-q^ •, fD p> W ^' •, .. , Ó O ., w (D ~ Q' (~D n a. O~a a-r n. C ~ ~. t~n ~. O wr ~• ~ O O w ° '~ n. cn ó ~, c° rt• a.° ~ co (D c (D Gn .o p~ ¢ O. ~ U) ~ Im- rD °o w ' .b C .C., (D• rt < Ó a ó rD C a. a. w ., cn rD '27 ~•CD~^p°O CD Oww w a w' c o o ° o ~ h :; C ~ ~. c~e y ã w• o w n n vi n G Ó CBD ~p Q. w aW ~ ~y ~OCOü`~•G ~.~,c, . Ç ~ Q. ?' h• b CD °' c w w w ,~ (e cu fD .~.- ~, rLJ.n om ~ ó ~ ~ ~ o ci p-q w~ C C C (~'D c~ ~ co ° .D Ó w w ~ (~ •Ç w ". ~ CD- (D o O ~' co w 0. C h w a; ~ ° s,~?. á~ •n O "O ,^r 'O VfCD rj O• Ó. ~ 7G O . rwn v> n wv. ° .n o ÇoC~ ,., w w w .D ~ aa a. 0 i n.n h0 ~.(D p.~qh < c~ c ~ ~ cu .,~.C1.~rCnrCD w14 (D n fD n .b ., vW' .^...prOCCGc :CfO l O. Ç rwn~ 11) < 1` C~.•rCn1 0ó C2D O CD i co ~ o w ó h CD ó o~ow CD C fY Ó~ ~. w w C O a. ó ,ç~ ó ° f, C w w N y' < w . Cs'. rt °áó h •ç (D ~ h 'i7 ~ Ó (~ ~w 3 °' w I ó h O C~ p. C~ O C1. C n Ór -~o O ~. O ~ rwn w ó ó~ C ~. C N O w ÕO i1 CD nr ~v (D (D ó _n. .D~ õ r C .w., .D: O O SàD w• p„ Cï ~ O _ w O. C• O C "O O 0 Çá ., G w . ów cu ~ O á r~ c ó~ h o c ° p,q' (CO ~ w C f•r •,. O 'C7• C O C¢D Ó . ,~ ~: C ,^., O CD rOn CD c c. ó (-9S TEMPLÁRIOS A regra reflete alguns dos Preconceitos do período - por exemplo, apesor cio compromisso com a hu :Idade, por volta de meados do século XII, tornou-se nece;ário que um cavaleiro do Templo fosse "o filho de um cavaleira ou desceniente do filho CJeum cavaleiro" (regra 337). O hábito branco, que tinha sido Iscolhido para ~sImbolizar a pureza, transformou-se então em .sinal de prestígo: as túnicas d As escudeiros e dos sargentos eram marrons ou pretas. Os cavaeiros comiam no primeiro turno, e os sargentos e os escudeiros, no segunde. Dado o fato ele que quase nenhum dos cavaleiros ou sargentos sabia ler, f bem provável que a maioria dos estatutos simplesmente refletisse os c)stumes que tinham evoluído e fossem assimilados pelos noilos recrutascomo novos garotos numa escola pública. E como os castigos impostos nas ;scolas públicas de antigamente, as punições infligidas aos templários qu, cometiam faltas pareciam cruéis: eram açoitados, postos a ferros ou obrigidos a comer d o chão como um cachorro. Essas punições eram semelhantes iquelas imposC as aos monges e normais para a época. Cada aspecto do dia-a-d ía do templário era regulado nos mínimos deta- lhes. Quando- quanto deveria comer, como deveria comportar-se durante a refeição e ate mesmo como deveria cortar o queijo (371), tudo isso está especificado ia regra. Ele rlão podia erguer-se da mesa sem permissão, a menos que gesse um sangramento nasal, houvesse um chamado às armas (c: nesse case ele tinha de estar seguro de que o chamado fora feito por um irmão ou por"um homem respeitável"), um incêndio ou algum problema com os caval)s. Ele não tinha propriedade privada: "todas as coisas da casa são comuns,e faz-se saber que nem o mestre nem nenhuma outra pessoa têm autoridade para permítir que um irmão possua algo de seu (...)". Se porventura :e encontrasse dinheiro em poder de um irmão quando de sua morte, ele não podia ser enterrado em solo abençoado. O cuidado dos cavalos era de fundamental importância: o número destinado ao mestre é estabelecido no primeiro estatuto, e os cavalos são mencionados em cgrca de cem dos que se seguem. Havia vários tipos diferentes: cavalos de batalha para os cavaleiros, corcéis mais leves e velozes para os tur,cópolos, palafréns, mulas, cavalos de carga e rocins - transporte para os soldados. Cada cavaleiro recebia seu próprio cavalo, ao passo que os demais eram mantidos num p0ol comum aos cuidados do marechal da Ordem. Os cavalos eram criados em coudelarias no reino de Jerusalém e na Europa Ocidental - por exemplo, na comunidade dos templários em Richerenches, no norte da Provença. Havia regulamentos precisos para o cuidado dos cavalos, e uma das Snicas justificativas para faltar às orações era levar um cavalo para o ferreiro ferrar. 176 O ULTRAMAR Poucos artigos da regra referem-se ao treinamento: esperava-se que um cavaleiro fosse experiente em combate a cavalo antes de entrar para a ordem. Devido ao peso do equipamento de combate, cada qual deve ter sido imensamente forte. Também se esperava que um cavaleiro trouxesse seu próprio cavalo e equipamento. Se estivesse servindo como confrère por tempo limitado, eles seriam devolvidos ao cabo desse tempo, ou, se seu cavalo morresse a serviço dos templários, ele receberia outro do pool. Fiéis ao espírito de Bernardo de Clairvaux, selas e rédeas não podiam ser adornadas; era necessário obter permissão para participar de corridas, e a aposta de dinheiro no resultado delas era proibida. Embora o modo de viver sugerido pela regra dos templários esteja imbuído de religiosidade cristã e as práticas monásticas tenham obtido o mesmo relevo dos regulamentos militares, há uma mudança na ênfase, em comparação com a regra primitiva, da procura da salvação individual para um espritde corps regimental. "Cada irmão deveria empenhar-se em viver honestamente e dar bom exemplo em tudo aos cidadãos seculares e às outras ordens (...)" (340). As "outras ordens" não especificadas eram principalmente os hospitalários e mais tarde os cavaleiros teutônicos. O estandarte preto e branco do Templo, terminado em duas pontas, o confanon baucon, era seu ponto de reunião em batalha. Era seguro pelo marechal, e dez cavaleiros eram desig- nados para guardá-lo, um dos quais mantinha um estandarte sobressalente enrolado na sua lança. Enquanto esse estandarte fosse conservado no alto pelo marechal, nenhum templário poderia deixar o campo de batalha. Se um cavaleiro se separasse de seu contingente, era-lhe permitido reagru- par-se em torno do estandarte dos hospitalários ou de outro estandarte cristão (167). O voto monástico de obediência era inestimável num contexto militar: severas punições eram infligidas a um cavaleiro que não resistisse ao ímpeto, tão comum entre os cavaleiros francos, de atacar o inimigo por sua própria iniciativa. As únicas ocasiões em que lhe era permitido sair de formação eram para fazer uma breve sortida, a fim de se assegurar de que sua sela e arnês estavam firmes, ou se tinha visto um cristão sendo atacado por um sarraceno. Em quaisquer outras circunstâncias, a punição era ser mandado a pé de volta ao campo (163). Da mesma forma, não se faziam distinções entre transgressões religiosas e militares. Das nove "coisas pelas quais um irmão da Casa do Templo pode ser expulso da Casa", quatro eram pecados que intrinsecamente nada tinham a ver com a vida sob armas: simonia, assassinato, roubo e heresia. A revelação das atas do capítulo do Templo, a conspiração entre dois ou mais irmãos e a saída de uma casa dos templários a não ser pelos portões determi- 143 OS TEMPLÁRIOS nados eram infrações que teriam sido aplicadas a qualquer instituição monástica. Apenas a punição da covardia e a deserção para o inimigo estavam relacionadas especificamente com condições de guerra. Assim, o ethos regimental nunca foi distinto do ethos cristão do Templo como comunidade religiosa. Os regulamentos que prescreviam os jejuns e os dias de festa, a recitação do ofício e de preces pelos mortos, eram absolutamente tão precisos quanto aqueles relacionados com selas e rédeas. Os templários mostravam uma particular devoção a Maria, a Mãe de Jesus: "E as horas de Nossa Senhora deveriam ser sempre recitadas em primeiro lugar nesta casa (...) porque Nossa Senhora foi o começo de nossa Ordem, e nela e em honra dela, se Deus quiser, será o fim de nossas vidas e de nossa Ordem, assim que Deus o desejar" (306). Surgiram várias crenças que vinculavam Maria com o Templo: por exemplo, dizia-se que a Anunciação havia acontecido no Templo do Senhor (a Cúpula da Rocha), e uma pedra na qual Maria descansou ficava do lado de fora da fortaleza do Castelo Peregrino, pertencente à Ordem do Templo. Havia capelas de Nossa. Senhora em muitas das igrejas dos templários, e várias de suas casas, como a de Richerenches, eram dedicada: a Maria: vários doadores referiam-se a Richerenches não como o Templo, mas como "a casa da Abençoada Maria"."' Um dos artigos mais reveladores da regra dos templários (325) relaciona-se com o uso de luvas de couro, que era consentido apenas aos irmãos capelães, "que têm permissão para usá-las em honra do corpo de Nosso Senhor, que eles com freqüência seguram em suas mãos", e aos irmãos pedreiros (...) por causa do grande sofrimento que têm de suportar e a fim de que não firam facilmente as mãos; mas eles não devem usá-las quando não estiveram trabalhando"."' Não se conhece o número desses irmãos pedreiros, mas, devido à importância das fortalezas no ultramar, suas habilidades devem ter sido altamente apreciadas. Um castelo construído pelos templários ou pelos hospitalários "parecia-se com uma fortaleza por fora, enquanto por dentro era um mosteiro". 179 Com uma guarnição relativamente pequena, um castelo bem abastecido poderia resistir ao cerco de um exército considerável. Caso esse exército a ignorasse, ela poderia fazer sortidas para atacar sua retaguarda. Os cercos umam exércitos que muitas v--zes só podiam ser mantidos juncos por um espaço de tempo limitado. Tropas nãomercenárias tinham de pensar na colheita e na proteção de sias famílias contra saqueadores que tiravam proveito de sua ausência e, no caso dos francos, o recrutamento nos feudos restringia-se a um Feríodo de quarenta dias. O conflito entre cristãos e muçulmanos na Terra tanta "raramente propiciava o espetáculo de dois exércitos empenhados Mapa-múndi do século XI com Jerusalém no centro e as Ilhas Britânicas no canto ~querdo inferior, reproduzido de um volume misto de conhecimentos sobre o mundo; Wnchester ou Canterbury. (l3ritisla Gibr<n_~/I3rid~rrnan firt l.ibror1) Bernardo, abade de Clairv?uY pregando a cruzada ao rei Luís VII em Vézclay, na Borgonha, em 1146. Iluminura do século XV dd, Sebastien iVlamerot. (Pibliothégue Aatioaale/ lkirloeznan Ai-t Librm _1,) ()assalto a Jerusalém duraste a Primeira Cruzada, em 1099. Ilur»inara do século XIV (13iGlirthéque N<rtiouale/l3ritlgenzau ~Irt Liltr A pilhagens de Jerusalém após sua caTtura pelos cruzados em 1(199. Iluminura do século XV de Tean de Courev. (BiUiotlzégue Nationulell3rirlgezraan Ai -t l,ibr-rn.~) Bernardo, abade de C;lairvaux. Iluminura do século XV de Jean Pouquet no Livro das Horas de Etienne Chevalier. (.hlzz_sée G'ozzdé/GIraTUlozz/I3ridgerraarz 'li-1 l,ihrarl) Hugo de Vaudemont abraçado pela esposa após seu retorno da cruzada Obra de talha em pedra do século XII do Priorado de Belval, na Lorena. (dlrr.,~e dc., .llouruttrtrt.; I ì~rn~rri.;/l,nron;-(:intitulou/l3ri~l~etnrnt flrt L,ihraty0 Um cavaleiro do 7cmplo, de um mural do século XII na capela dos templários em Cressac-sur-Charente, na Aquitânia. (WeitlrnfelrlAtrfüve) tr A mesquita al-Aqsa no monte do Templo, em ,lerusalétn, chamada de Templo de Salomão pelos cruzados e sede dos templários até 1187. Guache sobre papel, do Álbum Muraqqa. (Ghester 13eatty Lihrary arzd Gallery of l n ar Sal. na ti m ,c Ricardo Coração de Leão enristando com Saladino, de um manuscrito do século XI\' ornado com iluminuras.(13rili.rh l.ibrar_rll3r-zd;zrnarz~lrtl•iGrar,y) A torre do sino da Abadia de Clum-, tudo o que resta da sua d('.IIIOIição após a Revolução Francesa de 1789. (C,oÏrsao pnrtrirrlwlBullo~l Reconstrução do mosteiro c: da abadia em CVuny feita por Kenneth John Conant. O ULTRAMAR em destruição mútua; o verdadeiro fim da atividade militar era a captura e a defesa de lugares fortificados". "0 Um excelente exemplo foi a grande fortaleza de Ascalão, em poder dos califas fatímidas do Egito. Suprida por terra através da península Sinaítica e por mar desde Alexandria, ela protegia a estrada litorânea que conduzia ao Egito e servia de base para ataques de surpresa a colônias cristãs. Numa tentativa de imobilizar Ascalão, o rei Foulques a cercara com uma roda de fortalezas em Ibelin, Blanchegarde e Bethgibelin: esta última foi transferida para os hospitalários e Ibelin para um cavaleiro, provavelmente de origem italiana, que veio a ser conhecido como "Balião, o Velho". Em 1150, o cerco foi completado com a construção de uma fortaleza nas ruínas de Gaza, a cidade ao sul de Ascalão onde no Antigo Testamento Sansão fora aprisionado pelos filisteus. Ela foi doada aos templários, que repeliram com êxito uma tentativa dos egípcios de torná-la. O sul do reino de Jerusalém estava agora seguro, e o rei Balduíno III poderia começara sitiar a própria Ascalâo. Em janeiro de 1153, ele reuniu suas forças diante da cidade, incluindo a força de hospitalários, sob o comando de seu mestre, Raimundo de Le Puy, e a de templários, liderada por Bernardo de Trémélay. Sem dúvida conhecido de Bernardo de Clairvaux, Bernardo era um burgúndio das proximidades de Dijon que havia sido escolhido para substituir Everardo de Barres como grão-mestre quando, no ano anterior, Everardo se retirara como monge para Clairvaux. Abastecidos por mar, os egípcios em Ascalão não poderiam ser submetidos à fome até se renderem: a cidade teria de ser tomada de assalto. Os francos construíram uma torre de madeira mais alta do que os muros e que foi posicionada no setor guarnecido pelos templários. Na noite de 15 de agosto, um grupo dos defensores fez uma sortida a partir da cidade e ateou fogo a essa torre; mas, quando ela estava em chamas, o vento mudou de direção e soprou as chamas contra os muros. A alvenaria rachou e esboroou-se e parte do muro veio abaixo. Bernardo de Trémélay, o mestre dos templários, aproveitou essa oportunidade e conduziu quarenta de seus homens através da brecha; todavia, a força principal não conseguiu segui-los, e os templários foram cercados e mortos pelos defensores. No dia seguinte, seus corpos decapitados foram pendurados nos muros, entre eles o do grão-mestre, Bernardo de Trémélay. No seu relato dessa desgraça, o cronista latino Guilherme de Tiro escreveu que os templários se haviam .tornado vítimas de sua própria ambição: Bernardo de Trémélay havia ordenado a seus cavaleiros que impedissem que quaisquer outras pessoas se juntassem a eles nesse assalto inicial, porque queria reservar para a sua Ordem a glória de tomar a cidade e a parte do 153 OS TEMPLÁRIOS leão dos despojos de guerra. No entanto, a pesquisa mais recente sugere que "a versão de Guilherme desse incidente parece estar distorcida", tendo-se baseado nos relatos defensivos dos comandantes latinos, que haviam sido criticados "por não terem conseguido seguir os templários através da bre-cha";` contudo, a calúnia propagou-se amplamente e manchou a reputação da Ordem na Europa Ocidental. A perda dos templários não afetou o resultado do cerco. No dia 19 de agosto a cidade rendeu-se ao rei Balduíno e foi evacuada pelos egípcios, permitindo-se a seus habitantes levar consigo seus bens móveis. Para trás iscaram enormes quantidades de tesouros e suprimentos de armas. Para o rei Balduíno, Ascalão era um prêmio extraordinário e sua captura marcou o ponto alto de seu reinado. Ela foi doada como feudo a seu irmão Amauri, conde de Jafa. A mesquita foi consagrada como catedral e dedicada ao apóstolo Paulo. Para substituir Bernardo de Trémélay, o capítulo dos templários elegeu André de Montbard, o tio de Bernardo de Clairvaux que até então tinha ocupado o cargo de senescal do reino de Jerusalém. Apesar da perda de quarenta cavaleiros, eles continuaram a guarnecer sua fortaleza em Gaza, usando-a como uma base a partir da qual patrulhavam as rotas seguidas pelas caravanas que viajavam entre o Cairo e Damasco. Em 1154, o ano após a queda de Ascalão, um contingente de templários emboscou uma força egípcia que escoltava o vizir egípcio Abbas e seu filho Nasir al-Din, ambos em fuga coe um enorme tesouro, depois do fracassado golpe contra o califa. Abbas foi morto no ataque, mas Nasir al-Din foi feito prisioneiro pelos templários. Mais tarde Guilherme de Tiro afirmaria que sob sua custódia ele aprendera latim e estava disposto a tornar-se cristão, mas isso não foi considerado pelos templários uma razão boa o suficiente para abrirem mão da substancial soma E ito ofereciam por ele . de dinheiro que seus inimigos no g Nasir al-Din foi devidamente devolvido aos partidários do califa e, tão logo chegou ao Cairo, foi primeiro "mutilado pessoalmente" pelas quatro viúvas do califa` e então "feito em pedaços pela turba".'8Z Essas acusações de cobiça contra os templários foram feitas por cronistas que tinham interesses pessoais, como Guilherme de Tiro e Walter Map, e desta distância no tempo são difíceis tanto de comprovar quanto de refutar. Também não se deve esquecer que a pilhagem era considerada uma forma legítima de renda e provia os meios para promover o trabalho de sua Ordem. As despesas em que as ordens militares incorriam eram estupendas: os hospitalários estiverem à beira da falência na década de 1170. 154 O ULTRAMAR André de Montbard morreu em 1156, após apenas três anos como grão tre. Em 1158, seu sucessor, Bertrand de Blanquefort, com oitenta e irmãos e trezentos cavaleiros seculares, foi emboscado e capturado po força sarracena quando atravessava o vale do Jordão. Devido ao terreno montanhoso na Síria e na Palestina, e porque a c de informações dos sarracenos era em geral melhor do que a dos cr (eles usavam pombos-correios e a maior parte da população rural era m mana), era difícil proteger-se contra vicissitudes desse tipo. A despei sua bravura ocasionalmente insensata, sem dúvida inspirada pela conl em que Deus ficaria do seu lado, os templários, em particular, e os cava francos, em geral, tornavam-se mais circunspectos à medida que o t passava. Eles haviam aprendido da experiência que os sarracenos tan eram hábeis combatentes que com freqüência tiravam proveito da cor dos francos com sua astúcia. Eles apreciavam "que eles devessem perr cer firmes apesar dos arqueiros e do cerco, ignorar a tentação oferecida (...) fuga simulada, preservar sua solidariedade e coesão até que pude escolher o momento de lançar sua carga com a certeza de atingir a prir formação militar do inimigo (...)".Ig4A impetuosidade desenfreada do zados primitivos era agora coisa do passado. "De todos os homens", esc~ o diplomata damasceno Usamah, "os francos são os mais cautelosa guerra." A mesma circunspecção era evidente na diplomacia do rei Balduín o mais sagaz dos reis de Jerusalém. Foulques, seu pai, fora morto du uma caçada, quando Balduíno era ainda criança, e, embora coroado rc 1143 por insistência dos barões, foi com grande dificuldade que se libda tutela da mãe, Melissanda. A mais velha das três extraordinárias filh rei Balduíno II de Jerusalém, Melissanda, como sua irmã Alice em A quia, havia se recusado a aceitar que, por ser mulher, lhe faltasse comp~ cia para governar. Na década de 1140 ela havia levado o reino de Jerusa: beira de uma guerra civil numa luta com seu marido, Foulques de A preferindo o amigo de infância dela, o belo senhor de Jafa, Hugo de Le R ao "homem de meia-idade baixo, magro e ruivo que fora obrigada a ac por interesses políticos"."' Também se dizia que, como um favor à Hodierna, encomendara o envenenamento de Afonso Jordão, o jovem c de Toulouse, que morrera subitamente em Cesaréia por ocasião da Seg Cruzada-ele tinha mais direito hereditário ao condado de Trípoli do c marido de Hodierna, o conde Raimundo. Em 1152, foi a vez do filho de Melissanda, o rei Balduíno III, opor mãe, quando, nove anos após sua coroação, ele tentou governar p mesmo. Melissanda não estava mais disposta a abdicar a partilha de F 155 OS TEMPLÁRIOS com o filho do que estivera com o marido. Suas divergências levaram a uma ruptura com, em primeiro lugar, uma divisão de facto do reino e, posteriormente, um conflito aberto entre mãe e filho. Sitiada pelas forças de Balduíno na cidadela em Jerusalém, Melissanda foi afinal persuadida a se render e a viver com sua irmã, a abadessa Joveta, em seu convento em Betânia. Não só os contemporâneos de Melissanda, mas também mais tarde os historiadores, ficaram impressionados por essa "mulher de fato notável, que por mais de trinta anos exerceu considerável poder num reino onde não havia tradição prévia de nenhuma mulher exercendo um cargo público".I86 Para Guilherme de Tiro, "ela era uma mulher muito sábia, com plena experiência em quase todas as esferas dos negócios de Estado, que vencera por completo as desvantagens de seu sexo, de modo que pudesse encarregar-se de importantes assuntos (...) ela administrou o reino com tanta habilidade que se considerou com justiça que havia igualado seus predecessores nesse aspecto". O próprio Balduíno acabou reconhecendo as qualidades dela, e com a confiança reforçada pela captura de Ascalão, tratou a mãe com considerável respeito e a envolveu nos negócios de Estado. Mesmo antes da queda de Ascalão, ela fora convocada para reunir-se com os principais dignitários do ultramar a fim de refletirem sobre o futuro de sua sobrinha Constança, a princesa viúva de Antioquia. Três anos antes, seu belo marido, Raimundo de Poiders, tio e suposto amante de Alienor de Aquitânia, tinha sido morto durante uma incursão no norte de seu principado, e considerava-se de suma importância que Constança se casasse com um líder na guerra que gozasse de credibilidade: sugeriu-se um normando, Jean Roger, o cunhado viúvo do imperador bizantino. Também se esperava que ela pudesse reconciliar a irmã Hodierna com o marido, o conde Raimundo II de Trípoli, mas nesse caso ela fracassou de ambos os modos: Constança recusou-se a considerar o maduro Jean Roger e Raimundo II foi assassinado quando se dirigia a cavalo para a cidade de Trípoli. O assassino de Raimundo foi um membro de uma seita fanática de muçulmanos xiitas, os assassinos, os quais, como os sicários entre os zelotes judeus, tentavam alcançar seus objetivos por meio da morte encoberta de seus inimigos. Seu nome origina-se da palavra haxixe, que, de acordo com os cruzados, induzia a um transe que tornava os matadores alheios ao perigo. Os xiitas eram originalmente uma facção política que acreditava que Ali, o genro de Maomé, fosse seu verdadeiro sucessor; mas, após a morte de Aliem 661, ela progrediu para uma seita islâmica radical empenhada em derrubar o califado sunita de Bagdá. Perseguidos por suas crenças, os xiitas desenvolveram noções místicas, métodos revolucionários e aspirações messiânicas, e 156 O UL'T'RAMAR d1 jd1 is radical eram os ismaclitas, ,v ram-se em outras facções, das quais a rna 1 1 que "elaboraram um sistema de doutrina religiosa num elevado nível filosó fico e produziram uma literatura que, depor de séculos de eclipse, apenas agora está começando de novo a obter reconhecimento de seu real valor". 181 Fundamental ao sistema ismaelita era a idéia do imã, o inspirado e infalível descendente de Ali e Fátima por intNrmédio de Ismael. Ele tinha acesso a conhecimentos especiais e devia Ser obedecido sem objeção. Em princípios do século X, um homem que alegava ter essa descendência tomou o poder no norte da África e instituiu o califado fatímida (de Fátima) do Cairo para rivalizar com o califado sunita de Bagdá. No tempo das cruzadas, o império fatímida estava em declínio. Contudo, nos montes Elburz, no norte da Pérsia, de onde se descortinava o litoral do mar Cáspio, um grupo de intransigentes ismaelitas sob Hassan al-S~abbah instalou-se na inexpugnável fortaleza de Alamut. Daí Hassan enviou seus sectários para assassinarem os sultões sunitas e seus vizires. Além disso, enviou missionários à Síria para conquistarem conversos, mas também para tomarem fortalezas como bases para sua campanha de terror. Em 1133, os assassinos compraram o castelo de Qadmus aos muçulmanos que o haviam conquistado aos francos. Logo em seguida, adquiriram al-Kahf; em 113, tomaram Khariba aos francos; e, em 1142, a importante fortaleza dP Masyaf foi conquistada aos damascenos. Outras fortalezas caíram em ôuas mãos mais ou menos ao mesmo tempo e colocaram-nos face a face cora os castelos das ordens militares em Kamel, La Colée e Krak dos Cavaleiros, e nas cidades litorâneas de Valania e Tortosa. O ódio dos assassinos a seus inimigos muçulmanos tornou-os sujeitos a formar alianças com os francos. Na batalha de Inab, em 1149, um líder assassino, Ali ibn Wafa, morreu lutando ao lado de Raimundo de Poitiers; todavia, apenas três anos mais tarde um membro d~ mesma seita assassinou Raimundo II de Trípoli por razões desconhecidas. Uma vez que a rainha Melissanda era suspeita de ter ordenado o envenenamento do jovem Afonso Jordão, conde de Toulouse, não é impossível que ela também tivesse incumbido os assassinos de se livrarem do difícil marido de Hodierna. Dessa forma, divergências teológicas entre os seguidores de Maomé, associadas às paixões de mulheres obstinada~, acabaram afetando o destino dos latinos no ultramar. O exemplo mais fatídico dessas paixões veio em 11 ,53, quando Constança regressou ao principado de Antioquia. Agora tornava-se claro por que ela recusara o noivo proposto pelo rei de Jerusalém e pelo Imperador de Bizâncio. Seus olhos haviam câído sobre outro homem, Reinaldo de Châtillon, um cavaleiro francês. Reinaldo era o filho mais novo de Geoffroy, conde de Gien-sur-Loire, e tirou seu título de Châtillon-surOS TEMPLÁRIOS Loire. Crê-se que tenha pdo para o Oriente com o rei Luís'JII na Segunda Cruzada, onde permaneceu no séquito do rei Balduíno III. P.julgar pelo seu comportamento subseqüente, ele era desumano, audaz, excepcionalmente corajoso e quase com certeza bonitoqualidades que conquistaram o amor de Constança e levaram à mésalliance do século. Era absolutamente surpreen- dente, escreveu o arcebispo de Tiro, "que uma mulher tão fsmosa, poderosa e bem-nascida, viúva de Um marido tão ilustre, se dignasse se casar com uma espécie de cavaleiro mercenário 188 Balduíno III, admi~ indo as habilidades de Reinaldo como soldado, reco- nheceu-o como príncipe de Antioquia. Embora com relutãn~ia, o imperador j bizantino Manuel fez o rrlesmo, em retribuição á ajuda de Reinaldo contra os armênios na Cilicia. Corii a ajuda dos templários, Reinaldomarchou para o '¡ norte e tomou o porto de Alexandreta, dando-o aos teme ários. Ele agora estava em contenda cone o imperador Manuel devido aos subsídios a que supunha ter direito. Encorajado pelos templários, reconciliou-se com os armênios e decidiu recuperar dos bizantinos aquilo a que julgava fazer jus pilhando a ilha de Chipre. Ele precisava de fundos para wa expedição e ` decidiu extorqui-los a Aimery, o patriarca latino de Antioquia, a quem Rei- R naldo tinha aversão pordue Aimery se tinha oposto ferozmente a seu casamento com Constança. Aimery recusou-se a dar-lhe dinheiro, e então Reinaldo mandou lançá-lo na prisão, espancá-lo brutalmente e depois amarrá-lo no teto da cidadela apés terem esfregado mel em suas feridas para atrair moscas. Esse tratamento surtiu o efeito desejado: o patriarca entregou seu dinheiro a Reinaldo, que ousou para equipar uma esquad-a. Na primavera de 1156, com o rei arménio Thoros,ele desembarcou comum exército em Chipre, até então uma das mais pacíficas províncias do Império Bizantino e fonte de suprimentos para o faminto exército da Primeira Cruzada. Após vencer e capturar o governador da ilha, João Comneno, sobrinho do imperador, e seu líder militar, Miguel Bravas, o exército de Reinaldo e Thoros passou a pilhar afilha "numa escala que talvez tivesse deixado com inveja os °° I$` hunos e os mongóis . Indiferentes ao fato de os cipriotGs serem cristãos, violentaram suas mull•eres, assassinaram seus filhos e parentes idosos, saquearam suas igrejas conventos e seqüestraram seu gado e suas colheitas. Os prisioneiros ou compravam a própria liberdade, ou eram levados agrilhoados para Antioquia ou eram mutilados e enviados para Bizãncio, num evidente gesto de desafio e desdém. O comportamento brutal e pirático de Reinaldo causou consternação em Jerusalém. Ao ser üformado do encarceramento do patriarca Aimery, o rei Balduíno 111 enviou emissários para insistirem em que =osse solto e, uma O ULTRAMAR vez que isso estivesse assegurado, trazerem-no para Jerusalém. A pilhagem de Chipre foi ainda mais grave porque pôs em risco o plano de Balduíno de uma aliança com o Império Bizantino. A fim de selar o pacto, fora prometida a Balduíno a princesa bizantina Teodora, de quinze anos, sobrinha do imperador, com um imenso dote que encheria os esvaziados cofres do reino. O casamento realizou-se em Jerusalém em 1158. O objetivo diplomático dessa aliança era a ajuda bizantina contra Nur ed-Din e, para o imperador Manuel, a punição de Thoros e Reinaldo. À aproximação de um poderoso exército bizantino, Thoros fugiu para as montanhas, enquanto Reinaldo se submeteu de forma abjeta. Perante uma assembléia de príncipes visitantes e cortesãos reunida em frente dos muros de Mamistra, Reinaldo avançou, descalço e sem chapéu, e prostrouse na poeira diante do imperador bizantino. Após saborear a humilhação de seu inimigo e impor certas condições, Manuel permitiu que o penitente se erguesse e retornasse a Antioquia. Embora os latinos reconhecessem que a degradação de Reinaldo fora bem merecida, julgaram-na uma humilhação a todos eles. Balduíno tinha alimentado a esperança de que Reinaldo não seria tão facilmente perdoado. Para Manuel, contudo, era melhor que Antioquia fosse governada por um homem que, quando Manuel fizesse sua entrada triunfal na cidade, estivesse disposto a caminhar a seu lado, conduzindo seu cavalo, do que por outro príncipe menos submisso e com certeza menos visivelmente seu vassalo. Conquanto Manuel revelasse sincera afeição por Balduíno, seu sobrinho por afinidade, as prioridades estratégicas dos dois homens não eram as mesmas, conforme Manuel demonstrou ao fazer um pacto com Nur ed-Din, o arquünimigo dos latinos, contra os turcos seldjúcidas na Anatólia. Para os latinos, esse foi mais um exemplo da perfídia grega; todavia, entre os benefícios desse acordo para os latinos estava a soltura de prisioneiros cristãos, entre eles o mestre do Templo, Bertrand de Blanquefort. Qualquer expectativa entre os príncipes cristãos de que Reinaldo de Châtillon tivesse aprendido de seus erros logo se revelaria despropositada. Em novembro de 1160, Reinaldo fez um ataque repentino aos rebanhos de gado pertencentes sobretudo a sírios cristãos. No caminho de volta a Antioquia com sua presa quadrúpede, foi emboscado por uma força muçulmana sob o comando do governador de Alepo. Reinaldo foi capturado e levado para Alepo no lombo de um camelo. Ninguém se apresentou para oferecer um resgate, e ele teve de ficar encarcerado pelos dezesseis anos seguintes. Em fevereiro de 1160, o rei Balduíno III morreu com apenas trinta e três anos - um homem extremamente encantador, inteligente e culto, que foi Principais fortalezas w l.a Rochc de Rousscl w La lìoche Guillaumc w 1)arhsek w(iaston (Baghras) fw Port Bonnel Antioquia nrar Meiliterrmreo w La Colée M (:hastcl-Blane AI-Arimah Trípoli Beirute w Sídon w Cauto« n Tiro Chastellet Acre Safad w Haifa-~nSaffran nrardaCaNéia Des«oir Castelo Peregrino ('Atlit Caco la Fèvt w w w Le Petit Gerin Cesaréiã Nablus/r~ gafa a castel Arnald Casal des Maios w !I w 11 A Quaranrânia w Ahamanr (Aman) ~fòron dos Ascalio~ ~ w Cavaleiros Jer~salém ': Maldoim (Cisterna Rubra) • Gaza dos templários na Síria e na Palestina .morto o so 25 50 milhas >oo km L O O ULTRAMAR pranteado até mesmo por seus súditos muçulmanos e pelo governador de Alepo, Nur ed-Din. Ele não tinha herdeiros: sua esposa, a rainha Teodora, tinha apenas dezesseis anos, e então retirou-se para Acre, que recebera como parte do arranjo de casamento. A Balduíno sucedeu seu irmão Amauri, de vinte e cinco anos, tão alto e bem-apessoado quanto Balduíno, mas sem a erudição e o encanto deste. Amauri, que fora senhor de Jafa e Ascalão, estava contente de deixar os bizantinos para proteger as fronteiras setentrionais de seu reino, e voltou sua atenção para o sul, em direção ao Egito. Aí, em conseqüência de uma série de golpes e contragolpes sanguinários, o califado fatímida estava desintegrando-se e o governo do país estava desorientado. Poucas cidades no Sinai ou no delta do Nilo eram fortificadas, e a possibilidade de pilhagem era estupenda; mas também havia a razão estratégica mais urgente para entrar em ação contra o Cairo, pois, se os latinos não preenchessem o vácuo, Nur ed-Din com certeza o preencheria. Em 1160, uma planejada invasão por Balduíno II fora negociada pela promessa de um tributo anual jamais pago. Usando essa falta de pagamento como pretexto, no outono de 1163 Amauri invadiu o Egito à frente de uma força que incluía um grande contingente de templários; mas os egípcios forçaram os francos a recuar, abrindo brechas em diques no delta do Nilo. No ano seguinte, Amauri estava de volta ao Egito para antecipar-se a uma tomada do poder no Cairo por Shawar, protegido de Nur ed-Din, e chegou a um acordo com Shawar de que ambos os exércitos deveriam retirar-se. Aproveitando-se da ausência de Amauri, Nur ed-Din atacara o principado de Antioquia, pondo cerco à fortaleza de Harene. Boemundo, o jovem filho de Constança e Raimundo de Poitiers, agora reinando como príncipe Boemundo III, partiu com um exército misto de antioquenos, armênios e bizantinos a fim de socorrer Harenc. Nessa força havia um contingente de cavaleiros do Templo acompanhados de seus sargentos, escudeiros e turcópolos. À sua aproximação, Nur ed-Din suspendeu o cerco e retirou-se. Contrariando os conselhos de seus companheiros mais experientes, Boemundo saiu em perseguição desse exército muito maior e o alcançou no dia 10 de agosto. Usando sua tática favorita, os muçulmanos simularam uma retirada. Boemundo e seus cavaleiros arremeteram contra eles, foram emboscados e feitos prisioneiros ou mortos. Dos cavaleiros do Templo, sessenta caíram na batalha e apenas sete escaparam. Esse revés foi sem dúvida um dos fatores que levaram os templários a preferir seu próprio julgamento sobre questões militares ao dos príncipes latinos. Embora os templários estivessem comprometidos por seus estatutos a defender a Terra Santa, o grãomestre estava sujeito ao papa, e não ao OS TEMPLÁRIOS rei de Jerusalém. Para Amauri, todavia, a autonomia das ordens militares tolhia sua conduta de guerra contra o Islã. Em 1166, uma caverna-fortaleza na Transjordânia, guarnecida pelos templários e que se dizia ser inexpugnável, foi sitiada pelas forças de Nur ed-Din. Ela provavelmente tinha feito parte da doação feita por Filipe de Nablus, senhor da Transjordânia, quando entrou para a Ordem em janeiro de 1166. Ao ser informado do sítio, Amauri reuniu um exército para aliviá-lo, mas ao chegar ao rio Jordão ele encontrou doze templários que haviam entregado a fortaleza sem lutar. Amauri ficou tão irado que mandou enforcar os cavaleiros. Esse episódio, registrado na história de Guilherme de Tiro, bem poderia ter sido um dos fatores que azedaram as relações entre a Ordem do Templo e o rei. Em 1168, quando Amauri decidiu-se pela invasão do Egito com o uso de todos os meios possíveis, foi apoiado pelo grão-mestre do Hospital, Gilberto de Assailly, e pela maioria dos barões leigos, mas o grãomestre do Templo, Bertrand de Blanquefort, recusou-se categoricamente a participar. Motivos mesquinhos foram atribuídos aos templários para essa decisão: afirmou-se que foi porque o plano tinha sido incentivado por seus rivais, os hospitalários, ou que eles tinham lucrativas transações financeiras com os mercadores italianos que comerciavam com o Egito. Mas a quase falência do Hospital, que sem dúvida induziu Gilberto de Assailly a tentar compensar no Nilo os prejuízos da Ordem, também foi uma lição prática para o Templo, que tinha tido graves prejuízos em Antioquia e estava totalmente comprometido com a defesa da Terra Santa, tanto no norte, na fronteira de Amanus, quanto no sul, perto de Gaza. Também havia o acordo de Amauri com Shawar - os recém-chegados da França, como o conde Guilherme IV de Nevers, que aconselhou o rei Amauri, talvez não entendessem o valor de se manter a promessa feita a um infiel, mas os templários já tinham suficiente compreensão das condições locais para reconhecerem que de vez em quando a diplomacia poderia ser mais eficaz do que a força. Outro exemplo da independência dos templários e de sua disposição de frustrar os planos do rei ocorreu em 1173, quando Amauri entrou em negociações com o chefe dos assassinos na Síria, conhecido pelos cruzados como "O Velho da Montanha". Tratava-se de Sinan ibn-Salman ibn-Muhammad, originário de uma aldeia próxima de Basta, no Iraque. Protegido de Hassan, o imã assassino de Alamut, Sinan tornou-se o governante do enclave dos assassinos na Síria e seguia sua própria política. Durante trinta anos, todo governante nos califados islâmicos e em cada Estado cristão esteve sob risco de um ataque homicida de um dos fanáticos sectários ismaelitas de Sinan. As exceções eram os grão-mestres das ordens militares, porque os assassinos O ULTRAMAR haviam compreendido claramente que, se um fosse morto, sempre haveria outro para assumir seu lugar. De modo geral, por serem os inimigos de seus inimigos, os assassinos eram tolerados pelos francos. Os templários, que poderiam ter investido contra eles a partir de suas bases em Tortosa, La Colée e Chastel-Blane, recebiam um "tributo" anual de 2.000 besants dos assassinos para que estes fossem deixados em paz. Na década de 1160, as tendências milenárias inerentes à doutrina ismaelita explodiram quando Hassan, o líder em Alamut, revogou a Lei de Maomé e proclamou a Ressurreição. Sinan promulgou a nova dispensação na Síria, e, como os anabatistas em Münster muitos séculos depois, os eleitos abandonaram-se a um excesso de libertinagem. "Homens e mulheres umam-se em rodadas de bebidas, nenhum homem se abstinha de sua irmã ou filha, as mulheres usavam roupas masculinas, e uma delas declarou que Sinan era Deus.` 11 Alguns anos depois da ab-rogação do Islã por Hassan, Sinan mandou recado ao rei Amauri e ao patriarca de Jerusalém de que estava interessado na conversão à fé em Cristo. Para esse fim Hassan enviou um emissário, Abdullah, para negociar um acordo com o rei. Após uma conclusão satisfatória dessas conversações preliminares, Abdullah iniciou a viagem de volta de Jerusalém a Massif com um salvo-conduto do rei Amauri. Pouco depois de passar por Trípoli, seu pequeno destacamento foi atacado por um cavaleiro zarolho chamado Gualtério de Mesnil. Esse atentado enfureceu o rei Amauri, que ordenou a prisão dos culpados. O grão-mestre do Templo era agora Odon de Saint-Amand, que havia substituído Filipe de Nablus em 1168. Odon tinha sido um funcionário público real que ocupara vários postos importantes antes de entrar para a Ordem. Entre 1157 e 1159 fora prisioneiro dos muçulmanos. Sua escolha como grão-mestre tinha sido quase com certeza para promover boas relações com o rei Amauri, mas agora Odon insistia nos direitos legais concedidos aos templários pela bula papal Omne datum optimum. Seus cavaleiros estavam isentos da jurisdição secular: Gualtério de Mesnil tinha sido punido pela Ordem por sua transgressão, e ela agora o enviaria a Roma para o julgamento final. Ignorando essas sutilezas, Amauri viajou para Sídon, onde o capítulo dos templários estava reunido, e deteve o agressor Gualtério de Mesnil. Ele foi aprisionado em Tiro, e Sinan foi persuadido pelos profusos pedidos de desculpas de Amauri de que o ataque a seu embaixador não fora um ato seu. Todavia, o incidente indispôs irrevogavelmente o rei contra o Templo, e seu plano de requerer ao papa e aos monarcas europeus que dissolvessem a Ordem só foi frustrado por sua morte em 1174. OS TEMPLÁRIOS O que estava por trás do ataque ao embaixador assassino por Gualtério de Vlesnil? Odon de Saint-Amand nunca assumiu a responsabilidade de seu ato; mas, devido ao voto de obediência feito por todo irmão cavaleiro, parece improvável que Gualtério estivesse agindo inteiramente por iniciativa próprià. O motivo fornecido por Guilherme de Tiro, cronista da época, é cobiça: os templários não estavam dispostos a perder o tributo anual de 2.000 besants que teria prescrito com a conversão dos assassinos. Um cronista posterior, Walter Map, sugere que eles receavam que a paz destruísse sua raison d ëtre, matando o emissário dos assassinos "a fim de que (diz-se) a crença dos infiéis não se extinguisse e a paz e a união não reinassem".'9' Historiadores modernos"' sugerem que, uma vez que os templários tin-iam acabado de receber uma substancial doação de Henrique, o Leão, duque da Saxônia, eles não teriam desafiado o rei por causa de meros 2.000 besents. É mais provável que, por viverem próximo aos assassinos, eles pensas3em que Amauri estivesse sendo logrado. Mas eles não eram os únicos que não confiavam nos assassinos: após a morte de Amauri, Raimundo III, conde de Trípoli, cujo pai tinha sido morto pelos assassinos, tornou-se regente do reino de Jerusalém. As negociações com Sinan não foram retomada:, e não houve nenhum outro rumor de sua conversão à fé em Cristo. oÉto Saladino 0 ano de 1174 assistiu à morte do rei Amauri de Jerusalém e de Nur ed-Din, o poderoso governante de Alepo. Amauri, que tinha apenas trinta e oito anos, sempre fora desfavoravelmente comparado com seu irmão Balduíno III e havia dissipado a força de seu reino em suas infrutíferas expedições ao Egito. Sua estratégia para assegurar a sobrevivência dos Estados latinos na Síria e na Palestina tinha sido a de fazer aliança com o Império Bizantino. Isso fora obtido pelo casamento de sua prima, Maria de Antioquia, com o imperador Manuel e pelo seu próprio casamento com a filha do imperador, também chamada Maria, de quem teve somente uma filha, Isabel. Esse apreço por Bizâncio foi demonstrado quando, após retornar de uma visita a Constantinopla, e pouco antes de sua morte, ele adotou o traje cerimonial do imperador Bizantino em sua corte em Jerusalém. O princípio hereditário era agora inconteste nos reinos latinos, e por isso a Amauri sucedeu Balduíno IV seu filho com a primeira mulher, Agnes de Courtenay. Balduíno tinha treze anos e era leproso, e na opinião de alguns clérigos a doença era a punição de Amauri por Deus por ter-se casado com sua prima. Até Balduíno atingir a maioridade, seu primo, o conde Raimundo III de Trípoli, desempenhou as funções de regente. À primeira vista, o legado de Nur ed-Din era menos seguro. Seu filho e herdeiro, Malik as-Salih Ismail, estava com apenas onze anos e havia pretensões rivais dos governadores de Damasco, de Alepo, de Mossul e do Cairo sobre quem deveria atuar como seu regente. Contudo, ao firmar sua autoridade sobre os diferentes emirados que antes tinham vivido às turras uns com os outros, Nur ed-Din demonstrara que era possível para os muçulmanos unir-se contra os francos. Além disso, havia acrescentado uma dimensão espiritual a este fato político: parcimonioso e austero, "com feições regulares e uma expressão triste e suave",'93 ele também era pio e tinha elevado sua luta contra os cristãos latinos ao nível de um jihad ou guerra santa. O homem que adquiriria essa combinação de ascendência espiritual e política não seria da progênie de Nur ed-Din, mas o filho de um alto funcio- 165 OS TEMPLÁRIOS nário curdo que salvara a vida do pai de Nur ed-Din, Zengi, ajudando-o a fugir através do rio Tigre, em 1143, depois de ser derrotado numa batalha com as forças do califa de Bagdá. Esse homem, Najm ed-Din, junto com seu irmão Shirkuh, eram os generais de Nur ed-Din em quem ele mais confiava, e foi Shirkuh quem frustrou as tentativas do rei Amauri de fundar um protetorado franco no Egito. Ele todavia o fez em estreita colaboração com o seu jovem e vigoroso sobrinho Salad ed-Din Yusuf, mais conhecido como Saladino. Foi Saladino quem deu o coup de grâce no califado fatímida do Cairo, mudando a submissão espiritual dos muçulmanos egípcios para o califa de Bagdá. Ele firmou um domínio pessoal sobre o Egito, agindo de forma independente de e às vezes em desobediência a - Nur ed-Din, o antigo amo de seu pai. Tanto durante a sua vida quanto após a sua morte, Saladino seria visto como um modelo de bravura e magnanimidade não só pelos muçulmanos, mas também pelos cristãos. As histórias de sua urbanidade e benevolência que foram trazidas para a Europa - por exemplo, como ele deu peles a alguns de seus prisioneiros cristãos para mantê-los aquecidos nas masmorras de Damasco; ou como, quando estava sitiando o castelo de Kerak em 1183, durante as festividades de casamento de Humphrey de Toron e da princesa Isabel, ordenou a suas manganelas que não disparassem contra a torre onde as bodas estavam sendo celebradas - tinham todas muita mais impacto porque os europeus cristãos haviam até então tentado converterem demônios seus inimigos infiéis. Pio, moderado, generoso e compassivo, Saladino era não obstante um estadista arguto e um comandante competente. Ele é descrito como de baixa estatura, com o rosto redondo, cabelos pretos e olhos escuros. Como a maioria dos membros da elite muçulmana, era instruído, refinado e hábil com a lança e a espada. Na juventude, estivera mais interessado em religião do que em combate, e não restam dúvidas de que sua guerra contra os francos cristãos foi inspirada por um autêntico zelo religioso, e não simplesmente por uma compreensão adquirida a partir do exemplo de Zengi e Nur ed-Din de que os diversos Estados islâmicos só poderiam ser induzidos a atuar juntos em nome de um jihad. Não foi fácil manter o conceito moral elevado na comunidade islâmica mais ampla: ele teve de revelar-se leal não apenas a Nur ed-Din, o amo de seu pai, mas também ao califa de Bagdá; mesmo depois de ele ter demonstrado seu compromisso com o Islã ao unir os diversos Estados muçulmanos contra os latinos, muitos continuaram a considerá-lo um usurpador. Também parece provável, como veremos, que sua famosa magnanimidade fosse em parte uma questão de prudência. Quando parecia oportuno ser cruel, ele 166 SALADINO era cruel: ordenou a crucificação de oponentes xütas no Cairo, e de vez em quando mandava mutilar ou executar seus prisioneiros. Conquanto viesse a respeitar e até a admirar o altivo código dos cavaleiros francos e fosse diligente em sua urbanidade para com príncipes e reis cristãos, ele sentia um ódio implacável pelas ordens militares. Em seus esforços para frustrar a ascensão de Saladino ao poder absoluto após a morte de Nur ed-Din, seus rivais fizeram alianças táticas com os latinos. O governador de Alepo persuadiu o conde Raimundo de Trípoli, que desempenhava as funções de regente em nome do rei Balduíno IV a fazer um ataque diversivo à cidade de Homs e, em retribuição, concordou em libertar seus prisioneiros cristãos em troca de resgate entre eles o adventício cavaleiro francês Reinaldo de Châtillon, que desposara a princesa Constança de Aritioquia: o preço por ele fixado foi de 120.000 dinares de ouro. 194 Se tivesse sido capaz de prever o futuro, o conde Raimundo com certeza teria resolvido deixar esse "elefante desgarrado" nas masmorras de Alepo. Reinaldo agora era um príncipe sem principado: sua mulher havia morrido, talvez de desgosto, dois anos após a captura de seu belo marido, e Antioquia era governada por Boemundo III, filho de Constança com o primeiro marido, Raimundo de Poitiers. Não obstante, Reinaldo não poderia simplesmente ser relegado às fileiras de cavaleiros mercenários, das quais procedia: sua filha Agnes era agora rainha da Hungria, e sua enteada Maria, imperatriz de Bizâncio. Ele estava portanto casado com a mais rica herdeira do reino, Estefânia de Milly, que lhe trouxe os domínios de Hebron e da Transjordânia. Uma das principais conseqüências da morte de Nur ed-Din e da desordem que se lhe seguiu foi a remoção do controle que ele havia exercido sobre os turcos seldjúcidas. Em 1176, seu sultão Kilij Arslan II avançou contra Bizâncio. O imperador Manuel liderou um exército contra ele, o qual foi aniquilado pelos turcos em Miriocéfalo. Essa derrota foi tão catastrófica quanto a de Manzikert, em 1071, que havia levado à Primeira Cruzada. AAnatólia foi perdida para sempre para os turcos, e a capacidade de Bizâncio de influenciar os acontecimentos na Síria se fora com ela. Os francos estavam agora por sua própria conta. A situação agravou-se com as divisões dentro do reino de Jerusalém. Embora paciente e perseverante, o jovem rei leproso Balduíno IV não conseguia ser um líder forte. Raimundo III de Trípoli, que, como seu parente mais próximo, havia desempenhado as funções de regente até Balduíno atingir a maioridade, era experiente, cauteloso e, depois de anos como prisioneiro dos muçulmanos, falava árabe e conhecia bem a psicologia do inimigo. Ele contava com o apoio das famílias de boa reputação do reino de Jerusalém, 1G7 OS TEMPLÁRIOS mas a ele se opunham os templários e os recém-chegados à Palestina comandados por Reinaldo de Châtillon, os quais ansiavam pela guerra e pela conquista de novas terras. Conquanto se falasse muito sobre a ajuda que viria do Ocidente sob a forma de uma nova cruzada liderada pelo rei Luís VII da França e pelo rei Henrique 11 da Inglaterra, agora casado com a ex-mulher de Luís, Alienor de Aquitânia, o único príncipe que apareceu na Terra Santa foi Filipe, conde de Flandres, mas ele insistia que tinha ido em peregrinação, e não em cruzada. Aproveitando-se da desunião dos francos, Saladino saiu à frente de uma força, através do deserto do Sinai, em direção à fortaleza dos templários de Gaza. Os templários concentraram suas forças para defendê-la, mas Saladino passou ao largo de Gaza e sitiou Ascalão. Balduíno IV, que havia então atingido a maioridade, recrutou um exército para defendê-la. Ele chegou à cidade antes de Saladmo, que, ao perceber que Jerusalém estava desprotegida, deixou uma pequena força para conter Balduíno e marchou para a Cidade Santa. Ao se dar conta de que tinha sido flanqueado, Balduíno convocou de Gaza os cavaleiros do Templo, rompeu o cerco de Ascalão e, no dia 25 de novembro de 1177, alcançou o exército egípcio em Montgisard. Saladino foi pego de surpresa, seu exército desintegrou-se, e ele fugiu de volta para o Egito. Essa vitória foi um triunfo para os francos e talvez os tenha encorajado a superestimar sua verdadeira força. Embora crônicas francas relatem que o exército era comandado por Balduíno, historiadores muçulmanos insistem que ele era liderado por Reinaldo de Châtillon.'95 É provável que ele tenha lutado com grande bravura e que a vitória tenha aumentado seu prestígio. Como lhe faltasse potencial humano para secundar essa vitória, o rei Balduíno IV reforçou sua fronteira com Damasco, construindo um castelo às margens do Jordão num lugar chamado vau do Jaboc - diz-se que foi aí que Jacó lutou com um anjo, conforme descrito no Livro do Gênesis. Sua posição estratégica na estrada que ligava o litoral a Damasco - de onde dominava a fértil planície de Banyas, que até então tinha sido acessível tanto a muçulmanos quanto a cristãos - fora reconhecida por Saladino, que julgava ter chegado a um acordo com o rei Balduíno de que ela deveria permanecer uma zona desmilitarizada. Contudo, Balduíno cedeu à forte pressão dos templários e construiu a fortaleza numa época em que Saladino estava perturbado por dissidências entre membros de sua família. No verão de 1179, Saladino sitiou o castelo, e Balduíno foi em seu socorro, solicitando a Raimundo de Trípoli e aos templários, sob o comando de Odon de Saint-Amand, que se juntassem a ele. No dia 10 de junho, o conde Raimundo e os templários fizeram contato com o exército de Sala- 1G8 SALADINO dino. Impetuosamente, os templários atacaram, mas foram vencidos. Os que conseguiram atravessar o rio Litani refugiaram-se na grande fortaleza de $eaufort; mas entre as baixas sofridas pelos francos incluíam-se vários cavaleiros do Templo, e entre os que foram aprisionados estava o grão-mestre, Odon de Saint-Amand. Orgulhoso demais para ser trocado por um muçulmano mantido pelos cristãos, Odon morreu no cativeiro no ano seguinte. O cronista Guilherme de Tiro, cujo irmão foi morto nesse combate, condenou Odon pela arrogância, que era agora vista como um defeito comum dos cavaleiros do Templo: as ações dele eram "ditadas pelo caráter orgulhoso, que ele tinha de sobra"; era "um homem sem valor, orgulhoso e arrogante, que trazia nas ventas a disposição para a ira e que não temia a Deus nem tinha respeito pelo ser humano"."' Sem dúvida, era exemplo de um cavaleiro que fizera seu nome no mundo secular e mais tarde ingressara na Ordem, não por vocação religiosa, mas como uma manobra lateral para atingir os escalões superiores da administração leiga da cristandade. É impossível dizer se o capítulo dos templários que escolheu Odon estava interessado ou não no discernimento de uma vocação sincera, ou se tinha visto alguma vantagem na escolha de um grão-mestre que já era uma figura de certa estatura. Mas foi talvez em reação a Odon de Saint-Amand que os cavaleiros escolheram como seu sucessor um templário de carreira, Arnoldo de Torroja, que já tinha sido mestre na Provença e na Espanha. Tirando proveito de um armistício de dois anos ajustado entre Saladino e o rei Balduíno IVarmistício que lhes fora imposto por uma seca e pelo conseqüente risco de escassez de alimentos -,Amoldo de Torroja embarcou para a Europa com o grão-mestre do Hospital, Rogério des Moulins, e Heráclio, o patriarca recém-eleito, a fim de tentarem obter ajuda na Itália, na França e na Inglaterra. Heráclio, um padre semianalfabeto de Auvergne, tinha sido amante da mãe do rei, a rainha Agnes, cuja influência havia assegurado sua nomeação primeiro como arcebispo de Cesaréia e mais tarde como patriarca de Jerusalém. Sua então amante, Paschia de Riveri, conhecida como Madame la Patriarchesse, era mulher de um negociante de fazendas de Nablus. Durante sua estada em Londres, Heráclio dedicou a nova igreja dos templários em seu complexo a oeste da cidade: sua figura perfumada e cheia de jóias deixou uma má impressão e fez com que alguns dos homens que o conheceram se perguntassem se seus irmãos cristãos no Oriente estariam em necessidade tão extrema. Todavia, o Templo inglês já se havia beneficiado de um grave acontecimento na história da Inglaterra: o assassinato, em 1170, do arcebispo de Canterbury, Tomás Becket. A penitência imposta aos 1G9 OS TEMPLÁRIOS quatro cavaleiros normandos que o mataram foi servirem quatorze anos com os templários na Terra Santa. O rei Henrique 11, que os havia incitado, não apenas fez penitência pública na Catedral de Canterbury, como também prometeu prover os templários com dinheiro para manter duzentos cavaleiros por ano. Em Avranches, em 1172, como parte de sua penitência, Henrique jurou tomar a Cruz; e embora os acontecimentos o impedissem de cumprir sua promessa, seu testamento de 1172 deixou 20.000 marcos para o custeio da cruzada: 5.000 para o Templo, 5.000 para o Hospital, 5.000 para ambos em conjunto, e uma quantia final de 5.000 marcos para "casas religiosas mistas, leprosos, reclusos e eremitas na Palestina".'9' O grão-mestre do Templo, Arnoldo de Torroja, adoeceu em Verona, onde faleceu em 30 de setembro de 1184. Para suceder-lhe, o capítulo dos templários em Jerusalém escolheu Gérard de Ridefort, um cavaleiro de o rigem flamenga ou anglo-normanda. Parece que Gérard foi um caso clássico de um cavaleiro que entrou para a Ordem fauce de mieux. Ele havia chegado à Terra Santa no início da década de 1170 e servido com Raimundo 111, conde de Trípoli. Segundo os cronistas, Raimundo lhe garantiu que ele receberia um feudo em seu país quando algum ficasse vago. Em 1180, Guilherme Dorel, senhor de Botron, morreu, deixando seu feudo para a filha Lúcia. Raimundo, possivelmente pressionado por dívidas, voltou atrás em sua promessa a Gérard e "vendeu" Lúcia para um mercador de Pisa chamado Plivano pelo peso de sua noiva em ouro. Ela lhe trouxe 10.000 besants, o que a reduziu a cerca de 63,5kg.'98 Com suas esperanças frustradas dessa forma, Gérard ingressou na Ordem do Templo. Foi dito que mais :)u menos nessa época ele sofria de uma grave doença, e isso pode tê-lo des.ludido da ambição terrena, levando-o a concentrar seu espírito no mundo vindouro. Mas o ímpeto de religiosidade não atenuou a humilhação que sent u como cavaleiro ao ser preterido em favor de um mercador, e o incidente deixou-o com um profundo ressentimento contra o conde Raimundo de Trí)oli. Por ocasião da morte de Amoldo de Torroja, ele era o seneseal dos templários no reino de Jerusalém. Em março de 1185, o jovem rei leproso, Balduíno IV afinal morreu. Sucedeu-lhe o sobrinho Balduíno V, de sete anos, filho de sua irmã Sibila com o primeiro marido, Guilherme de Montferrat. Raimundo de Trípoli, que já vinha exercendo as funções de baill (governador ou ministro-chefe) de Balduíno IV, tornou-se então o regente de Balduíno V Nessa qualidade, ele fez um acordo com Saladino de um arn.istício de quatro anos. Contudo, a autoridade de Raimundo foi enfraquecida quando, logo no ano seguinte, o jovem rei também morreu, sem deixar he'deiro óbvio. 170 SALADINO De acordo com o testamento de Balduíno IV a sucessão deveria ser decidida pelo papa, pelo imperador e pelos reis da Inglaterra e da França. Mais uma vez, entretanto, o destino dos cristãos latinos na Terra Santa viria a ser afetado pelas emoções de uma mulher. A princesa Sibila, mãe do falecido rei, era agora esposa de um cavaleiro francês, Guido de Lusignan. Seu primeiro marido, Guilherme de Montferrat, importado da Europa como um futuro rei, morrera de malária em 1177. A princípio, uma sondagem entre as famílias reais da Europa não conseguiu sugerir um substituto, e durante algum tempo Sibila cogitara de se casar com um barão local, Balduíno de Ibelin. Todavia, o condestável do reino, Amauri de Lusignan, que era amante de Agnes, a mãe de Sibila, tinha um irmão mais novo chamado Guido. Induzida pelos relatos sobre os encantos dele, Sibila mandou trazê-lo da Europa. Quando ele chegou, ela gostou do que viu e instou com o irmão, o rei Balduíno IV que concordasse com o casamento deles. O rei resistiu porque podia ver que esse fraco e incapaz filho mais novo de um conde francês era uma escolha medíocre como futuro governante de seu reino, mas sua mãe e sua irmã o influenciaram, e por fim ele deu seu. consentimento: eles se casaram na Páscoa de 1180. Seis anos mais tarde, os planos das duas mulheres se concretizaram. Sibila convocou seus partidários a Jerusalém e foi coroada rainha por outro dos ex-amantes de sua mãe, o patriarca Heráclio. O grão-mestre do Hospital, que, como o grão-mestre do Templo, conservava a chave do cofre que continha os adereços reais, recusou-se a exibi-lo, preferindo jogá-lo pela janela; mas o detentor da segunda chave, Gérard de Ridefort, um dos principais defensores de Sibila e Guido, foi buscá-lo. Assim que foi coroada, Sibila colocou uma segunda coroa na cabeça do marido, Guido, e então "Gérard de Ridefort gritou bem alto que essa coroa restituía o casamento de Botron".199 O golpe da rainha Sibila representou o triunfo dos falcões sobre as pombas, lideradas por Raimundo de Trípoli. As pombas poderiam ter resistido, pois correspondiam a todos os vassalos do reino menos Reinaldo de Châtillon. Guido de Lusignan era desprezado por todos. Raimundo propôs que coroassem a princesa Isabel, a filha de treze anos do rei Amauri I, que recentemente desposara Humphrey de Toron, de dezoito anos. Foi no casamento deles no ano anterior, no castelo de Kerak, durante o cerco feito por Saladino, que este ordenara que suas manganelas não disparassem contra a torre onde as festividades do casamento estavam sendo realizadas e fora recompensado pela mãe de Humphrey com pratos servidos na festa, os quais ela mandou para o líder muçulmano. O cerco fora suspenso pessoalmente pelo rei Balduíno IV que viajava numa liteira, mas é possível que a experiência tivesse enervado o jovem Humphrey de Toron, "um jovem de extraordinária OS 'TEMPLÁRIOS beleza e grande erudição, mais dotado por seus gostos para ser uma garota do queum homem".zoo Quando Raimundo então propôs que ele fosse feito rei, ele foi furtivamente para Jerusalém e prestou homenagem a Guido de Luxgnan. O golpe foi um fait accompli, e todos os barões, com exceção de Raimundo de Trípoli e Balduíno de Ibelin, entraram em forma. Agora não havia mais nada para refrear os agressivos planos do principal fabricante de reis, Reinaldo de Châtillon. O feudo da Transjordânia, que ele hava adquirido através do casamento e que se estendia até o golfo de Ácaba, situava-se em ambos os lados das rotas de caravanas entre o Egito e a Síria e dividia em dois os domínios de Saladino. Em 1182, Reinaldo usara essa posição estratégica para organizar um ataque repentino cuja ousadia levou ao maior ultraje possível no mundo muçulmano. Ele mandara construir galeras em partes, que eram testadas no mar Morto e em seguida lançadas ao golfo de hcaba. Estas navegaram para o sul, em direção ao mar Vermelho, pilhando os Portos no litoral do Egito e da Arábia, navios mercantes e até transportes que levavam peregrinos para Meca. Após o desembarque no porto de ar-P,aghib, um grupo de incursores partiu para a própria Meca, com a intenção de levar consigo o corpo do profeta Maomé. Eles foram vencidos por uma força enviada do Egito por Malik, irmão de Saladino, e os sobreviventes forem executados ou em Meca ou no Cairo. Quer tenha sido um ato individual de terrorismo da parte de Reinaldo, quer tenha sido "a parte mais ousada de uma campanha orquestrada, da qual todas as forças do reino participaram","' isso transformou Reinaldo num homen marcado para Saladino, cujo papel como guardião dos Lugares Santos na Arábia sustentava sua autoridade no mundo muçulmano. Agora, depois da ascensão do rei Guido, Reinaldo exacerbava seu ultraje ao atacar uma grande caravana que viajava do Egito à Síria, matando sua escolta de tropas egípcias. Isso foi uma violação do armistício, e Saladino exigiu reparação, prime ro de Reinaldo, que não recebeu seus emissários, e depois do rei Guido, que, embora tivesse ordenado a Reinaldo que desse satisfações, não insistiu: em grande parte, ele devia seu trono a Reinaldo. Para os detratores de Reinaldo, esse ataque à caravana foi um clamoroso atode vandalismo; até mesmo seus defensores julgaram-no "enigmático ",'02 sugerindo que, talvez devido à escolta egípcia, Reinaldo tivesse achado que for,,. Saladino quem violara o armistício. Fossem quais fossem seus motivos, eles tornaram a guerra inevitável numa época em que os Estados latinos estavam profundamente divididos. Havia um conflito de interesses entre os barões estabelecidos, que queriara conservar o que tinham, e os cavaleiros recém-chegados, que esperavam fazer fortuna com as novas conquistas, combinado com uma divergên- 172 SALADINO cia ideológica entre aqueles que buscavam uma conciliação com seus vizinhos muçulmanos e aqueles para quem qualquer compromisso com os infiéis era uma traição da cristandade. Mesmo nessa época, era às vezes difícil distinguir entre ambos; mas decerto o conhecimento de que Raimundo de Trípoli era fluente em árabe e interessado pelo estudo de textos islâmicos fez com que muitos suspeitassem de que não estivesse integralmente comprometido com a causa cristã. Como que para provar que as suspeitas deles estavam corretas, Raimundo procurou obter a ajuda de Saladino contra Guido de Lusignan. Isso ia muito além de pedir um armistício, equivalendo a colaboração inequívoca. Como um favor a seu possível aliado, Raimundo permitiu que uma força da cavalaria egípcia liderada por al-Afdal, filho de Saladino, cruzasse seu país até a Galiléia, numa missão de reconhecimento. Combinou-se que ela seria não-beligerante e que se moveria durante o dia. Notícias desse acordo foram enviadas aos súditos de Raimundo e, na fortaleza de Lã Fève, alcançaram uma delegação do rei Guido a caminho, cujo objetivo era buscar a reconciliação com o conde Raimundo e da qual faziam parte os grão-mestres do Templo e do Hospital. Gérard de Ridefort imediatamente convocou dos castelos vizinhos noventa cavaleiros do Templo e cavalgou para Nazaré, onde quarenta cavaleiros seculares foram acrescentados à sua força. Além de Nazaré, eles encontraram a força muçulmana dando de beber a seus cavalos nas fontes de Cresson. Ao ver a sua força, o mestre do Hospital, Rogério des Moulins, aconselhou a retirada, e o marechal do Templo, Jacques de Mailly, concordou. Isso encolerizou Gérard de Ridefort, que acusou o grão-mestre do Hospital de covardia e desdenhou de Jacques de Mailly: "Vós amais em demasia vossa cabeça loura para querer perdê-la", ao que o marechal do Templo retrucou: "Hei de morrer em batalha como um homem corajoso. Sois vós quem fugirá como um traidor". A força mista de cavaleiros então investiu contra os egípcios com um efeito catastrófico. Jacques de Mailly e Rogério des Moulins foram ambos mortos junto com todos os templários, à exceção de três, um deles seu grão-mestre, Gérard de Ridefort. Os cavaleiros seculares foram feitos prisioneiros junto com alguns cidadãos cristãos de Nazaré que haviam deixado a cidade na esperança de pilhagem. Para os latinos, a única vantagem desse desastre foi que ele envergonhou Raimundo de Trípoli, levando-o a quebrar seu pacto com Saladino e a fazer as pazes com o rei Guido. Enquanto exércitos de todos os domínios de Saladino - Alepo, Mossul, Damasco e Egito - convergiram para al-Ashtara, na margem mais afastada do Jordão, para formarem a maior força que ele jamais tivera sob seu comando, o rei Guido proclamou uma levée en 173 OS TEMPLÁRIOS masse, convocando todas as forças latinas para reunir-se em Acre. Em Jerusalém, o fundo de vinte mil marcos que tinha sido mantido pelas ordens militares em nome do rei Henrique II da Inglaterra para financiar sua planejada cruzaua tui usado para contratar mercenários e equipar as foras cristãs Em fins de junho, o rei Guido havia reunido vinte mil soldados, incluindo doze mil de cavalaria, que eram virtualmente todos os combatentes, voluntários e mercenários, disponíveis no ultramar: as cidades e as fortalezas latinas ficaram vazias. No dia 1° de julho, Saladino cruzou o Jordão em Sennabra, no extremo sudoeste do lago Tiberíades, com trinta mil soldados de infantaria e doze mil soldados de cavalaria. Aí ele dividiu suas forças: metade marchou para as montanhas a oeste, metade seguiu pela margem do lago Tiberíades. A cidade foi tomada após um breve assalto, mas Eschiva, a condessa de Trípoli, resistiu na cidadela e enviou mensagem de seu apuro a Raimundo, seu marido, que estava com o rei Guido em Acre. Nesse ponto o indeciso rei Guido recebeu conselhos conflitantes dos falcões e das pombas. Como ainda não soubesse que sua esposa estava em perigo, Raimundo aconselhou cautela, argumentando que Saladino não poderia manter unido por muito tempo um exército tão grande no interior árido no auge do verão. Reinaldo de Châtillon e Gérard de Ridefort preferiam um ataque imediato para socorrer Tiberíades, censurando Raimundo por sua covardia e por seu pacto anterior com Saladino. Como antes, Guido foi incapaz de rejeitar os conselhos dos dois homens que haviam conquistado o trono para ele e ordenou ao exército cristão que avançasse para Tiberíades. As tropas acamparam em Seforia na tarde de 2 de julho, numa posição estrategicamente vantajosa, com muita água e forragem para os cavalos. Aí as encontrou o mensageiro de Tiberíades, que lhes contou do apuro da mulher do conde Raimundo. Os filhos dela, que aí estavam com o pai, imploraram a Guido que fosse salvá-la, mas, como antes, Raimundo argumentou que seria loucura abandonar a posição em que estavam: pelo bem dos reinos cristãos, ele estava disposto a pôr em risco sua cidade e sua mulher. O rei e seu conselho de barões aceitaram as recomendações de Raimundo, mas, depois que eles se recolheram à noite, Gérard de Ridefort voltou à tenda do rei. Como o rei Guido, questionou ele, poderia confiar num traidor? Que desonra abandonar uma cidade que estava tão próxima! Os templários, disse ele, prefeririam "pôr de lado seus mantos brancos" e vender e penhorar tudo o que tinham a perder essa oportunidade de vingar seus irmãos que haviam morrido nas fontes de Cresson. Incapaz de fazer frente a Gérard de Ridefort, o rei Guido ordenou ao exército que marchasse ao raiar do dia. Tomando o rumo do norte pelas ári- SALADINO das colinas em direção a Tiberíades, constantemente fustigados por arqueiros muçulmanos, e logo debilitados pela sede, eles alcançaram a aldeia de Lubiva. Os templários que formavam a retaguarda solicitaram-lhe que aí pernoitassem, com o que o rei concordou. O conde Raimundo, que liderava a vanguarda, ficou horrorizado: "Ai meu Deus, a guerra está terminada. Somos homens mortos. O reino está perdido". O poço em Lubiya estava seco. O exército acampou no árido planalto conhecido como Comos de Hattin, de onde se descortinava a aldeia de Hattin, onde o exército de Saladino o esperava. À medida que a noite avançava, os muçulmanos foram se aproximando pouco a pouco: todos os soldados que saíram à procura de água foram pegos e mortos. Os muçulmanos atearam fogo aos arbustos que cobriam a colina, e a brisa levou a fumaça para o acampamento dos cristãos. Ao alvorecer, Saladino ordenou o ataque. Enlouquecidos pela sede, pelo calor e pela fumaça, os soldados da infantaria cristã tentaram abrir caminho até o lago através da hoste muçulmana e foram todos mortos ou feitos prisioneiros. Acima deles, os cavaleiros com armadura rechaçaram várias vezes os repetidos assaltos da cavalaria muçulmana, mas também estavam enfraquecidos pela sede, e cada investida reduzia seu número. Com seus cavaleiros, o conde Raimundo arremeteu contra a hoste muçulmana, que de repente se abriu, deixando-os passar. Impossibilitados de regressar ao principal contingente do exército, eles fugiram para Trípoli. Os cavaleiros que ficaram para trás formaram um círculo em volta do rei e fizeram muitas sortidas contra os homens de Saladino. Com eles estava o bispo de Acre segurando a preciosa relíquia da Verdadeira Cruz. Quando ele caiu, a Verdadeira Cruz foi tomada. A batalha tinha terminado. O rei Guido e os cavaleiros que permaneceram vivos caíam agora de exaustão, e não pela espada. Os mais eminentes dentre eles foram levados cativos para a tenda de seu conquistador, Saladino - entre eles o rei Guido, seu irmão Amauri, Reinaldo de Châtillon e o jovem Humphrey de Toron. Com a extrema urbanidade pela qual era célebre, Saladino ofereceu ao sedento rei um copo de água de rosas, resfriada com gelo trazido do pico do monte Hebron. Depois de beber dessa água, o rei passou o copo a Reinaldo de Châtillon, mas, antes que ele pudesse saciar a sede, tomaram-lhe o copo: de acordo com as regras de hospitalidade árabe, a vida de um prisioneiro a quem se dá comida ou água está assegurada. Saladmo então repreendeu Reinaldo por causa de todas as suas iniqüi-, dades e, de novo em obediência aos ensinamentos de Maomé, ofereceu-lhe a escolha de aceitar o Islã ou morrer. Reinaldo riu na cara dele, dizendo que era antes Saladino quem deveria voltar-se para Cristo: "se vós acreditásseis 175 OS TEMPLÁRIOS n'Ele, poderíeis evitar o castigo da danação eterna que não deveríeis duvidar de que esteja preparado para vós".z°' Ao ouvir isso, Saladino pegou sua cimiorra e cortou a cabeça de Reinaldo. A vida do rei Cuido e a de seus barões seculares estavam seguras. "Uru rei não mata outro rei", declarou Saladino, "mas a perfídia e a insolência daquele homern foram longe demais." Eles foram conduzidos à prisão em Danlasco com instruções de que não lhes fizessem mal. A mesma clemência, contudo, não se estendeu aos cavaleiros das ordens militares. "Vou purificar aterra dessas raças impuras", disse Saladino a seu chanceler e secretário, ']mad ad-Din. Ele recompensou com cinqüenta Binares cada soldado que havia capturado um irmão cavaleiro e ordenou a morte destes. Estudiosos do Alcorão, ascetas islâmicos e místicos sufistas do séquito de Saladino implowam-lhe que lhes fosse permitido cortar a cabeça deles. Apenas Gérard de Fidefort, o grão-mestre dos templários, foi mantido na prisão: aos demais cavaleiros, a exemplo de Reinaldo de Châtillon, ofereceu-se a escolha de apostasia ou morte. A noite toda, aos gritos selvagens dos que pretendiam ser seus algozes, eles se prepararam para o seu destino. Nenhum deles opou por negar a Cristo. Ao amanhecer, 230 cavaleiros do Templo junto com seus irmãos do Hospital foram decapitados pelos extáticos sufrstas. nepois de Hattin, os cristãos na Terra Santa pareciam condenados. Alevéeen passe havia afastado as guarnições de todas as cidades e castelos nas mãos dos latinos, e na esteira da vitória de Saladino cinqüenta e dois ou se renderrm ou foram tomados. A condessa de Trípoli teve permissão para partir da cidade de Tiberíades, e Jocelino de Courtenay, outrora um dos falcões, entregou Acre sem lutar no dia 10 de julho. Em Ascalão, o valor dos eminent°s prisioneiros de Saladino foi testado quando Gérard de Ridefort e o rei Cuido foram levados até as portas da cidade. O rei Cuido ordenou aos defens)res da cidade que se rendessem. Responderam-lhe com insultos, e dois cos emires de Saladino foram mortos no cerco subseqüente. No entanto, rão havia dúvidas quanto ao resultado final, e no dia 4 de setembro Ascalão r.ndeu-se. Em Gaza, a guarnição de templários, obrigada por seus votos de cbediência, rendeu-se ao comando de seu grão-mestre, Gérard de Ridefort. Então Saladino voltou sua atenção para o maior prêmio de todos, a cidade ce Jerusalém. Aí uma defesa fora organizada pela rainha Sibila, pelo patriarca Heráclio e por Balião de Ibelin. As forças que tinham sido deixadas na cidade eram totalmente insuficientes: havia apenas dois cavaleiros, e a crise era tão grave que Balião de Ibelin foi obrigado a outorgar a dignidade de cavaleiro a trinta homens solteiros da burguesia." A cidade estava abarrotrda de refugiados, sobretudo mulheres e crianças, e os latinos não podiam SALADINO contar com a lealdade dos cristãos sírios e ortodoxos. De novo, assim que o sítio começou, não restavam dúvidas quanto ao resultado final; mas as ameaças de destruir a Cúpula da Rocha e incendiar a cidade persuadiram Saladino a entrar em negociações. Ele pediu 100.000 dinares de resgate pela população da cidade, mas era impossível encontrar tamanha soma de dinheiro. Foi estabelecido um preço de dez dinares por um homem, cinco por uma mulher e um por uma criança. Trinta mil Binares dos fundos públicos compraram a lit)c,.-'-de de 7.000 dos que não podiam pagar. No dia 2 de outubro de 1187, o aniversário da visita do Profeta ao Céu a partir do monte do Templo, Saladino fez sua entrada triunfal na cidade. Ele tratou os conquistados com grande magnanimidade; o maior opróbrio dos cronistas foi dirigido contra o patriarca Heráclio e as ordens militares, em particular os templários, que se re>!usaram a renunciar a seu próprio tesouro, e só com relutância liberaram o que restava dos fundos de Henrique II para salvar da escravidão os cristãos mais pobres. O Templo foi então entregue a Saladino, e os templários foram expulsos de sua sede na mesquita al-Aqsa. Ela foi purificada com água de rosas e foi instalado um púlpito que Nur ed-Din encomendara ao prever esse triunfo. Embora a Igreja do Santo Sepulcro fosse deixada ao encargo dos cristãos ortodoxos e jacobitas, a Cruz foi tirada do alto da Cúpula da Rocha e arrastada em redor da cidade por dois dias, sob os golpes dos porretes dos exultantes muçulmanos. A generosidade de Saladino para com os cristãos latinos em Jerusalém era tanto uma questão de prudência quanto a expressão de uma natureza magnânima. Num tratado militar, Discussão dos Estratagemas de Guerra, de a]-Harawi, escrito a pedido do filho de Saladino, al-Malik, ou possivelmente do próprio Saladino, o autor afirma que "a afabilidade para com os não-combatentes pode ser usada como uma demonstração de força, o que pode ajudar a intimidar o inimigo (...)". Permitir generosamente que as guarnições das cidades e dos castelos capturados se retirassem para Tiro e outros centros francos foi outra demonstração dessa força, evidenciando que o sultão nada tinha a temer da parte de seus derrotados inimigos.z°s Em todo o caso, os francos eram desprezíveis - "irresponsáveis, imprudentes, insignificantes e gananciosos (...) estando preocupados com títulos e posição social entre reis e nobres". Al-Harawi condenou os membros do clero latino pela facilidade com que eles anularam os juramentos feitos a Saladino, mas expressou um austero respeito pelas ordens militares, advertindo a Saladino que "tomasse cuidado com os monges [das ordens do Hospital e do Templo] (...) pois ele não pode atingir suas metas por 177 OS TEMPLÁRIOS intermédio deles, porquanto eles têm grande fervor religiosa e não prestam atenção às coisas deste mundo". Será que al-Harawi estava certo em suas conjeturas? Não pode haver a menor dúvida de que as generosas condições para a rendição de Jerusalém aumentaram o prestígio de Saladino e ao mesmo tempo atenuaram a vontade de alguns cristãos latinos de resistir. Todavia, o tratamento que ele dispensava aos cavaleiros das ordens militares fortaleceu a resolucã, dos templários e dos hospitalários. A grande fortaleza de Kerak, o;lue as bodas reais tinham sido celebradas sob o bombardeio de Saladino em 1183, teve de ser levada à submissão pela fome, depois de um cerco de mais ce um ano. O mesmo aconteceu com Montréal. Depois de um mês de bombardeio, os templários haviam entregado Safed, e os hospitalários, seu castelo em Belvoir. Mas algumas balizas permaneceram de pé. Os hospitalários continuaram no Krak dos Cavaleiros e em Chastel Blane. Os templários entregaram Gaston, na fronteira de Amanus, mas conservaram La Roche Guillaume e, embora a cidade fosse tomada, mantiveram-se firmes na cidadela de Tortosa. Esses redutos, junto com as cidades litorâneas de Antioquia, Trípoli e Tiro, permaneceram nas mãos dos cristãos. Uma esquadra siciliana entrou no porto de Antioquia e reforçou a guarnição de Boemundo, enquanto a situação em Tiro se transformou com a chegada de uma força de cruzados liderada por um príncipe alemão, Conrado de Montferrat, que assumiu o encargo de defender a cidade. Seus navios derrotaram uma esquadra egípcia, e no dia 1° de janeiro de 1188 Saladino abandonou o cerco. Em junho do mesmo ano, Saladino libertou o rei Guido, após ele ter dado sua palavra de que deixaria seu reino. Ao receber a garantia da Igreja de que um juramento feito sob coação de um infiel não tinha validade, Guido reuniu uma força composta pelos cavaleiros que também haviam sido resgatados ou libertados e marchou para Tiro. Conrado de Montferrat recusou-se a deixá-lo entrar: a seu ver, a derrota de Guido lhe custara a coroa. Depois de esperar do lado de fora dos muros por alguns meses, Guido percebeu que teria ou de se retirar da Terra Santa ou de fazer alguma coisa arrojada para restabelecer seu controle. Com determinação incomum, em agosto de 1189 o rei Guido marchou para o sul, em direção a Acre, que se havia rendido às forças de Saladino depois de Hattin, e começou a sitiá-la, com Gérard de Ridefort e uma força dos templários do seu lado. Não obstante parte do exército de Saladino ainda estivesse nas proximidades, Guido organizou um reforçado cerco da cidade, o qual resistiu aos assaltos a ela, "o único exemplo nas operações militares sírias do século XII de um importante sítio conduzido com êxito 178 SALADINO na presença de um exército capaz de acossar os sitiantes e ajudar o~ ~,iuados".z°6 A audácia do plano faz com que pareça provável que Gerárd estivesse por trás dele,")' e o fato de o impetuoso grão-mestre ter morrido quando lutava próximo da cidade. em 4 de outubro de 1189, em certa medida contribuiu para salvar sua reputação. 179 Ricardo Coração de Leão As notícias dos desastres que haviam acontecido na Terra Santa foram transmitidas ao papa Urbano III, que então se encontrava em Verona, por cavaleiros das ordens militares-os templários traziam uma carta do irmão Terence, o comandante da Ordem do Templo na Terra Santa que fora um dos poucos a escapar depois de Hattin. Urbano e toda a Cúria Pontifícia ficaram atordoados com as notícias: ninguém na Europa tinha imaginado que um revés como esse fosse possível, e eles imediatamente admitiram que, se Deus havia abandonado seu povo, era por causa de seus pecados. O monge Pedro de Blois, que estava visitando a Cúria nessa ocasião, escreveu ao rei inglês, Henrique II, relatando como "os cardeais, com o consentimento do Senhor Papa, resolutamente prometeram entre si que, tendo renunciado a toda a riqueza e luxo, pregariam a Cruz de Cristo não só por meio de palavras, mas também por meio de atos e de exemplos".2°8 Urbano 111, quebrantado por sua dor, morreu pouco depois. Quando no verão de 1187 Josias, o arcebispo de Tiro, chegou a Palermo procedente dessa cidade, enviado pelos barões do ultramar para solicitar ajuda ao Ocidente, e contou ao rei Guilherme II da Sicília toda a proporção da catástrofe, o rei tirou às pressas seu fino traje de seda, vestiu um hábito de aniagem e partiu para um retiro penitencial por quatro dias. O sucessor do papa Urbano, Alberto de Morra, um italiano de idade avançada que adotou o nome de Gregório VIII, só reinou nos dois últimos meses do ano de 1187, mas durante esse tempo redigiu um eloqüente apelo de um armistício de sete anos entre os reis europeus ern guerra, a hm de deixá-los livres para uma nova cruzada. Essa encíclica, Audita tremendi, era "um documento comovente e uma obra-prima de retórica pontifícia",z°9 e uma reação imediata partiu do rei Guilherme da Sicília, que enviou a frota de cinqüenta galeras que levou ajuda ao principado de Antioquia. Essas reações penitenciais, que eram compatíveis com a teologia das cruzadas de Bernardo de Clairvaux, eram agora complementadas por uma idéia mais cavalheiresca por trás do ato de tomar a Cruz. Foi nessa época que RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO a palavra crucesignata passou a ser de uso comum, não entre clérigos, mas entre cavaleiros leigos e príncipes. Figuras heráldicas desconhecidas ao tempo da Primeira Cruzada foram brasonadas em estandartes e escudos; e havia a sensação de que na mente da nobreza européia a cruzada havia se tornado a maior prova de coragem e virtude - a justa definitiva contra as forças do mal, o derradeiro esforço cavalheiresco. Assim, Pedro de Blois, que havia testemunhado a penitência dos prelados na corte do papa Urbano I, e sinceramente concordou com os sentimentos penitenciais na Audita tremendi, do papa Gregório VIII, também escreveu em sua obra Passio Regánaldi um relato da vida e morte do pirata Reinaldo de Châtillon que o apresenta não só como mártir, mas também como santo. Um dos primeiros príncipes europeus que se mostraram sensíveis ao apelo do papa foi Ricardo, conde de Portou, filho do rei Henrique II da Inglaterra e de Alienor de Aquitânia. O casamento de Alienor com o rei Luís VII da França fora anulado em 1152, três anos após seu retorno da desastrosa Segunda Cruzada. Oito semanas mais tarde, Alienor, então com trinta anos, desposou o conde de Anjou, de dezenove, que em 1154, com a morte de seu avô, subiu ao trono da Inglaterra como Henrique II. Essas rápidas segundas núpcias foram criticadas pelos subseqüentes biógrafos de Alienor: para um, Alfred Ricard, ela simplesmente havia se cansado da "graça quase efeminada" de Luís e "desejava ser dominada, e como o vulgo cruamente dizia, era uma dessas mulheres que gostam de ser espancadas".z'1 Dois cronistas relatam que Alienor já havia sido seduzida, ou possivelmente estuprada, pelo pai de Henrique, o conde Godofredo de Anjou. Contudo, seu casamento com Henrique foi a princípio um sucesso, se avaliado pelo número de seus filhos: tendo tido apenas duas filhas de Luís (o fracasso dela em gerar um herdeiro do sexo masculino levou os conselheiros capetíngios a concordar com a anulação do casamento), entre 1152 e 1167 ela deu à luz cinco filhos e três filhas de Henrique. O terceiro desses filhos foi Ricardo, que, aos onze anos, foi dotado com o ducado de Aquitânia, de sua mãe. Mergulhado desde a juventude em constantes guerras com vassalos revoltosos, Ricardo firmou sua reputação como um guerreiro feroz, um governante impiedoso e, depois de tomar a supostamente inexpugnável fortaleza de Taillebourg aos vinte e um anos, um estrategista e general brilhante. Com o passar do tempo, o casamento de sua mãe com Henrique foi afetado pelas infidelidades dele, em particular com sua amante inglesa, Rosamunda Clifford. Em 1173, Alienor associou-se aos filhos numa revolta contra Henrique II. A rebelião fracassou: os filhos submeteram-se de forma OS TEMPLÁRIOS abjeta a seu pai, ao passo que Alienor, capturada quando viajava a fim de procurar refúgio com o primeiro marido, Luís VII, foi levada de volta para a Inglaterra e aprisionada pelos quinze anos seguintes. A morte em 1183 de Henrique, o irmão maisvelho de Ricardo, transformou-o em herdeiro do trono da Inglaterra, bem como do ducado de Aquitânia e do condado de Anjou. Nessa conjuntura, seu pai, Henrique 11, havia pedido a Ricardo que transferisse o ducado de Aquitânia para João, seu filho caçula. Ricardo havia recusado e apelado para seu suserano nocional, o sucessor de Luís VII, o rei Filipe Augusto da França. Outrora amigos, mais tarde rivais e por fim inimigos implacáveis, as maquinações políticas e militares de ambos os príncipes foram suspensas pelas notícias da derrota do exército latino em Hattin e da rendição de Jerusalém às forças do Islã. Precipitadamente, sem o consentimento de seu pai, Ricardo tomou a Cruz na nova catedral de Tours, no mesmo luga: de onde seu bisavô, Foulques de Anjou, havia partido para se casar com a princesa Melissanda e com ela governar o reino de Jerusalém. Filipe Augusto protestou, pois Ricardo deveria desposar Alice, irmã do primeiro. Mas, após ouvir um eloqüente sermão do arcebispo de Tiro, ele tomou a Cruz. Henrique II, que há muito tinha planejado partir em cruzada e enviado substanciais somas de dinheiro para o reino de Jerusalém, foi forçado pelos dois jovens príncipes a juntar-se a eles. Eles deveriam partir de Vézelay depois da Páscoa de 1190, mas Henrique II morreu em 6 de julho de 1189, antes que pudesse cumprir sua promessa. Agora rei da Inglaterra e também duque da Normandia e de Aquitânia, Ricardo tinha recursos enormes à sua disposição e traçou meticulosos planos para a sua cruzada. Havia grande entusiasmo popular pela cruzada, e cistercienses como Balduíno, arcebispo de Canterbury, incentivaram a guerra santa no estilo de Bernardo de Clairvaux; mas já não encontramos, como na época da Primeira Cruzada, "eremitas taciturnos e misteriosos dando conselhos aos líderes sobre táticas militares": até mesmo os clérigos, "que invocavam a ajuda de Deus (...) confiavam em seus próprios recursos"."' O papa instituiu um imposto de dez por cento sobre toda a renda e bens móveis que veio a ser conhecido como o "dízimo saladino". Conquanto, em última análise, a cruzada ainda dependesse da disposição do indivíduo a arriscar sua vida e seus bens para reconquistar os Lugares Santos, "o estímulo do Espírito Santo agora passava de forma mais óbvia pelos canais oficiais"."' Uma série de príncipes menos importantes seguiu o exemplo do rei Ricardo da Inglaterra e do rei Filipe Augusto da França e, antecipando-se aos dois monarcas, juntou-se ao exército cristão que sitiava Acre. Muitos deles eram descendentes de antigos cruzados ou parentes da nobreza do ultramar: 182 RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO Henrique, conde de Champagne, neto de Alienor de Aquitânia e, portanto, sobrinho dos reis da Inglaterra e da França; Teobaldo, conde de Blois, e Ralph, conde de Clermont; os condes de Bar, Brienne, Fonttgny e Dreux; Iatêvão de Sancerre e Alan de SaintValéry. Também havia alemães, como Luís, margrave da Turíngia; esquadras poderosas de Gênova e Pisa; italianos de Ravena sob seu arcebispo Gérard; outros arcebispos de Messina e Pisa, e Balduíno de Canterbury com 3.000 galeses; bispos de Besançon, Blois e Toul; o arcediago de Colchester, mais tarde morto durante uma sortida contra o acampamento de Saladino; cavaleiros de Flandres, da Hungria e da Dinamarca; e um contingente de Londres que, como seu predecessor durante a Segunda Cruzada, se deteve en route para ajudar o rei português Sancho a conquistar aos mouros a fortaleza de Silves. Na Alemanha, em abril de 1189, o próprio imperador do Sacro Império Romano tomou a Cruz. Tratava-se de Frederico I de Hohenstaufen, conhecido como Barba-Roxa, que fora eleito rei alemão em 1152 e coroado imperador pelo papa Adriano IV em 1155. Seu pai fora duque da Suábia e sua mãe, filha do duque da Baviera, e na juventude ele acompanhara seu tio Comado na desastrosa Segunda Cruzada. Seu reinado tinha sido marcado por uma luta interminável por primazia entre o imperador, o papa, o rei da Sicília, o imperador bizantino e - um novo fator na equação - as poderosas cidades lombardas lideradas por Milão. Agora com cerca de sessenta e seis anos, Frederico era uma figura heróica dotada de grande charme. A difícil situação da Terra Santa não apenas inspirou uma decisão pessoal de mais uma vez pegar sua espada para combater os infiéis, como também exigiu dele, como o líder leigo da cristandade, uma reação vigorosa. Até então, os alemães tinham desempenhado um papel secundário nas cruzadas e poucos deles haviam se estabelecido no ultramar. Todavia, Conrado de Montferrat era parente de Barba-Roxa, e sua corajosa defesa de Tiro havia impressionado o imperador. Frederico enviou então um emissário a Saladino reclamando a volta da Palestina ao domínio cristão. A resposta de Saladino não foi além de oferecer a libertação de todos os prisioneiros cristãos e de devolver as abadias cristãs a seus monges. Para Barba-Roxa, isso não bastava. Em maio de 1189, ele partiu de Ratisbona com a "maior tropa única que algum dia sairia em cruzada".' 14 Frederico tomara de antemão, junto aos soberanos sobre cujo território essa tropa marcharia, as providências para a sua passagem. Ela passou sem incidentes pela Hungria, porém teve dificuldades ao penetrar no Império Bizantino. As relações entre os cristãos gregos e seus correligionários latinos tinham se deteriorado pelos acontecimentos dos quais Constantinopla fora palco cinco anos antes, quando O ódio do povo à imperatriz latina, Maria de 183 OS TEMPLÁRIOS Antioquia, regente de seu filho, o jovem imperador Aleixo, havia levado a um pogrom de seus moradores latinos pela população grega. Nada menos de oite:ita mil latinos viviam na cidade:"' homens, mulheres e crianças, velhos e jovens, sãos e doentes, foram todos atacados e muitos massacrados, suas casas e igrejas, queimadas. O ódio dos gregos aos latinos era tão intenso que, quando Saladino capturou Jerusalém, o imperador bizantino, Isaac Ângelo, enviou-lhe uma mensagem de congratulação. Todavia, o exército de Frederico Barba-Roxa era forte demais para se opor a ele, e na primavera Barba-Roxa conduziu-o sem ser molestado para o outro lado do Bósforo e entrou no território controlado pelos turcos seldjúcidas. A exemplo do que ocorrera com os exércitos do imperador Conrado e do rei francês Luís VII quarenta anos antes, a não-colaboração dos gregos, o rigor do clima e a aridez do terreno através do qual eles avançavam resultaram em grandes perdas por sede e fome nas forças de Frederico. No dia 18 de maio de 1190, os cruzados alemães depararam com o exército do genro de Saladino, Malik Shah. Travou-se batalha, mas os turcos foram decisivamente vencidos e varridos do caminho dos cruzados. Continuando sem empecilhos, eles então desceram pelos montes Tauro à planície de Selência. Enquanto cruzava o rio Selef, o imperador Frederico caiu na água e, puxado para o fundo pelo peso de sua armadura, morreu afogado. Sem a sua personalidade dominadora, o exército que ele havia reunido se desagregou. Seu filho, o duque Frederico da Suábia, prosseguiu para Antioquia com o corpo do pai, mas muitos outros rumaram para os portos da Cilícia e da Síria e voltaram para casa. O cadáver em decomposição de Barba-Roxa foi enterrado na Catedral de São Pedro, em Antioquia, mas alguns de seus ossos acompanharam os cruzados alemães num sarcófago, na expectativa de que talvez se alcançasse a Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, sendo afinal enterrados na catedral de Tiro. Na Palestina, ao que restara do exército de Barba-Roxa vieram juntar-se contingentes que tinham chegado por mar sob o comando de Luís da Turíngia e de Leopoldo da Áustria. Para cuidar de seus doentes e feridos, um grupo de cruzados de Lübeck e Bremen fundou o hospital sob o patronato de Santa Maria dos Alemães, em Jerusalém, o qual, a exemplo do Hospital de São João, formou uma ordem de cavaleiros que adotou a regra dos templários, bem como o mesmo hábito branco destes, marcando-o porém com uma cruz preta em vez de vermelha. Essa fundação foi aprovada em 1196 pelo papa Celestino 111 como a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos. Quando os cruzados ocidentais convergiram para a Terra Santa em 1190, Guido de Lusignan foi destituído como rei titular de Jerusalém por Comado 184 RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO de Montferrat. Apesar de seu audacioso cerco de Acre, que se tornara o ponto focal da nova cruzada, os barões mais importantes do ultramar nunca o tinham perdoado por ser o consorte da rainha Sibila, por encabeçar o grupo de parvenus e por conduzi-los à derrota em Hattin. Seus dois paladinos principais, Reinaldo de Châtillon e Gérard de Ridefort, estavam ambos mortos; e em 1190 sua posição enfraqueceu-se ainda mais pela morte, por doença, de sua esposa e de suas duas jovens filhas. Uma vez que o direito de Guido à coroa provinha de Sibila, ele então passou para sua sobrinha Isabel, filha do rei Amauri I. Como vimos, Isabel casou-se com o atraente Humphrey de Toron durante o cerco da fortaleza de Kerak por Saladino, mas Humphrey também havia se tornado malquisto pelos barões ao submeter-se a Sibila e Guido. Para eles, a solução seria anular o casamento dela com Humphrey, pretextando que ela se casara antes de atingir a idade-limite para o consentimento, e promover o casamento dela com Comado de Montferrat. A princesa estava completamente feliz com o seu fraco marido, porém a mãe dela, a rainha-mãe Maria Comneno, sobrinha-neta de um imperador bizantino, percebeu os imperativos políticos por trás da exigência dos barões e persuadiu a filha a levar a cabo o plano deles. O casamento foi anulado pelo legado pontifício em Acre, o arcebispo de Pisa, e Isabel foi casada com Conrado pelo bispo de Beauvais. A esse destronamento do rei Guido opuseram-se energicamente não só a família Lusignan, mas também o suserano das Lusignans em Poitou, o conde Ricardo, agora rei da Inglaterra. Balduíno, o arcebispo de Canterbury, que estava no acampamento diante de Acre, denunciou o acordo, mas morreu em 19 de novembro de 1190, alguns dias antes do casamento. Quando Ricardo afinal chegou a Acre, no dia 20 de abril de 1191, o fato estava consumado. O rei Filipe Augusto da França tinha chegado sete semanas antes. As rotas seguidas pelos dois reis tinham começado em Vézelay em julho de 1190: Filipe e seu exército haviam então zarpado de Gênova, enquanto Ricardo se encontrara com sua esquadra em Marselha. Ambos demoraram-se na Itália e então navegaram para Messina, a fim de hospedar-se na corte do rei Tancredo da Sicília - uma contenda entre Ricardo e Tancredo fez com que os dois reis-hóspedes tomassem a cidade de Messina, após o que eles se desavieram na divisão da presa. Filipe também ficou enfurecido porque Ricardo agora recusava-se a desposar Alice, a irmã de Filipe com quem ele tratara casamento muitos anos antes, alegando que ela fora seduzida pelo pai dele, o rei Henrique II, de quem tivera um filho. 185 OS TEMPLÁRIOS Na primavera, Filipe Augusto partiu de Messina e, após uma viagem ma, chegou a Tiro. A viagem de Ricardo foi menos tranqüila: sua esquad foi forçada a entrar no porto de Creta, e então o vento a impeliu para o nort em direção a Rodes. Enquanto um de seus navios naufragou na costa de Chi pre, outro, no qual viajava sua prometida, Berengária de Navarra, que fo trazida à Sicília pela mãe de Ricardo, Alienor de Aquitânia, e era agora aco panhada pela irmã dele, Joana, a rainha-mãe da Sicília, foi forçado a entrar porto de Limassol. O governante de Chipre, Isaac Ducás Comneno, um príncipe bizanti renegado que nomeara a si mesmo, tinha feito aliança com Saladino e, por' tanto, aprisionou os cruzados náufragos. Agindo com prudência, Joana e rengária recusaram sua proposta para desembarcarem. Quando Ricardo alcançou uma semana mais tarde, exigiu a libertação dos prisioneiros e, diarli. te da recusa de Isaac, preparou-se para a guerra. Com o reforço de uma es. quadra de Acre que transportava Guido de Lusignan, o príncipe Leão d~' Armênia Cilícia, Boemundo de Antioquia, Humphrey de Toron e os templád>, rios do ultramar mais antigos (os templários, a despeito da morte de Gérartlk de Ridefort, ainda apoiavam o rei Guido), Ricardo empreendeu uma con:' quistorelâmpago da ilha. Malquisto por seus súditos gregos, Isaac Duc não conseguiu ensaiar senão uma fraca resistência e logo se rendeu ao rei in<' glês, com a condição de que não fosse posto a ferros; Ricardo concordou e,. em vez disso, prendeu-o com grilhões de prata. Enormemente enriquecido por essa conquista, Ricardo deixou ume. guarnição latina nas fortalezas da ilha e dois magistrados ingleses incumbi-, , dos de sua administração e zarpou para a Palestina. Ele desembarcou perto de Tiro, mas por ordem do rei Filipe Augusto e de Conrado de Montferrat; não lhe permitiram entrar na cidade. Por isso, navegou para o sul, rumo a~ Acre, aonde chegou em 8 de junho, elevando o moral dos cruzados. Filipe ,, Augusto, apesar de inteligente e fascinado por engenhos de cerco, tambérn;t era sarcástico e hipocondríaco, qualidades impróprias para estimular combatentes. Além disso, era mais pobre do que Ricardo, o qual, mesmo antes da? pilhagem de Chipre, havia esvaziado as tesourarias da Inglaterra e de seus, domínios franceses para financiar sua cruzada. Com esses amplos recursos e 5 sua reputação como guerreiro, concordou-se que Ricardo deveria assumir o ' comando da cruzada. Os templários acolheram como irmão o amigo e vassalo dele, Roberto de Sablé, e o elegeram seu grão-mestre. Uma das primeiras ações do novo grão-mestre foi adquirir Chipre de Ricardo por 100.000 besants. Ricardo recebera a notícia de que seus magistrados na ilha tinham sido incapazes de controlar a população grega; ele queria livrar-se do problema e deve ter sido informado de que os templários, em 186 RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO virtude de todas as depredações recentes, tinham om considerável tesouro à sua disposição. Feito o acordo, Roberto de Sablé enviou vinte cavaleiros com o apoio de escudeiros e sargentos para assumirem o controle da ilha. A principal força de templários permaneceu cdm o exército cruzado que sitiava Acre. No dia 12 de julho de 1191, a guarniçíio muçulmana rendeu-se: Saladino fora incapaz de levantar o cerco. O preço a ser pago pela vida de seus habitantes eram 200.000 besants, a libertação cie 1.500 prisioneiros cristãos e a devolução da relíquia da Verdadeira Cruz Comado de Montferrat conduziu os vitoriosos cruzados para dentro da cidade. O rei Ricardo dirigiu-se para o palácio real, e o rei Filipe, para a fortaleza que antes estivera em poder dos templários. O duque da Áustria colocou seu estandarte nas muralhas, próximo aos dos reis da Inglaterra e da França, reivindicando assim o direito de partilha do espólio; os ingleses, por ordem! de Ricardo, rasgaram-no e lançaram-no por sobre as muralhas dentro do fosso. Chegou-se a uma solução conciliatória entre o rei Guido e Comado de Montferrat: aquele reinaria até a morte, e este seria seu sucessor; nesse meio tempo, as receitas reais seriam partilhadas. Com Acre agora nas mãos dos cristãos, vários cruzados decidiram que suas promessas tinham sido cumpridas e voltararfl Para casa. Leopoldo da Áustria foi embora apenas dias depois de sua humilhação pelo rei Ricardo. O rei Filipe Augusto retirou-se para Tiro com Comado de Montferrat, e então tomou um navio para Brindisi; ele tinha sido acometido por constantes enfermidades e não gostava do rei inglês. Embora deitasse a maior parte de seu exército sob o comando do duque da Borgonha, os barões do ultramar que apoiaram Comado estavam tristes em vê-lo partir. Ricardo Coração de Leão ficou como o incontc-ste comandante do exército cruzado. Ele tornou-se impaciente quando houve um obstáculo à troca de prisioneiros e ao pagamento da indenização. De acordo com uma fonte, Saladino pediu aos templários que garantissem os (ermos de um acordo provisório com Ricardo porque, por mais que os odiasse, sabia que manteriam sua palavra.' lb Os templários confiavam menos em Ricardo e recusaram-se a dar a Saladino a garantia que ele solicitara. Ricardo ficou exasperado com a procrastinação de Saladino e supervisionou pessdalmente a execução dos prisioneiros muçulmanos: 2.700, entre eles mulheres e crianças, foram chacinados por seus soldados ingleses. Para os muçulmanos, isso foi uma clara violação do acordo de Ricardo com Saladino; para os cronistas francos, tratou-se de uma ação necessária e até digna de louvor dentro das convenções de gueria aceitas. Saladino, afinal de contas, havia massacrado os cavaleiros das ordens militares após sua vitória em Hattin. Ricardo teria com certeza se assegurado da aquiescência dos 187 OS TEMPLÁRIOS demais príncipes cristãos antes de empreender essa drástica ação: preservar os prisioneiros teria retido grande parte da força latina-algo que sem dúvi- da entrou nos cálculos de Saladino da cruzada. -, evitando assim o avanço mais rápido Tendo dado cabo dos prisioneiros e reforçado as fortificações, o exército cruzado deixou Acre e marchou para o sul pela estrada litorânea, em direção a Haifa e Cesaréia. Constantemente fustigada pelas forças de Saladino, a cavalaria cavalgou em formação cerrada, com os templários na vanguarda e os hospitalários na retaguarda. No lado oposto ao mar, eram protegidos pela infantaria cristã, em particular pelos arqueiros ingleses de Ricardo, e por seu turno protegiam a tropa de animais de carga com a bagagem, a qual era suprida pela esquadra cristã que acompanhava a marcha do exército. Quando este saiu da floresta de Arsuf, ao sul de Cesaréia, Saladino organizou um ataque total, que foi rechaçado. Apesar de pequenas perdas de ambos os lados, o resultado foi a derrota de Saladino, a primeira num combate direto desde Hattin. Todavia, o exército de Saladino - embora enfraquecido e prejudicado por defecções - não foi destruído. Ricardo avançou com suas forças para Jafa, onde reconstruiu as fortificações. Estava claro que nenhum dos dois exércitos era forte o bastante para destruir o outro, e assim o conflito só poderia ser resolvido por meio de negociações. Foram realizadas freqüentes parlamentações com o irmão de Saladino, al-Adil. A despeito do massacre da guarnição de Acre, Saladino conservava um profundo respeito pelo rei inglês. A cortesia inicial resultou em confraternização: Ricardo propôs a al-Adil que desposasse sua irmã Joana e que juntos eles governassem a Palestina, com a Cidade Santa partilhada por suas duas religiões, sugestão que ultrajou Joana e não foi levada a sério por Saladino. Depois de passar o Natal no mosteiro de Latrun, nas colinas da Judéia, Ricardo conduziu seu exército a menos de vinte quilômetros de Jerusalém. Os cruzados que tinham vindo da Europa queriam sitiar a Cidade Santa, mas os barões do ultramar e os grãomestres das ordens militares recomendaram prudência: mesmo que Jerusalém fosse tomada, como poderia ser mantida depois que Ricardo e os cruzados partissem? Sem defesas avançadas entre a Palestina e o Sinai, ela continuaria permanentemente vulnerável a ataques do Egito. Portanto, Ricardo voltou para o litoral e passou os quatro primeiros meses de 1192 fortificando Ascalão antes de dirigir-se para Gaza. Para o monarca inglês, o tempo estava se esgotando: ele recebera da Inglaterra notícias inquietantes sobre as atividades de Filipe Augusto e de seu irmão João. Ne- RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO gociações amistosas com Saladino deram-lhe a impressão de que era possível chegar a um acordo. Ele também estava determinado a deixar o reino de Jerusalém com uma clara cadeia de comando. Conquanto seu candidato à coroa preferido fosse Guido de Lusignan, ele aceitou a decisão unânime dos barões locais de que deveria ser Comado de Montferrat, mas exatamente quando os preparativos para sua coroação estavam sendo feitos, Comado foi assassinado nas ruas de Acre. Os matadores eram assassinos, enviados por Sinan, o Velho da Montanha. Não se sabe quais eram seus objetivos. Comado tinha provocado a hostilidade dos assassinos ao atacar um navio de carga que lhes pertencia e se recusara a indenizá-los; contudo, as suspeitas também recaíram sobre o rei Ricardo. O bispo de Beauvais, amigo íntimo de Comado, a quem ele visitara pouco antes~` de sua morte, estava convencido de que os matadores tinham sido contratados pelo rei inglês. Outros argumentaram que não era seu estilo liquidar um inimigo de maneira tão desleal; mas ele certamente lucrou com o resultado: dentro de dois dias do assassinato de Conrado, sua viúva, a rainha Isabel, de vinte e um anos, foi prometida ao sobrinho de Ricardo, o conde Henrique de Champagne. Para a solução definitiva dos assuntos do ultramar, só faltava resolver a situação de Guido de Lusignan. Com a concordância de Roberto de Sablé, decidiu-se que, para compensar a perda do reino de Jerusalém, ele deveria ter Chipre. Os templários não tinham tido mais êxito do que os magistrados de Ricardo no controle da ilha. Tinha-se constatado que os cavaleiros eram gananciosos e impopulares, e em 4 de abril de 1192 a guarnição latina em Nicósia fora sitiada pelos gregos. Uma sortida havia dado conta dos insurretos, mas o incidente tinha deixado claro que uma pequena guarnição não poderia controlar a população: "o que era necessário, caso se quisesse manter Chipre permanentemente, era um grande número de homens com fortes interesses pessoais em preservar o novo regime"."' A ilha foi portanto devolvida ao rei Ricardo, que prontamente a revendeu a Guido de Lusignan por 60.000 besants, o saldo devido pelos templários. Ansioso para regressar à Europa, Ricardo pressionou ainda mais Saladino para chegara um acordo. Seu exército tomou o castelo de Daron, ao sul de Asca1ão; mas em seguida, enquanto Ricardo estava em Acre, o próprio Saladino atacou Jafa e após três dias conquistou a cidade. A guarnição retirou-se para a cidadela e estava a ponto de render-se, quando cinqüenta galeras pisanas e genovesas chegaram à cidade com o rei Ricardo a bordo. Ricardo pulou na água, seguido por apenas oitenta cavaleiros, quatrocentos arqueiros e cerca de dois mil marinheiros italianos, avançou lutando pelas ruas da cidade e pôs em fuga as forças de Saladino. Antes que essa pequena força pudesse OS TEMPLÁRIOS ser socorrida pelo exército principal de Ricardo, que marchava ao longo da costa, Saladino contraatacou. Com brilhante improvisação, Ricardo orientou seus homens para que resistissem a uma onda após a outra do assalto muçulmano. "Saladino estava absorto em indignada admiração diante da cena."z'8Quando o cavalo de Ricardo foi morto sob a montada dele, esse modelo de cavalheirismo islâmico enviou dois vigorosos corcéis de presente para o rei inglês: Por sua própria bravura e táticas inspiradas, Ricardo levou a palma, mas agora estava claro para ambos os líderes que eles estavam empatados: nenhum conseguia destruir o outro, e ambos tinham urgentes motivos para acabar com o conflito. Era imperativo que Ricardo voltasse para casa, a fim de assegurar seus domínios na Europa, ao passo que Saladino enfrentava a perene dificuldade de manter um grande exército em campanha. Embora ele tivesse firmado certa supremacia moral em seu papel de paladino do Islã, suas tropas eram com freqüência motivadas pela expectativa de pilhagem neste mundo, em vez de recompensa no outro. Apenas isso compensava os perigos e as privações da campanha; e quando isso não estava prestes a acontecer, eles julgavam difícil resistir à atração do lar. O obstáculo a um acordo nas negociações anteriores fora sempre Ascalão, mas agora Ricardo recuava. Ele concordou que Ascalão fosse demolida; em troca, Saladino garantiu o domínio cristão das cidades costeiras de Antioquia a Jafa. Muçulmanos e cristãos deveriam ser livres para cruzar o território uns dos outros. Peregrinos cristãos deveriam ter liberdade para visitar Jerusalém e os outros lugares sagrados para a religião cristã. Balião de Ibelin, Henrique de Champagne e os mestres do Templo e do Hospital, em nome de Ricardo, juraram manter a paz pelos cinco anos seguintes. Muitos dos seguidores de Ricardo foram então à Terra Santa como peregrinos desarmados. Ricardo não. Ele regressou a Acre, resolveu seus negócios e assistiu à partida de sua esposa e de sua irmã para a França a bordo de um navio. Ele próprio partiu no dia 9 de outubro, depois de uma permanência de dezesseis meses na Terra Santa. O vento desviou seu barco da rota, e este foi forçado a entrar no porto da ilha bizantina de Corfu. Receando que o imperador bizantino o tomasse como refém, Ricardo viajou com alguns piratas rumo a Veneza - ele estava disfarçado de templário ,e viajava com uma escolta que incluía quatro cavaleiros do Templo. Sua escolha da rota lhe foi imposta por importantes acontecimentos políticos em sua ausência, em particular uma guerra entre seu sogro, o rei Sancho de Navarra, e Raimundo, conde de Toulouse. Isso tornava impossível desembarcarem qualquer dos portos do Sul da França. Com a aproximação do inverno, a longa viagem através do estreito de Gibraltar e em redor da pe- RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO nínsula Ibérica era arriscada demais; viajar através da Itália e subir o vale do Reno deixá-lo-ia vulnerável à captura por seu inimigo, o imperador Henrique VI de Hohenstaufen. Dirigindo-se para Veneza, o barco pirata encalhou perto de Aquiléia, no extremo norte do mar Adriático. Daí, Ricardo e seus companheiros tomaram o rumo do norte através dos Alpes, disfarçados de peregrinos, mas numa estalagem em Viena Ricardo foi reconhecido, supostamente por causa do anel de valor exorbitante que ainda trazia no dedo, e foi entregue a seu arquünimigo desde o cerco de Acre, Leopoldo, duque da Áustria. O homem que comprara e vendera a ilha de Chipre tornava-se agora ele próprio uma mercadoria. Primeiro Leopoldo o aprisionou em seu castelo de Dürrenstein, depois o transferiu para seu suserano, o imperador Henrique VI, cujos termos pára a libertação de Ricardo foram que este deveria jurar-lhe obediência como vassalo e pagar um resgate de 150.000 marcos. Enquanto Ricardo estava no cativeiro, seu adversário que o admirava, Saladino, morreu. Seu amigo e ex-vassalo, o grão-mestre do Templo, Roberto de Sablé, também morreu. O rei Filipe Augusto e João, irmão de Ricardo, tentaram persuadir o imperador a reter Ricardo, mas este - cortês, jovial, quase imperturbável na sua posição humilhante - obteve.apoio entre os príncipes da corte do imperador alemão. Em fevereiro.de 1194, foi libertado: ele havia feito os votos exigidos e, como a prosperidade da Inglaterra nessa época fosse enorme, a maior parte do seu resgate fora paga. Ao ouvir a notícia, o rei Filipe Augusto escreveu a João: "Cuidado, o diabo está em liberdade". Depois de permanecer apenas um mês na Inglaterra, Ricardo regressou à Normandia e passou os cinco anos seguintes em guerra intermitente com vassalos rebeldes e com o rei Filipe Augusto da França. Em 1199, durante o cerco do castelo de Châlus, pertencente a um de seus vassalos, o visconde de Limoges, ele foi atingido no ombro pela flecha de uma besta e letalmente ferido. Sua mãe, Alienor, foi chamada para ficar a seu lado, e, após confessar seus pecados e receber os últimos sacramentos da Igreja, Ricardo morreu no dia 6 de abril, aos quarenta e dois anos de idade. Nos séculos que se seguiram, Ricardo Coração de Leão foi lembrado como um modelo de cavalheirismo, tornando-se o tema de várias lendas exóticas e improváveis. Cada uma delas reflete os preconceitos de seu tempo. "Se o heroísmo estiver restrito a bravura brutal e feroz", escreveu Gibbon, "Ricardo Plantageneta continuará a ter posição de destaque entre os heróis de sua época." O mito mais recente, de que Ricardo era homossexual, foi aceito por muitos historiadores, muito embora não passa ser investigado além de 1948, OS TEMPLÁRIOS mis agora se crê que seja falso. Cronistas de seu tempo antes o criticaram devido ao seu insaciável apetite por mulheres, de modo "que mesmo em seu leto de morte ele mandou que lhas trouxessem, em desobediência às recomndações de seu médico"."' Uma crítica mais persistente de Ricardo foi a de que suas aventuras no esrangeiro tiveram um efeito adverso no governo da Inglaterra. "Não restan dúvidas de que ele pensava que fosse uma coisa boa e sublime lutar por Jeusalém", escreveu H. E. Marshall em Our Island History (A História da Nssa Ilha), seu compêndio para estudantes ingleses, "mas quão melhor teia sido se ele tivesse tentado governar seu próprio país de forma pacífica e trzer felicidade para seu povo.""' Mais uma vez, avaliações mais recentes aGolvem Ricardo: suas responsabilidades iam muito além da Inglaterra, o muros problemático dos seus domínios. Não obstante seu entusiasmo pelo ccnbate, o qual partilhava com outros cavaleiros de sua época, ele "não era un rei cruamente belicoso, um rei inclinado à guerra pela guerra e à 9gressã, mas um governante preocupado em empregar com inteligênciâ seus taentos militares nos vastíssimos interesses da casa de Anjou, da qual era o caleça".221 Embora, em retrospecto, sua luta para preservar suas possessões destro do reino da França das usurpações dos capetíngios talvez pareça ter si(o causa perdida, não parecia na época. A crítica mais notável feita a Ricardo por seus contemporâneos fdi a de qL°. ele imprudentemente pôs em perigo sua própria pessoa ao atirar-se à lua. Mesmo seus inimigos, os sarracenos, julgavam insensato que um comndante tão inspirado arriscasse sua vida em combate; pois, ao lado cia sua ouadia e impetuosidade, havia um gênio para o planejamento e a logística. Fc essa ousadia que fez com que sua vida tivesse um fim prematuro. Mas isD não diminui suas façanhas como um todo. A conclusão do historiador coitemporâneo John Gillingham, de que "como político, administrâdor e seihor da guerra - em suma, como rei -,ele foi um dos mais importantes gaemantes da história européia", ecoa o veredicto do cronista muçulmano Ibi Athir de que "a bravura, a perspicácia, a energia e a paciência de Ricardo furam dele o mais extraordinário governante de seu tempo 11.222 Os Inimigos no Lado de Dentro Uma das histórias que mais tarde se contaram a respeito de Ricardo Coração de Leão foi;a de que, enquanto agonizava, ele jocosamente abandonou seus principais vícios, deixando sua avareza para os cistercienses, seu amor pelo luxo para os frades mendicantes e seu orgulho para os cavaleiros do Tear p1o.223 O pecado do orgulho foi também imputado aos templários pelo contemporâneo de Ricardo, o papa Inocêncio III, um dos homens mais notáveis que usaram a tiara pontifícia nos dois mil anos de história da Igreja Católica. Eleito em 1198, com apenas trinta e sete anos de idade, Inocêncio era filho do conde de Segni e, portanto, membro da família patrícia romana Scotti, que forneceu vários papas nos séculos XI e XII: o tio de Inocêncio, o papa Clemente III, fizera-o cardeal em 1190, e tanto um sobrinho quanto um sobrinho-neto seus se tornariam papas. Contudo, se o nepotismo tinha sido um elemento que fizera parte de sua ascensão, isso não significava que Inocêncio não fosse o melhor homem para o cargo. Ele era excepcionalmente inteligente, muito íntegro, espirituoso, magnânimo, "agudamente alerta ao absurdo nos acontecimentos e nas pessoas à sua volta",22`' todavia absolutamente convencido de que, como sumo pontífice e "Vigário de Cristo" - expressão que foi o primeiro a usar -,tinha autoridade sobre o mundo inteiro, "abaixo de Deus mas acima dos homens: alguém que a todos julga, mas que não é julgado por ninguém". Por formação, Inocêncio era canonista, o primeiro de vários papas-advogados, mas sua maneira de tratar os assuntos nunca foi tacanha ou pedante. Com extraordinária energia, ele promoveu a reforma pastoral da Igreja Católica e a elucidação de sua doutrina, que foi codificada nos decretos do Quarto Concílio de Latrão, realizado em 1215. Ele insistia na ortodoxia: era uma época na qual, sob a uniformidade superficial da fé católica, havia muitas correntes ocultas de entusiasmo religioso e variantes do credo. A opulência e o mundanismo de muitos membros do clero produziram desafios para a Igreja. Inocêncio era suficientemente compreensivo para reconhecer o valor OS TEMPLÁRIOS de um inovador idealista como Francisco de Assis, mas condenou e empenhou-se em erradicar a doutrina herética dos cátaros no Languedoc. Como todos os papas desde Urbano II, Inocêncio III era um entusiástico partidário da guerra contra o Islã. Em 1198, logo após sua ascensão, ele insist.u numa nova cruzada, e em 1199 escreveu aos bispos e aos barões do ultranar queixando-se de que os acordos com os sarracenos solapavam suas ten:ativas de persuadir os cristãos da Europa a tomar a Cruz. A hm de financiara cruzada, criou um imposto de dois e meio por cento sobre a renda da Igreja. Concedeu indulgência total, o perdão de todos os pecados confessados não apenas para aqueles que foram para a Palestina, como também para aqueles que enviaram substitutos em seu lugar. A promoção de uma guerra santa na Terra Santa acabou então aceita "como um ideal na vida cotidiana dos europeus ocidentais";"' mas "a presença da cruzada na Europa num estádio tardio da Idade Média talvez fosse mais do que os exércitos de coletores, banqueiros e burocratas que se ocupavam em juntar e distribuir dinheiro, sem o que nada poderia ser feito".zzb A exemplo de Ricardo Coração de Leão, Inocêncio III tinha uma atitude 2mbivalente para com a Ordem do Templo e estava ciente de seus defeitos. Os papas, como soberanos totais das ordens militares, eram constantemente assaltados por queixas contra os cavaleiros, quer por líderes seculares, como o rei Amauri de Jerusalém no caso da morte dos emissários assassinos pelos templários, quer, com mais freqüência, pelo clero, que sentia que seus direitos tinham sido transgredidos. Uma vez que a maioria dos cronistas da época eram clérigos, como Guilherme de Tiro, eles provavelmente dão uma impressão exagerada do opróbrio que o público em geral sen:ia pelo Templo. Algumas das acusações são absolutante triviais - por exemplo, a de que o scar dos sinos no complexo dos hospitalários em Jerusalém incomodava o patriarca e deixava confusos os cônegos da Igreja do Santo Sepulcro. Outras originam-se diretamente dos privilégios que os papas tinham concedido às ordens militares, em particular a isenção do pagamento de dízimos. No Terceiro Concílio de Latrão, em 1179, foram aprovados vários decretos restringindo os privilégios das ordens militares, decretos esses que foram mais tarde anulados pelo papa. Em 1196 o papa Celestino III repreendeu os templários por violarem um acordo que tinham feito com os cônegos do Santo Sepulcro sobre a divisão de dízimos; e em 1207 o papa Inocêncio III os censurou por desobedecerem a seus legados, tirando proveito do privilégio de celebrar a missa em igrejas postas sob interdito e admitindo qualquer um "que esteja disposto a pagar dois ou três pence para ingressar numa confraria dos templários (...) mesmo que ele tenha sido excomungado", o que impli- OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO cava que adúlteros e usurários poderiam assegurar-se de um enterro cristão. Segundo suas palavras, eles estavam "exalando sua cobiça por dinheiro".22' Poucos questionavam a própria existência das ordens militares. O abade cisterciense de I'Etoile, perto de Poitiers, um inglês chamado Isaac, em meados do século XII pregou contra a "nova monstruosidade" da novamilitia, expressão que ecoava o pequeno tratado de Bernardo de Clairvaux a favor dos templários, De laude novae militiae: ele denunciou aqueles que usaram a força para converter muçulmanos e considerou como mártires aqueles que morreram enquanto pilhavam não-cristãos. Mais tarde, ainda no século XII, dois outros ingleses, os cronistas Walter Map e Ralph Niger, também questionaram o uso da força para difundir a religião cristã. Walter Map, um inimigo dos cistercienses, criticou os templários por sua avareza e. extravagância, contrastando esses vícios com a pobreza e a caridade de seu fundador, Hugo de Payns. O ressentimento contra os templários foi exacerbado por sua cultura do segredo. Na Terra Santa havia boas razões militares para que suas deliberações não fossem reveladas, mas na Europa o motivo era antes o de que eles não queriam que seus defeitos se tornassem conhecidos. Era no capítulo que as transgressões dos irmãos eram confessadas e as penitências impostas; como a maioria das instituições, os templários preferiam ocultar suas imperfeições, e por volta de meados do século XIII "todas as três ordens [militares] continham regulamentos que proibiam os irmãos de tornar públicas as atas do capítulo da ordem ou de consentir que estranhos vissem cópias da regra"."' Um grande segredo também cercava a cerimônia de admissão na Ordem. Uma causa de inveja era a manifesta riqueza da Ordem do Templo, a qual, em virtude das más notícias que vinham da Terra Santa, fazia muitos se perguntarem se eles estavam prestando os serviços que deles se esperavam. Ao contrário das ordens monásticas, eles davam apenas uma pequena contribuição ao Estado social medieval: um dos primeiros críticos da Ordem, João de Würzburgo, admitiu que eles distribuíam esmolas aos pobres, mas não com a mesma generosidade dos cavaleiros do Hospital. Como no caso dos beneditinos e dos cistercienses, dotações prévias e uma bemsucedida administração de propriedades tinham transformado o Templo e o Hospital em duas das mais ricas corporações nos reinos da Europa Ocidental. Entre os descendentes espirituais de Bento de Núrsia e Bernardo de Clairvaux, essa riqueza havia resultado em consideráveis compromissos com os ideais originais deles, com o carisma da pobreza apostólica passando para as ordens de frades como os franciscanos, até que eles, por sua vez, foram corrompidos pelo seu êxito. OS TEMPLÁRIOS Apesar dessa tendência entre os religiosos, os templários viviam num estado de severa parcimônia. Fora das capitais ou dos territórios onde estavam em guerra, eles não gastavam grandes somas de dinheiro em castelos enormes e igrejas magníficas: as comunidades existentes, como a de Richerenches, pareciam bastante modestas, sobretudo quando comparadas com o esplendor das instituições monásticas. Os edifícios de suas comunidades e preceptorias eram totalmente práticos: celeiros para armazenar os cereais, estábulos para os cavalos, dormitórios para abrigar uma meia dúzia de irmãos que formavam o seu quadro de pessoal, e modestas fortificações para manter os ladrões a distância. Suas igrejas também eram modestas e construídas como símbolos de sua missão: a característica das igrejas dos templários e dos hospitalários que chamava a atenção era a rotunda, copiada da Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém. Ambas as ordens "competiam para serem associadas aos olhos do público com a defesa do lugar da Ressurreição". 229 A percepção pública das ordens militares era a de que elas eram ricas, "mas as próprias ordens esforçavam-se por mostrar aos novos recrutas que a vida nelas não era tão confortável quanto a sua imagem talvez tivesse levado a acreditar". As acusações diretas de luxure "estavam reservadas para os clumacenses e os bispos".z3° Na Europa, a acusação contra os templários mais digna de nota era a de que, embora todos reivindicassem as insenções que tinham sido concedidas à Ordem, apenas uma pequena parte realmente pegou em armas contra o infiel. A grande maioria eram administradores dos mais de 9.000 domínios que com o passar dos anos haviam sido doados à Ordem por benfeitores pios, ou os trabalhadores que neles trabalhavam, os "homens" dos templários. As isenções da justiça e das obrigações feudais de que gozavam mesmo esses membros subalternos da Ordem inevitavelmente causavam ressentimentos nos senhores feudais. De modo geral, uma vez que eram as cortes reais que conservavam o status privilegiado deles, as relações com os funcionários reais eram amistosas; mas havia situações, por exemplo no Bulmer Hundred, no condado de York, em que os templários abusavam de seus privilégios, admitindo delinqüentes e ladrões na Ordem e impedindo que magistrados reais efetuassem prisões. Como os cistercienses, os próprios templários administravam suas propriedades. Na Inglaterra, eles possuíam propriedades até em Penzance, no oeste, ou em lugares tão remotos quanto a ilha de Lundy. Nos condados de Li ncoln e de York, eles contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento da agricultura e aliciavam recrutas das famílias que tinham doado as terras. As críticas à Ordem eram sempre contrabalançadas pelo elogio, em particular dos barões que retornavam das cruzadas. Um grande nobre do Norte da Inglaterra, Rogério de Mowbray, conde da Nortúmbria, depois de OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO ser capturado por Saladino em Hattin, teve o seu resgate pago pelo Templo e, ao regressar, expressou sua gratidão mediante várias doações. A reputação de probidade dos templários significava que se confiava neles tanto para manter o dinheiro de outrem quanto para transferi-lo para diferentes locais. Foi por intermédio do Templo em Londres que o rei Henrique II criou um fundo para cruzadas em Jerusalém que se revelou tão útil por ocasião da batalha de Hattin. Os templários também emprestavam dinheiro a indivíduos e instituições, incluindo os judeus, mas seus principais clientes eram reis, e seus empréstimos com freqüência evitavam o colapso das finanças reais. Fortuitamente, os templários se tornaram, assim, os banBueiros da cristandade e mantinham em suas galerias subterrâneas não só a riqueza da Ordem, mas também o tesouro de reis. O Templo de Paris transformou-se "num dos mais importantes centros financeiros do noroeste da Europa"."' Sua grande torre de menagem, ou donjon, que era provida de torrinhas e mais tarde serviria de prisão para o rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta na época da Revolução de 1789, teria tido seu equivalente no Templo de Londres onde hoje só existe a igreja. Estima-se que em Paris cerca de quatro mil homens marcados com a cruz da Ordem residiam no Templo, embora poucos deles usassem o hábito branco de um cavaleiro habilitado. No reino de Aragão, os reis estavam constantemente tomando dinheiro emprestado do Templo, e na França a Ordem muitas vezes tinha dificuldade em satisfazer as necessidades reais."' As instituições eclesiásticas estavam mais dispostas a emprestar dinheiro à Coroa, se o Templo desse garantia do empréstimo. Em Aragâo, os empréstimos eram feitos com a garantia de uma renda da terra ou de um benefício, e "com freqüência se concordava que a Ordem poderia deduzir parte da importância coletada para cobrir suas despesas, conforme era permitido no direito canônico". Sobre alguns empréstimos eles cobravam juros de dez por cento, que eram "dois por cento menos do que o máximo permitido a agiotas cristãos em Aragão e metade da taxa dos judeus", e embora "em alguns casos os templários claramente obtivessem um lucro financeiro direto dos empréstimos, em algumas outras ocasiões parece que não o obtiveram"."' Entre os serviços financeiros fornecidos pelos templários estavam a provisão de anuidades e pensões. Freqüentemente a doação de terras ou de dinheiro estipulava que ela deveria prover à subsistência de um homem e sua esposa até eles morrerem: "havia poucas maneiras de prover à subsistência de alguém na velhice ou de assegurar o bem-estar dos dependentes de alguém, a não ser fazendo uma doação a uma instituição eclesiástica"." Também se pagava por um pacote de benefícios temporais e espirituais: para a 197 Comunidades e cas=elos dos templários no Ocidente em meados do século XII mar da Narre -lèmplo c'ACV . ¡.~7émplo ~ 'femplo Uinsley _ ., Cw w w wCressing = Londres -- ,' _...::l~Sniplcy.._ . Sommercux ---w- wLaon wHcauais oceanoAdãneico _ - .._par~wrioS„, wl.dNeuville (:ouloursw Nantes Urléanswl MamlPuticr -_ w Lá Rneneue ~õ á Rodcz l w Roaix La Selvc w Saiqt-GilleswAvignon 14,5 Ibenga Pézcnasw wwArlcs Do cus ,;: _ __ ' wSicna Montsauncsw w Monzón Ls-Deu as-Deu _ Novillas ~ era ~ w Chal Ambelw ~ Crancra ¡F, -::., w Roma w wPalau ~w ~ w Barbará lìemohns w Richerenches o zso soo km o ~~ISp ~3qp milhas OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO salvação da alma do doador e proteção pelo Templo numa sociedade onde a violência era endêmica, havia muito o que dizer para que se tivesse uma cruz dos templários na propriedade, independentemente de se estar ou não sob a proteção nominal de um senhor feudal. Essa função dos templários como uma forma de força policial naturalmente tinha sido contemplada por seu fundador, Hugo de Payns: agora ela se estendia da escolta de peregrinos na Palestina à proteção da transferência de dinheiro. Em julho de 1120, o papa Honório III disse a seu legado, Pelágio, que não poderia encontrar ninguém em quem confiasse mais para transportar uma grande soma de dinheiro.zss Os templários também trabalhavam como funcionários civis: encontram-se com freqüência irmãos do Templo e do Hospital servindo a papas e reis. Como monges, eles tinham o hábito da obediência _ç, como celibatários, nenhuma ambição dinástica. Seu statur como cavaleiros dava-lhes autoridade e os qualificava para assumirem funções militares: por exemplo, o papa Urbano IV nomeou três irmãos da Ordem do Templo para tomarem conta de castelos nos Estados Pontifícios, e em Acre o Templo e o Hospital eram as únicas corporações nas quais Ricardo Coração de Leão e Filipe Augusto confiavam. Com a sua argúcia financeira, os templários eram com freqüência transformados em esmoleres reais pelos reis europeus. A despeito da estrutura unitária das ordens militares, do voto de obediência dos cavaleiros a seu grão-mestre e de sua fidelidade ao papa, parece que se aceitou que irmãos da mesma Ordem trabalhassem para monarcas cujos interesses divergiam uns dos outros, ou daqueles do papa. Em quase todo reino europeu, os templários eram uma fonte de servidores públicos dignos de confiança, e como tais estavam em condições de exercer influência a favor de sua Ordem. O rei João da Inglaterra, que sucedeu a seu irmão Ricardo, foi excomungado pelo papa e todavia foi aconselhado pelo mestre dos templários na Inglaterra, Aimery de Saint Maur: ele era praticamente o único homem em quem João confiava. Da mesma forma, o imperador Frederico II, em seus constantes conflitos com o papado, foi aconselhado e apoiado por Hermann de Salza, o grão-mestre dos cavaleiros teutônicos. A presença de templários nos conselhos de papas e reis coloca as críticas de Inocêncio III em perspectiva. Apesar de seu orgulho e do abuso ocasional de seus privilégios, as ordens militares tinham se tornado indispensáveis ao governo pontifício da cristandade e, portanto, recebiam total apoio do papa. Assim, quando o patriarca Fulcher de Jerusalém foi a Roma a fim de persuadir o papa a revogar alguns dos privilégios do Hospital, ele não foi bemsucedido. O cronista Guilherme de Tiro considerou isso suborno, mas parece mais provável que a atitude da Cúria refletisse o crescente desencanto na 199 OS TEMPLÁRIOS Europa coam os latinos no ultramar e que ela visse nas ordens militares o meio mais: eficaz de atingir os objetivos da Igreja. Da mesma forma, os decretos aprovados pelo Terceiro Concílio de Latrão que restringiam os privilégios das ordens militares foram revogados por papas posteriores?' Inocêncio III foi até mais enfático na sua defesa dos privilégios e isenções dos templários, insistindo no direito da Ordem de construir igrejas, de ter seus próprios cemitérios, de coletar seus próprios dízimos, e advertiu ao clero que não interferisse nos direitos dos templários, tomando dízimos de suas propriedades ou pondo suas igrejas sob interdito. Denunciou bispos que tinham aprisionado templários e insistiu que estes punissem qualquer um que roubasse comunidades dos templários. Suspendeu o bispo de Sídon por excorryungar o grão-mestre do Templo numa disputa sobre as rendas da diocese de Tiberíades, renovou todos os privilégios concedidos ao Templo pela bula do papa Inocêncio II de 1139, Omne datum optimum, e, dando-nos um vislumbre da maneira pela qual o ressentimento popular contra os templários encontrou expressão, condenou qualquer um que atacasse um cavaleiro do Templo e o puxasse de seu cavalo. Considerando que os papas tinham autoridade suprema sobre as ordens militares, certa restrição se revela no fato de que há apenas uma situação na qual eles as envolviam em suas próprias guerras: em 1267, o papa Clemente IV solicitou a ajuda dos hospitalários contra os alemães na Sicília. 117 Sem dúvida, onde estavam a serviço de papas ou reis, esperava-se que os cavaleiros pertencentes às ordens militares pegassem em armas para defender os interesses de seus senhores, e houve casos em que os reis de Aragão convocaram os criados dos templários, e até mesmo os próprios cavaleiros, para lutar contra os castelhanos e os franceses. Contudo, isso era a exceção, não a regra. "A Coroa era claramente cautelosa em usar os próprios templários contra os inimigos cristãos" e os templários eram relutantes em serem usados dessa forma: os reis tinham de ameaçar fazer uso de duras medidas para assegurar que suas convocações fossem obedecidas." Dois outros territórios onde os templários entraram em conflito armado com seus confrades cristãos foram Chipre e a Armênia Cilícia. A insurreição contra os templários em Nicósia em 1192 tinha sido esmagada pela força, e mesmo depois de a ilha ter sido revendida a Guido de Lusignan, os templários mantiveram a fortaleza de Gastria, a norte de Famagusta, e possuíam propriedades fortificadas em Yermasoyia e Khirokitia, e uma casa fortificada em Limassol. Na Cilícia, a Ordem chegou às vias de fato com Leão, príncipe da Armênia Inferior, por causa da fortaleza de Gaston, nos montes Amanus, de onde se avistava Antioquia. OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO 1ços dois conflitos mais significativos entre cristãos nesse período, os templários foram apenas marginalmente envolvidos. O primeiro foi a Quarta Cruzada, que partiu em conseqüência do primeiro apelo de ajuda à Terra Santa feito pela papa Inocêncio III após sua ascensão e, como a Primeira Cruzada, foi liderada por um grupo de governantes secundários com uma linhagem de cruzados, como o conde Luís de Blois, o conde Balduíno de Flandres e o conde Teobaldo de Champagne. Desde a morte do imperador Barba-Roxa na Anatólia, a rota por terra para o Oriente era considerada intransitável, e portanto emissários desses nobres foram a Veneza preparar a viagem por mar. O doge de Veneza, Enrico Dandolo, embora idoso, estava longe da senilidade: ele combinou que, pela quantia de 85.000 marcos de prata, a república providenciaria uma frota de cinqüenta galeras e transporte para 4.500 cavaleiros, 9.000 escudeiros e 20.000 soldados de infantaria, com alimentos para um ano. A data da partida foi fixada para um período de doze meses. O objetivo aparente dessa expedição era liberar Jerusalém, porque agora, como na época da Primeira Cruzada, os cristãos do Ocidente só estavam dispostos a .arriscar suas vidas pela Cidade Santa; mas numa cláusula secreta do acordo concordava-se que a cruzada atacasse o Egito. Desde a Terceira Cruzada difundira-se entre os líderes dos latinos, tanto na Europa quanto no ultramar, o consenso de que Jerusalém jamais poderia estar segura enquanto fosse ameaçada do Cairo. Todavia, os venezianos, que tinham lucrativos vínculos comerciais com os ayyúbidas (sultões descendentes de Ayyub, o pai de Saladino) do Egito, quase com certeza não tinham intenção de apoiar um ataque no Nilo. O conde Teobaldo de Champagne morreu no início de 1201, e o alto co- mando dessa nova expedição escolheu como líder o marquês Bonifácio de Montferrat. Contudo, na data estabelecida para a partida, apenas 10.000 ho- mens haviam se reunido em Veneza e havia um déficit de 35.000 marcos na quantia que fora prometida aos venezianos. Estes recusaram-se a reduzir seu preço, mas concordaram em aceitarem troca a ajuda do exército cruzado para a tomada da cidade de Zara, na costa da Dalmácia, en coute para o Oriente. Isso foi aceito pelo rei cristão da Hungria, e muitos dos cruzados foram contra, entre eles o abade cisterciense de Les-Faux-deCernay e um barão francês, Simão de Montfort. Eles foram derrotados: Zara foi tomada. Inocêncio III ficou tão ultrajado com esse ataque a um rei cristão que excomungou todo o exército; mas, confrontado com o colapso da cruzada, rescindiu a sentença. Enquanto passava o inverno em Zara, tencionando continuar rumo ao leste na primavera, o exército cruzado foi abordado por um príncipe grego, 201 OS TEIMPLÁRIOS Aleixo IV Angelo, que reivindicara Io trono bizantino. Ele propôs que, se o exército ocidental rèstituísse seu pari, ao trono, poderia garantir a reconciliação da Igreja Ortodoxa com a Católica, grandes subvenções e dez mil solda.': dos bizantinos para participarem dia cruzada. A idéia interessou ao doge:. a Enrico Dandolo, mas contou com a oposição das mesmas pessoas que se ti, nham oposto ao ataque a Zara: Simião de Montfort e o abade de Les-Fauxf°de-Cernay. Mais uma vez, eles foram derrotados e, em conseqüência, abandonaram a cruzada. A restauração de um governantce legítimo era uma causa justa no cânon do direito feudal, e os bispos que acompanhavam a cruzada foram persuadi dos a apoiá-la; mas quando a esquadra chegou à altura de Calcedônia, de=,'. fronte de Constantinopla, em junhco de 1203, havia outras emoções menos 1 louváveis no espírito dos guerreiros; latinos. Os franceses lembraram-se da;' provação do rei Luís VII e dos cavaleiros na Segunda Cruzada enquanto mar chavam através da Anatólia em 11418, pelo que o rei culpara a perfídia dos gregos; e Enrico Dandolo tinha seus próprios motivos para ter aversão aos gregos: perdera a visão durante os pogroms contra os latinos em Constantino. pia em 1182. A lembrança dessa atrocidade ainda estava vívida na mente dos latinos, e podemos perceber seu efeito na hiistória de Guilherme, arcebispo de Tiro.' A princípio, sua única crítica aos bizantinos é que eles são fracos demais para defenderem os Lugares Santos, mas, ele os considera úteis como aliados contra os sarracenos. Depois dos pogroms de 1182, suas ilusões são destruídas, e ele decide que estava errado a respeito "dos enganosos e traiçoeiros gregos", cujos "pseudomonges e sacerdotes sacrílegos" são não só cismáticos, mas heréticosz'9 - o epíteto mais condenador que um clérigo medieval poderia excogitar. Agindo sobre esse ódio latente estava "a notória ganância do soldado medieval por pilhagem 11,24' algo que, para aqueles que vivem numa era de exércitos bem pagos e até tratados com mimo, parece mais repreensível do que o foi na época. Não se tratava apenas do fato de a paixão bárbara pelo saque ser ainda forte na psique dos francos, mas também do fato de que todas as campanhas militares, até certo ponto, tinham de ser custeadas por si mesmas. O que Inocêncio III não conseguiu reconhecer foi que, a despeito de seu imposto sobre o clero, os custos de uma cruzada estavam além dos recursos de todos, exceto dos reis mais ricos. Ao dar o sinal verde a nobres de menor importância, como os condes de Blois, de Flandres e de Champagne, talvez ele tenha contado manter maior grau de controle pontifício sobre a expedição do que se tivesse esperado pelos reis da Inglaterra e da França; mas, 202 OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO como a conquista de Zara havia demonstrado, seu controle era tênue, e a cruzada escava inadequadamente provida de recursos. Também está claro que nessa, como em todas as outras cruzadas, a motivação penitencial estava combinada com a esperança, no espírito de muitos dos participantes, de que eles tanto salvariam suas almas quanto fariam fortuna: era inteiramente aceito entre todas as pessoas que participavam desses incessantes conflitos que o risco deveria ter sua recompensa. Apesar disso, todavia, não pode haver dúvida de que o que agora se seguia era "um empreendimento escandaloso 11,141 mesmo que permaneça obscuro de quem era a culpa. Em junho de 1203, logo após sua chegada, os cruzados atacaram os arrabaldes de Constantinopla, capturaram o subúrbio de Galeta e quebraram a corrente que protegia a entrada do porto da cidade, o Como de Ouro. N.o dia 17 de julho, eles organizaram um ataque à própria Constantinopla, mas foram rechaçados pela guarda varangiana do imperador. Não obstante, isso foi suficiente para assustar o imperadorAleixo III a ponto de fugir e para pôr no trono Isaac Ângelo, o candidato dos cruzados. Desprezado por seus, súditos gregos como um subordinado dos latinos, o novo imperador foi incapaz de angariar o dinheiro que havia prometido aos cruzados e, em janeiro de 1204, foi deposto e assassinado junto com seu filho pela populaça enfurecida. O imperador que o substituiu, Aleixo V Ducás, era mais da preferência dos gregos e combateu os cruzados. Em 12 de abril de 1204, eles atacaram a cidade, e dentro de um dia ela foi tomada. A antiga e até então inconquistada capital do Império Romano do Oriente foi submetida à chacina de seus habitantes e à pilhagem de seus tesouros. Os mais apreciados eram os repositórios de relíquias, que, como ímãs para atrair peregrinos às igrejas da Europa, tinham muito mais valor do que seu peso em ouro. Um dos cronistas do saque da cidade, Gunther de Paris, descreveu como um abade latino, ao encontrar o depósito das relíquias na Igreja de Cristo, o Onipotente, após ameaçar de morte um sacerdote grego se ele não lhe dissesse onde elas estavam escondidas, "encheu as pregas de sua batina cote a presa sagrada da igreja, a qual, rindo de felicidade, ele em seguida carregou para o navio".242 Não apenas os tesouros de Constantinopla, como também aqueles do Império Bizantino, foram divididos entre os conquistadores latinos. Em 16 de maio, Balduíno de Flandres foi coroado imperador na Catedral de Santa Sofia e recebeu terras na Trácia, em partes da Ásia Menor e em algumas das ilhas Cíclades. Bonifácio de Montferrat fundou um reino em Tessalonica, ao passo que os venezianos se apossaram de algumas possessões bizantinas na conca do Adriático, de cidades na costa do Peloponeso, da ilha de Eubéia, de algumas ilhas jônias e de Creta. Constantinopla foi também subdividida em 203 OS TEMPLÁRIOS distritos, com os venezianos tomando quase metade da cidade. Enrico Dandolo não havia apenas se vingado: ele também havia estabelecido controle veneziano sobre as rotas de comércio do Adriático ao mar Negro. Nenhum dos, que haviam partido sob o comando de Bonifácio de Montferrat foi para a Terra Santa. Todos permaneceram a fim de fazerem valer seus direitos a feudos na carcaça do Império Bizantino. Daí em diante, recrutas potenciais entre os cavaleiros da Europa Ocidental sem bens de raiz que poderiam ter tentado a sorte na Síria e na Palestina foram desviados pelas oportunidades mais fáceis oferecidas por feudos na Grécia. Portanto, não foram apenas os gregos bizantinos que sofreram com a conquista de seu império, mas também os cristãos sitiados na Terra Santa, a quem os cruzados tinham partido para ajudar. Até mesmo os templários, conquanto tivessem desempenhado um papel insignificante na Quarta Cruzada, participaram da conquista da Grécia central entre 1205 e 1210.2;3 Junto com os hospitalários e os cavaleiros teutônicos, eles adquiriram terras no Peloponeso e, "embora o serviço militar que deviam prestar fosse nominal",Z'4contribuíram "para ã defesa do império latino de Constantinopla".'-45 O segundo conflito mais importante entre cristãos que se seguiu logo após a conquista de Bizâncio foi a Cruzada Albigense, que recebeu esse nome por causa da cidade de Albi, no sudoeste da França. Esta era um centro dos cátaros,uma seita herética que se havia estabelecido nos ricos territórios que se estendiam do rio Ródano aos Pireneus, conhecidos em virtude de seu dialeto francês distintivo como o langue d'oc. As origens do catarismo se encontram na antiga religião zoroastriana da Pérsia. Esta afirmava que existiam dois Deuses, uma deidade benévola, cujo reino era puro espírito, e uma malévola, que havia criado o mundo material. Todas as coisas materiais eram portanto intrinsecamente más, e a salvação residia em libertar-se da carne. O budismo, o estoicismo e o neoplatonismo revelavam certa afinidade com essa condenação da matéria, enquanto o cristianismo, apesar de seu apreço pela abnegação, afirmava que Deus não só aprovou sua criação material, mas, em Jesus, tornou-se parte da criação material quando a Palavra se fez carne. Conceitos dualistas afetaram a crença de cristãos desde os primórdios da Igreja. Parte de seu apelo residia na solução que eles postulavam para o etemo enigma: por que, se o Diabo foi criação de Deus, este continuou a permitir que ele existisse? A condenação da carne e de todas as paixões bestiais e egoístas que ela engendrava parecia harmonizar-se com a doutrina de Cristo. Para os dualistas, o celibato não era uma questão de escolha. Todo intercurso carnal era mau, e ter filhos era cooperar com o Demiurgo ou Diabo OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO na perpetuação da matéria. Márcion, por exemplo, um herege cristão do século II, proibia o casamento e fazia do celibato uma condição do batismo. No século III, um persa, Mani, ensinou que, para se evitar contato com o mal do mundo material, não se deveria trabalhar, nem lutar, nem se casar. Depois que ele foi martirizado por suas crenças pela hierarquia zoroastriana em 276, as idéias de Mam difundiram-se da Pérsia ao Império Romano e fizeram alguns prosélitos, como o jovem Agostinho de Hipona. No século V, uma vigorosa comunidade de maniqueístas, os paulicianos, foi fundada na Armênia. Eles se tornaram poderosos o suficiente para fazerem com que os imperadores bizantinos enviassem expedições militares contra eles e, no século X, os deportassem em massa para a Trácia, no norte da Grécia. Daí, suas idéias difundiram-se para a Bulgária e foram adotadas pelos seguidores de um padre eslavo chamado Bogomilo, que fundou uma igreja dualista nos Balcãs. Como os paulicianos, os bogomilos rejeitavam o Antigo Testamento, o batismo, a eucaristia, a cruz, os sacramentos e toda a estrutura da igreja visível. Eles também pensavam que ter filhos era colaborar com o Diabo na perpetuação da matéria, e alguns evitavam tê-los por meio do intercurso anal: a palavra bugger (sodomita) origina-se de búlgaros. Apesar da perseguição pelos imperadores ortodoxos, a Igreja Bogomila sobreviveu até a conquista dos Balcãs pelos turcos otomanos, quando muito dos bogomilos bósnios tornaram-se muçulmanos. Alguns bolsões de paulicianos foram encontrados pelas forças da Primeira Cruzada nos arredores de Antioquia e de Trípoli, e é possível que cruzados que retornavam à Europa Ocidental trouxessem consigo idéias dualistas. Elas foram encontradas na terra natal dos cruzados, como Flandres, a Renânia e a Champagne, e foram vigorosa e efetivamente reprimidas. No Sul da Europa, as teorias dualistas tiveram de competir com outras idéias heterodoxas, em particular as de um mercador de Lyon chamado Pedro Valdes, o qual, embora não fosse dualista, rejeitou a idéia de que a graça sacramental fosse necessária para a salvação. Ele condenou a gritante riqueza do clero e deixou sua mulher e seus bens para viver como eremita. Sua concepção da pobreza como uma virtude suprema não era muito diferente da de Francisco de Assis, e foi dito que, se os homens santos dessa época "eram reverenciados como santos ou excomungados como hereges, isso em grande parte parecia ser uma questão de acaso"."' Sem dúvida, nem sempre era fácil distinguir entre entusiasmo pela reforma, anticlericalismo e a promoção de idéias hostis à doutrina cristã; mas o êxito do Islã havia mostrado 0 que poderia resultar quando idéias heréticas prosseguiam irrefreadas e eram exploradas por uma classe social emergente. O maior apoio para aqueles que OS TEMPLÁRIOS atacavam a riqueza da Igreja vinha da ascendente classe de mercadores das cidades da Lombardia, do Languedoc e da Provença. No Languedoc havia outros fatores que favoreciam a difusão da religião cátara. Como Bernardo de Clairvaux tinha visto ao pregar contra Henrique de Lausanne, a Igreja estava numa condição deplorável, com padres e bispos negligentes, gananciosos e ignorantes, mais preocupados em esbulhar do que em proteger seus rebanhos. Ao mesmo tempo, o contato com as idéias islâmicas que vieram em virtude do comércio com a Espanha moura e o destacado papel desempenhado pelos judeus na economia da região criaram um clima de tolerância para com outras crenças. Havia um controle menos centralizado porque muitos dos principados menos importantes eram mantidos corno propriedades livres e alodiais, e não como feudos. Mesmo os barões que possuíam feudos não tinham um único senhor feudal sequer: alguns os receberam do conde de Toulouse, outros dos reis de Aragão e até, nocionalmelte, do imperador alemão. O anticlericalismo era reinante. Grande parte da riqueza que o clero corrupto gozava tinha sido doada pelos ancestrais da nobreza possuidora de terras, os quais, vendo-as agora em mãos visivelmente indignas, faziam o possível para amanhá-las de volta. Isso resultava em constantes conflitos entre eles e os bispos locais, e também entre eles e o papa. Portanto, não era de surpreender que uma religião que julgava o clero supérfluo tivesse considerável poder de atração. O que à primeira vista parece incoerente é que "uma sociedade turbulen:a, agitada e egoísta 11,141 talvez a mais educada, culta e hedonista da Europa - um refúgio para jongleurs e troubadours, os poetas do amor cortês -, tenha se revelado tão receptiva ao desolado dualismo dos cátaros. Mas deve-se lembrar que apenas alguns deles, conhecidos como parfaits, viviam uma vida de abnegação sobre-humana: para a massa de credentes, os meros crentes, a doLtrina cátara era a de que apenas um sacramento era necessário para a salvação e de que o último, o consolamentum que tirava todos os pecados, tornava desnecessário esforçar-se para ser virtuoso até que se defrontasse com a morte. O catarismo também era uma religião que atraía as mulheres: aos par,`aits do sexo feminino se concedia a mesma reverência concedida aos do sexo masculino. Como um padre francês viria a expressá-lo, "Leshommesfont les lérésies, les femmes leur donnent cours et les rendem immortelles" ("Os homens podem inventar as heresias, mas são as mulheres que as difundem e as tornam imortais").z48 Em 1167, o "papa" grego dos cátaros de Constantinopla, Niquinta, presidiu um concílio dos fiéis fora da cidade de Saint-Félix-de-Caraman, perto de Castelnaudary, no Languedoc. Já nessa época havia um bispo cátaro em Albi, OS INIMIGOS NO LADO DE DEN'rR0 e agora outros bispos eram nomeados para Toulose, Carcassonne e Agen. Os bispos católicos no Languedoc, horrorizados pela difusão dessa seita herética, tentaram opor-se a ela, em vão, por meio de debates públicos. Relatos de seu crescimento e enraizamento chegaram a Roma. Quando um zeloso castelhano, Domingos de Gusmão, prior dos cônegos da Catedral de Osma, visitou o papa Inocêncio III em 1205 a fim de pedir-lhe permissão para pregar o Evangelho aos pagãos que viviam junto ao Vístula, Inocêncio aceitou sua missão, mas a redirecionou para o sul da França. Dois anos antes, ele apelara aos cistercienses para reconverterem os cátaros, mas, apesar dos seus melhores esforços, eles haviam fracassado. Domingos, jogando o mesmo jogo dos parfaits, adotou um estilo de vida de abjeta pobreza e rigorosa mortificação. Ele juntou-se aos cistercienses na pregação da fé católica ortodoxa e nos debates com os sacerdotes cátaros. Mais uma vez a persuação não foi bem-sucedida. Inocêncio, que reconhecia perfeitamente bem os graves defeitos do clero católico no Languedoc, destituiu sete bispos na região e os substituiu por incorruptíveis cistercienses, e repetidas vezes apelou aos condes de Toulouse que agissem, mas os condes não estavam dispostos a fazê-lo - e provavelmente eram incapazes de fazê-lo - porque as raízes do catarismo haviam se tornado profundas demais. Muitos católicos tinham irmãos, irmãs, primos ou primas que viviam vidas exemplares. A hierarquia católica considerava o triunfo dessa religião herética com consternação. Não se tratava simplesmente do fato de o catarismo ter removido sua raison d'être, embora esse bem que poderia ter sido um fator entre os prelados do Languedoc. Tratava-se antes do fato de que as almas colocadas por Deus sob os seus cuidados estavam sendo induzidas à danação eterna. Os cátaros tinham um ódio especial não só pela cruz, que julgavam blasfema por representar o sofrimento da divindade, mas também pela missa, que consideravam sacrílega por afirmar que na consagração o pão se tornava a carne de Cristo. Em vez de viverem pacificamente lado a lado com os cristãos, eles não hesitavam em sua ambição de destruir a Igreja: em 1207, os cátaros de Carcassonne expulsaram o bispo católico da cidade. Na Europa medieval, contudo, a Igreja e a sociedade eram coincidentes; o ano era pontuado dejejuns e festas do calendário cristão e a vida era mediada através dos sacramentos. Os juramentos, que os cátaros condenavam, eram os alicerces sobre os quais se baseava toda a estrutura da sociedade feudal. A apostasia levaria à anarquia e solaparia as instituições humanas mais fundamentais. Que isso não era uma fantasia extravagante foi confirmado pelo ensinamento cátaro de que o casamento, nas palavras de um 207 OS TEMPLÁRIOS herege apóstata, Rainier Sacchoni, era "um pecado mortal (...) tão severamente punido por Deus quanto o adultério ou o inces t011.141 Após o fracasso de repetidas campanhas de persuasão, o papa Inocênció solicitou ao principal governante da região, Raimundo VI, conde de Toulouse, que extirpasse a heresia à força. Em 1205, Raimundo prometeu fazê-lo, mas não o fez. Em 1207, depois de uma reunião com Raimundo em Saint-Gilles, na Provença, o legado pontifício, Pedro de Castelnau, foi morto por um homem do séquito de Raimundo. Esse ultraje induziu Inocêncio III a proclamar uma cruzada. Seguiram-se vinte anos de guerra, com massacres. indiscriminados de ambos os lados que só terminaram com a anexação do Languedoc pelo rei da França. Os cátaros foram perseguidos e queimados, es alguns deles alegremente confiaram às chamas seus corpos corruptos. A,'.~ heresia foi afinal destruída, mas com ela se foi o que alguns historiadores, vêem como uma civilização incomparavelmente refinada e culta e outros. como "uma sociedade num avançado estádio de desintegração que ainda sèy apegava à casca de uma civilização que por pouco não havia desaparecido".z5 O primeiro líder da Cruzada Albigense foi Simão de Montfort, o mesmo ca.: valeiro do norte da França que havia abandonado Bonifácio de Montferrat e :'j os venezianos em Zara. A certa altura, todo o Languedoc estava sob seu po-: der, e, a exemplo dos francos na Palestina ou dos normandos em Antioquia, n ele poderia ter fundado uma dinastia, embora a serviço da Igreja, mas, com os mutáveis acasos da guerra, esse prêmio lhe escapou e ele acabou sendo morto enquanto sitiava Toulouse. Para a nobreza nativa, quer católica, quer cátara, a cruzada foi uma invasão da sua terra natal por um inimigo do norte; e, a despeito de um constante fluxo de lealdades, eles lutaram para defendê-la. Lealdades feudais e interesses políticos ficaram inextricavelmente emaranhados com fervor religioso, o que levou a alianças paradoxais: o rei Pedro II de Aragão, que havia alcançado uma importante vitória contra os muçulmanos em Lãs Navas de Tolosa em 1212, foi morto no ano seguinte combatendo Simão de Montfort fora dos muros de Muret. Qual era o papel das ordens militares nessa guerra cruenta e disputa fratricida? Tanto o Templo quanto o Hospital tinham consideráveis propriedades na região. Raimundo de Saint-Gilles, conde de Toulouse, tinha estado entre os líderes da Primeira Cruzada, e não só seus descendentes, mas também seus vassalos, haviam legado benefícios substanciais às ordens militares, em particular o Hospital. Todavia, a comunidade de Mas-Deu, em Roussillon, era uma das mais importantes fortalezas do Templo. Ambas as OS INIMIGOS NO LADO DE DENTRO ordens também estavam profundamente engajadas no reino de Aragão e envolvidas na guerra contra o Islã na Espanha. Em conseqüência, uma guerra entre Simon de Montfort, da parte do papa, e o conde Raimundo VI e o rei Pedro II de Aragão, junto com a maior parte da nobreza do Languedoc, levou a um racha nas lealdades entre as ordens militares. De modo geral, ambas tentaram permanecer neutras e como tais foram reconhecidas pelo Tratado de Paris, que por fim pôs termo ao conflito. Onde as ordens foram aliciadas para o conflito, parece que o Hospital tomou o partido de Raimundo VI e Pedro II, e o Templo, o dos cruzados. Os templários haviam lutado com Pedro II em Lãs Navas de Tolosa, mas "todos respeitaram incondicionalmente seus deveres para com o papa e a Igreja. (...) A fidelidade dos cavaleiros do Templo a Simão de Montfort e aos cruzados jamais diminuiu":"' em 1215, encontramos Simão hospedado na casa dos templários fora de Montpellier. Contudo, parece ter sido aceito que o principal compromisso dos templários era com a guerra contra o Islã no Oriente; com certeza, o papa Inocêncio III não fez nenhuma tentativa de recrutá-los contra os cátaros, e a criação em 1221 por Conrado de Urach da Milícia da Fé de Jesus Cristo, uma ordem moldada no Templo, parecia confirmar isso. Foi possivelmente como vassalos do rei da França que eles estavam com o príncipe Luís na tomada de Marmande, na primavera de 1219, testemunhas, se não participantes, da chacina dos habitantes da cidade. Em 1126, o rei Luís VIII da França, ao sitiar Avignon, investiu de plenos poderes em sua ausência um cavaleiro do Templo, o irmão Everardo, enviando-o a Saint-Antonin para aceitar a rendição da cidade.212 A acusação de apoio dos templários aos cátaros, que viria a inspirar um sem-número de teorias fabulosas em tempos modernos, é mais crível se equiparada com os hospitalários, mas neste caso, mais uma vez, há indícios de que eles mostravam simpatia pela religião herética. Desde a época de sua evolução numa ordem militar, o Hospital tinha estreitos vínculos com os condes de Toulouse tanto na Europa quanto no ultramar. Havia numerosos estabelecimentos no Languedoc, ao passo que na Síria a grande fortaleza do Krak dos Cavaleiros tinha sido doada ao Hospital por Raimundo II de Trípoli, um bisneto de Raimundo IV de Toulouse. Durante a CrUZadaAlblgense, portanto, eles tendiam a sentir solidariedade pelos descendentes de seus benfeitores, com quem os próprios cavaleiros, à diferença dos cavaleiros do Templo, eram com freqüência aparentados. Assim, vemos que alguns dos mais corajosos defensores dos cátaros que pediram para receber o consolamentum de seus parfaits também dotaram o Hospital e além disso OS TEMPLÁRIOS pediram para ser admitidos como confrères, o que sugere que eles tinham pouca compreensão de teologia ou que estavam fazendo jogo duplo. O Hospital lucrou com seus vínculos com os inimigos da cruzada. Depois da morte de Simão de Montfort no cerco de Toulouse e da retirada dos cruzados, os bispos católicos e os cistercienses retiraram-se da área e os templários abandonaram sua comunidade na Champagne, mas os hospitalários e os beneditinos ficaram: os beneditinos em Alet foram mais tarde expulsos de sua abadia por cumplicidade com os cátaros.zs3 Provavelmente, a mais clara demonstração de suas lealdades veio com a morte do rei Pedro II de Aragão na batalha de Muret: os hospitalários pediram e receberam permissão para remever seu cadáver do campo. De modo análogo, eles admitiram Raimundo VI como confrère, e após sua morte, em 1222, ficaram com a guarda de seu corpo, que, como o de um excomungado, não poderiá ser enterrado ei solo sagrado. Seu corpo permaneceu do lado de fora do priorado dos hospitalários, enquanto Raimundo VII rogou a sucessivos papas que permitissem que ele fosse enterrado na capela. O corpo ainda estava lá no século XIV mas, por volta do século XVI, "ratos haviam destruído o caixão de madeira e os ossos de Raimundo haviam desaparecido 11.214 Frederico de Hohenstaufen Em 1213, o papa Inocêncio III publicou uma bula, Quia maior, convocando uma nova cruzada contra os sarracenos no Oriente. Vários fatores sugeriam que o momento ira propício: Simão de Montfort estava no auge da prosperidade no Languedoc; um exército muçulmano tinha sido derrotado em Lãs Navas de Tolosa, na Espanha; e o extraordinário fenômeno da cruzada das crianças, em que sete mil jovens da França e da Renânia tinham partido para libertar o Santo Sepulcro, embora mal concebido, malfadado e desencorajado pela Igreja, demonstrara a intensidade do entusiasmo popular pela busca de uma guerra santa. Mesmo o escandaloso desvio da Quarta Cruzada para Constantinopla afigurava-se ao papa como uma desgraça com um lado positivo: todos os poderes da cristandade estavam agora unidos sob seu comando. Mesmo as desvantagens, como os contínuos conflitos entre os Capetíngios e os Plantagenetas na França e entre os Welfs e os Hohenstaufen na Alemanha, serviam aos propósitos de Inocêncio por afastarem quaisquer rivais do comando da cruzada. Seu chamado foi repetido pelos 1.300 bispos que se reuniram em Roma para o Quarto Concílio de Latrão, em 1215, e abrangentes medidas legais e administrativas foram postas em prática a Fim de arrecadar o dinheiro para financiar o projeto, incluindo a extensão da indulgência da cruzada daqueles que lutassem àqueles que pagassem. Isso capacitava as mulheres a tomar a Cruz mediante doações e legados.zssAs mulheres também eram usadas para persuadir seus maridos a partir em cruzada: Jacques de Vitry, cujos cavalos foram requisitados por alguns genoveses para uma excursão militar, pregou para suas esposas em vez de para eles. "Os burgueses levaram meus cavalos e eu transformei suas esposas em cruzados.""' As quantias arrecadadas eram comadas ao irmão Haimard, o tesoureiro do Templo em Paris. Inocêncio morreu em 1126, antes que seus planos tivessem sido postos em execução. Eles foram assumidos com igual entusiasmo por seu sucessor, o cardeal Savelli, que escolheu o título de Honório III. Já um ancião na época de sua ascensão, Honório não possuía as qualidades de liderança e energia OS TEMPLÁRI OS pedirOm para ser admitidos como confz-ères, o que sugere que eles tinham pouca compreensão de teologia ou que estiavam fazendo jogo duplo. o Hospital lucrou com seus vínculos com os inimigos da cruzada. Depois da morte de Simão de Montfort no cerco d e Toulouse e da retirada dos cruzados , os bispos católicos e os cistercienses retiraram-se da área e os templários apandonaram sua comunidade na Charnpagne, mas os hospitalários e os beneClltinos ficaram: os beneditinos em Alei: foram mais tarde expulsos de sua apadia por cumplicidade com os cátaros.z" Provavelmente, a mais clara demonstração de suas lealdades veio com a morte do rei Pedro II de Aragão na batalha de Muret: os hospitalários pediram e receberam permissão para remover seu cadáver do campo. De modo análogo, eles admitiram Raimundo VI como confrère, e após sua morte, em 1222, ficaram com a guarda de seu corpo, que, como o de um excomungado, não poderia ser enterrado em solo sagrado. Seu corpo permaneceu do lado de fora do priorado dos hospitalários, enquanto Raimundo VII rogou a sucessivos papas que permitissem que ele fosse enterrado na capela. O corpo ainda estava lá no século XIV mas, por volta do século XVI, "ratos haviam destruído o caixão de madeira e os ossos de Raimundo haviam desaparecido".` onze Frederico de Hohenstaufen Em 1213, o papa Inocêncio 111 publicou uma bula, Quia rzzaior, convocando uma nova cruzada contra os sarracenos no Oriente. Vários fatores sugeriam que o momento era propício: Simão de Montfort estava no auge da prosperidade no Languedoc; um exército muçulmano tinha sido derrotado em Las Navas de Tolosa, na Espanha; e o extraordinário fenômeno da cruzada das crianças, em que sete mil jovens da França e da Renânia tinham partido para libertar o Santo Sepulcro, embora mal concebido, malfadado e desencorajado pela Igreja, demonstrara a intensidade do entusiasmo popular pela busca de uma guerra santa. Mesmo o escandaloso desvio da Quarta Cruzada para Constantinopla afigurava-se ao papa como uma desgraça com um lado positivo: todos os poderes da cristandade estavam agora unidos sob seu comando. Mesmo as desvantagens, como os contínuos conflitos entre os Capetíngios e os Plantagenetas na França e entre os Welfs e os Hohenstaufen na Alemanha, serviam aos propósitos de Inocêncio por afastarem quaisquer rivais do comando da cruzada. Seu chamado foi repetido pelos 1.300 bispos que se reuniram em Roma para o Quarto Concílio de Latrão, em 1215, e abrangentes medidas legais e administrativas foram postas em prática a fim de arrecadar o dinheiro para financiar o projeto, incluindo a extensão da indulgência da cruzada daqueles que lutassem àqueles que pagassem. Isso capacitava as mulheres a tomar a Cruz mediante doações e legados.z55As mulheres também eram usadas para persuadir seus maridos a partirem cruzada: Jacques de Vitry, cujos cavalos foram requisitados por alguns genoveses para uma excursão militar, pregou para suas esposas em vez de para eles. "Os burgueses levaram meus cavalos e eu transformei suas esposas em cruzados." -''hAs quantias arrecadadas eram confiadas ao irmão Haimard, o tesoureiro do Templo em Paris. Inocêncio morreu em 1126, antes que seus planos tivessem sido postos em execução. Eles foram assumidos com igual entusiasmo por seu sucessor, o cardeal Savelli, que escolheu o título de Honório 111. Já um ancião na época de sua ascensão, Honório não possuía as qualidades de liderança e energia OS TEMPLÁRIOS de Inocêncio. Não obstante, a cruzada tinha agora seu próprio impulso: os cavaleiros da França e da Inglaterra podiam estar perturbardos pelas guerras de seus reis e pela repressão dos hereges, mas um pouco mais para o leste contingentes austríacos e húngaros reuniram-se em Spoleto para serem transportados para a Palestina pelos venezianos. O rei de Jerusalém era agora urm cavaleiro idoso da Champagne, João de Brienne. Era um sinal do pouco prestígio do ultramar entre a nobreza européia o fato de ele ter sido o melhor noivo que se pôde encontrar para a princesa Maria, herdeira do reino. Quarndo eles se casaram em 1210, ele tinha sessenta anos e ela dezessete. Dois anos mais tarde, Maria faleceu após dar à luz uma filha, Isabel, conhecida como Iolanda. João agora reinava como regente de sua filha, adotando urina política cautelosa para com ai-Adil, irmão e sucessor de Saladino. Era do interesse de ambos a renovação da trégua em 1212. Quando o rei André chegou com seu contingente de húngaros em 1217, foram feitas várias incursões em pequena escala no território muçulmano, sem resultados significativos. Tendo cumprido suas promessas, os húngaros voltaram para casa através da Anatólia com uma grande quantidade de relíquias, entre elas a cabeça de Santo Estêvão e um dos jarros das bodas em Caná. Durante sua estada na Terra Santa, os peregrinos austríacos e húngaros tinham ajudado os templários e os cavaleiros teutônicos a construir uma nova fortaleza em Atlit, a qual, em homenagem à contribuição deles, foi chamada Castelo Peregrino. Erguida num promontório no litoral ao sul de Haifa para proteger a estrada, bem como as videiras, os pomares e os campos cultivados da localidade que eram vulneráveis a ataques de surpresa dos muçulmanos, era uma fortificacâo formidável, com um fosso e muralha dobrada no lado que dava para a terra. O dominicano alemão Burkhard de Monte Sião ¡ulgou "as muralhas, os baluartes e as barbacãs tão fortes e acastelados, que o mundo inteiro não seria capaz de conquistá-la [a fortaleza]"."' Dentro dos, Baluartes havia três salões e uma igreja dos templários com rotunda. De tcordo com o cronista Oliver de I'aderborn, a fortaleza estava abastecida som provisões suficientes para alimentar 4.000 combatentes. Em abril de 1218, uma esquadra da Frísia chegou a Acre, fornecendo ao ~ei João de Jerusalém os meios para dar início a uma invasão do Egito. No dia ?4 de maio, a esquadra zarpou, e três dias depois os soldados desembarca-am nas margens do Nilo defronte da cidade de Damieta. Aí eles acamparam em 24 de agosto organizaram um bem-sucedido ataque ao forte que prote;ia a entrada do rio. O grão-mestre dos templários, Guilherme de Chartres, lue comandava um significativo contingente de templários, morreu de fe)re dois dias mais tarde. Sucedeu-lhe um experiente templário "de carrei- FREDERICO )DE HOHENSTAUFEN ra", Pedro de Montaigu, que tinha sido mestre da Ordem do Templo na Provença e na Espanha e lutara nat batalha de Las Navas de Tolosa. Após os cruzados terem estabelecido essa cabeça-de-ponte defronte de Damieta, vieram juntar-se a eles outros contingentes da Europa, entre eles os condes franceses de Nevers e de Ia Marche, os condes ingleses de Chester, Arundel, Derby e Winchester, os bispos de Paris, Laon e Angers, o arcebispo de Paris e, por fim, uma força de italianos liderada pelo legado do papa Honório, o cardeal espanhol Pelág:io de Santa Lúcia. Pelágio, como legado pontifício, estava agora no comando. Ele era determinado e enérgico, mas presunçoso, indelicado e autocrático. O cerco de Damieta continuou até o verão de 1219, com as enfermidades cobrando seu tributo aos cruzados. Incapaz de desalojá-los, o sultão al-Kamil, irmão de Saladino, tentou reconciliar-se com eles e, como prova de suas intenções pacíficas, permitiu que Francisco de .Assis, que estava visitando os cruzados, transpusesse as linhas e pregasse para ele em seu acampamento em Fariskur. Os dois homens trocaram muitas cortesias, mas nenhum deles foi persuadido a aceitar as crenças do outro. Embora não disposto a tornar-se cristão, al-Kamil, todavia, estava disposto a sacrificar Jerusalém se os cruzados suspendessem o cerco de Damieta. Essa oferta provocou um racha entre os cruzados: Pelágio e o patriarca de Jerusalém eram contra qualquer pacto com o infiel, ao passo que o rei João, com o apoio dos barões da Palestina e da Europa, queria aceitá-lo. Os grão-mestres das ordens militares adotaram o ponto de vista de que Jerusalém não poderia ser mantida a menos que a Transjordânia também fosse cedida. Isso foi inaceitável para al-Kamil. Seus termos foram portanto rejeitados, e em 5 de novembro os cruzados organizaram um bem-sucedido assalto a Damieta: sua guarnição e seus cidadãos estavam debilitados demais para resistir a eles. Estabelecidos em Damieta, os cristãos agora aguardavam a chegada de um exército liderado pelo imperador alemão Frederico II de Hohenstaufen, antes de continuarem Nilo acima. Em 1221, o duque Luís da Baviera chegou com 500 cavaleiros, supostamente a vanguarda do exército de Frederico. Dando-se conta de que não estavam para chegar mais reforços, Pelágio ordenou um avanço no Egito, apesar dos pressentimentos de João de Brienne e dos templários, que adotaram o ponto de vista de que os recursos dos cruzados estavam no limite máximo e a conquista do Egito além deles. Suas objeções foram repudiadas, e o exército cruzado marchou ao longo da margem do Nilo em direção a Mansurá, aonde chegou uma semana mais tarde. Enquanto eles se estabeleciam fora dos limites da cidade, contingentes do exército de al-Kamil moveram-se atrás deles e navios egípcios zarparam do lago de 213 OS TEMPLÁRIOS Manzalá para interceptar a retirada dos cristãos. Os cruzados poderiam ter rompido esse cerco lutando, se os egípcios não tivessem aberto as comportas e inundado o terreno que eles teriGm de cobrir. Como o grão-mestre do Templo escreveu mais tarde ao preceptor da Ordem na Inglaterra, eles foram "pegos como um peixe numa rede 11.211 Literalmente atolado nos pântanos do delta do Nilo, Pelágio não teve alternativa senão pedir paz. Damieta foi abandonada e o exército latino navegou para Acre sem nada ter conquistado. A única concessão que al-Kamil estava disposto a fazer a Pelágio era a devolução da relíquia da Verdadeira Cruz, tomada por seu irmão Saladino em Hattin; mas, quando ele solicitou que ela fosse entregue, essa relíquia cristã mais preciosa de todas não pôde ser encontrada. A responsabilidade pelo fracasso da Quinta Cruzada é invariavelmente atribuída ao indelicado e voluntarioso cardeal Pelágio, e não há dúvida de que sua natureza abrasiva fez dele um comandante insatisfatório, quando seus cálculos estratégicos foram distorcidos pelo fervor religioso. Contudo, os exércitos cruzados eram sempre fracos quando não tinham um líder militar inconteste. Ricardo Coração de Leão havia arrostado Saladino não só pela sua coragem e carisma, mas também por ser rei. João de Brienne também era rei, mas sua reivindicação ao título de rei de Jerusalém era remota demais para inspirar a lealdade dos barões da Europa ou mesmo do ultramar, ao passo que muitos consideravam que o status clerical de Pelágio o tornava incapaz para comandar. O único líder inconteste que os papas, seus legados e todos os príncipes feudais esperaram durante a campanha foi o neto de Frederico Barba-Roxa, o imperador Frederico II de Hohenstaufen. Em 7 de setembro de 1228, Frederico II de Hohenstaufen desembarcou em Acre para assumir a liderança da cruzada, quinze anos depois de ter tomado a Cruz pela primeira vez. Ele agora tinha trinta e seis anos e já firmara a extraordinária reputação que lhe daria o título de stupor mundi et immutator mirabilis. Seu pai, o imperador Henrique VI, falecera quando ele tinha três anos de idade. Sua mãe, a imperatriz Constança, herdeira do reino normando da Sicília, levara-o para Palermo, onde morreu apenas um ano mais tarde. Frederico foi criado por tutores selecionados pelo papa Inocêncio III, o guardião nomeado por Gonstança. A falta de afeto dos pais, junto com a mistura de influências normandas, gregas e muçulmanas que formavam a cultura da corte siciliana, gerou um caráter idiossincrásico num espírito excepcionalmente cultivado. "Ele era um homem sagaz", escreveu Salimbene, um contemporâneo seu, "engenhoso, cúpido, caprichoso, de mau gênio. Mas às vezes, quando desejava revelar suas qualidades boas e corteses, consolador, es- FREDERICO DE HOHEN:STAUFEN pirituoso, encantador e trabalhador. "119 Ele sabia cantar e compor música, e falava alemão, italiano, latim, grego, francês e árabe. Era um excelente cavaleiro e hábil falcoeiro. Salimbene o descreve; como "um homem bonito, de boa compleição e estatura mediana"; mas os cabelos ruivos que rareavam, herdados de seu avô, Frederico Barba-Roxa, e seus olhos ligeiramente esbugalhados faziam-no parecer não atraente a ulm observador muçulmano, que julgou que, "se ele tivesse sido escravo, não teria alcançado 200 dirhams".ze° Na sua coroação como rei da Alemanha em Frankfurt, em 1212, Frederico impetuosamente prometera partir em cruzada. Isso não fazia parte dos planos de seu guardião, o papa Inocêncio IIII, e portanto foi por essa vez ignorado. No ano seguinte, a Inocêncio sucedeu como papa o tutor de Frederico, Cencio Savelli, que adotou o título de Honório III, e nos seus primeiros anos Frederico parecia ser um submisso filho da Igreja. Seu camareiro era um cavaleiro do Templo, o irmão Ricardo, que antes servira ao papa na mesma função. Todavia, a rivalidade intrínseca entre os líderes leigos e espirituais da cristandade era exacerbada pela fato de Frederico ser rei tanto da Alemanha quanto da Sicília. Até então, a segurança dos Estados Pontifícios, e por conseguinte do papado, tinha sido assegurada tirando-se partido da rivalidade entre os dois reinos a fim de se manter um equilíbrio de poder. Agora, com a união dos dois Estados na pessoa de Frederico, Roma estava ameaçada de cerco. Igualmente ameaçador era o ceticismo que se desenvolveu no espírito do jovem rei. Ao contrário dos monarcas do norte da Europa, cujo aprendizado era limitado pelo currículo estabelecido pela Igreja Católica, a educação de Frederico em Palermo fizera com que ele se familiarizasse com idéias árabes e bizantinas. Ambas estavam mais desenvolvidas do que seus equivalentes latinos e levaram a uma tolerância para com os que as esposavam, tolerância essa que contrastava acentuadamente com os sentimentos sectários de outros reis cristãos. O tratamento indulgente que Frederico dispensava aos muçulmanos dentro de seu reino chocou alguns de seus contemporâneos católicos, mas é quase certo que resultou de considerações práticas e ideológicas: os templários na Espanha, por exemplo, permitiam que os muçulmanos praticassem sua religião nas propriedades da Ordem do Templo como um estímulo para mantê-los no país. A dependência de seus súditos muçulmanos para com sua mercê também os tornava mais dignos de confiança aos olhos de Frederico: ele tinha uma guarda pessoal sarracena. Mas essa tolerância não era uma questão de mera prudência: para um biógrafo que o admirava, "ele possuía as qualidades inerentes ao homem verdadeiramente culto de qualquer era: uma sincera e profunda apreciação das potencialidades culturais da humanidade, in- 215 OS TEMPLÁRIOS dependentemente ce raça ou nacionalidade11.261 Mas igualmente, -orno em qualquer era, havia ima natural progressão da tolerância para o ind ferentismo, e do indiferentsmo para um inequívoco ceticismo, e alguns dos contemporâneos de Fr;derico se perguntaram se ele acreditava ot. não em Deus. Por causa da odósa propaganda que passou a ser dirigida contra ele por seus inimigos, é difícil distinguir fato de ficção; mas é significativo que mesmo seus contemporíneos muçulmanos, como o cronista damasceno Sibt Ibn a1.Jawzi, pensassem que ele fosse "com muita certeza ateu"."' O católico Salimbene tambémescreveu que "ele não tinha fé em Deus" e que "se ele tivesse sido um bom católico e amado Deus e Sua Igreja, e sua própria alma, p)ucos entre os imleradores do mundo ter-se-iam igualado a ele". Foi dito que Frederico zombou da Eucaristia - "Até quando esse embuste vai continuar?" - e da doutrina da Imaculada Conceição de Jesus: "São completamente tolos os que (creditam que Deus poderia nascer de uma Virgem (...) ninguém pode nasesr se a sua concepção não tiver sido precedida oelo coito entre um homem euma mulher". A Imaculada Conceição de Jesus, contudo, também é um dbgma da fé islâmica; e, apesar de sua amizade com muçulmanos, Frederico não mostrava maior respeito por Maomé do que por Cristo, arrolando-o, junto com Moisés, como um dos "três impostores ou embusteiros do muldo".z63 Embora essas o'')servaçôes possam ter sido exageradas por seus inimigos papistas, elas são compatíveis com a percepção de seus amigos muçulmanos. Em outros aspectos, Frederico não estava em sintonia com o seu tempo. Ele revelava um espírito científico que é mais moderno do que medieval: no prefácio de um tratado sobre falcoaria, De arte Uenandi, ele escreveu que "nosso objetivo neste livro é descrever (...) aquelas coisas que são como sâo"; e de novo, noptro contexto, "não se deve acreditarem nada, a não ser naquilo que pode ser comprovado pela natureza e pela força da razão". O resUtado era uma combinação do rei Salomão, de Isaac Newton e - se se pode confiarem seus contemporâneos - do Dr. Mengele. O primeiro foi demonstrado pela maneira com que ele lidou com uma acusação feita contra judeus na Alemanha, em 1235-6, do assassinato ritual de uma criança cristã: d exaustiva investigação que ele iniciou resultou não apenas na absolvição deles, como também num decreto ";n Favorem Jadaeorum". Ele também aboliu o julgamento por ordálio de fogo, a que Francisco de Assis havia se oferecido a submeter-se diante do sultão alAdil para provar a verdade da religião cristã: como um ferro incandescente poderia ficar morno ou frio, perguntou Frederico, "sem a intervenção de uma causa natural?". Papa Inocêncio III. Afresco do séc VIII da Igreja do Sacro Speco (Gr Sagrada), Subiaco, Itália. (I~ider fP, Papa Bonifácio V11I. Estátua da Cate de Florença, agora no Museo dell'OI del Duomo, Florença, atribuída a An di Cambio. (Gléi~lerrfi'ldllrrlrire) Papa Clemente V, de U 7üunfo r!e 7i~rn de,4guirro, de Andrea Buonaiuti, 1365, Santa Maria Novella, Florença. t~_ - 1 w~ 4, 14~ QtuwwtMu fatot><daetlattta-~u T áfttxriáttaptttCr l~W r Duti^ttt»0zc nonqucstvelei6a d O rei buís XI da França uroferindo uma sentença. Iluminura do século XII, de9 C)e. de Saint Patbus, na P I lilugre.s rle .Sno Luís. (13iGliot Cruzados sob o rei Luís XI atacam Damieta em IZ&8. Iluminura do século XIV da (,'r8uiia (Ia França ou (le .fairrt-Uenis. (10-itish l.iGrnr~/Bridnerurrn dr-t I,iGruro) Cruzados expulsando cátaros de Carcassonne. Iluminura do século XIV da Oficina do Mestre Boucicaut. (Brìtisl~ I_ibrat,1~/l3ridgerrtan , l rt l,ilmzir _y) A Igreja do Santo Sepulcro Jerusalém. (f7rttlaon~ Ker.,tin O projeto original para a reconstrução da Igreja do Santo Sepulcro após a captura de Jerusalém pela Primeira Cruzada. (Nzid~mfvl~J~lmln9wl Pintura do século XIX de Guilherme de Glermont defendendo Acre em 1291, da autoria de Dominique Louis Papety. (GÚStrlo de Versalhes/I,auros-C'irUZahrz/Bridgenzazz Ai-1 GiGrar11) O rei Filipe IV da França (Filipe, o Belo) com seus quatro filhos e seu irmão Carlos de Valois. Iluminura do século XIV A queima dos templários. Iluminura do século XIV da C,'nâztira da FrazzÇrr ou ele (',;,r_ Ilovic l ldrìricli l.árarrll3ritloentan Art L.ibrnz'v) Jactlucs de Molav, o último grão-mestre dos templários. Gravura de Gheuauchet do século XIX. (C.blesvo prrrtirrzlar/Rogrz`-hodlPt/ l3rirlytozzan '4nt l,iGz nrv ) 3.W.v 1'Ei té11 1iOL.1 11 . avara do século XVIII ~lorjozz dos templários ~ E'aris onde o rei Luís 1 foi preso antes da sua ecução em 1793. A fortaleza dos templários na ilha de Almourol, no rio 'èjo, em Portugal. A capela circular ou rotunda da fortaleza dos templários de Tomar, em Portugal, construída em 1160 pela mestre português Gualdira pais. FREDERICO DE HOHENSTAUFEN Encontramos o Dr. Mengele nas experiências que ele supostamente iniciou a fim de testar certas hipóteses. Um homem foi aprisionado num barril de vinho para se observar se a alma poderia ser vista deixando seu corpo quando ele morresse. Dois homens foram mortos e em seguida eviscerados para se estudarem os efeitos relativos do sono e dos exercícios. Crianças foram criadas em absoluto silêncio a fim de se descobrir se a língua materna da humanidade era o hebraico, o grego, o árabe ou o latim - "mas ele se esforçou em vão", escreveu Salimbene, "pois todas as crianças morreram 11 . 264 Sua moral sexual estava em desacordo com a doutrina cristã, embora neste caso, mais uma vez, não seja fácil distinguir entre verdade, exagero e invenção. O apologista do papado Nicolau de Carbio, "perito na arte da difamação ",zss acusou-o de transformar igrejas em bordéis e de usar um altar como privada. Ele escreveu que Frederico prostituiu não só moças, mas também rapazes, entregando-se a "um vício vergonhoso até de pensar ou mencionar, e ainda mais pernicioso de praticar". De acordo com Nicolau, Frederico "disseminou seu crime, aquele de Sodoma, abertamente, sem tentar ocultá-lo". Alguns estudiosos, talvez de forma um tanto ingênua, sustentaram que as duas paixões são mutuamente exclusivas. O que é incontestável é que Frederico manteve um harém com houris muçulmanas e cristãs e que foi pai de vários filhos ilegítimos, entre eles Manfredo, mais tarde rei da Sicília, e Volante, condessa de Caserta. Assim que se livrou da tutela dos papas, Frederico aplicou suas crenças racionais e seculares ao governo de seus domínios. Após sua coroação como imperador pelo papa Honório III em 1220, ele substituiu por advogados os servidores clericais e feudais em sua administração siciliana e fundou uma universidade em Nápoles para treinar seus funcionários nos métodos legislativos e judiciários da antiga administração romana. O velho papa havia outorgado a coroa imperial a seu refratário pupilo como uma forma de comprometê-lo com a cruzada, e não há dúvida de que Frederico levou a sério seu dever, não porque se preocupasse se Jerusalém estava ou não nas mãos de cristãos, mas porque liderar uma cruzada confirmaria seu status como o soberano supremo da cristandade. Tanto um tipo atávico dos déspotas da Antiguidade quanto um precursor dos ditadores dos tempos modernos, Frederico evitava a virtude cristã da humildade e acabou acreditando em seu próprio direito como imperador - direito esse concedido por Deus - a uma suprema autoridade exercida pelos imperadores romanos de antigamente. "Desde há muito tempo", escreveu ele, "que nosso coração nunca cessa de arder com o desejo de restabelecer na posição de sua antiga dignidade o fundador do Império Romano e sua fundadora, a própria Roma. 1,211 225 OS TEMPLÁRIOS Isso inevitavelmente fez com que ele entrasse em conflito com o papa- do, que reivindicava a mesma, se não uma maior autoridade, e também com as cidades da Liga Lombarda lideradas por Milão, as quais prezavam sua independência; mas em 1221 era do interesse tanto de Frederico II quanto de Honório III que o imperador cumprisse sua promessa e partisse em cruzada. Repetidas vezes Frederico adiou sua partida. Em 1223, sua mulher, Constança de Aragão, morreu. Ela era consideravelmente mais velha do que ele, mas trouxera consigo inestimável ajuda quando eles se casaram em 1209. Agora que estava livre para se casar de novo, a princesa Iolanda de Jerusalém foi proposta como noiva. Seu pai, João de Brienne, tinha vindo à Europa a fim de encontrar um marido para ela, e o casamento foi incentivado pelo grão-mestre da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, Hermann de Salza. Após uma relutância inicial, Frederico concordou. A moça, de dezesseis anos, foi coroada rainha de Jerusalém em Acre e então trazida para a Europa, onde se casou com Frederico na Catedral de Brindisi em 9 de novembro de 1225. Apesar de sua fé na razão, Frederico era governado por previsões astrológicas, e portanto adiou a fruição de sua jovem noiva até a manhã depois das núpcias, um momento propício para gerar um filho de acordo com as estrelas. Ele em seguida seduziu a prima da rainha Iolanda e quebrou sua promessa ao pai dela de que continuaria a ser seu regente, reivindicando seu próprio direito, como marido de Iolanda, de ser rei. Quando se constatou que Iolanda estava grávida, Frederico a enviou para seu harém em Palermo, onde ela deu à luz um menino, Conrado, e alguns dias mais tarde morreu. Em março de 1227, foi a vez de o papa Honório III morrer. Sucedeu-lhe outro membro da família Segni, Ugolino, que tomou o nome de Gregório IX. Como seu tio, o papa Inocêncio III, Gregório IX era canonista e, como legado pontifício, tinha dado a Cruz a Frederico II na sua coroação em 1220. Profundamente devoto, amigo e paladino de Domingos de Gusmão e de Francisco de Assis, ele também era, em comparação com o indiferente Honório III, determinado, intransigente, excepcionalmente enérgico e experiente em política. Outrora íntimo de Frederico II, ele suspeitava de suas intenções, e quando este, depois de zarpar para a Terra Santa, conforme prometido em agosto de 1227, passou uma temporada em Otranto porque estava doente, Gregório o excomungou por deixar de cumprir sua promessa. De fato, o companheiro de Frederico, Luís IV landgrave da Turíngia, morrera de febre, e é provável que Frederico sofresse da mesma doença. Tendo-se recuperado no ano seguinte, ele continuou sua viagem, sem se preocupar em esperar até que o papa suspendesse a excomunhão, o que o fez ser excomungado de novo. O uso evidentemente rápido da sanção máxima da Igreja era considerado necessário por um papa que acreditava que era, 226 FREDERICO DE HOHENSTAUFEN sua obrigação preservar sua autoridade: Gregório IX aceitou inequivoc mente o ponto de vista de Bernardo de Clairvaux de que, embora o impes dor empunhasse a espada temporal, ela só poderia ser tirada de sua bain: por ordem do papa. Em conseqüência da segunda excomunhão, Frederico encontrou cer grau de hostilidade entre o clero latino ao chegara Acre em 1228. A prinl pio, pressupôs-se que, agora que ele finalmente havia cumprido sua prome sã da cruzada, logo se reconciliaria com a Igreja; mas Frederico não demon trava nenhum sinal de arrependimento, e desde sua partida a guerra rebe tara no sul da Itália entre forças imperiais sob o comando de Reinaldo c Spoleto e um exército pontifício liderado pelo humilhado ex-sogro de Fr derico, o ex-rei de Jerusalém, João de Brienne. Em Acre o patriarca recebeu então cartas do papa Gregório IX confi mando a sentença de excomunhão. Isso tirou a autoridade do imperad para comandar a cruzada e, aos olhos da Igreja, anulou os juramentos de fid lidade de seus vassalos. De qualquer modo, as forças cristãs não eram grau des-os barões do ultramar, cerca de 800 cavaleiros peregrinos e 10.000 sc dado de infantaria -, e dividiram-se em duas facções: uma leal ao imper dor e a outra à Igreja, sob o patriarca Gerold. O grão-mestre dos cavaleirl teutônicos, Hermann de Salza, apoiou seu amigo Frederico, mas o Templo o Hospital recusaram-se a receber ordens do excomungado. Da perspectiva de Frederico, esse racha nas lealdades dos latint.s só t~ ria importado se ele tivesse contemplada uma guerra. Com efeito, a fraque za das forças à sua disposição reforçava sua inclinação a obter pela diplom; cia o que não pudesse ser tomado pela força. Os augúrios eram bons. Mesm antes de deixar a Sicília, Frederico tinha recebido em sua corte em Palerm o emir Fakhr ad-Din ibn as-Shaikh, um emissário do sultão do Egito, o sobr nho de Saladino, alKamil - este último ofereceu devolver Jerusalém ac cristãos em troca de ajuda militar contra seus inimigos mais a leste. Freder co, por sua vez, enviou o bispo de Palermo e Tomás de Acerra ao Cairo cor presentes valiosos e protestos de amizade; Fakhr ad-Din voltou mais um vez a Palermo, onde ele e Frederico tornaram-se amigos íntimos. Por ocasião da chegada de Frederico à Palestina, as circunstâncias ti nham mudado dentro do império ayyúbida, e al-Kamil tornara-se completa mente cônscio do dano que seria causado à sua reputação no mundo islâmic se ele devolvesse Jerusalém aos francos. Frederico enviou emissários al-Kamil, agora em Nablus, para lembra-lo de sua promessa de entregar Je rusalém. Enquanto al-Kamil prevaricava, Frederico fez esporádicas e em su maior parte fracassadas tentativas de afirmar sua autoridade. Numa ocasião ele tentou apossar-se do Castelo Peregrino, mas os templários fecharam-lhe OS TIEMPLÁRIOS os portões. animosidade da Ordem contra o imperador foi possivelmente exacerbad2pelo favor que ele demonstrara para com a Ordem dos Cavaleiros Teutôrcos e pela presença, entre os templários, de vários cavaleiros da Apúlia quese tinham rebelado contra Frederico e em seguida procurado refúgio, tohando o hábito branco do Templo. Em noembro de 1228, Frederico decidiu persuadir seu amigo al-Kamil com uma d;monstração de força. Ele partiu de Acre e marchou para o sul. Os cavaleiros ca Templo e do Hospital recusaram-se a colocar-se sob suas ordens, mas seguirm um dia depois. Quando o exército chegou a Arsuf, Frederico concordou,m delegar o comando a líderes que não estavam sob a excomunhão da Igeja, e portanto as ordens militares aliaram-se à força principal. Nem Irederico nem al-Kamil desejavam uma guerra, não só porque as forças de Federico eram insuficientes e al-Kamil estava sitiando Damasco, mas tambén porque eram homens de mentalidade semelhante. Durante os longos meus de negociações, Faklnr ad-Din tinha sido o canal de freqüentes intercâmbios entre o imperador e lo sultão que nada tinham a ver com os assuntos imediatos. Por intermédio de Fakhr ad-Din, Frederico pediu ao sultão que coisultasse seus eruditos ;a respeito de profundas questões filosóficas, como', origem do universo, a ]imortalidade da alma e a lógica de Aristóteles. Meios fervoroso como mluçulmano do que seu irmão, Saladino, ai-Kamil sinpatizou com esse intelectual cético e mandou-lhe presentes para tornarsua estada na Palestinas mais agradável. "É com a maior vergonha e desgraça`, escreveu o patriarca (Gerold ao papa Gregório IX, "que vos comunicamos que foi dito que o sult ão, ao saber do prazer do imperador de viver à manera dos sarracenos, enviou-lhe jovens cantoras e prestidigitadores, pessoas que eram não só de má reputação, mas indignas até mesmo de serem mencionadas entre cristãos. 11261 No qu; foi provavelmente o ponto alto da ironia na história das cruzadas, dois himens essencialmente ürreligiosos disputavam uma cidade com a qual nenhim deles se importava como tal, porém ambos conscientes do que ela significava em termos do prestígio deles. "Foste tu quem instou comigo para que fizesse esta viagem", escreveu Frederico a ai-Kamil, segundo cronistas árab_-s. "O papa e todos os reis do Ocidente agora sabem da minha missão. Se eu regressar de mãos abanando, perderei muito prestígio. Por piedade, dd_me Jerusalém, para que eu possa manter minha cabeça erguida." Ao que al-kamil retrucou: "Se eu te entregar Jerusalém, isso poderá resultar não apenas numa condenação de minhas ações pelo califa, como também numa insu:reição religiosa que ameaçaria meu trono".Z68No fim, o senso de honra de al_Kamil prevaleceu. Fre derico tinha ido para o Oriente a um convite seu e qeveria receber algo errn troca. No dia 18 de fevereiro de 1229, foi FREDERICO DE HOHENSTAUFEN assinado um tratado que devolvia Jerusalém ao domínio cristão. També foram cedidas Belém, uma faixa de terra da costa em Jafa, Nazaré e partes Galiléia que abrangiam os castelos de Montfort e Toron. Em Jerusalém, monte do Templo, com a Cúpula da Rocha e a mesquita al-Aqsa, deveria pe manecer em mãos muçulmanas, com livre acesso concedido aos muçulman que quisessem ir lá para orar. Todos os prisioneiros teriam de ser libertados, fez-se um acordo de trégua nos dez anos seguintes. Para chegar a esse acordo histórico, nenhum dos governantes recebe agradecimentos: alKamil foi execrado por seus imãs por sua traição do Isl enquanto no lado cristão apenas os partidários de Frederico, sobretudo os s cilianos e os alemães, elogiaram o tratado. "O que mais pecadores pode desejar", perguntou o poeta e cruzado alemão Friedank, "senão o sepulcro a gloriosa cruz?" A resposta, na mente do patriarca, dos peregrinos cruzado e das duas principais ordens militares, foi um triunfo militar. Parecia reba xar o valor penitencia) do voto de partirem cruzada o fato de que ele tivess sido cumprido sem derramamento de sangue. No tratado, não se fez nenht ma menção a Cristo ou à Igreja; tampouco a cidade deveria ser purificad dos infiéis. Encolerizou em particular os templários o fato de sua sede n monte do Templo continuar a ser uma mesquita. Também houve as mesmas objeções estratégicas ao acordo que unhar sido feitas quando ele foi proposto por al-Kamil ao cardeal Pelágio durant a Quinta Cruzada. Jerusalém e Belém permaneceram isoladas das cidade litorâneas, ligadas apenas por uma estreita faixa de terra. Eles tampouc queriam reconhecer uma proeza que aumentaria o poder de Frederico contribuindo para seu prestígio. Assim, em 17 de março de 1229, quando Frederico fez uma entrada cerimonial na Cidade Santa, os barões nativo permaneceram a distância, bem como os cavaleiros do Templo e do Hospi tal e todo o clero latino, obedientes ao interdito que fora pronunciado con tra Jerusalém pelo patriarca Gerold, caso o imperador Frederico passasse por suas portas. Apenas o leal Hermann de Salza e seus cavaleiros teutôni cos e os bispos ingleses de Winchester e Exeter acompanhavam-no, ma; eles não ousaram desafiar o interdito. Quando Frederico entrou na Igreja do Santo Sepulcro, não se achava sequer um bispo ou padre. Ele portanto pegou a coroa do reino de Jerusalém e a colocou na própria cabeça. Hermann de Salza então leu um discurso em latim e alemão - uma apologia do imperador, que perdoava o papa por opor-se a ele, prometendo fazer tudo o que estivesse em seu poder como "Vigário de Deus na terra" que repercutiria "para honra de Deus, da Igreja cristã e do Império". Depois disso, o imperador do Ocidente fez um passeio pela Cidade Santa, visitando santuários muçulmanos e cristãos. AI-Kamil havia ordenado aos OS TEMIPLARIOS mulás na mesquita al-Aqsa que se abs;tivessem de chamar os fiéis para as orações. Frederico os censurou, afirmando que foi precisamente para ouvir a chamada para as orações que ele tinha ido a Jerusalém. Quando um sacerdote católico tentou segui-lo na Cúpula da Rocha, Frederico o pôs para fora, di- zendo: "Por Deus, se algum de vós ousar pôr os pés aqui de novo sem permissão, eu lhe arrancarei os olhos". Quando lhe disseram que a treliça de madeira à entrada da Cúpula visava ai evitar a entrada de pássaros, ele disse, empregando o ofensivo termo usado pelos muçulmanos para os francos: "Deus agora vos enviou os porcos". Frederico não se demorou em Jerusalém. Notícias de contratempos na Itália tornaram imperativo seu regresso à Europa. Deixandovários cavaleiros da Ordem Teutônica para guarnecer a cidade, e instruções para a reconstrução de suas torres e muralhas, ele retornou a Acre. Aí o patriarca Gerold, junto com os templários, estava recrutando um exército para apossar-se de Jerusalém em nome do papa e para avançar contra o sultão de Damasco, que não tinha concordado com a trégua.. Frederico objetou, mas Gerold recusou-se a ouvir o imperador excomungado. A própria Acre estava em desordem. A nobreza nativa estava furiosa por não ter sido consultada acerca do acordo; os venezianos e os genoveses estavam ressentidos da preferência que Frederico demonstrara pelos pisanos, seus aliados na Itália; e havia motins entre a populaça contra a guarnição imperial. Para afirmar sua autoridade, Frederico convocou todos os cidadãos, prelados, barões e peregrinos para justificar suas próprias ações e queixar-se da hostilidade do patriarca e dos templários. A assembléia não foi persuadida, e Frederico apelou para a coerção. Ele ordenou a suas tropas que fechassem as portas da cidade a seus inimigos, incluindo os templários, e cercou o palácio do patriarca e a fortaleza dos templários. Ele tinha planos de seqüestrar Pedro de Montaigu, o grão- mestre do Templo, e João de Ibelin, senhor de Beirute, mas ambos estavam bem protegidos demais para que tais planos fossem postos em prática. Nomeando baillis para representarem seus interesses, cujas boas relações com seus opositores expunham a realidade de sua derrota, e destruindo todas as armas que poderiam ter caído nas mãos de seus inimigos, Frederico marcou para 1° de maio a data de sua partida. De madrugada, quando ele se dirigia de seu palácio para o porto pela Rua do Açougue, os zombeteiros cidadãos de Acre cobriram-lhe de detritos. O Reino de Acre No seu regresso à Itália, Frederico obteve maior êxito ao frustrar os planos do papa do que tivera ao vencer a oposição dos aliados deste no ultramar. O exército pontíficio que sitiava Capua sob o comando dos dois veteranos, João de Brienne e o cardeal Pelágio, bateu em retirada e depois desintegrou-se quando Frederico marchou para socorrer a cidade. João de Brienne foi obrigado a fugir para a Champagne, sua terra natal. Os templários pagaram um preço pela sua rebeldia: suas casas na Sicília foram tomadas pelas forças imperiais, e cem escravos muçulmanos que pertenciam aos templários e aos hospitalários foram devolvidos aos sarracenos sem que nenhuma indenização fosse paga às ordens."' O legado de Frederico à Terra Santa era uma Jerusalém livre, mas uma Jerusalém tão estrategicamente vulnerável que "permaneceu uma cidade aberta",2'° uma administração imperial sob o marechal Ricardo Filangieri, que estava constantemente em guerra com os barões nativos sob João de Ibelin tanto na Palestina quanto em Chipre. O rei titular de Jerusalém era Comado, filho da rainha Iolanda com Frederico II, mas mesmo quando atingiu a maioridade Comado não foi para o Oriente a fim de reivindicar sua coroa, o que fez os barões declararem-na confiscada por negligência e expulsarem Filangieri de Tiro. Alice de Chipre foi escolhida como regente pela Alta Corte de Jerusalém, mas o reino era na verdade governado por uma oligarquia da nobreza franca que "desenvolveu um interesse entusiástico e até fanático pelo direito e pela legitimidade. Em nenhuma aristocracia cristã da época, o conhecimento do direito e do processo consuetudinários e o domínio das complexidades do direito constitucional eram tão cultivados e nutridos como no reino latino". Não havia universidades no ultramar, nem eruditos ou homens de letras, exceto Guilherme de Tiro. "Todas as energias intelectuais parecem ter sido concentradas no estudo do direito. 11271 Nesse estado de pedante anarquia, as ordens militares agiam com a autonomia de Estados soberanos. No norte, nas décadas de 1220 e 1230, os templários tentaram expandir-se para o território de Alepo a partir de sua 231 OS TEMPLÁRIOS base em Gaston, nos montes Amanus, tornando-o "um território semi-independente, no qual os templários agiam com autonomia, pouco consultando seus senhores nominais na Cilício".z'Z Na Síria e na Palestina, também, a riqueza e o poder dos templários aumentaram porque a nobreza do ultramar, cujos feudos estavam agora restritos aos enclaves nas proximidades das cidades litorâneas, não tinha condições de guarnecer seus castelos e portanto os transferira para as ordens militares -em 1186, por exemplo, Marqab, uma das maiores e mais fortes praças fortificadas da Síria, foi vendida à Ordem do Hospital porque seu senhor já não podia administrá-la. 273 , Alguns membros da nobreza nativa prosperaram, notavelmente os Ibe- ~.' lins, cujo luxuoso palácio em Beirute maravilhou um emissário da corte imperial alemã; mas os recursos que propiciavam esse luxo originavam-se agora r, menos da terra do que dos lucros que poderiam ser auferidos do comércio. Acre havia se transformado num centro comercial em igualdade de condi- '' ções com Constantinopla e Alexandria: a renda anual dos reis de Jerusalém proveniente de Acre era estimada em 50.000 libras de prata e superior à do ~;á rei da Inglaterra na época. Mercadores de Damasco para aí afluíam a fim de comerciarem com açúcar, corantes e especiarias. Grande parte do açúcar ,É consumido na Europa era exportada de Acre junto com uma multiplicidade 5~` de produtos exóticos que não só abasteciam, mas criavam um mercado para artigos de luxo no Ocidente."' Por sua vez, os 250.000 habitantes do ultramar proporcionavam um mercado para exportações européias, tais como capas e boinas da Champagne, e o interior muçulmano, para ferro, madeira, A produtos têxteis e peles. Também havia um ativo mercado de escravos, quer prisioneiros muçulmanos, quer gregos, búlgaros, rutenos e valáquios importados por mercadores das repúblicas italianas. Estes eram vendidos como muçulmanos, já que por lei nenhum cristão poderia se escravizado; mas os mercadores de escravos desconsideravam esse estatuto e os donos proibiam a conversão de seus escravos. No início do século XIII, um bispo latino queixou-se de que "osf . cristãos continuamente recusavam o batismo de seus escravos muçulmanos, '; embora estes o solicitassem com seriedade e em lágrimas";, 275 e em 1237 o papa Gregório IX queixou-se do mesmo abuso aos bispos da Síria e aos, ;a grão-mestres das ordens militares. A conversão individual de muçulmanos livres também ocorria, levando à assimilação à população síria cristã. Havia uma ampla opção de igrejas cristãs - Católica, Ortodoxa Grega, Maronita, Armênia, Jacobita e Nestoriana -,' mas as tentativas ocasionais em Roma e Constantinopla para uni-las só foram bem-sucedidas com os maronitas no Líbano. Fossem quais fossem ~'' intenções dos papas, o clero latino estava apenas interessado numa unis O REINO DE ACRE com outras igrejas que assegurasse sua preeminência. Não só as igrejas não quiseram unir-se, mas também não havia integração das diferentes comunidades cristãs. O tratamento que os latinos dispensavam aos cristãos nativos era um pouco melhor do que aquele dispensado por eles aos muçulmanos, aos judeus e aos samaritanos.z'6 Dado o grande esforço missionário da Igreja Católica nos séculos IX e X, parece enigmático que os vitoriosos cruzados quase não se tenham empenhado em ,,, ---erter os muçulmanos sob seu domínio. Com certeza, a conversão nunca foi um objetivo das cruzadas em si. Embora o papa Urbano II sem dúvida quisesse ajudar o imperador bizantino, e talvez desviar a destrutiva agressão dos guerreiros francos para uma causa nobre, suas intenções primárias eram, como as de Bernardo de Clairvaux, a reconquista cristã dos Lugares Santos e a salvação da alma do cruzado. Foi somente no começo do século XIII que encontramos a gênese de um esforço missionário, e, o que não é de surpreender, na Espanha, onde o êxito da Reconquista havia colocado um grande número de muçulmanos sob controle cristão. Digno de nota é o fato de o bispo espanhol Diego de Osma e seu companheiro Domingos de Gusmão terem pedido ao papa Inocêncio III que os deixasse pregar o Evangelho não aos sarracenos, mas aos pagãos da região do Vístula. Contudo, por volta de 1255, Humberto de Romans, o mestre-geral dos dominicanos, solicitou aos frades que estudassem árabe e se empenhassem na conversão dos sarracenos. Francisco de Assis, ao cruzar as linhas entre as forças cristãs e muçulmanas no cerco de Damieta para pregar ao sultão al-Kamil no Cairo, deu um exemplo que seus frades mendicantes seguiriam, sua conduta pacífica granjeando-lhes o privilégio de agir como os guardiães dos Lugares Santos, quando estes voltaram ao controle muçulmano. Todavia, Francisco de Assis não desaprovava a participação em cruzadas. Ele admirava os heróis de Roncesvalles conforme descritos na Canção de Rolando, considerava como mártires aqueles que morreram combatendo o infiel, aceitava o direito dos cristãos à Terra Santa e achava que se poderia deduzir do Evangelho que a cruzada era um ato legítimo de retribuição pela violenta conquista de território cristão pelos sarracenos e por suas blasfêmias contra Cristo.'" Praticamente, o único bispo latino que fez uma tentativa de converter os muçulmanos na Terra Santa foi o prelado francês Jacques de Vltry, que foi nomeado bispo de Acre. Ele tinha pouco apreço por seus correligionários na Terra Santa e escreveu ao papa que os cristãos nativos tinham tanta aversão aos latinos que preferiam ser governados pelos muçulmanos, e que os latinos haviam se tornado nativos, levando uma vida indolente, luxuosa e imoral. O clero local era ganancioso e corrupto, ao passo que os mercadores italianos 233 OS TEMPLÁRIOS ;sraam sempre às turras uns com os outros. As únicas instiuições que,ele ulgo'a que poderia respeitar eram as ordens militares. Conquanto Jacques de Vrtry fosse extraordinário na pregção da fé cartóica ~os muçulmanos no ultramar, ele não a via como uma âernativa para antpiiaro domínio cristão pela força. Cruzado entusiástico,acompanho1u o caidã Pelágio ao delta do Nilo. Também defendeu as ordens militares,,em particular os templários, da acusação de que estavam desobdec- do à in)unç0 de Jesus a Pedro no Evangelho de Mateus para embaiinar sua espada - um argumento proposto na Europa não apenas pelos herticos cátaros e valdnses, como também por clérigos como Walter Map, range da Abatdia de Sento Albano. Num de seus sermões pregados aos cavaleios do Templlo e q,jeioram preservados, Jacques de Vitry lhes díz que não cêem ouvidos a taisugumentos de "falsos cristãos, sarracenos e beduínos".'8 D próprio fato de Jacques de Vitry julgar necessário tranlüilizar os templários dessa forma sugere que eles ainda sentiam que estavan seguindo um chamado religioso. Embora eles apareçam nos registros históicos sobretludo atra~ésde seu papel na guerra, ou através da atitude polítia assumida por seuslideres, o cavaleiro ordinário parece ter conservado a severa regra estabelecida no Concílio de Troyes. Numa época em que as orc~ns monástiicas sáoireqüentemente acusadas de falta de firmeza e corrupção, nenhuma acwrção desse tipo parece ter sido feita contra os cavaleiras. Vivendo não corro odor de incenso, mas de esterco de cavalo, couro e seor, eles devirem ter-se conscientizado do grau de desgaste entre os que servirm na Palesttina e conhecido que mais cedo ou mais tarde morreriam nas nãos dos inümigosla sua fé. Se olharmos mais uma vez para a regra e os atos penitenciais que vieram aseredigidos em meados do século XII, teremos a impresúo de uma wida aosiera, com estrita disciplina e severa punição de qualqier transgressão dos-egulamentos. O principal consolo humano dos cavaleiras era provaivelrnerrea companhia dos outros cavaleiros que tinham origen semelhantee. A amizade, como vimos, era altamente apreciada na Ordem Cisterciense, e penebe-se pela regra que, apesar da rivalidade entre as duas ordens- rrivalidaJe essa que de vez em quando se manifestava em conflito aberto -, a canrradagem dos cavaleiros e sargentos da Ordem do Templo tambéml era senda para com os irmãos da Ordem do Hospital. Os templários tinhalm de obter permissão de seus superiores para comer ou beber ri,, companhiaa de outos religiosos, ou para visitar seus alojamentos, a menos que fosserrn os bos~italários. Em batalha, era em volta do estandarte do Hospital que: um templário tinha de se reunir se perdesse de vista o estandarte militar de; sua ordem; e em 1260, quando um contingente de templários recebeu de seu 234 O REINO DE ACRE superior ordens para retirar-se de Jerusalém, seu comand arZ te não o teria feito sem os hospitalários que se haviam juntado a eles. As relações homossexuais entre os cavaleiros eram consideradas como uma grave infração ca regra, um crime "contra a natureza e contra a lei de Nosso Senhor". Nos atos penitenciais, essa infração situa -se entre a perda da fé em Cristo e a deserção no campo de batalha, todos punidos com a expulsão da Ordem. Oestudo de um exemplo fornecido no parágrafo 573 dos atos penite..;.:-is descreve como, quando o caso de três irmãos no Castelo Peregrino "que cometeram um pecado imoral e se acariciaram mutuamente em seus aposentos à noite" foi levado à atenção do grão-mestre, ele quis evitar levá-lo perante o capítulo do Templo "porque o ato era ofensivo demais". Em vez disso, eles foram convocados a Acre, onde tiveram ele tirar seus hábitos e foram postos a `erro. Um deles, chamado Lucas, fugiu e desertou para os muçulmanos; o segundo tentou fugir, mas morreu durante a tentativa; o terceiro "ficou na prisão por muito tempo"."' Entre os principais vícios atribuídos aos templários estava a avareza. A riqueza gerada pelas propriedades dos templários onde a generosidade de doadores pios tinha sido explorada por uma administração eficiente inspirou inveja e ressentimento naqueles na Europa que ignoravam as enormes despesas que pesavam sobre a Ordem, não só na Terra Santa mas por toda a cristandade. O Templo, como o Hospital, era uma força multinacional cujos fundos eram providos por uma corporação multinacional que combatia os inimigos da Igreja etn várias frentes. Seis cavaleiros do Templo morreram lutando contra os mongóis na batalha de Legnica, na Europa Oriental, em 1241. O Templo continuava a ser uma potência considerável em Portugal e na Espanha, embora sua relativa contribuição para a Reconquista tivesse declinado: quando os cristãos atacaram Maiorca em 1229, os templários contribuíram com apenas cerca de quatro por cento da força. Mesmo em Aragão se aceitava que a principal missão dos templários era na Terra Santa: recrutas para a Ordem, cavalos e entre um terço e um décimo de sua receita eram enviados para o Oriente.Z$° Da mesma forma que instituições de caridade modernas criam investimentos, os templários usavam seus fundos não só para darem continuidade à guerra contra os sarracenos, mas também para expandirem suas propriedades no Oriente. Quando João de Ibelin estava desesperado para arrecadar fundos a fim de combater Frederico II, ele obteve o dinheiro vendendo terras ao Templo e ao Hospital. Esse reinvestimento da renda dos templários foi alvo de críticas do papa Gregório IX: "muitas pessoas foram forçadas à conclusão", escreveu ele ao grão-mestre, "de que vosso principal objetivo é aumentar vossas propriedades nas terras dos fiéis, quando deveria ser tomar 235 OS TEMPLÁRIOS das mãos dos infiéis as terras consagradas ao sangue de Cristo"."' Eles também foram acusados de ser brandos com os muçulmanos, recebendo-os em suas casas e permitindo-lhes que rezassem a Alá nas comunidades dos templários; por ironia, essa acusação foi feita por Frederico II numa carta a Ricardo, conde da Comualha, em 1245. A Ordem também gastava prodigamente na sede da sua corporação na cidade de Acre, a qual, repudiando a administração do governador de Frederico, Ricardo Filangieri, era administrada por uma comuna. Os diferentes bairros da cidade eram "repúblicas em miniatura cercadas por muralhas e torres";282 suas ruas, conforme descritas pelo escritor muçulmano lbn Jubayr, "estão atulhadas pela multidão de homens, de modo que é difícil pôr o pé no chão. Ela cheira mal e é imunda, estando repleta de lixo e excrementos"."' O complexo do Templo ficava nos contrafortes da cidade que davam para o mar e formava um trecho essencial às defesas da cidade. "À entrada", escreveu o templário de Tiro, havia uma fortificação muito alta e forte, com muralhas muito grossas, um bloco de seis metros. De cada lado da fortaleza havia uma pequena torre, e em cada uma delas um leão passante tão grande quanto um boi cevado, todo coberto de ouro. O preço dos quatro leões, incluídos o material e a mão-de-obra, era de 1.500 besants sarracenos. Era maravihoso de contemplar. Do outro lado, em direção ao bairro pisano, existia uma torre. Bem próximo, acima do mosteiro de freiras de Santa Ana, havia outra torre enorme com sinos e uma igreja maravilhosa e altís sima. Além disso, havia uma torre na praia. Era uma torre antiga, de cem anos, construída por ordem de Saladino. Aí os templários guardavam seu tesouro. Essa torre ficava tão perto da praia que as ondas do mar nela batiam. E existiam muitas outras belas habitações no Templo, que me absterei de mencionar .214 Contudo, muitas das acusações feitas contra os templários eram contraditadas por outros. Quando o rei Jaime I de Aragão, no Segundo Concílio de Lyon, acusou os templários de deliberadamente atrasarem a decisão a respeito de uma nova cruzada contra os mouros, a acusação não foi apoiada pelos demais membros da delegação espanhola;"5 e o franciscano inglês Roger Bacon atacou não a pusilanimidade, mas a agressividade dos templários, que para ele impedia a conversão de muçulmanos ao cristianismo. Além disso, todas as ordens religiosas nesse período, com a exceção dos cartuxos, foram criticadas por sua extravagância e pela traição de seus objetivos originais - o Templo, de modo geral, menos do que as ordens de monges e frades. Os leões de ouro eram ;sem dúvida desnecessários, e Hugo de Payns não pode ter contemplado o mestre dos seus Pobres Soldados de Jesus Cristo vivendo num palácio; mas a proporção de recursos destinados pelo Templo 236 O REINO DE ACRE aos objetivos de sua fundação original teria sido comparada de forma favorável com a de outras instituições religiosas e até com algumas instituições de caridade de hoje. Com certeza, os papas, embora ocasionalmente repreendessem o Templo, eram efusivos no elogio das ordens militares em suas bulas e continuavam a defendê-las pela concessão de privilégios e isenções. Também estava claro que as finanças das ordens militares foram afetadas em conseqüência de despesas que aumentavam inexoravelmente. A terra necessária para equipar e manter um cavaleiro burgúndio em 1180 atingia cerca de 750 acres; pelos meados do século XIII isso havia quintuplicado, chegando a quase 4.000 acres;"' o custo, bem como a importância militar, transformava um cavaleiro completamente armado, com seu séquito de escudeiros e sargentos, no equivalente de um tanque pesado de hoje. Apesar da evidência de que o Templo tinha com freqüência dinheiro à disposição, suas despesas administrativas eram consideráveis: nos Estados lati- nos do ultramar, eles guarneceram e mantinham pelo menos cinqüenta e três castelos ou estações de posta fortificadas, que abrangiam de grandes fortalezas, como o Castelo Peregrino, a pequenas torres de vigia nas rotas dos peregrinos. No apogeu da prosperidade da Ordem, existiam quase mil comunidades dos templários na Europa e no Oriente, e cerca de 7.000 mem- bros. Estima-se que o número de auxiliares não-professos e dependentes tenha sido sete ou oito vezes esse número. A proporção entre pessoal de apoio e combatentes era de cerca de 3:2.28' Por volta de meados do século XII, a Ordem havia construído sua própria frota de galeras, que transportava cavalos, cereais, armas, peregrinos e pessoal militar. As companhias de transporte tradicionais sofriam com essa competição pelo lucrativo transporte de peregrinos, e em 1134 a cidade de Marselha limitou os templários a um embarque de peregrinos por ano. 288 A despeito de seu envolvimento nos aspectos financeiros, logísticos e mffi 1 i itares da guerra, os templários não parecem ter perdido de vista seu com- promisso de defender a Terra Santa e reconquistar Jerusalém. Uma das primeiras traduções do latim para o vernáculo foi a do Livro dos Juízes, enco- mendada pelo Templo, a fim de que, nas palavras de sua introdução, eles pudessem aprender do "cavalheirismo" do período e ver "que honra é portanto servir a Deus e como Ele recompensa os seus 11.181 Uma vez que a maioria dos cavaleiros, dos escudeiros e dos sargentos eram analfabetos, tais leituras visavam não apenas à sua instrução, mas a manter seu estado de ânimo. O Livro dos Juízes foi uma boa escolha. Enquanto o Livro de Josué descreve a conquista da Terra Prometida pelos judeus numa série de eficazes campanhas militares, "o Livro dos Juízes a vê como um fenômeno mais complexo e gradual, pontuado por êxito e fracasso parciais". Havia uma íntima e inquestionáOS TEMPLÁRIOS vel identificação dos cristãos na Palestina com os israelitas de antigamente. As narrativas do Antigo Testamento, ao contrário dos ditos de Jesus no Novvo, entendem que a pilhagem sistemática do inimigo é parte da guerra e, naturalmente, que não só é permitida, mas na verdade ordenada por Deus,ZVo Em 1239, o tratado de Frederico II com o sultão egípcio al-Kamil deveria expirar. Ciente disso, o papa Gregório IX pregou outra cruzada. Ela foi encorrajada pelos reis da França e da Inglaterra, mas nenhum deles tomou a Crwz. Em vez disso, como nos dias da Primeira Cruzada, nobres francos de mentor importância partiram para a Terra Santa, lideradospor Teobaldo, conde ode Champagne. Ele era primo dos reis da Inglaterra, da França e de Chipre:, e via a cruzada como o apogeu da bravura cavalheiresca: "é cego", disse eile, "quem nem uma vez na vida cruzou o mar para ir em auxílio de Deus".z9'1 A complexidade da situação política na Terra Santa confundia os novros cruzados, e os conselhos que eles recebiam eram contraditórios. Os ayyúlbidas estavam era guerra uns com os outros, e Ismail, o sultão de Damascco, propôs um acordo com os francos contra seu sobrinho Ayyub, filho de al-Kamil, agora sultão do Cairo. Em retribuição pela defesa da fronteira qlue dava para o deserto do Sinai, ele lhes daria as fortalezas de Beaufort e Safeed. Antes de Hattin, Safed pertencera aos templários, eeles estavam agora ansiosos da sua devolução. O acordo foi firmado, e em conseqüência as propriedades dos latinos na Palestina eram agora mais numerosas do que em qualquer época desde Hattin; mas o custo foi considerável para ambas as partes. Muitos muçulmanos zelosos entre os damascenos desertaram para os egípcios, ao passo que no lado cristão ele levou a uma animosidade total entre os templários e; os hospitalários, que até então tinham formado uma frente comum contra, os lacaios de Frederico II. Ignorando o acordo firmado com Ismail em Damasco, os hospitalários; assinaram um tratado com Ayyub no Cairo. Essa foi a confusa situação que Ricardo, conde da Cornualha, sobrinho de Ricardo Coração de Leão, irmão de rei Henrique 111 e cunhado do imperador Frederico II, encontrou ao chegar à Terra Santa. Aos 32 anos, ele já tinha firmado uma reputação de coragem e competência. Ele veio com recursos consideráveis e também com a plena autoridade do imperador, que, após a morte da infeliz rainha Iolanda de Jerusalém, desposara a princesa Isabel da Inglaterra. Ricardo encontrou o reino de Jerusalém num estado de caos, mas com tato e energia chegou a um acordo tanto com Damasco quanto com o Egito que resultou na; libertação de todos os prisioneiros cristãos mantidos no Cairo e na confirmaação da posse pelos latinos das terras recentemente cedidas. 238 O REINO DE ACRE Mas ele mal havia zarpado para a Inglaterra quando esse acordo se desfez. O grão-mestre do Templo, Armando de Périgord, ignorou o tratado com o Egito e em 1242 atacou a cidade de Hebron, que tinha permanecido nas mãos dos muçulmanos. Em seguida, após uma fraca reação dos egípcios, os templários tomaram Nablus, queimaram sua mesquita e mataram muitos de seus habitantes muçulmanos e também cristãos. Quase ao mesmo tempo, o bailli imperial, Ricardo Filangieri, tentou reimpor a autoridade de Frederico II em Acre com a ajuda dos hospitalários. O golpe fracassou, resultando num cerco de seis meses do Hospital composto pelas forças do líder dos barões latinos, Balião de Ibelin, auxiliado pelos templários. Esse conflito aberto entre as duas ordens militares escandalizou a opinião pública na Europa, e a culpa foi atribuída aos templários pelos cronistas que apoiavam o grupo imperial, como o monge da Abadia de Santo Albano, Mateus Paris. Os templários, escreveu ele, não permitiam, que se enviasse comida ao complexo do Hospital ou que os hospitalários trouxessem seus mortos para fora. Eles também expulsaram os cavaleiros teutônicos de algumas de suas propriedades: como era escandaloso que "aqueles que se tinham abarrotado de tantas rendas, a fim de serem capazes de atacar de modo eficaz os sarracenos, estivessem impiamente dirigindo a violência e o rancor contra os cristãos, na verdade contra seus próprios irmãos, atraindo assim, da forma mais grave, a ira de Deus sobre eles".z93 Não pode haver dúvida de que o Templo, sob Armando de Périgord, era um grupo antümperial que apoiava Alice, a rainha de Chipre, como regente do reino de Jerusalém e aceitou a legalidade de se excluir Comado, filho da rainha Iolanda com Frederico II, quando ele atingiu a maioridade em abril de 1243, argumentando que ele não visitara a Terra Santa para reivindicar a coroa. Nisso eles não estavam sozinhos. Os venezianos e os genoveses eram da mesma opinião, e no verão de 1243 aliaram-se aos barões do ultramar na expulsão de Filangieri e dos imperialistas de Tiro. Mas isso não foi necessariamente uma expressão de inveja ou da busca de seus próprios interesses pela Ordem. Numa carta a Roberto de Sandford escrita em 1243, Armando de Périgord explicava os fundamentos de seu plano de ação. Emissários dos templários que tinham sido enviados ao Cairo estavam sendo mantidos em virtual cativeiro. Não se podia confiar nos egípcios, que estavam apenas ganhando tempo. Em compensação, a aliança com Damasco havia assegurado não apenas a devolução de várias fortalezas e extenso território, como também a expulsão dos muçulmanos que permaneceram em Jerusalém. Para consolidar a aliança damascena, o príncipe muçulmano de Homs, ai-Mansur Ibrahim, foi convidado a Acre, onde foi prodigamente recebido no Templo. As comemorações foram prematuras. Para conter as forças que se ali- 2i9 OS TEMPLÁRIOS nharam contra ele, o sultão egípcio Ayyub recorreu a uma tribo selvagem de nômades mercenários que haviam se estabelecido perto de Edessa, os turcos khwarezrnitas. Em junho de 1244, uma força de dez mil soldados de cava, laria khwarezmitas invadiu o território damasceno e, passando ao largo da pró. pria Damasco, dirigiu-se para a Galiléia e capturou Tiberíades. No dia 11 de junho, os khwarezmitas chegaram a Jerusalém e romperam suas frágeis dele. sãs. Por algum tempo sua guarnição resistiu, mas em 23 de agosto, num salvo-conduto assegurado pelo senhor muçulmano de Kerak, a guarnição e toda a população cristã deixaram a cidade em direção a Jafa, e então, vendo bandeiras francas nas muralhas de Jerusalém e imaginando que a cidade tinha sido socorrida, regressaram, apenas para serem massacrados pelos khwarezmitas, que estavam à sua espera. Somente trezentos deles alcançaram Jafa. Os khwarezmitas então saquearam a cidade, desenterraram os ossos de Godofredo de Bouillon e dos outros reis de Jerusalém enterrados na Igreja do Santo Sepulcro e mataram os poucos padres que ali tinham permanecido, antes de atearem fogo à igreja. Em seguida, após evacuarem a cidade vazia, cavalgaram para a costa, juntando-se ao exército egípcio do sultão Ayyub em Gaza, sob o comando de um jovem oficial muçulmano, Rukn ad-Din Baibars. Em 17 de outubro de 1244, numa planície arenosa perto da aldeia de Herbiya conhecida pelos francos como Lã Forbie, essa hoste egípcia confrontou-se com os exércitos associados de Damasco e de Acre. As forças damascenas eram lideradas pelo príncipe de Homs, ai-Mansur Ibrahim, e incluía um contingente de soldados de cavalaria beduínos sob o senhor de Kerak, anNasir. O exército cristão era o mais considerável que tinha sido reunido desde Hattin. Havia seiscentos cavaleiros seculares sob Filipe de Montfort e Gualtério de 8rienne e seiscentos do Templo e do Hospital liderados por seus grão-mestres, Armando de Pé rigord e Guilherme de Châteauneuf. Também havia vários cavaleiros teutônicos e um contingente de Antioquia. Como eri7 Hattin, houve uma controvérsia entre os aliados sobre se deveriam atacar ou permanecer na defensiva: ai-Mansur Ibrahim era a favor da segunda alternativa, Gualtério de Brienne, da primeira, e foi o ponto de vista de Gualtério de Brienne que prevaleceu. O superior exército aliado avançou contra os egípcios, mas estes fizeram face a ele e a cavalaria khwarezmita atacou o seu flanco. As tropas damascenas puseramse em fuga, e com elas seguiu an-Nasir, o senhor de Kerak. Numa questão de horas, o exército latino foi destruído. Pelo menos 5.000 foram mortos e 800 prisioneiros foram levados para o Egito, entre eles o grão-mestre do Templo, Armando de Périgord. A perda total do Templo foi de 260 a 300 cavaleiros. Dos cavaleiros das ordens militares, apenas trinta e três templários, vinte e seis hospitalários e três cavaleiros teutônicos sobreviveram. 240 Luís da França Quem agora poderia salvar a Terra Santa? Na Europa Ocidental, a acerba rivalidade entre o papado e o imperador Frederico excluía o líder leigo da cristandade de reassumir o papel. Em todo o caso, Frederico sentia que seus inimigos na Palestina, em particular os templários, tinham provocado sua própria destruição ao quebrarem essa cuidadosamente elaborada trégua com os ayyúbidas do Egito. Apenas um monarca europeu estava em condições de liderar uma nova cruzada, e este era o rei Luís IX da França. Felizmente, ou por coincidência, no mesmo ano da catastrófica derrota em Lã Forbie, Luís, tendo adoecido com febre, provavelmente malária, sentiu-se bastante perto da morte e do julgamento para se decidir, caso se recuperasse, a tomar a Cruz. Filho de uma mãe extraordinária, Branca de Castela, e casado com Margarida da Provença, ambas de famílias com uma longa tradição de serviço na guerra contra o Islã, Luís herdara o trono da França na infância e o conservou graças à enérgica regência de sua mãe. Aos quinze anos de idade, Luís comandara uma campanha armada contra o rei da Inglaterra, Henrique III. Bonito, bem-humorado, expansivo, ocasionalmente genioso, Luís, em comparação com Frederico II, era também profundamente pio e impérturbado por dúvidas acerca da fé católica. No começo de seu reinado, sob o Tratado de Paris, ele firmou o domínio francês sobre o Languedoc e afinal pôs termo à heresia cátara. Ele não tinha escrúpulos em usar a força para defender a religião cristã. A seu amigo João de Joinville ele disse que um cavaleiro, "sempre que fica sabendo que a religião cristã é difamada, não deveria tentar defender seus dogmas, a não ser com a espada, e que deveria enfiá-la na barriga do patife até onde ela pudesse penetrar ".z94Ainda que as palavras de Luís talvez não tenham sido tão brutais como Joinville as recordou na velhice, elas estão em marcante contraste com os pontos de vista céticos do imperador Frederico II. Ao contrário de Frederico, Luís tinha uma única mulher, com quem era feliz. Seu afeto por Margarida da Provença provocou o ciúme da mãe dele: 241 OS TEMPLÁRIOS quando recém-casados, eeles tinham aposentos separados e só ousavam i contrar-se nas escadas, ro'egressando a seus quartos ao serem alertados I seus criados da aproximOção da rainha-mãe. Durante a cruzada, Joinville provou Luís por esperar qque a missa terminasse antes de se erguer para sau- Jar Margarida, que acabalira de chegar como filho recém-nascido-ruas isso tos provavelmente um sirinal de sua religiosidade, e não de indiferença p com a esposa. Não existem indícios de desavença: Margarida deu à luz onze filhos do rei. Luís IX tinha paixão por relíquias. Ele comprou a Balduíno, o imperador latino de Bizãncio, a Core.'oa de Espinhos e a carregou descalço pelas ruas de Paris até a requintada calpela que construiu para abrigá-la, Sainte-Chapelle, na ile de Ia Cité. Ele tamlbém dotou várias instituições religiosas, entre elas a Abadia de Royaumont, mas não se deixou intimidar pelos bispos franceses para intervir no conflito centre o imperador e o papa. O zelo de Luís pela justiça e sua escrupulosa ateenção às necessidades dos pobres firmaram sua reputação de santidade e ctonferiram-lhe prestígio inigualável, mas foi a toma= da da Cruz que marcou o seu reinado, pois "empreender uma cruzada continuava a ser amais elevada expressão das idéias cavalheirescas da aristocracia no Ocidente". 295 Assim que o juramer!lto foi feito, Luís preparou-se para a cruzada com a mesma eficiência que demonstrara ao reprimir seus vassalos revoltosos e ao reorganizara administracção da França. Seu primeiro objetivo foi angariar o dinheiro para custear suar expedição ao além-mar. Ele o fez com um imposto de um vigésimo sobre os recursos da Igreja e subvenções das cidades. Como o porto de Marselha na (ocasião ficou sob a supremacia do imperador, Luís construiu uma nova saída para o Mediterrâneo em seu próprio território, o porto de Aigues Mortes. Foi daí que ele embarcou para a Terra Santa em 25 de agosto de 1248. Seus irmãos e muitos de seus vassalos seguiram-no com relutância, bem como su;a esposa, a rainha Margarida, e seus filhos. A França foi deixada ao encargo d mãe dele, Branca de Castela. A Luís juntaram-se- cruzados de fora da França, tais como João de Joinville, o senescal da C:hampagne. O ponto de reunião do exército cruzado foi Chipre, onde, em conseqüência de cuidadoso planejamento, haviam reunido suprimentos para o ,exército de Luís, de cerca de 25.000 homens, entre eles 5.000 besteiros e 2. 600 cavaleiros. O rei Luís aí permaneceu durante o inverno. Em janeiro de 1249, ele enviou dois pregadores dominicanos como emissários ao cã mongol> na expectativa de que seu ascendente poder na Ásia, que diziam ser favorável ao cristianismo, pudesse juntar forças contra o Islã. 242 IÍS DA FRANiA Aceitando o mesmo ponto cde vista esaatégico do cardeal Pelágio, de que era somente pela subjugaçã~jo do Egito cue a Terra Santa poderia ser garantida, e não dissuadido pelo fraQCasso da crtzada anterior, Luís e seu exérci- to zarparam no fim de maio Pai rxa o delta do Nilo. Na madrugada de 5 de junho, a esquadra latina ancoroL 1 diante de :)amieta. O exército muçulmano, comandado por Fakhr ad-Di nl, amigo do mperador Frederico, estava esperando em terra firme. "Era uri-r1a visão que encantava os olhos", recordou j1 ille na velhice, 14 pois as arn--x;~as o'nvl do sultãoeram todas de ouro, e quando O sol batia nelas, elas resplandeci .ym esplendidamente. A algazarra que esse exército fazia com seus timbales ee suas trompas sarracenas era atemorizante de ouvir." As forças latinas eram ì2yualmente ostentosas: a galera do conde de Jafa "era coberta, tanto abaixo cot,mo acima da água, com brasões que ostentavam suas armas (...). Ele tinhas pelo mencs trezentos remadores em sua galera; ao lado de cada remador estava um pequeno escudo com as armas do conde nele, e a cada escudo estaN,la presa ume flâmula com as mesmas armas trabalhadas em ouro 11.296 Embora aconselhado a espe rw parte de sua esquadra que se havia dispersado numa tempestade, Lu is; ordenou c desembarque e, assim que a oriflamme foi fincada na praia, li deerou seus valeiros contra os sarracenos, que, incapazes de resistir ao irrip)acto do assalto dos francos, retiraram-se para Damieta e então abandonarmm a cidade, queimando o bazar. Foi uma vitória fácil e rápida, pela qual o roei Luís deu graças a Deus; mas, lembran- do-se do destino da Quinta Cruzada sob o cardeal Pelágio, ele não perseguiu os egípcios rio acima. Em vez diss,o, estabeleceu Damieta como sua capital temporária no ultramar, mandaryo buscar a rainha Margarida em Acre e aguardando reforços da França liderados por seu irmão Afonso, conde de Postou, e que as águas do Nilo baixassem. Em 20 de novembro Luís serntiu-se disposto a mover-se mais para o interior do Egito. Rejeitando os conselhos dos barões do ultramar para mover-se contra o porto de Alexandria, ele :=oi persuadido por seu irmão Roberto, conde de Artois, a marcl-ler para o sul, ao longo da margem oriental do Nilo, em direção a Mansurá. Na vanguarda do seu exército escavam os cavaleiros da Ordem do Templo sob seu grão-mestre, Guilherme de Sonnac, escolhido após a morte de Armarld o de Périgord numa prisão egípcia. Atrás deles vinham o conde de Artois e um contingente inglês sob o conde de Salisbury. Guiada a uma passagenn do rio por um beduíno apóstata, essa força, sem esperar pelo resto do exercito conforme as instruções do rei Luís, atacou o acampamento sarraceno, omde o comandante, Fakhr ad-Din, estava tomando banho. Sem esperar para Pôr sua armadura, ad-Din cavalgou para o campo de batalha e foi morto pelos cavaleiros da Ordem do Templo. ,JÁ 2 OS TEMPLÁRIOS Roberto de Artois preparou-se então para perseguir até Mansurá os sarracenos que bateram em retirada. O grão-mestre do Templo, Guilherme de Sonnac, tentou detê-lo. Ele já estava irritado pelo fato de o irmão do rei ter usurpado a posição dos templários na vanguarda. Os cronistas divergem quanto ao que aconteceu em seguida. João de Joinville, ainda com o principal destacamento do exército na margem sul do rio, escreveu mais tarde que Guilherme de Sonnac insistiu para que o conde de Artois aguardasse os templários para liderar o ataque, mas, como o cavaleiro que segurava a rédea do conde era surdo, ele não conseguiu passar a mensagem adiante. De acordo com o cronista Mateus de Paris, Roberto de Artois ouviu o grão-mestre muito bem, mas respondeu-lhe com insultos, repetindo a calúnia de Frederico II de que os templários não tinham interesse numa vitória total porque a Ordem lucrava com a guerra contínua. Quando o conde de Salisbury sugeriu que talvez o grão-mestre dos templários tivesse a vantagem da experiência de combater os sarracenos, Roberto de Artois disse que ele também era covarde, cravou as esporas nos flancos de seu cavalo e galopou à frente de seus cavaleiros franceses. Sentindo que não tinham escolha, os templários e os cavaleiros ingleses seguiram o conde de Artois até a cidade de Mansurá na perseguição dos sarracenos que bateram em retirada. Aí nem tudo era tão caótico quanto parecia. Embora Fakhr ad-Din estivesse agora morto, o oficial comandante da guarda mameluca de elite, Rukn ad-Din Baibars Bundukdari, havia assumido o comando. Oferecendo pouca resistência inicial aos cavaleiros latinos, ele esperou até que eles tivessem penetrado na cidade e alcançado os portões da cidadela antes de ordenar a seus homens, que aguardavam nas ruas transversais, que atacassem os cruzados. Incapazes de executar manobras nas ruas estreitas, e pegos de surpresa por vigas atiradas dos telhados, os cavaleiros foram massacrados. Trezentos cavaleiros morreram, entre eles o conde de Salisbury e o conde de Artois. Os templários perderam 280; apenas dois regressaram com vida, um deles o grão-mestre Guilherme de Sonnac, que se tinha retirado da peleja depois de perder um olho. Conquanto esse revés tivesse sido causado pela vanglória e impetuosidade de Roberto de Artois, ele foi uma antecipação do que estava por vir. Assim que o exército principal cruzou o braço do Nilo, travou batalha com as forças muçulmanas. Joinville, já ferido, viu o rei Luís numa estrada elevada à frente de seu exército, a própria imagem da bravura e da honra. "Nunca vi cavaleiro mais distinto ou mais bonito! Sua cabeça e seus ombros pareciam elevar-se acima de toda a sua comitiva; ele trazia na cabeça um elmo dourado e na mão uma espada de aço alemão."z9' Após um dia de luta feroz, os egípcios foram forçados a voltar para Mansurá. Quando o chefe do capítulo LUÍS D DA FRANÇA dos hospitalários disse a Luís que se;eu irmão Roberto de Artois "estava agora no paraíso (...) grossas lágrimas commeçaram a cair de seus olhos". Naquela noite, os egípcios fizereram uma sortida a partir de Mansurá e mais uma vez foram derrotados. NNo dia 11 de fevereiro eles atacaram de novo, e nesse combate Guilherme doe Sonnac, à frente dos poucos templários que restaram, perdeu seu segundo O olho e em seguida morreu. O exército de Luís foi quase destruído, mas o centltro agüentou firme, e por fim os egípcios retiraram-se novamente para Manstsurá. Agora estava claro que, embora os cruzados não pudessem ser vencido;os, a cidade tampouco podia ser tomada. A maior esperança de Luís residia a no desfecho da' convulsão política no Cairo que se seguiu à morte do su141tão Ayyub e de seu comandante, Fakhr ad-Din. Durante oito semanas ele eesperou, acampado diante das muralhas de Mansurá. Mas o caos na corte aytyyúbida tinha sido evitado pela sultana viúva, e no fim de fevereiro Turanslshah, filho de Ayyub, regressou da Síria para assumir o comando. Transpor)rtando uma esquadra de embarcações leves no lombo de camelos até o l Nilo a jusante do exército cruzado, os muçulmanos cortaram a ligação deeste com Damieta e interromperam o suprimento de alimentos frescos. A c doença disseminou-se no acampamento dos cruzados. O próprio Luís sofreL;u de disenteria crônica, e seus criados, conta-nos Joinville, porque ele era ""continuamente obrigado a ir à privada, tiveram de cortar a parte inferior dee suas ceroulas". Ele ordenou uma retirada para Damieta, mas, a despeito c de sua enfermidade, recusou-se a abandonar seus homens e fugir numa gal,,lera. Perseguido pelos egípcios, Luís foi afinal feito prisioneiro e obrigado a t render-se. Joinville foi salvo da morte quando se descobriu que sua esposa cera prima do imperador Frederico. Prisioneiros de alguma posição social forar,m mantidos para a obtenção de resgate, e os menos eminentes foram mortoos. Na cidade de Damieta, a guarnição pisam e genovesa foi dissuadida de ddeserção pela rainha Margarida: a cidade foi de inestimável vantagem nas neggociações que se seguiram e, junto com um resgate de um milhão de besants; ou meio milhão de livres tournois, comprou a liberdade do rei e de seu exér;rcito. A arrecadação de dinheiro para co pagamento desse resgate ensejou um incidente que revela a escrupulosiddade, ou a obstinação, dos templários. Durante a contagem do dinheiro para pagar o depósito combinado, descobriu-se que faltavam ao rei trinta mill livres, e disso dependia a libertação de seu irmão, o conde de Poitiers. João d3e Joinville sugeriu que se tornasse essa quantia emprestada dos templários, e com a autorização do rei foi pedir o empréstimo. O pedido foi recusado pelo comandante do Templo, Estêvão de Otricourt, com o pretexto de quer havia jurado jamais não ser para os que o haviam colocadjo sob seus cuidados. liberar dinheiro, a OS TEMPLÁRIOS Isso levou a uma acerba discussão entre Joinville e Otricourt, até que o marechal do Templo, Reinaldo de Vichiers, propôs uma solução. Os templários não poderiam quebrar seu juramento, mas não havia nada que pudesse impedir o rei de tomar seus fundos 2 força, em particular porque o Templo conservava os depósitos daquele emAcre e poderia deduzir esse empréstimo forçado quando ele retornasse. Portanto, Joinville foi à galera dos templários, arrombou um cofre com um machado e tornou a Luís com o dinheiro. Com a libertação de seu irmão garantida, o rei Luís foi com seu séquito de navio para Acre, onde encontrou cartas de sua mãe, Branca de Castela, instando para que ele retornasse à França. O mesmo conselho foi dado por seus irmãos e seus barões; mas não foi apenas um exército francês que fora derrotado no Nilo: as forças dos cristãos no ultramar tinham sido seriamente enfraquecidas pelo desastre. Luís estava relutante em deixar a Terra Santa numa situação tão perigosa ou em abandonar os prisioneiros francos ainda mantidos no Egito; e por isso, enquanto a maioria de seus vassalos franceses, entre eles seus irmãos, regressou à Fança com a sua bênção, ele permaneceu em Acre com sua esposa e filhos. O legítimo rei de Jerusalém pode ter sido Contado, o filho de Frederico II com a rainha Iolanda, mas Luís foi aceito como governante defacto; e então tentou obter pela diplomacia o que não conseguira obter pela força. No Cairo, o poder tinha sido tomado pelo regimento de elite de guerreiros escravos, os mamelucos. Capturados ainda meninos às tribos de turcos kipchak que viviam nas estepes do sul da Rússia, eram vendidos pelos mercadores de escravos aos sultões ayyúbidas, que os educavam como uma força militar sem vínculos e, portanto, sem lealdades a qualquer classe ou facção. Descritos pelo cronista árabe Ibn Wasil como "os templários do Islã",298 eles haviam obtido uma influência sobre os sultões ayyúbidas que se afigurava ameaçadora quando o filho de Ayyub, Turanshah, chegou ao poder. Em 2 de maio de 1250, em meio às negociações com o rei Luís, os mamelucos assassinaram Turanshah e puseram fim ao domínio dos descendentes de Saladino no Egito. Todavia, os ayyúbidas permaneceram no poder na Síria, e, ao saber da notícia do golpe dos mamelucos, an-Nasir Yusuf, neto de Saladino e sultão de Alepo, ocupou Damasco e enviou imediatamente uma embaixada ao rei Luís para pedir sua ajuda. O rei Luís usou essa abordagem para pressionar os mamelucos a chegarem a um acordo, enviando um emissário, João de Valenciennes, ao Cairo. Sem que o rei soubesse, os templários estavam seguindo uma iniciativa diplomática própria. O ex-marechal da Ordem, Reinaldo de Vichiers, tinha v- LUÍS DA FRANÇA sido eleito grão-mestre em sucessão a Guilherme de Sonnac. Reinaldo fora sem dúvida o candidato predileto do rei Luís, pois fora preceptor dos templários na França enquanto Luís estava preparando sua cruzada, providenciara transporte para as tropas dele a partir de Marselha, fora o marechal de Luís em Chipre, seu camarada de armas no Nilo, e era padrinho do filho que a rainha Margarida tivera no Castelo Peregrino, o conde de Alençon. Assim que se tornou grão-mestre, contudo, as pretensões do cargo devem ter-lhe subido ã cabeça. Sem consultar o rei Luís, ele enviara o mare- chal da Ordem, Hugo de Jouey, a Damasco para negociar com o sultão a respeito de uma disputada extensão de terra. Tendo chegado a um acordo, Hugo retornou com um emir damasceno para que o acordo fosse ratificado em Acre. Ao descobrir o que tinha acontecido sem o seu conhecimento, o rei Luís teve um acesso de fúria e insistiu não só que o tratado fosse anulado, mas também que o grão-mestre do Templo e todos os seus cavaleiros se humilhassem perante todo o exército, caminhando descalços pelo acampamento e ajoelhando-se em submissão diante do rei. O bode expiatório foi Hugo de Jouey, a quem Luís baniu do reino de Jerusalém - sentença que ele não rescindiu, apesar dos apelos do grão-mestre e da rainha. Sem dúvida, esse gesto visava menos a firmar sua autoridade entre os latinos do que a causar nos mamelucos a impressão de que ele estava no comando. Sua política foi bem-sucedida: em março de 1252, todos os prisioneiros cristãos ainda mantidos pelos mamelucos foram postos em liberdade. Havia dois outros poderes na região com os quais Luís negociou durante sua estada em Acre. O primeiro foi o Velho da Montanha, o líder dos assassinos, que enviou emissários logo após o regresso de Luís de Damieta, a fim de exigir o tributo, ou dinheiro em troca de proteção, que eles afirmavam ter sido pago pelo imperador Frederico, pelo rei da Hungria e pelo sultão do Cairo. Como alternativa ao tributo, o emir sugeriu que o rei eximisse os assassinos do tributo que eles pagavam ao Templo e ao Hospital. Como Joinville observou ao descrever essa negociação, os assassinos sabiam de que nada adianta- va matar qualquer dos grão-mestres, porque outro cavaleiro, "igualmente bom, seria posto em seu lugar 5).299 Os grão-mestres, a quem o rei convidou para essa negociação, ficaram enfurecidos com a insolência dos assassinos e enviaram os emissários de volta ao Velho da Montanha com a recomendação de que ele abordasse o rei Luís de outra forma. Dentro de duas semanas eles regressaram a Acre com generosos presentes. O rei Luís retribuiu, dando-lhes jóias igualmente valiosas e enviando-lhes um frade que falava árabe, Yves le Breton, para pregar a fé cristã. OS TEMPLÁRIOS O segundo grupo de emissários veio dos mongóis, uma força que dentrqh de vinte anos derrotaria o Velho da Montanha, tomando em 1256 a até então. inexpugnável fortaleza de Almut, pertencente aos assassinos. Os embaixa_, dores chegaram a Acre com os dois firades dominicanos que Luís enviara ao cá mongol sugerindo uma aliança contra o Islã. A resposta do cã foi a exigência de que o rei francês se tornasse soeu vassalo e enviasse "uma quantidade suficiente de dinheiro em contribuições anuais para que continuemos a ser vossos amigos. Se vós vos recusardes a fazê-lo, nós vos destruiremos (...)"..; Não foi a resppsta que o rei tinha esperado, e, de acordo com Joinville, Luís_ "arrependeu-se amargamente de algum dia ter enviado emissários ao grande rei dos tártaros11.300 A derrota do exército do rei Luís no delta do Nilo viu o fim da ambição dos, latinos de retomar Jerusalém atacando a fonte do poder muçulmano. Agora o imperativo era obter máxima vantagem explorando as rivalidades dos poderes islâmicos e melhorando as defesas dos territórios que os latinos ainda possuíam. Luís portanto ordenou a r'efortificação das cidades litorâneas de Acre, Cesaréia, Jafa e Sídmn, cujas guarnições foram reforçadas com contingentes permanentes de tropas francesas. As fortalezas do interior eram agora dispendiosas demais para serem conservadas pelos barões. feudais do ultramar e foram portanto mantidas pelas ordens militares: os cavaleiros teutônicos ficaram com Montfort, os hospitalários com Belvoir e os templários com Chastel Blanc e Saphet. Esta última tinha sido reconstruída na década de 1240, a um custo enorme, e era agora o maior castelo no reino de Jerusalém, dominando a Galiléia e a rota entre Damasco e Acre. Em tempos de paz sua guarnição era de 1.700 homens, aos quais outros 500 eram acrescentados em tempos de guerra. Destes, 50 eram cavaleiros e 30 sargentos do Templo, 50 turcópolos e 300 besteiros. O custo da sua construção foi orçado em 1.100.000 besants sarracenos, e 400 escravos foram utilizados para ajudar os pedreiros qualificados. Doze mil mulas carregadas de cevada e grãos eram necessárias para abastecer o castelo todo ano, e parte das provisões era agora importada das comunidades dos templários na Europa.'°' Depois de completara refortificação de Sídon, o rei Luís decidiu regressar à França. Sua presença era urgentemente necessária em seu reino, e o patriarca de Jerusalém e os barões locais disseram-lhe que ele tinha feito o que podia e que deveria agora voltar para casa. No dia 24 de abril de 1254, Luís partiu de Acre num navio dos templários. Ele havia cumprido sua promessa da melhor maneira possível: arriscara sua vida, quase morrera e permanecera quatro anos na Terra Santa após seus irmãos e barões terem partido. Ele ha- LUÍS DA FRANÇA via gastado uma sova de dinheiro fenomenal, estimada por sua tesourari; real em 1,3 milhão e livres tournois, onze ou doze vezes a renda anual de ser reino."' Havia paz to ultramar por ocasião de sua partüda, mas a situação do; cristãos na Terra Sinta era precária, e ele estava deixando Jerusalém na; mãos dos infiéis. Geoffroy de Sargines, que se tornou senescal do reino, permaneceu em Acre para representar o rei Luís. Contudo, em conseqüência da morte do impera. dor Frederico II eml 250 e de seu filho Comado em 1254, o legítimo rei era agora Conradino, filio de Comado, e não Luís IX; e embora houvesse uma guarnição francesa sob o comando de Godofredo, ela era insuficiente para impor ordem às facões rivais, em particular as cidadea marítimas italianas No início de 1256,uma disputa entre os venezianos; e os genoveses pelc mosteiro de Saint-Sibas em Acre resultou em conflitos armado: os templários e os cavaleiros teutônicos apoiaram os venezianos, e os hospitalários, os genoveses. No mesno ano morreu o grão-mestre do Templo, Reinaldo de Vchiers, a quem su:edeu Tomás Bérard. Em 1258, os mongóis capturaram Bagdá, assassinaram o califa e massacraram a população.A aproximação dessa horda asiática causou pânico entre os latinos na Síria ena Palestina. Percebendo a insensatez de dissensão interna nessa época, Tomás Bérard fez um pacto para marnter a paz com os outros grão-mestres: Hugo de Revel, do Hospital, e An no de Sangerhausen, dos Cavaleiros Teuânicos. Alepo rendeu-se em janeiro de 1260 e Damasco capitulou em marçc. Tomás Bérard escreveu aos dirigentes do Templo na Europa, informando-os da devastação causada pelos mcongóis e pedindo ajuda. A urgência era tamanha, que o mensageiro dos templários, o irmão Amadeu, chegou a Londres em apenas treze semanas, viajando de Dover a Londres num único dia Ele descreveu como os mongóis usavam prisioneiros cristãos, incluindo mulheres, como escudo humano contra seus inimigos. A menos que fosse pr°stada ajuda, "uma possível aniquilação em breve terse-á abatido sobre o mundo"-3o3 As intenções dos mongóis para com os cristãos ainda não eram claras: em Bagdá, enquanto os muçulmanos tinham sido massacrados, os cristãos tinham sido poupados. Foram portanto os mamelucos nos Egito que se prepararam para resistir a eles, solicitando tanto livre passagem para seu exército quanto ajuda dos francos. O Conselho do Reino concordou com a primeira solicitação, mas uma aliança concreta foi vetada pelo nnestre dos cavaleiros teutônicos, Anno de Sangerhausen. O exército mamelluco marchou para a Palestina e, em 3 de setembro de 1260, sob seu sultão K:utuz, venceu o exército mongol, liderado por Kitbogha, ao sul de Nazaré, enn Ain Jalut. Kitbogha OS TEMPLÁRIOS foi morto e um mês mais tarde o próprio Kutuz foi assassinado por Baibars, o heró; de Mansurá. AI-Malik az-Zahir Rukn ad-Din Baibars era um turco kipchak da margem norte do mar Negro que tinha sido vendido como escravo pelos mongóis ao sultão ayyúbida do Cairo. Treinado como membro da guarda pessoal do sultão numa ilha do Nilo, Baibars foi subindo de posto até tornar-se seu com4ndante e um dos oficiais mais competentes do exército egípcio. Foi Baib4rs quem comandou a cavalaria egípcia na batalha de Lã Forbie em 1244. Foi também ele quem, como comandante de Mansurá durante a cruzada do rei Luís, fez cair numa cilada e massacrou o conde Roberto de Artois e suo força de franceses, ingleses e cavaleiros do Templo. Foi ele ainda quenh, junto com outros oficiais mamelucos, assassinou o sultão ayyúbida Turatishah, sobrinho de Saladino. Foi igualmente ele quem liderou a vanguarcla do exército egípcio contra os mongóis na batalha de Ain Jalut. irritado com a recusa do sultão Kutuz de recompensá-lo com a cidade de Alepb, Baibars assassinou seu amo e apoderou-se do trono. Ele imediatamente se revelou tão competente como governante quanto fora como soldado, r(-,fortificando as cidades destruídas pelos mongóis, reconstruindo a frota egípcia e, com o correr do tempo, expulsando os assassinos de suas fortificações e os últimos dos sucessores de Saladino de seus principados na Síria, unindo, como o fizera Saladino, a Síria e o Egito sob seu domínio. A princípio, os latinos no ultramar não conseguiram avaliar a importância da vitória dos mamelucos em Ain Jalut para o equilíbrio de poder na região. Em fevereiro, João de Ibelin e João de Giubelet, marechal do reino, lideraram 900 cavaleiros, 1.500 turcópolos e 3.000 soldados de infantaria, entre' eles fortes contingentes de templários de Acre, Safed, Beaufort e do Castelo Peregrino, contra um exército saqueador formado por membros da tribo dos turcomanos. O exército latino foi derrotado; o marechal do Templo, IJstêvão de Sissey, foi um dos poucos que escaparam vivos. As negociações subseqüentes com Baibars para a libertação dos prisioneiros cristãos forarri arruinadas pela recusa dos templários e dos hospitalários em entregar algurys de seus prisioneiros muçulmanos porque apreciavam suas habilidades. Furioso pelo que considerou uma manisfestação de cobiça grosseira, Baibars saqueou Nazaré e atacou Acre, ferindo o senescal, Geoffroy de Sargines, nume luta fora das muralhas da cidade. Como os mongóis no norte da Síria aindai eram uma ameaça em sua retaguarda, Baibars não estava em condições de sitiar Acre, mas os francos não podiam organizar nenhuma força que impedisse que as tropas dele se movessem à vontade do Egito para a Palestina, e as concentrações que eles pudessem reunir chegavam ao conheci- LUÍS DA FRANÇA mento dos muçulmanos graças ao seu uso de pombos-correios. Em 1265, Baibars apareceu de repente com um grande exército diante de Cesaréia, cidade tão recentemente refortificada pelo rei Luís IX. A cidade capitulou em 27 de fevereiro; a cidadela, uma semana mais tarde. Alguns dias depois, foi a vez de Haifa, onde os habitantes que não haviam fugido foram mortos. O alvo seguinte de Baibars foi o Castelo Peregrino, fortaleza dos templários, mas enquanto a cidade fora das muralhas foi tomada e queimada, verificou-se que o castelo em si era inexpugnável, e assim Baibars seguiu para o castelo de Assuf, de propriedade dos hospitalários. Aí, após os engenhos de cerco egípcios terem feito uma brecha na muralha e um terço dos 270 cavaleiros da Ordem do Hospital ter-se rendido, foi feito um acordo com o comandante para os termos da rendição, acordo esse que assegurava a liberdade dos sobreviventes e que Baibars então infringiu, aprisionando os cavaleiros que sobreviveram. Em junho de 1266, Baibars sitiou a grande fortaleza dos templários de Safed. Suas fortificacçes maciças, tão recentemente reconstruídas, resistiram ao primeiro assalto, mas o próprio tamanho do castelo siginificava que uma grande parte da guarnição era composta de cristãos sírios, que os emissários de Baibars prometeram poupar se eles se rendessem. Sabendo que não receberiam ajuda e vendo que os soldados turcópolos estavam começan- do a desertar, o comandante dos templários enviou um sargento sírio de nascimento chamado Leon Cazelier para negociar a rendição. Cazelier retornou com a garantia de Baibars de salvo-conduto para Acre; mas a única pele que foi salva foi a de Cazelier. Assim que os egípcios assumiram o controle do castelo, as mulheres e as crianças foram levadas como prisioneiras e vendidas como escravos no Cairo, enquanto os templários foram decapitados. A perda de Safed após um sítio de apenas dezesseis dias foi uma catástrofe para os francos no ultramar e uma humilhação para o Templo. A fortaleza foi refortificada por Baibars, proporcionando aos mamelucos controle da Galiléia e dos acessos às cidades litorâneas de Acre, Tiro e Sídon. Para impressionar os francos com o destino que os aguardava, as cabeças dos tem- plários decapitados foram dispostas num círculo ao redor do castelo. A próxima fortaleza a cair, depois de uma resistência simulada, foi Toron. Marchando sem obstáculos até a costa mediterrânea, os soldados de Baibars mataram todos os cristãos que capturaram. Na primavera de 1268, Jafa rendeu-se a um exército mameluco em menos de um dia. A guarnição teve permissão para retirar-se para Acre, mas a cidade foi arrasada e seus habitantes cristãos mortos. Em seguida foi a vez da fortaleza de Beaufort, recentemente guarnecida de templários: ela rendeu-se no dia 18 de abril, após dez dias de bombardeio. OS TEMPLÁRIOS Por volta de 14 de maio, Baibars havia chegado a Antioquia, que, a despeito de seu declínio como centro comercial, continuava a ser a maior cidade cristã no ultramar. Seu governante, o príncipe Boemundo, estava em Trípoli, e a guarnição era comandada por seu condestável, Simão Mansel; mas ela era pequena demais para guarnecer as longas muralhas, que tinham frustrado por tanto tempo os soldados da Primeira Cruzada. Em 18 de maio os mamelucos entraram através de uma brecha para tomar a cidade. As portas foram fechadas, e os habitantes, ou massacrados ou escravizados. Os souks e as graciosas casas foram saqueados e mais tarde abandonados. Essa outrora grande metrópole do Império Romano, que fora o primeiro prêmio dos cruzados latinos, jamais se recuperaria dessa devastação, decaindo até que afinal foi riscada do mapa-múndi. Com a captura de Antioquia e antes de Sis, a capital da Armênia Cilícia, pelos mamelucos, as fortalezas dos templários nos montes Amanus ficaram expostas. A guarnição de templários em Gaston (Baghras), o inexpugnável castelo que guardava os portões da Síria, ao saber que Antioquia havia se rendido após apenas alguns dias, decidiu que seria impossível resistir. Todavia, entregar uma fortaleza numa região de fronteira sem a permissão do grão-mestre era uma grave infração das regras da Ordem, e o comandante portanto resolveu resistir ao exército mameluco da melhor maneira possível. No entanto, enquanto a comunidade estava comendo, um dos irmãos, Guis de Belin, saiu da fortaleza com as chaves do portão e levou-as a Baibars, dizendo que a guarnição dos templários queria render-se. O comandante e os cavaleiros do Templo estavam dispostos a repudiar essa rendição não autorizada, mas os sargentos da Ordem estavam menos resolutos. Confrontado com a probabilidade da deserção deles, e dando-se conta de que àquela altura Baibars deveria ter sido informado de sua frágil situação por Guis de Belin, o comandante ordenou a evacuação de Gaston. Nesse aspecto ele anteviu, corretamente, as ordens do grãomestre, que havia enviado um certo irmão Pelestort para informar à guarnição de Gaston que se retirasse para La Roche Guillaume, mas, não obstante, ao chegarem a Acre, os cavaleiros de Gaston foram acusados da rendição não autorizada do castelo. Em virtude das circunstâncias, a punição prescrita, de expulsão do Templo, foi reduzida à perda de seus hábitos por um ano; e poderia ter sido ainda mais leve se antes de saírem eles tivessem destruído as armas e os suprimentos que tinham em Gaston .304 Ao saber da rendição de Safed em 1267, o rei Luís mais uma vez tomou a Cruz. Todavia, a pureza das intenções do rei estava agora contaminada pelas ambições de seu irmão Carlos, conde de Anjou, que havia usurpado a Coroa LUÍS DA FRANÇA da Sicília aos Hohenstaufen com a bênção do papa. Em 1268, o jovem neto de Frederico II, Conradino, ao tentar recuperar seu patrimônio, foi vencido na batalha de Tagliacozzo e em seguida executado. Carlos, com ambições de fundar um império no Mediterrâneo oriental, persuadiu seu irmão Luís de que ele deveria tomar Túnis como prelúdio de uma invasão do Egito. Coma no delta do Nilo vinte anos antes, Luís teve algum êxito no início, capturando Cartago, mas adoeceu de novo e dessa vez não se recuperou, morrendo em 25 de agosto de 1270. Seu corpo foi levado de volta para a França pelo caminho de Lyon e da Abadia de Cluny, com multidões aglomerando-se ao longo do trajeto para prestar as últimas homenagens ao virtuoso monarca, e em Paris seu corpo foi enterrado na Abadia de Saint-Denis, de Suger, agora o mausoléu dos reis capetíngios. A cruzada de Luís desintegrou-se após sua morte, e Baibars, que se havia retirado para o Egito para se preparar para uma possível invasão dos franceses, poderia agora continuar sua inexorável redução das fortalezas latinas no Oriente. Em fevereiro de 1271, o castelo dos templários de Chastel Blanc rendeu-se a conselho do grão-mestre, e permitiu-se que sua guarnição se retirasse para Tortosa. Em março, foi a vez de Krak dos Cavaleiros, a magnífica fortaleza dos hospitalários. Ferozmente defendida, acabou rendendo-se em 8 de abril. Outro castelo dos hospitalários, Akkar, caiu em 1° de maio, após um cerco de duas semanas. Baibars então marchou para Montfort, mantida pelos cavaleiros teutônicos, que se renderam no dia 12 de junho, depois de um sítio de sete dias. Tinha sido a última fortaleza no interior mantida pelos francos. As cidades litorâneas que permaneceram nas mãos dos francos foram reforçadas por contingentes de cruzados da Europa liderados por Teobaldo Vsconti, arcediago de Liège, que, servindo como legado pontifício em Londres, tinha tomado a Cruz na Catedral de São Paulo; e, ainda mais significativo, pelo príncipe Eduardo da Inglaterra, sobrinho de Ricardo da Cornualha e filho e herdeiro do rei Henrique III. Com pouco mais de trinta anos, competente e enérgico, Eduardo fora encorajado por seu pai a cumprir os juramentos que Henrique freqüentemente fizera, mas que nunca se sentira capaz de cumprir. Zarpando primeiro para Túnis, a fim de juntar-se ao rei Luís, ao chegar foi informado de que ele estava morto. Ele portanto navegou para a Sicília, para hospedar-se na casa de seu tio, Carlos de Anjou, em seguida para Chipre e por fim para Acre, aonde chegou em maio de 1271, pouco depois da rendição do Krak dos Cavaleiros. Eduardo ficou estarrecido com a situação que encontrou no ultramarnão só a incapacidade das forças nativas de manter as fortalezas do interior, 253 OS TEMPLÁRIOS mas também o zelo com que as repúblicas marítimas italianas negociavam com o inimigo: os venezianos forneciam a Baibars o metal e a madeira de que necessitava para suas armas e engenhos de cerco, e os genoveses, os escravos para seus regimentos de mamelucos, ambos com permissão da Alta Corte em Acre. Ele descobriu que os cavaleiros de Chipre não estavam dispostos a lutar no continente, em território sírio, e que os mongóis, a quem enviou uma embaixada de três ingleses, não estavam em condiçoes de oferecer-lhe ajuda substancial. Tendo sido incapaz de persuadir os barões ingleses a unir-se a ele numa cruzada, as próprias forças de Eduardo estavam limitadas a cerca de mil homens - suficientes para alguns ataques de surpresa no território muçulmano, mas inteiramente inadequados para influenciar o equilíbrio de poder básico. Baibars sabia disso, mas, com os mongóis ainda capazes de ameaçar sua retaguarda, não estava em condições de mover-se para os domínios cristãos da costa. A chegada de Eduardo em maio de 1271 o havia induzido a oferecer uma trégua a Boemundo de Trípoli, e este a aceitara com alívio. Agora, um alio depois, chegava-se a acordo semelhante com o reino de Acre: a integridade de seu território seria assegurada pelos dez anos e dez meses seguintes. Nenhum lado considerava isso um acordo permanente: Eduardo construiu uma torre em Acre e a pôs ao encargo da valorosa Ordem de São Eduardo), que ele fundara. Em seguida, embarcou para a Inglaterra com a intenção de regressar com forças mais substanciais, mas ao chegar em casa constatou que seu pai havia morrido e que ele era agora rei, ascendendo ao trono como Eduardo I. A Queda de Acre Outro cruzado que ascendeu durante sua ausência da Europa foi o compa ribeiro de armas de Eduardo, Teobaldo Visconti, arcediago de Liège: en quanto ele estava em Acre, dois emissários chegaram da Europa para infoi má-lo de que fora escolhido como o novo papa. Após anos de altercação, o cardeais católicos reunidos em Viterbo tinham sido trancados no Palácio do Papas pelos prefeitos da cidade, para obriga-los a chegar a uma decisão, en seguida expostos ao tempo com a remoção do teto do palácio, e por fim lhe tinham sido negadas provisões até que fizessem uma escolha. Adotando o título de Gregório X, o papa eleito regressou primeiro a Vi terbo e depois a Roma, que seus dois predecessores tinham evitado, e aí fo coroado com a tiara pontifícia em 27 de março de 1272. Em espírito, todavia permaneceu na Palestina: ele "preservou uma vívida lembrança de Jerusa lém e trabalhou pela sua reconquista. Sua genuína devoção à causa da Terra Santa tornou-se a base de sua política"."' Menos de um mês após sua ascen são, ele convocou um concílio geral da Igreja para reunir-se em Lyon. O item mais importante de sua agenda era uma nova cruzada, e ele pediu que se fizessem sugestões à luz do fracasso da expedição de Luís IX a Túnis dois anos antes. Como requisito indispensável a uma cruzada bem-sucedida, Gregório X fez o que pôde para reconciliar as facções em guerra na Europa, e também fez uma tentativa de aproximação ao imperador grego em Constantinopla, Miguel VIII Paleólogo, convidando-o a mandar delegados a Lyon com o objetivo de reunir as duas igrejas. Na esteira de tantos reveses, a pregação de uma cruzada já não se fazia sem dificuldades. Humberto de Romans, o quinto mestre-geral da Ordem de Pregadores de Domingos de Gusmão, havia advertido seus frades no manual De predictatione sancte crucis de que eles deveriam estar prontos para responder a críticas rudes e hostis e de que seus sermões seriam com freqüência recebidos "com zombaria e derrisão"."' Humberto fez uma relação dos argumentos usados por seus opositores - por exemplo, de que era incompatível com a doutrina de Cristo matar 255 OS TEMPLÁRIOS em nome da Igreja: "os defensores de missões pacíficas junto aos infiéis eram bastante numerosos na época do Segundo Concílio de Lyon".3°' Até mesmo entre aqueles que defendiam uma nova cruzada, havia amplo consenso de que ela não deveria ser o tipo de empreendimento popular visto durante a Primeira Cruzada - o passagium generale -, mas, conforme proposto por Gilberto de Tournai, uma força expedicionária de soldados profissionais - o passagium particulare. Apenas um monarca europeu, o rei Jaime I de Aragão, foi ao concílio de Gregório X em Lyon, que se reuniu em 7 de maio de 1274. A ausêncis de Eduardo 1 da Inglaterra, ex-companheiro de armas do papa, foi uma decepção particular, porque ele teria sido capaz de oferecer aos padres do concílio o benefício de sua experiência. Sem o rei Eduardo e o rei Filipe 111 da Rança, Gregório recorreu aos conselhos dos grão-mestres das ordens militares: Hugo Revel, do Hospital, e Guilherme de Beaujeu, eleito grão-mestre do Templo após a morte de Tomás de Bérard no ano anterior. Guilherme era um templário de carreira com considerável experiência em combate na Palestina e na administração da Ordem. Em 1261, ele tinha sido capturado num ataque de surpresa e em seguida resgatado; fora preceptor dos templários no condado de Trípoli em 1271 e era preceptor do reino da Sicília ao tempo de sua eleição. Contudo, sua ascensão quase com certeza aconteceu por causa de seus vínculos com a coroa francesa. Seu tio havia lutado ao lado de Luís IX no Nilo, e através de sua avó paterna, Sibila de Hainault, era aparentado com a família real capetíngia. Não apenas os reis franceses tinham sido a mais confiável fonte européia de ajuda à Terra Santa, pagando a uma força permanente de cavalleiros e besteiros em Acre, mas, com o triunfo de Carlos de Anjou sobre seu rival Hohenstaufen na batalha de Tagliacozzo, o poder francês agora se estendia por todo o Mediterrâneo. Em conseqüência, Guilherme de Beaujeu, no Concílio de Lyon, pronunciou-se contra uma proposta apresenta pelor rei Jaime 1 de Aragãc de enviar uma força de 500 cavaleiros e 2.000 soldados de infantaria como a vanguarda de um passagiumgenerale, argumentando que hordas de cruz2dos entusiásticos, mas indisciplinados e transientes., seriam ineficazes. O que era necessário, em primeiro lugar, era uma guarnição permanente na 'ferra Santa, periodicamente reforçada por pequenos contingentes de sold2dos profissionais; e, em segundo lugar, um bloqueia econômico do Egito para solapar sua economia. Como condição prévia desse bloqueio, afirmou Guilherme de Beaujeu, os cristãos teriam de firmar um domínio naval no Mediterrâneo oriental que não dependesse das repúblicas marítimas italianas, Veneza, Gênova e Pisa: seu comércio com o Egito era simplesmente "llucrativo demais para que 256 A QUEDA DE ACRE abrissem mão dele",3°8 e os venezianos até usavam Acre para seu comércio com o Egito de petrechos de guerra proibidos procedentes da Europa. Seguindo esses conselhos, o Concílio de Lyon ordenou aos grão-mestres do Templo e do Hospital que construíssem uma frota de navios de guerra. Havia outra razão para que os templários apoiassem Carlos de Anjou: ele comprara os direitos ao trono de Jerusalém de uma pretendente digna de fé, Maria de Jerusalém, por mil libras de ouro e uma pensão anual de 4.000 livres tournois. Para os templários, e sem dúvida para o papa, um único soberano da casa real francesa reinando sobre um reino unido da Sicília e de Jerusalém era de longe a melhor base política para a preservação da presença dos latinos na Terra Santa, mas isso fez com que a Ordem entrasse em conflito com a nobreza nativa do reino de Acre, que apoiou a reivindicação do rei Hugo de Chipre. Quando Guilherme de Beaujeu regressou a Acre em setembro de 1275, ele se recusou a reconhecer a autoridade do rei Hugo, que em conseqüência voltou para Chipre profundamente ressentido e escreveu ao papa queixando-se de que as ordens militares tinham tornado a Terra Santa ingovernável. Carlos de Anjou, que também tinha o apoio do papa Gregório X, enviou a Acre um bailli para governarem seu nome, Rogério de San Severino. A nobreza nativa não viu outra opção senão aceitar a autoridade de Rogério, que ele exercia junto com Guilherme de Beaujeu. Duas tentativas do rei Hugo de recuperar seu posto com forças expedicionárias a Tiro em 1289 e a Beirute em 1284 foram frustradas, em grande parte pelos templários. O preço pago pela Ordem foi o seqüestro ou a destruição de suas propriedades em Chipre, que por sua vez resultaram em protestos do papa.309 De forma mais arbitrária, Guilherme de Beaujeu também envolveu o Templo numa prolongada disputa pela mão de uma herdeira entre Boemundo VII de Trípoli e seu principal vassalo, disputa essa que levou a uma guerra civil em pequena escala. Esse conflito cruento entre os cristãos latinos numa época em que seu reino já se encontrava numa situação perigosa escandalizou a opinião pública européia e minou a autoridade moral do grão-mestre do Templo, criando "uma imagem dele como indigno de confiança e sectário, uma imagem _ que, por seu turno, veio a se refletir em alguns dos juízos tardios a seu respeito. e a respeito dos últimos anos dos templários na Palestina 11.310 ' No fim de março de 1282, toda a base da política de Guilherme foi solapada com a revolta dos sicilianos contra Carlos de Anjou. Esta começou com um tumulto do lado de fora da catedral em Palermo, enquanto se entoavam as vésperas, e levou a um ataque contra a guarnição francesa. Carlos, um homem arrogante e insensível que não possuía nenhuma das judiciosas quali- 257 OS TEMPLÁRIOS dades de seu virtuoso irmão, Luís IX, já havia despertado o antagonismo dos sicilianos em geral com seu governo opressivo e do povo de Palermo em particular por transferir sua capital para Nápoles, acelerando assim o declínio econômico da cidade. Incitado pelo pretendente rival ao trono siciliano, Pedro III de Aragão, o povo de Palermo seguiu o exemplo do ataque aos soldados franceses do lado de fora da catedral com o massacre de 2.000 franceses que viviam na cidade. O desembarque de um exército aragonês em Trapani alguns meses mais tarde deu início a uma guerra que acabou com qualquer esperança de ajuda aos latinos na Terra Santa. Uma cruzada foi proclamada pelo papa Martinho IV não contra os sarracenos, mas contra os aragoneses. Como várias outras cruzadas pregadas contra os inimigos do papado no século XIV ela depreciou todo o conceito de guerra santa. Não se tratava apenas do fato de a Europa estar escandalizada por uma guerra contra os inimigos cristãos do papa, mas também do fato de que havia um explícito desvio de recursos. Em 13 de dezembro de 1282, o papa Martinho IV, um francês chamado Simão de Brion, autorizou o rei Filipe III da França a retirar 100.000 livres tournoir do Tèmplo de Paris, arrecadados mediante o imposto das cruzadas, para financiar a guerra entre os sicilianos e os aragoneses. O imposto de dez por cento sobre a Igreja que tinha sido coletado na Hungria, na Sicília, na Sardenha, na Córsega, na Provença e em Aragão, e que montava a 15.000 onças de ouro, foi transmitido a Carlos de Anjou. As conseqüências para a Terra Santa foram claras na ocasião, pelo menos para os propagandistas antipapais. Bartolomeu de Neocastro descreve um cavaleiro do Templo censurando o papa Nicolau IV "Vós podíeis ter ajudado a Terra Santa com o poder de reis e a força de outros crentes em Cristo (...) mas preferistes atacar um rei cristão e os sicilianos cristãos, armando reis contra um rei para reconquistar a ilha da Sicília".31' Na própria Terra Santa, as Vésperas Sicilianas tinham tornado insustentável a situação do novo bailli de Carlos de Anjou, Odon Poilechien, e os templários transferiram seu apoio para o rei Henrique II de Chipre, filho e herdeiro do rei Hugo. Demonstrando uma rara concórdia, os grão-mestres dos templários, dos hospitalários e dos cavaleiros teutônicos persuadiram Odon Poilechien a entregar-lhes a cidadela em Acre e então eles mesmos deram-na ao rei. Seis semanas mais tarde, depois da coroação do jovem rei em Tiro, a corte regressou a Acre, onde a ascensão dele foi celebrada com jogos, préstitos e torneios organizados pelos hospitalários. A jovem nobreza do ultramar interpretou cenas de cavalheirismo de Os Cavaleiros da Tdvola Redonda e de A Rain14a de Femenie, em que cavaleiros vestidos como mulheres encenaram justas simuladas. Essas comemorações continuaram por duas semanas. 258 A QUEDA DE ACRE Um fator que até então havia atuado em favor dos latinos na Palestina tinha sido o caos que se seguia à morte de um líder muçulmano - por exemplo, após a morte de Saladino em 1193. Contudo, quando Baibars morreu em 1277, seus ineficazes filhos foram substituídos dentro de três anos por Qalawun, o mais competente comandante de Baibars. O principal fator que inibira o novo sultão de mover-se em grande número contra os francos fora um medo residual de Carlos de Anjou: uma vez que esse medo fora eli- minado pelas Vésperas Sicilianas em 1282, nada restava que o impedisse de tentar alcançar a ambição de Baibars de empurrar os francos para o mar. Em 1287, Qalawun enviou um de seus emires para atacar Latáquia, o úl- timo porto no principado de Antioquia que permanecia nas mãos dos cristãos. Não se fez nenhuma tentativa de socorrê-lo, e Latáquia rendeu-se após um resistência simbólica. Em 1288, aproveitando-se de uma disputa pelo governo de Trípoli depois da morte de Boemundo IV Qalawun preparou em segredo o assalto à cidade. Seu plano foi revelado por um espião a serviço do Templo, o emir al-Fakhri, e Guilherme de Beaujeu escreveu para advertir os cidadãos de Trípoli; porém, em virtude dos seus antecendentes de má-fé em interesse próprio, eles não acreditaram nele, e portanto o exército de Qalawun os encontrou despreparados. Quando as tropas mamelucas irromperam na cidade, o comandante dos templários, Pedro de Moncada, perma- neceu e foi morto junto com todos os prisioneiros do sexo masculino; as mulheres e as crianças foram levadas como escravos. Depois que a cidade estava em suas mãos, Qalawun ordenou que ela fosse completamente arrasada para evitar qualquer proveito pelos francos. Nocionalmente, o reino de Acre ainda estava protegido por uma trégua, mas Qalawun logo encontrou um pretexto para quebrá-la. Um entusiástico mas indisciplinado grupo de cruzados, recém-chegado do norte da Itália, reagiu ao rumor de que uma cristã havia sido seduzida por um sarraceno atacando todos os muçulmanos na cidade de Acre. Os barões latinos e as ordens militares fizeram o possível para deter esse pogrom, mas vários muçulmanos foram mortos. Quando Qalawun soube do massacre, ele exigiu que os canalhas lhe fossem entregues para execução. As autoridades em Acre recusa- ram-se a entregar cruzados cristãos ao infiel. Guilherme de Beaujeu propôs enviarem seu lugar todos os prisioneiros condenados mantidos nos cárceres da cidade, mas a proposta foi rejeitada. Em vez disso, o rei Henrique enviou emissários a Qalawun para explicar que os lombardos eram recém-chegados e, portanto, não haviam entendido a lei, e que, de qualquer modo, o distúrbio tinha sido desencadeado pelos mercadores muçulmanos. Isso não satisfez Qalawun. Informado por seus conselheiros de que tinha uma causa justa para quebrar a trégua, ele ordenou a seu exército que OS TEMPLÁRIOS se preparasse em segredç para um assalto a Acre. Mais uma vez, o emir al-Fakhri enviou uma mensagem a Guilherme de Beaujeu, mas novamente não deram crédito ao grão-mestre do Templo. Em desespero, Guilherme de Beaujeu enviou seu próprio mensageiro ao Cairo para negociar com Qalawun, que ofereceu paz em troca de um cequim por cada habitante de Acre. Guilherme recomendou essa c,ferta à Alta Corte em Acre, mas ela foi desdenhosamente rejeitada. O próprio Guilherme foi acusado de traição e xingado pela multidão, quando deixou a sala de audiência. No dia 4 de novembro de 1290, Qalawun partiu para Acre à frente de seu exército, mas adoeceu e dentro de uma semana estava morto. Sucedeu-lhe seu filho al-Ashr~f, que, enquanto o pai agonizava, prometeu que continuaria a guerra contra os francos. Novos emissários de Acre, entre eles um cavaleiro do Templo, $artolomeu Pizan, foram lançados na prisão; e em março de 1291 os exército; de al-Ashraf da Síria e do Egito começaram a convergir para Acre com mais de cem engenhos de cerco, catapultas gigantes e manganelas. Em 5 de abril o próprio al-Ashraf chegou diante das muralhas de Acre e o cerco começou. A cristandade tinha sido informada dos planos dos muçulmanos contra Acre pelo menos seis mesas antes, mas pouco tinha sido feito para intensificar suas forças na Terra Satita. As ordens militares tinham convocado cavaleiros da Europa; o rei Eduardo I havia enviado alguns cavaleiros sob Oto de Grandson; e o rei Henrique, um contingente de tropas de Chipre. No máximo, as forças cristãs combinadas consistiam em cerca de mil cavaleiros e quatorze mil soldados de infantaria, entre eles os indisciplinados lombardos. A população da cidade era estimada em aproximadamente quarenta mil, e todo homem vigoroso assumiu seu lugar nas muralhas. Ao norte ficava o subúrbio de Montmusard, protegido por uma muralha dobrada e um fosso; e entre Montmusard e Acre propriamente dita havia outro fosso e uma muralha que ligava torres fortificadas construídas por eminentes cruzados, como o príncipe Eduardo da Inglaterra. A cada contingente cias forças de defesa foi designada uma seção das muralhas. Os templários, sob Guilherme de Beaujeu, guarneceram a seção mais ao norte, de onde os bastiões de Montmusard avançavam até o mar. Junto a eles estavam os h(Dspitalários e, na junção com as muralhas de Acre, os cavaleiros reais comandados por Arnauri, irmão do rei, reforçados pelos cavaleiros teutônicos; a seguir, os franceses, os ingleses, os venezianos, os Pisanos e, por fim, as tropas da Comuna de Acre. Em 6 de abril, o cerco começou com um bombardeio das catapultas e manganelas do sultão. Colberto por uma saraivada de flechas disparadas contra os defensores, os engenheiros mamelucos avançaram a fim de solapar as A QUEDA DE ACRE torres e as muralhas. Embora adequadamente abastecidos de alimentos pc mar, os cristãos não tinham armas e soldados suficientes para guarnecer c baluartes. Na noite de 15 de abril, Guilherme de Beaujeu liderou uma sort da para atacar o acampamento dos muçulmanos, mas, após um êxito inicia os cavaleiros ficaram enredados nas cordas de retenção das barracas e forar forçados a voltar para a cidade, deixando dezoito mortos para trás. Em 8 d maio, a primeira das torres solapadas pelos engenheiros muçulmanos estav a ponto de desmoronar, obrigando sua guarnição a incendiá-la e então reta rar-se. Durante a semana que se seguiu, outras torres começaram a desmonc rar, e em 16 de maio os mamelucos fizeram um ataque arrojado à Porta d~ Santo Antônio, que foi rechaçado pelos templários e pelos hospitalários. En 15 de maio, enquanto descansava, Guilherme de Beaujeu ficou sabendo que os mamelucos haviam capturado a Torre Maldita. Sem esperar para pôr tod a sua armadura, ele saiu precipitadamente, a fim de comandar um con tra-ataque, mas foi rechaçado e ferido. Seus confrades do Templo leva ram-no de volta para a fortaleza dos templários no extremo sudoeste d; cidade, onde morreu naquela noite. O marechal dos hospitalários, Mateus de Clermont, que tinha estado com Guilherme de Beaujeu, retornou à batalha e foi morto. O grão-mestr< do Hospital, João de Villiers, também foi ferido, mas não fatalmente, f levado por seus confrades para uma galera no porto. Nos embarcadouros, confusão era total, devido àqueles que tentavam abandonar a cidade conde nada. O rei Henrique e seu irmão Amauri zarparam para Chipre. Oto de Grandson e João de Grailly apoderaram-se de um navio. Fugitivos desespe rados jogavam-se no mar, a fim de nadarem até as galeras fundeadas ao largo O patriarca, Nicolau de Hanape, acolheu tantos no escaler que o estava conduzindo a uma galera, que o pequeno bote emborcou e o patriarca morreu afogado. Rogério de Flor, comandante de uma galera dos templários, assentou os alicerces de sua subseqüente carreira de pirata, extorquindo grandes somas de dinheiro das ricas matronas de Acre por um lugar em seu barco. Mas por fim o porto foi isolado pelas forças mamelucas que avançavam lutando pelas ruas da cidade, matando sem distinção homens, mulheres e crianças. Os que se esconderam em suas casas até que a fúria da batalha tivesse cessado foram capturados e escravizados; tantos foram levados que o preço de uma garota no mercado de escravos em Damasco caiu a uma dracma, e "muitas mulheres e crianças desapareceram para sempre nos haréns dos emires mamelucos".3'z OS TEMPLÁRIOS Aoanoitecer de 18 de maio, toda Acre estava nas mãos dos muçulmanos, exceto a fortaleza dos templários no extremo da cidade que dava para o mar. Aí os templários restantes, sob o comando de seu marechal, Pedro de Sevrey, resistirem com civis que se haviam refugiado atrás das muralhas maciças. Galera: regressaram de Chipre para mantê-los abastecidos, e sua força residual fo: suficiente para induzir o sultão al-Ashraf a propor os termos da rendição. Foi acertado que os templários entregariam a fortaleza em troca do livre enbarque de todos que estavam no complexo, junto com suas posses. Mas o emir, com cem mamelucos que foram aceitos para supervisionar essa trégua, apossou-se da propriedade dos civis e começou a maltratar mulheres e crianças cristãs. Enfurecidos, os templários mataram os mamelucos e rasgaram o estandarte do sultão que haviam alçado acima da torre. Naquela noite, oculto pela escuridão, o comandante dos templários, Teobaldo Gaudin, foi ordenado pelo marechal, Pedro de Sevrey, a tomar um navio com o tesouro da Ordem e alguns dos civis e navegar até a fortaleza dos templárïos em Sídon. Na manhã seguinte, o sultão al-Ashraf pediu que se reabrissem as negociações para a rendição dos templários. O marechal, Pedro de Sevrey, com um pequeno grupo de cavaleiros do Templo deixou a fortale2a com um salvo-conduto a fim de conferenciar. Quando chegaram ao acampamento do sultão, foram capturados e decapitados. Os que permaneceram atrás das muralhas do Templo fecharam os portões e aguardaram o ataque final dos muçulmanos. Em 28 de maio, parte da muralha do lado da terra foi solapada e os muçulmanos entraram pela brecha. Os últimos defensores foram dominados e massacrados. Acre foi afinal conquistada. Em Sídon, Teobaldo Gaudin foi eleito grão-mestre em sucessão a Guilherme de Beaujeu; ele era um soldado experiente que servira durante trinta anos na Terra Santa, primeiro como chefe dos turcópolos, depois como comandante em Acre. Ele permaneceu em Sídon por um mês após a queda de Acre e, quando um exército mameluco apareceu diante das muralhas da cidade, retirou-se com a guarnição de templários para a cidadela, a pouca distância da praia. Tiro já se havia rendido aos mamelucos, ao passo que Acre, por ordem do sultão, tinha sido sistematicamente arrasada, e o portal da Igreja de Santo André foi levado para o Cairo como uma lembrança da gloriosa vitória de al-Ashraf Airda tencionando resistir, Te obaldo Gaudin zarpou para Chipre em busca de reforços, levando consigo o tesouro da Ordem, e não retornou. Aconselhado por seus confrades em Chipre a abandonar Sídon, e vendo que os mamelucos tinham começado a construir uma estrada elevada, os templários abandonaram o castelo e navegaram costa acima até Tortosa. Haifa ren- A QUEDA DE ACRE deu-se em 30 de julho; Beirute, um dia depois, e suas muralhas foram demolidas e sua catedral transformada em mesquita. Tortosa foi evacuada em 3 de agosto, e onze dias mais tarde os templários retiraram-se de sua maior fortaleza, o inexpugnável Castelo Peregrino. Tudo o que restou foi a sua guarnição na ilha de Ruad, a duas milhas da costa, próximo a Tortosa. Aí os templários mantiveram uma guarnição durante os doze anos seguintes. Nesse período, os muçulmanos arrasaram as cidades e devastaram a terra no litoral do Mediterrâneo. Em pouco tempo, a presença dos francos no continente asiático eram ruínas no meio da areia. pQRte tueS A QUEDA DOS TEMPLÁRIOS V (,Z~II l~z~ O Templo no Exílio Embora tivesse sido prevista, a queda de Acre foi um choque para a cristandade latina e deu uma sensação de urgência aos planos do papa Nicolau IV de uma nova cruzada. Esta fora proclamada uns dois meses antes de a notícia chegar à Europa, em 29 de março de 1291, e tinha se tornado possível pela solução do imbróglio siciliano pelo Tratado de Brignoles no mês anterior. Ela seria liderada pelo rei inglês Eduardo I, que, tendo subjugado os galeses, sentia-se capaz de realizar sua aspiração de longa data de regressar à Terra Santa à frente de um exército: a data para sua partida foi marcada para a Festa de São João Batista, 24 de junho de 1293. A queda de Acre não foi vista naquela época como o fim da presença latina na Terra Santa. Havia um ponto de vista comum de que os mongóis se revelariam a salvação dos cristãos. A conversão ao cristianismo de alguns dos delegados mongóis que participaram do Segundo Concílio de Lvon resultou na esperança de que outros pudessem seguir seu exemplo, e a crença baseada no desejo, e não em razões lógicas, transformou a esperança em expectativa. O papa Nicolau IV o primeiro frade franciscano a ocupar a Sé de São Pedro, enviara um missionário franciscano, Giovanni di Monte Corvino, à corte do Grande Kubla Khan. Além disso, ainda havia uma presença cristã no continente asiático, na Armênia Cilicia, e Chipre continuava nas mãos dos francos. A estratégia do papa era reforçar esses postos avançados cristãos e enfraquecer o Egito com um bloqueio naval antes da cruzada do rei Eduardo. As recriminações foram menos enérgicas, sobretudo quando comparadas com as que haviam se seguido ao fracasso da Segunda Cruzada. Os lombardos que haviam dado a Qalawun um pretexto para quebrar a trégua; a decadência pecaminosa dos habitantes do ultramar; e, entre as classes inferiores, os procrastinadores líderes da cristandade, foram todos responsabilizados. "Chorai, filha de Sião", escreveu o autor de um pequeno tratado, De Exidio Urbis Acconzs, OS TEMPLÁRIOS Chorai sobre vossos chefes, que vos abandonaram. Chorai sobre vosso papa, sobre vossos cardeais e prelados e sobre o clero da Igreja. Chorai sobre vossos reis, príncipes, barões e cavaleiros cristãos, que se chamam a si mesmos de grandes combatentes, mas (...) deixaram essa cidade repleta de cristãos sem defesa e abandonaram-na, deixando-a só como um cordeiro no meio de lobos."' A falta de firmeza moral dos cristãos foi contrastada com o fervor religiosodos muçulmanos. Contudo, o Senhor estivera disposto a poupar Sodoma po,r causa de dez homens justos, e em Acre, apesar de toda a sua decadência, tinha havido muito mais que dez. Trinta frades dominicanos na cidade tiniham sido massacrados pelos mamelucos após sua rendição; e um de seus colnfrades, o missionário Ricoldo de Monte Croce, que estava em Bagdá na ocasião, foi alvo de intenso escárnio dos muçulmanos, para quem o fracasso de Cristo em salvar os cristãos provava que ele era um mero homem. "Judeus e nnongóis também zombaram dos cristãos (...). Muitos cristãos tiraram concluisões extremas e converteram-se ao islamismo." 314 Encontrando na kasbah o conteúdo de uma igreja saqueada em Acre, Ripoldo comprou um missal e uma cópia de A Moral do Trabalho, do papa Gnegório, o Grande. Ricoldo quase entrou em desespero: Maomé tinha triunfajo na terra natal de Cristo. Tudo a seu redor era apostasia e sujeição. padres tinham sido chacinados, freiras transformadas em concubinas, e "se os sarracenos continuarem a fazer o que fizeram em dois anos a Trípoli e Acre, em alguns anos não restarão mais cristãos no mundo inteiro".315 Na Europa, longe do escárnio dos muçulmanos, e com o destino dos cristãos na Ásia testemunhado apenas indiretamente, ninguém teve a temeridade de fazer de Cristo o bode expiatório, mas houve críticas retrospectivai às repúblicas marítimas italianas e às ordens militares. João de Villiers, o mestre do Hospital, que tinha sido ferido e levado para a segurança de ChiprC,, escreveu posteriormente a Guilherme de Villaret, o hospitalário prior de Saint-Gilles, num tom que sugere que ele estava perfeitamente cônscio de que se julgava que deveria ter morrido no seu posto."' A morte heróica de Guilherme de Beaujeu não expungiu por completo sua reputação como a principal fonte de desunião no reino latino. O papa Nicolau IV anunciou publicamente que as disputas entre o Templo e o Hospital haviam contribuído para a ruína de Acre e propôs que as duas ordens fossem portanto fundidas. Isso foi endossado por quase todos os concílios da Igreja depois de 1201 e associado a exigências, como as do Concílio de Canterbury que se reuniu no Templo em Londres em fevereiro de 1292, de que uma nova cruzada fosse custeada com os recursos financeiros das duas ordens. Não obs- O TEMPLO NO EXÍLIO tante, quando Nicolau IV morreu em 1293, os resolutos planos de uma nova cruzada morreram com ele. A fusão proposta do Templo e do Hospital foi mal recebida pelas duas ordens militares. Nenhuma delas queria abdicar de sua autonomia, e ambas sentiam que estavam sendo usadas como bodes expiatórios para o fracasso de outrem na organização de ajuda a Acre. Ambas estavam seguras não apenas de que eram poderosas demais para serem coagidas a uma união, mas também de que eram indispensáveis a qualquer cruzada futura. Não obstante, a defesa da Terra Santa tinha sido sua raison d ëtre, e embora sua bravura na defesa de Acre lhes tivesse dado crédito, a rendição de Sídon e do Castelo Peregrino sem luta, ainda que sem dúvida justificada por motivos estratégicos, não havia aumentado seu prestígio. Com alguma presciência, a Ordem Teutônica, após a queda de Acre, mudara sua sede primeiro para Veneza e depois, em 1309, para Marienburg, na Prússia, e a partir de então lutou exclusivamente contra os prussianos e os lituanos pagãos. O Hospital, como o Templo, buscou refúgio em Chipre, onde possuía extensas propriedades, estabelecendo seu convento em Limassol em 1292. Mas tendo expandido sua frota de galeras para reforçar o bloqueio ao Egito, conforme instruído pelo Segundo Concílio de Lyon, os hospitalários agora procuravam uma base livre da jurisdição do rei de Chipre. O olhar do grão-mestre, Foulques de Villaret, eleito em 1305, caiu sobre a ilha de Rodes. Nominalmente ainda parte do Império Bizantino, nos últimos trinta anos Rodes tinha sido governada por genoveses piratas. Não havia nenhum soberano na região do mar Egeu: o Sul da Grécia ainda era governado por príncipes latinos, Creta e algumas das ilhas jônias por Veneza, e se fazia pouca distinção entre comerciantes e piratas, ou entre mercenários e bucaneiros. Em março de 1302, o Templo em Chipre pagou um resgate de 45.000 moedas de prata para assegurar a libertação de Guido de Ibelin e sua família, que tinham sido seqüestrados por piratas de seu castelo em Chipre. Uma boa idéia do caos que reinava no Mediterrâneo nessa época é fornecida pela carreira de Rogério de Flor, o templário que extorquiu o tesouro das matronas de Acre em troca de um lugar em sua galera. Segundo se dizia, filho de Richard von der Blume, falcoeiro do imperador Frederico II, após a queda dos Hohenstaufen ele foi contratado, aos oito anos de idade, como taifeiro numa galera dos templários no porto de Brindisi. Latinizando seu nome para Rogério de Flor, ingressou na Ordem do Templo e ascendeu ao posto de comandante da galera Falcon. 269 OS TEMPLÁRIOS Expulso da Ordem devido ao seu comportamento em Acre, ele navegou para Marselha e em seguida para Gênova, onde foi posto no comando de uma nova galera, a Olivetta. Enormemente enriquecido, primeiro através da pirataria e depois como líder de um bando de mercenários catalães que combatiam na Sicília, por volta de 1302 estava no comando de uma frota de trinta e duas galeras e navios de transporte e de uma força de 2.500 homens. Estes ele colocou à disposição do imperador bizantino Andrônico Paleólogo em troca da mão de sua sobrinha Maria, do título de megas dux e, para sua Companhia Catalã, do dobro das taxas de pagamento usuais. Após uma vitoriosa campanha contra os turcos na Anatólia, Rogério foi assassinado. Sua Companhia Catalã, sob um novo comandante, apossou-se do ducado de Atenas em 1311, onde permaneceu por senta e sete anos."' Um de apenas pouquíssimos templários renegados cuja história foi registrada, a rápida ascensão e a súbita queda de Rogério de Flor revelam a relativa facilidade com que uma bem organizada força de combatentes poderia adquirir um domínio da sua escolha. Tirando proveito dessa anarquia, uma força de hospitalários desembarcou em Rodes em junho de 1306, e antes do fim do ano havia capturado a capital, Filermo. Em 1307, o papa Clemente V sancionou sua conquista, e, embora mais três anos fossem necessários para subjugar a ilha inteira, o Hospital possuía um principado bem fortificado e auto-suficiente que assegurava sua independência de controle externo. Os templários não eram tão sagazes. Eles tinham propriedades substanciais na ilha de Chipre, entre elas uma fortaleza ao norte de Famagusta e torres fortificadas em Limassol, Yermasoya e Khirokitia, mas não estavam em condições de governar ou mesmo dominar a ilha. Além do mais, tinham sido punidos pelo rei Hugo de Chipre por apoiarem Carlos de Anjou na disputa pela coroa de Jerusalém: sua casa em Limassol, seqüestrada pelo rei Hugo, só lhes foi devolvida depois da intervenção do papa Maninho IV na década de 1280. As relações continuaram azedas após a queda de Acre, quando a sede do Templo se mudou para Chipre: o rei Henrique dificilmente pode ter-se sentido inclinado a dar as boas-vindas a um influxo de cavaleiros do Templo, sargentos e tropas auxiliares. O Capítulo Geral que se reuniu em Nicósia na esteira do desastre contou com a presença de 400 confrades da Ordem; e em 1300 esta foi capaz de enviar 120 cavaleiros, 500 arqueiros e 400 serviçais para reforçarem a guarnição na ilha de Ruad. Como sempre, os templários foram alvo de ressentimentos devido a seus privilégios e isenções. Em 1298, o rei Henrique II enviou uma embaixada para se queixar ao papa do comportamento da Ordem; e, quando ele foi obrigado a abdicar pelos barões ciprio- 270 O TEMPLO NO EXÍLIO tas em favor de seu irmão Amauri em 1306, os templários faziam parte do grupo que ficou contra e1e.31s A direção da Ordem tinha passado nessa ocasião das mãos de Teobaldo Gaudin, que falecera em abril de 1293, para as de um novo grão-mestre, Jacques de Molay. Originário da pequena nobreza do Franche-Comté, parte do pós-carolíngio reino central da Lorena, que fornecera muitos cavaleiros à Ordem, ele era filho de João de Longwy e parente da distinta família Rohan pelo lado materno. Tomou o nome de Molay de uma propriedade na diocese de Besançon e fora recebido na Ordem em Beaune, na Borgonha, em 1265, por dois altos funcionários, Humberto de Pairaud, mestre na Inglaterra, e Amauri de La Roche, mestre na França. Tinha passado grande parte de sua carreira no ultramar, mas não se sabe se estava presente ou não durante o sítio de Acre. Sem dúvida experiente depois de trinta anos na Ordem, e com toda a certeza competente de muitas formas, Jacques de Molay era também destituído de imaginação, inflexível e não possuía a astúcia do grão-mestre do Hospital, Foulques de Villaret. O único papel que ele conseguia conceber para o Templo era o da vanguarda numa reconquista da Terra Santa. Para esse fim, ele mantinha a guarnição na ilha de Ruad, e convocou cavaleiros e sargentos da Europa, a fim de compensar as perdas que a Ordem sofrera em Acre. Em 1294, Jacques de Molay viajou à Europa para tentar obter apoio à sua Ordem. Ele estava em Roma em dezembro, num momento único na história da Igreja Católica Romana, quando pela primeira e última vez um papa, Celestino V abdicou, sucedendo-lhe um de seus cardeais, com o nome de Bonifácio VIII. De Roma, Molay viajou à Itália central, e em seguida a Paris e Londres. Ou pessoalmente, ou por intermédio de correspondência, ele estava em contato com todos os monarcas da Europa Ocidental. Tinha relações particularmente cordiais com o rei Eduardo I da Inglaterra, que em 1302 lhe escreveu que apenas as guerras na França e na Escócia o haviam impedido de "ir a Jerusalém, conforme ele havia jurado (...) e nessa viagem ele havia concentrado todo o seu coração".3'9 Eduardo isentou a Ordem de uma proibição geral da exportação de valores, de modo que os fundos coletados pelo Templo de Londres pudessem ser remetidos a Chipre. O lobby de Jacques de Molay em Roma também se revelou frutífero: o novo papa, Bonifácio VIII, publicou uma bula determinando que o Templo deveria gozar os mesmos privilégios e isenções em Chipre que gozara na Terra Santa; e Carlos II em Nápoles decretou que as exportações de alimentos dos templários dos portos do sul da Itália deveriam ser isentas de impostos, contanto que fossem para uso da Ordem. Navios de carga foram cons- 271 OS TEMPLÁRIOS truídos para transportar os carregamentos do Templo, e em 1293 seis galeras foram compradas de Veneza. Estas faziam parte de uma esquadra que em julho de 1300 fez vários ataques de surpresa na costa do Egito e da Síria, e em novembro transportou uma força de 600 cavaleiros a Ruad como base para um assalto a Tortosa. . Esse regresso à Terra Santa foi planejado como uma operação combinada com os mongóis sob Il-khan Ghazan e os armênios sob o rei Hetoum, mas quando os exércitos deles chegaram a Tortosa em fevereiro de 1301, as forças latinas tinham desistido de esperar e retornado a Chipre. O Templo continuou a fortificar e abastecer Ruad, mas os mamelucos no Egito, percebendo como ela poderia ter sido usada como base para a reconquista da Palestina, enviaram uma frota de dezesseis galeras para sitiá-la. A guarnição resistiu até que se defrontou com a fome. Seu comandante, o irmão Hugo de Dampierre, providenciou então um salvo-conduto como condição da sua rendição, porém mais uma vez os mamelucos não mantiveram a palavra, e os templários foram mortos ou feitos prisioneiros. Viajantes mais tarde relataram sobre cavaleiros do Templo vivendo em pobreza no Cairo e, em 1340, trabalhando como lenhadores perto do mar Negro. O ataque a Tortosa veio na crista da onda de entusiasmo, na Europa Ocidental, por uma nova cruzada, que contemplava o papel mais destacado para as ordens militares, vendo-as como "a mais importante fonte individual de projetos de cruzadas".3z° Durante a maior parte do ano de 1300, um otimismo inebriante havia prevalecido na Cúria Pontifícia, onde se acreditava que Jerusalém tinha sido conquistada pelo Il-khan mongol, Ghazan, e seria devolvida aos cristãos. Isso era não apenas o resultado de uma falsa crença, baseada no desejo, porque durante a primeira metade de 1300 não restavam forças mamelucas na Síria e os mongóis controlavam a Terra Santa; mas o otimismo era prematuro, pois no ano seguinte os mamelucos regressaram. Com a rendição de Ruad, a maior esperança de uma cruzada bem-sucedida parecia residir de novo no rei da França. Filipe IV havia ascendido ao trono em 1285, após a morte de seu pai, Filipe III, em virtude de uma febre que contraíra enquanto participava da "cruzada" do papa Martinho IV contra os aragoneses. Não entusiástico por essa guerra contra o irmão de sua finada mãe, Filipe IV ao ascender ao trono, reconciliou-se com Aragão e concentrou suas energias na modernização da administração real da França. Na fase inicial de seu reinado, ele demonstrou pouco interesse numa cruzada e, em dezembro de 1290, pediu ao papa Nicolau IV que o desobrigasse da responsabilidade pela custódia da Terra Santa, responsabilidade essa herdada de seu pai. 272 O TEMPLO NO EXÍLIO A exemplo do imperador Frederico II, Filipe IV tinha sido afetado na infância pela morte precoce da mãe. Ele pouco vira seu pai, e a vinda de uma madrasta ardilosa, Maria de Brabante, quando Filipe tinha seis anos, fê-lo apenas sentir-se menos seguro; pois quando seu irmão Luís morreu, dois anos mais tarde, correram rumores de que ele tinha sido envenenado por Maria de Brabante e de que ela tencionava livrarse de seus outros enteados de forma semelhante. Filipe refugiou-se cada vez mais numa religiosidade apreensiva, voltando-se para o seu pio avô, Luís 1X, em busca de um modelo de conduta. Casando-se aos dezesseis anos com a sua companheira de infância, Joana de Navarra, que trouxe não só Navarra, mas também a Champagne como dote, Luís tornou-se rei apenas um ano mais tarde. Ele foi o décimo primeiro membro da dinastia fundada por Hugo Capeto em 987 e, totalmente imbuído com o elevado conceito que sua família tinha da monarquia, contava com o apoio de cortesãos, bem como de clérigos; para o Concílio de Sens, ele era o rei da França "mais cristão", e para Giles de Roma, "mais do que um homem, completamente divino".s2' A piedade de Filipe era sincera: ele se submeteu a diferentes penitências para mortificar sua carne, entre elas o uso do cilício. Homem alto, bonito, reservado, com cabelos louros e tez pálida, que fizeram com que viesse a ser chamado de Filipe, o Belo, o rei francês era um hábil caçador e era considerado um cavaleiro consumado. Bernardo Saisset, bispo de Pamiers, reconhecia que Filipe era "mais bonito do que qualquer outro homem no mundo", mas julgava que seu comportamento arredio era uma forma de encobrir uma cabeça vazia: "ele nada sabia, exceto encarar os homens como uma coruja, a qual, embora seja bonita de contemplar, sob outros aspectos é um pássaro inútil". Essas observações resultaram na prisão do bispo em 1301, sob as acusações de blasfêmia, bruxaria, heresia, traição, simonia e fornicação. Um historiador contemporâneo vê em Filipe uma personalidade mais complexa, mas igualmente sem atrativos "uma pessoa capciosa, inflexivelmente moralista, rigorosamente escrupulosa, sem senso de humor, obstinada, agressiva e vingativa, que tinha medo das conseqüências eternas de seus atos temporais".322 O casamento de Filipe com Joana de Navarra era feliz: Joana era uma mulher enérgica e solícita, que tinha uma profunda devoção a Luís IX, avô de seu marido. Ela e sua mãe tornaram-se inimigas de Guichard, bispo de Troyes, o qual, quando Joana morreu, em abril de 1305, foi acusado de assassiná-la por meio de bruxaria e magia negra. Filipe foi profundamente afetado pela morte dela e nunca voltou a se casar. 273 OS 'EMPLÁRIOS Filipe era herdeiro não apenas de uma tradição de piedade, como também da política dos monarcas capetíngios de inexorável desenvolvimento a expensas dos principados ao redor, como o de Toulouse, e, dentro de seu reino, por meio da expansão dos direitos reais a expensas da nobreza, das cidades e da Igreja. Para historiadores posteriores, mas também para os de seu tempo, era difícil avaliar a influência exercida pelos ministros que executavam essa política, favorecendo a ideologia absolutista que marcou o reinado de Filipe. Estes eram oriundos de uma ascendente classe de advogados, os légistes, que nada deviam à Igreja ou à nobreza, mas derivavam seu poder exclusivamente da mercê do rei. Na década de 1290, o mais eminente desses ministros era Pedro Flote, guardião dos selos e chefe da chancelaria; mas após sua morte, em 1302, os selos foram transferidos a Guilherme de Nogaret, um advogado procedente das imediações de Saint-Félix-deCaraman, no condado de Toulouse. Pouco se sabe acerca das origens e dos primeiros anos da vida de Guilherme de Nogaret, o que levou alguns historiadores a supor que ele tivesse algo a esconder, possivelmente a descendência de cátaros. "Diferentes cronistas sugeriram que o pai de Guilherme, sua mãe e vários de seus parentes tinham sido queimados por heresia";323 sua cidade natal, Saint-Félix-deCaraman, foi onde o "papa" cátaro Niquinta havia realizado um concílio em 1167. Se Nogaret se originava ou não de uma família herética, e se, caso se originasse, sua simpatia residual pelos derrotados cátaros resultou em animosidade contra a Igreja Católica, isso não passa de conjeturas. Sem dúvida, teria sido imprudente de sua parte revelar qualquer simpatia pela heresia, e na verdade mais eficaz, dada a piedade do rei Filipe, expressar uma particular repugnância por ela e promover seu soberano como um rei "catolicíssimo", que descendia de "ardorosos paladinos da fé e resolutos defensores da Santa Madre Igreja". 324 Tampouco o consenso entre historiadores contemporâneos aceita que Filipe fosse manipulado por seus ministros, mas o vê antes como "o poder dirigente no reinado".325 A crença de Filipe de que era um eleito de Deus não o alçou acima de princípios políticos práticos, mas antes o tornou muito resoluto em adquirir os meios para cumprir seu papel divinamente determinado. O principal obstáculo era a obstinação de seu principal vassalo, o duque da Gasconha, que era ao mesmo tempo o rei da Inglaterra, Eduardo I. Antes de tudo, como cruzado oficial, Eduardo era considerado o líder natural de qualquer cruzada e, portanto, o principal soberano da cristandade; em segundo lugar, sua base de poder na Inglaterra permitia-lhe resistir à política capetíngia, continuada por Filipe, de expandir seus poderes à custa de seus vassalos. Isso levou à guerra entre a França e a Inglaterra e o aliado da Ingla- 274 O TEMPLO NO EXÍLIO terra, Flandres. A reconciliação com Eduardo I ocorreu em 1298, mas a guerra em Flandres revelou-se um atoleiro. Em maio de 1302, os franceses de Bruges foram massacrados e a subseqüente campanha de Filipe para vingá-los terminou em derrota em Courtrai, durante a qual Pedro Flote foi morto. Essas guerras incorreram em enormes despesas, aumentando as dívidas que Filipe herdara da guerra de seu pai contra Aragão - cerca de 1,5 milhão de livres tournois. Todo expediente à disposição do monarca foi usado para angariar fundos. As obrigações feudais foram exploradas até o limite máximo e a força foi usada para extorquir impostos às cidades. Quando todas as fontes aceitas e legítimas se exauriram, os ministros do rei voltaram-se para minorias ricas impopulares. Primeiro foi a vez dos mercadores lombardos que viviam em Paris, os quais, no início do reinado de Filipe, haviam atuado como seus banqueiros, dando garantia de empréstimos com base em tributação futura: eles foram pouco a pouco esbulhados por meio de multas e confiscos, culminando com desapropriação total e expulsão da França. Em julho de 1306, foi a vez dos judeus. Seus bens foram confiscados e eles também foram expulsos da França. Outro expediente foi a depreciação da moeda corrente - livres, sous e denirs. Entre 1295 e 1306, a casa da moeda real reduziu o valor da moeda em duzentos por cento. Em junho de 1306, o rei Filipe jovialmente propôs a volta da moeda corrente na época de seu avô, Luís IX. O dinheiro em circulação na França perdeu dois terços de seu valor, o que levou a distúrbios em Paris, dos quais o rei só escapou por ter-se refugiado no Templo da cidade. De longe, a mais promissora fonte de receita adicional era a Igreja Católica. Até então, ela só podia ser taxada com a permissão do papa, mas tanto Eduardo I na Inglaterra quanto Filipe IV na França tinham-no feito sem tal permissão. Já por volta de 1296, as tentativas do papa Bonifácio VIII de intervir na guerra entre os dois reis tinham malquistado os franceses. Agora, numa bula intitulada Clerico laicos, Bonifácio reiterava a condenação da tributação do clero sem o consentimento do papa. A reação de Filipe foi proibir a transferência de todos os fundos da França para o papa em Roma. Como O papa dependia de seus rendimentos franceses, ele não teve alternativa senão voltar atrás, e, para selar sua reconciliação, em 11 de agosto de 1297 declarou santo o avô de Filipe, Luís IX. A exemplo dos papas Inocêncio III e Gregório IX, Bonifácio VIII nascera na cidadezinha de Anagni, ao sul de Roma. Sua família, os Caetani, não era tão eminente quanto os Segni, que tinham fornecido os papas anteriores, mas ele era um homem com a mesma índole, um bacharel em direito canônico OS TEMPLÁRIOS por Bolonha, o qual, na década de 1260, fora em missões diplomáticas ã França e à Inglaterra, tornando-se cardeal durante o pontificado de Nieolau IV. Seu predecessor, Pietro de a Morrone, que tinha reinado como Celestino V, fora outrora eremita. Deixar-ido a reclusão de sua caverna, Pietro fundara o mosteiro de Santa Spiritu em Nápoles e criara vínculo com os "místicos" franciscanos, que desejavam observar a absoluta pobreza do fundador da ordem Em 1294, quando foi escolhido como papa, ele estava com oitenta e quatro anos e vivia de novo sozinho numa caverna. A eleição de Celestino V tinha ocorrido após um longo impasse no Colégio de Cardeais e com a expectativa de que a escolha de uma pessoa genuinamente devota revitalizasse a Igreja. Contudo, ele também era o candidato favorita de Carlos II, o rei francês de Nápoles, que, contra a vontade dos cardeais, instalou Celestino V no Castel Nuovo, em Nápoles, e abarrotou o Colégio de Cardeais com as pessoas que ele próprio nomeara. Embora sem dúvida virtuoso, Celestino era também ingênuo, sem instrução e incompetente, com insuficientes conhecimentos de latim para acompanhar o diaadia da administração da Igreja. Celestino V tinha relutado em aceitar a tiara pontifícia, e já quase em fins de 1293 tinha-se-lhe tornado claro que ele não estava à altura do cargo. Depois de tentar transferir o governo da Igreja para um comitê de três cardeais, ele perguntou ao principal canonista entre os cardeais, Benedetto Caetani, se era possível que um papa renunciasse. Citando falsos precedentes, o cardeal redigiu uma fórmula para sua abdicação. Num consistório em 13 de dezembro, Celestino V renunciou à insígnia pontifícia, na esperança de regressar à vida de eremita, mas seu sucessor, receando que ele pudesse formar o foco de um cisma, mandou confinar Celestino em Castel Fuome, perto de Ferentino, onde ele faleceu em 1296. Esse sucessor foi Benedetto Caetani, que adotou o nome Bonifácio VIII. A reconciliação do papa Bonifácio VIII com o rei Filipe IV, que resultou na canonização de São Luís em 1297, foi colocada sob reiterada tensão por causa de uma acirrada disputa entre o papa e a poderosa família Coloriria por terras na Campanha. Os dois cardeais Coloriria que tinham apoiado a eleição de Bonifácio VIII voltavam-se agora contra ele, alegando que a abdicação de Celestino tinha sido não-canônica e que ele fora assassinado pelo novo papa. Depois de os Coloririas terem se apropriado de uma consignação de tesouro pontifício, Bonifácio moveu-se contra eles, arrasando seus castelos e doando suas terras a membros da família dele. Os cardeais Coloriria fugiram para a corte do rei Filipe, na França. O ano de 1300 marcou o ponto alto do pontificado de Bonifácio VIII e na época pareceu o auge das reivindicações pontifícias à jurisdição universal. O O TEMPLO NO EXÍLIO papa não só prevaleceu sobre os Coloririas, mas parecia à beira de um triunfo no Oriente: uma cruzada estava em marcha para retomar Tortosa, ao passo que Jerusalém deveria ser devolvida pelos mongóis à Igreja. Também era o milésimo trecentésimo aniversário do nascimento de Cristo e, para marcar a ocasião, o papa Bonifácio o proclamou um ano de jubileu, prometendo total remissão dos pecados àqueles que visitassem a Basílica de São Pedro e o Latrão após confessarem seus pecados. Essa foi a mais surpreendente demonstração do poder de um papa de "ligar e desligar", desde que Urbano II pregara a Primeira Cruzada. A oferta foi aceita por não menos de 200.000 peregrinos: a multidão era tão densa que uma brecha teve de ser feita no muro de Leão para deixá-la passar. O papa Bonifácio, exultante, apareceu diante dos peregrinos sentado no trono de Constantino, segurando espada, coroa e cetro e gritando: "Eu sou César! "I" O orgulho precede a queda. Em 1301, Bernardo Saisset, bispo de Pamiers, cujos desdenhosos comentários sobre o rei Filipe IV já foram mencionados, foi detido por ordem do rei, lançado na prisão e, com provas obtidas após a tortura de seus serviçais, acusado de blasfêmia, heresia, simonia e traição. Isso foi uma clamorosa infração da jurisdição eclesiástica e uma afronta à autoridade do papa. Na bula Auscultafili, publicada em 5 de dezembro de 1301, o papa Bonifácio condenou essa violação das prerrogativas da Igreja e convocou os bispos franceses para um sínodo em Roma. Trinta e nove ousaram comparecer, e em 18 de novembro de 1302 o papa Bonifácio publicou uma bula, Unam sanctam, que reiterava todas as reivindicações à supremacia pontifícia que tinham sido feitas desde o pontificado de Gregório VII: "é completamente necessário à salvação", escreveu ele, "que toda criatura humana esteja sujeita ao Pontífice Romano". A bula fazia citações em profusão dos escritos de papas anteriores e de Tomás de Aquino e Bernardo de Clairvaux, o qual agora, como o rei Luís IX, tinha sido declarado santo. Como o rei Filipe não desse nenhuma demonstração de estar disposto a aceitar as reivindicações da bula Unam sanctam, a curvar-se à vontade do sumo pontífice e a arrepender-se de seus erros, o papa Bonifácio preparou uma bula de excomunhão. Todavia, antes que fosse publicada, ele foi imediatamente detido por um golpe de estupenda audácia. Enquanto Bonifácio estava em seu palácio em Anagni, uma força de soldados franceses liderada pelo ministro do rei Filipe, Guilherme de Nogaret, e incluindo amigos dos dois cardeais Coloriria e seus partidários, irrompeu no Palácio dos Papas para prender o papa. Defendido por apenas uma pequena força de cavaleiros do Templo e do Hospital, o papa Bonifácio, usando os adereços pontifícios completos, desafiou seus captores a matá-lo. "Eis aqui meu pescoço", gritou ele, "eis aqui OS TEMPLÁRIOS minha cabeça." Nogaret e os Coloririas rec-varam de um ato tão irrevogável; ao invés, eles tencionavam levar Bonifácio para a França, a fim de que fosse julgado perante um concílio da Igreja sob as acusações que os propagandistas deles lhe imputavam: heresia, sodomia e o assassinato do papa Celestino V. Contudo, a notícia da afronta se espalhou entre a população de Anagni, que se reuniu em defesa do papa. Os franceses foram expulsos da cidade e o papa Bonifácio VIII regressou a Roma, mis seu espírito estava alquebrado pela humilhação. Ele morreu quatro semanas mais tarde, e com ele morreram as aspirações dos papas ao governo urfiversal. O Ataque ao Templo A "afronta" em Anagni escandalizou a Europa e foi comparada por Dante, apesar de sua aversão a Bonifácio VIII, à recrucificação de Cristo. Horrorizado pelo sacrilégio, o conclave que se reuniu para escolher um sucessor excomungou os dois cardeais Colonna e os excluiu de suas deliberações. Por unanimidade, os demais cardeais escolheram Niccolò Boccasino, cardealarcebispo de Óstia, mas dentro de um ano após sua ascensão ele foi acometido de disenteria e morreu. Os cardeais voltaram a reunir-se para escolher um sucessor, mas havia um impasse entre aqueles que queriam vingança pelo ultraje em Anagni e aqueles que procuravam conciliação com os Coloririas e o rei da França. Os primeiros estavam em maioria, mas divididos pela ambição pessoal de dois cardeais da família Orsini. Após onze meses de deliberações inconclusivas, os cardeais resolveram pensar em candidatos da Igreja mais ampla. Eles estavam sujeitos à evidente pressão externa: o rei Carlos II de Nápoles foi a Perugia para juntar-se a uma delegação enviada pelo rei Filipe IV da França. Em junho de 1305, dez dos quinze cardeais chegaram a um acordo sobre um francês, o arcebispo de Bordéus, Beltrão de Got. Terceiro filho de Béraud de Got, senhor de Villandraut, sua família estava profundamente envolvida no establishment político e eclesiástico da Gasconha. Estimados por seu suserano, o rei Eduardo I da Inglaterra, membros da família Got tinham sido enviados em delicadas missões diplomáticas, e o irmão mais velho de Beltrão, Béraud, havia subido na hierarquia da Igreja até se tornar cardeal e arcebispo de Lyon. Beltrão ascendeu no rastro de seu irmão, tornando-se seu vigário-geral, capelão papal, bispo e por fim arcebispo de Bordéus. Adotando o nome de Clemente V Beltrão de Got estava sem dúvida cõnscio de que sua ascensão ao trono do sumo pontífice não se devia a nenhuma qualidade positiva, e sim porque ele era o candidato menos objetável para as diferentes facções envolvidas. O rei Filipe IV da França tinha razão em pensar que o novo papa seria submisso a suas ordens. O rei Eduardo I da Inglaterra mostrou sua aprovação da ascensão do filho de um de seus vassalos OS TEMPLÁRIOS cm ricos presentes para ele tanto em Bordéus quanto em Lyon, na i si coroação. Para os italianos, no entanto, Clemente Vera uma coai reFilipe da França, percepção substanciada, aos seus olhos, pelo fato e] nunca pisou em Roma como papa. Com certeza, nos dois séculos anteriores, os papas haviam aI r~ pc apenas oitenta e dois anos, com freqüência preferindo, por r az sade ou segurança, manter a corte em Orvieto, Viterbo, Anagni ou Ná ` rrn, de modo geral, eles haviam escolhido cidades dentro dos Estado trios, ou de qualquer modo na Itália. Clemente V jamais cruzaria O3 e mbora ele residisse temporariamente em cidades como Lyon, Vietr p( fim Avignon, que estavam tecnicamente fora da jurisdição do reis c~ elas não estavam além do alcance de suas forças armadas, como de, cairia no Concílio de Vienne. Por que Clemente V permaneceu tão perto da França? Dois crot itianos, Agnaldo de Tura e Giovanni Villani, escreveram que o cave Ncolò da Prato tinha providenciado um encontro entre Beltrão de qindo ele ainda era arcebispo de Bordéus, e Filipe, o Belo, no qual o rei e ciara quatro condições para seu apoio: a reconciliação com os Colonte ccl todos aqueles envolvidos no ultraje em Anagni; uma denúncia f al deBonifácio VIII; a nomeação de cardeais francófilos; e uma como Se'eta, "misteriosa e importante", que o rei comunicaria a Beltrão dê. ot noa data posterior. De acordo com os teóricos desse conluio, a resposta de Beltrão à otl rlci;linv foi: "Vós ordenareis A A„ obedecerei"; F. muito embora a hfC~ se agora considerada imaginária, "ela reflete os motivos por trás da ele -o d0emente conforme percebida na península Itálica".` Tarribé se dereende de suas ações posteriores que Clemente V satisfez as exigên as doei: em dezembro de 1305, ele nomeou dez novos cardeais, nove deles o reo da França, incluindo as possessões angevinas, e um da Inglaterra. atrdos novos cardeais eram parentes do papa e um, Arnaud de Poyannes~ m veo amigo. A escolha deles não foi apenas uma questão de favoritismo,. as asgurava ao novo papa uma equipe em que podia confiar.'Z8 O balam a faR dos cardeais do reino da França foi confirmado por uma segunda nor~açãde cinco cardeais em 1310, dois deles sobrinhos do papa e todoo~a Fr;ça. Mas essa preponderância de clérigos franceses não visava t~mrte a saldar numa dívida. Antes, o cultivo de Filipe, o Belo, pelo pape, ra pque "a colaboração com o rei da França era (...) imperativa para a reÁ a- F ~m çãdo objetivo mais caro a Clemente: a cruzada 11.329 ZRn 'ia O ATAQUE AO TEMPLO O inebriáante otimismo acerca da Terra Santa que tinha prevalecid na Cúria Pontifíci;ia, em 1300 fora exposto como uma crença baseada no deeJo, e não em razõecs lógicas. Os mamelucos tinham reocupado a Palestina; Nad tinha se rendicdo, e o II-khan mongol, Ghazan, que deveria ter devolvi1° Jerusalém aos ccristãos, proclamou em 1304 que a religião oficial em toas os seus domínioss seria o islamismo. O último principado cristão no contirmte asiático, a Asrmênia Cilicia, foi atacado por mongóis e mamelucos. •m 14 de novembrro de 1305, Clemente foi coroado com a tiara pontifícia n,Igreja de Saint-Jusst, em Lyon, na presença do rei Filipe, o Belo, de seu irrla° Carlos de Valois3, de João II, duque da Bretanha, e de Henrique, duque cF Luxemburgo; dcois dias mais tarde ele publicou uma encíclica que procla'iava uma nova cruzada. Para ~ Clemente, que adotara o nome do papa anterior que traPlhata em tamanha harmonia com São Luís, uma cruzada só poderia ser bemsucedida se fosse liderada pelo rei da França. Para esse fim, ele não só 'ersuadiu Filipe, o IBelo, a tomar a Cruz, o que ele fez em Lyon em 29 de dez=cobro de 1305, maus também trabalhou diligentemente para resolver as entendas que poderiam impedir o cumprimento de sua promessa, como aqcela entre a França ce a Inglaterra. Ele serviu de intermediário num acordo erfre Filipe IV e Edwardo I e, avaliando o peso sobre os recursos financeiros le Filipe, concedew-lhe um décimo da renda da Igreja na França para financiar a cruzada - c;inco ou seis vezes a receita do rei. A inteenção do rei Filipe nessa conjuntura era cumprir sua promessa, não só para conquistar glória ao livrar os Lugares Santos do infiel, mas também para fundar um império francês no Mediterrâneo oriental. A fralueza do imperadolr bizantino que possibilitara aos hospitalários se apossarem da ilha de Rodes levava agora o rei Filipe IV a cobiçar o trono do Império df Oriente para seu ürmão Carlos de Valois. Isso talvez não estivesse de acor'1° com o plano de (Clemente V mas a França, Veneza, Aragão e Nápoles "estivam claramente (comprometidos com a conquista de Constantinopla".sa° Na mlente de Filipe, uma condição prévia para uma cruzada brm-sucedida era ai fusão das ordens militares. Ele comandaria a Ordem résultante dessa fuso e um de seus filhos lhe sucederia. A idéia não era nova eP°de ser encontrada em muitos dos tratados escritos mais ou menos nessa éli°ca para aconselhar o papa na reconquista da Terra Santa. De particular imf °rtância foi De reczuperationeterresanete, da autoria de um advogado normand°> Pierre Dubois, um propagandista do governo francês, uma espécie de especialista em marketing político de seu tempo. Sua proposta era em essêr{cia "um plano para o estabelecimento da hegemonia francesa sobre o Ocidente e o Oriente pior meio de uma cruzada".33' Essencial a esse empreendimento era OS TEMPLÁRIOS a fusão do Templo e do Hospital e a utilização de seus recursos pelo rei francês. Ominosamente, num pós-escrito a esse tratado, Dubois acrescentou que talvez fosse conveniente "destruir por completo a Ordem dos Templários e, para as necessidades da justiça, aniquilá-la totalmente"."' Todavia, a idéia de fundir as duas ordens era quase universal: o escritor maiorquino Raimundo Lúlio, que dedicou muito tempo e basicamente sua vida aos problemas apresentados pelo Islã, na verdade condenou ao inferno os que a este se opunham. Praticamente, o único homem que se opôs à idéia foi o grão-mestre do Templo, Jacques de Molay. Em resposta a uma solicitação do papa Clemente V ele elaborou um memorando expondo seus pontos de vista. Ele começou com a origem da proposta de fundir as ordens, remontando-a ao Segundo Concílio de Lyon em 1274. e relacionando os papas, entre eles Bonifácio VIII, que tinham decidido contra ela. Jacques de Molay reconhecia que haveria algumas vantagens numa fusão - uma ordem unida estaria em condições mais sólidas de se defender contra seus inimigos -, mas, levando tudo em consideração, ele julgava que elas seriam mais eficazes se continuassem separadas. A competição entre o Templo e o Hospital era benéfica, e, embora seus objetivos fossem semelhantes, cada uma delas tinha um ethos distinto: o Hospital dava precedência a sua obra de caridade, ao passo que o Templo era antes de trudo uma força militar "fundada especialmente como uma ordem de cavalaria". Além do mais, ele achava que as duas ordens tinham maior probabilidade de alcançar seus objetivos de dar esmolas, proteger os peregrinos e travar guerra contra os sarracenos, se preservassem sua independência. Um segundo memorando foi apresentado por Jacques de Molay, a pedido do papa, sobre a futura conduta da cruzada. Mais uma vez, o grão-mestre foi contra o ponto de vista predominante na época, o qual era favorável ao passagsum particulare - a; restrita incursão de uma força profissional para dar apoio às forças da Armênia Cilícia. A lição a ser aprendida da perda de Ruad pelo Templo, sugeriu ele, era a de que essas operações em pequena escala estavam fadadas a fracassar. Ele tampouco poderia reComendar uma aliança com os armênios. Nais suas negociações com eles sobre a fronteira de Amanus, os templários tinham-nos achado indignos de confiança. Como eles não gostavam dos francos e suspeitavam de suas intenções, os armênios não permitiriam qule eles entrassem em seus castelos. Além disso, o clima na região era tão insalubre que ele duvidava se mais do que uma fração de um exército cruzadlo sobreviveria. Qual, então, era a solução? Jacques de Molay propôs um passagiumgenerale, uma cruzada em grande escala barseada no modelo clássico, como a do O AITAQUE AO TEMPLO rei LuísIX. A única maneira de-- reconquistar a Terra Santa era derrotando forças nilitares do Egito. Parca fazê-lo, os reis da França, da Inglaterra, c Alemanha, da Sicília e da Esparnha deveriam recrutar um exército de 12.00 a 15.000 cavaleiros e 5.000 solcdados de infantaria, que as repúblicas marít mas itaianas transportariam cem suas galeras até Chipre como uma bas avançaca para a reconquista daa Palestina. Para todos os outros panfleetários, em particular aqueles com um pont de vista semelhante ao do rei da França, esse era um conceito de cruzad antiquado e completamente dlesacreditado e, considerado com a oposiçã de Jacques de Nlolay à fusão cilas ordens, o expôs como um velho teimoso desprovido de imaginação e eg(oísta. Sem dúvida cônscio de que seus pontc de vista seriam impopulares, Jaacques escreveu em seu memorando a Cele; tino V cue julgava que seria miais fácil expressar suas idéias na presença d papa: como a maioria dos cavaleiros na época, ele não sabia nem ler ner escreve. Em conseqüência, o papar Clemente V convocou os grão-mestres d Templo e do Hospital para cornferenciarem com ele em Poitiers no Dia d Todos os Santos, 1° de novembrro de 1306. A reunião foi adiada porque o pap sucumbiu ao ataque de uma gastropatia endêmica que com freqüência incapacitava por meses de urina vez. Jacques de Molay chegou à Europ procedente de Chipre em fins de 1306 ou princípios de 1307 e estava e Poitiersantes do fim de maio. IFoulques de Villaret, o grão-mestre do Hosp: tal, foi retardado pelas operações de sua Ordem em Rodes, mas chegou Poitiers antes do fim de agosto. Durante a estada em Poitiers, além da dia cussão do aborrecido assunto de uma cruzada, Jacques de Molay suscitou questão de certas acusações (que tinham sido feitas contra membros d Templo e pediu ao papa que instituísse uma investigação "relacionada cor essas coisas, falsamente atribuídas a eles, conforme dizem, e que os absol vais, se forem considerados inocentes, como afirmam, ou os condenais, s forem considerados culpados, ino que eles de modo algum acreditam". Alegações de flagrante impropriedade parecem ter sido feitas por al guns cavaleiros que tinham sido expulsos da Ordem: Esquin de Floyran, prior de Montfaucon; Bernardo Pelet, prior de Mas-d'Agenais; e um cavalei ro de Gisors, Gérard de Byzol. Esquin havia primeiro contado ao rei Jaime I de Aragão o escândalo dentro da Ordem e, não tendo conseguido persuadi-l da verdade de suas acusações, tinha ido até o rei Filipe da França. Filipe I` relatou os rumores ao papa Clemente V em Lyon, na época de sua coroaçã em 1305, e de novo em maio de 1307, quando o rei estava em Poitiers. N dia 24 de agosto de 1307, Clernente V escreveu ao rei Filipe IV a respeit~ dessas acusações, dizendo que, embora "dificilmente possamos crer no qu OS TEMPLÁRIOS foi dito naquela ocasião", ele em seguida ouvira "muitas coisas estranhas e inauditas" a respeito do Templo e, portanto, "não sem grande pesar, angústia e dor no coração" havia decido instituir uma investigação."3 Nesse ínterim, enquanto se restabelecia, o papa pediu que não se empreendesse nenhuma ação precipitada. Sem dúvida satisfeito de que seu pedido de investigação tivesse sido atendido, Jacques deMolay viajou de Poitiers a Paris, onde, em 12 de outubro de 1307, foi um dos que carregaram o caixão no funeral da cunhada do rei Filipe, Catarina de Courtenay, esposa de Carlos de Valois. No dia seguinte, sexta-feira, 13 de outubro de 1307, ele foi preso por Guilherme de Nogaret e Reinaldo Roy no complexo do Templo além dos limites de Paris. Três semanas afites, o rei Filipe tinha enviado ordens secretas a seus baillis e senescais em toda a França, ordenando a detenção de todos os membros do Templo por Crimes "horríveis de contemplar, terríveis de ouvir (...) uma obra abominável, uma desgraça detestável, uma coisa quase inumana, na verdade desprezara por toda a humanidade". Essas ordens foram executadas com extraordinária eficiência: cerca de 15.000 cavaleiros, sargentos, capelães, confrères, serviçais e trabalhadores em todos os territórios governados pelo rei da França foram arrebanhados num único dia. Apenas cerca de duas dúzias escaparam, entre eles o preceptor da França, Gérard de Villiers, e Imbert Blanke, o preceptor do Auvergne. Um cavaleiro, Pedro de Boucle, apesar de ter-se desfeito de seu hábito e se barbeado, foi reconhecido e preso. A exemplo do que acontecera com os judeus e os lombardos alguns meses antes, toda a propriedade do Templo foi seqüestrada; mas o golpe do rei contra o Templo foi de um tipo diferente. Os templários não eram estrangeiros como os lombardos nem infiéis como os judeus. Eram membros de uma corporaçãó orgulhosa e poderosa que se encontrava sob jurisdição eclesiástica, sujeita dão ao rei, mas ao papa. O rei Filipe havia capturado as pessoas e confiscado a propriedade de uma ordem livre, e, revelando que estava até muito cônscio da legalidade dúbia de sua ação, seus mandados de prisão tinham implic-afio consulta prévia "ao nosso mais santo padre em Cristo, o papa". De fato, o papa uma indignada reprepnsão. Vós, nosso querido filho (...) violastes, em nossa ausência, todas as regras e deitastes a mão a pessoas e propriedades dos templários. Vós também os aprisionastes e, o que nos entristece ainda mais, não os tratastes com a devida clemência (...) e acrescentastes ao desconsolo do encarceramento ainda outra aflição. (,emente V não havia sido consultado e enviou ao rei 284 O ATAQUE AO TEMPLO Vós deitastes a mãos pessoas e propriedades que estão sob a proteção direta da, Igreja Romana (...).dosso irrlpetuoso ato é visto por todos, e de forma correta, como um ato de de~espeito para conosco e a Igreja Romana.334 Clemente não disse seacred fitava ou não nas acusações feitas contra os templários; sua objeção fo principalmente à usurpação de sua prerrogativa e à traição de confiança inplíci ta na ação unilateral do rei; mas aquela outra "aflição" que ele censLra Filipe por acrescentar ao desconsolo do encarceramento era sem dúvida i tortura, à qual os acusados foram imediamente submetidos por outra insttuição eclesiástica, a Inquisição. Criada para descolrir a heresia no Languedoc, com seu quadro de pessoal formado por frade; da Ordem de Pregadores fundada por Domingos de Gusmão, desde 1234 un santo canonizado, a Inquisição na França se transformara num instrumetto de coerção nas mãos do Estado. O inquisidor-mor, Guilherme de Paris, era o confessor do rei Filipe e, devida à religiosidade do rei, estava sem dúvida a par de seus planos. No domingo após a prisão dos templários, foram pregadores dominicanos quem primeiro explicou as razões das prisões numa r:união pública nos jardins do rei, aparecendo ao lado dos oficiais deste.335 Para auxiliar o interrogatório pelo inquisidor, a tortura tinha sido autorizada meio século antespelo papa Inocêncio IV Ela cessaria abruptamente de derramar sangue ou fraturar membros: os métodos favoritos na época eram o cavalete, que distendia os membros de um homem a ponto de deslocar suas articulações; e à entrapada, por meio da qual um homem era erguido sobre uma viga por uma corda amarrada a seus pulsos, que tinham sido atados nas suas costas. Uma terceira técnica era esfregar gordura nas solas dos pés e colocá-los diante do fogo. De vez em quando, os torturadores calcula- vam mal: os pés de Bernardo de Vado, um sacerdote da Ordem do Templo originário de Albi, foram cão gravemente queimados que seus ossos ficaram expostos. Um cavaleiro da Ordem, Jacques de Soci, afirmou saber de vinte e cinco confrades que tinham morrido "por causa de tortura e sofrimento": uma carta anônima na biblioteca da Faculdade Corpus Christi, em Cambridge, estima o ní,mero em trinta e quatro. Além dessas medidas específicas para produzirem dor, os suspeitos eram postos a ferros, passavam apenas a pão e água, e proibiam-nos de dormir. Dado que um grande número dos presos não eram guerreiros endureci- dos pela batalha, mas lavradores, pastores, moageiros, ferreiros, carpinteiros e mordomos, o choque e ~ desorientação, combinados com a simples ameaça de tortura, rapidamente faziam com que muitos admitissem o que quer que os oficiais do rei e os inquisidores sugerissem. Por volta de janeiro de 1308, OS TEMPLÁRIOS 134 dos 38 templários presos em Paris tinham admitido algumas das acusações - ou todas elas feitas contra eles, e foi o próprio grão-mestre, Jacques de Molay, que dentro de dez dias após sua prisão mostrou o caminho. Quais eram as "coisas estranhas e inauditas" das quais eles eram acusados, os crimes "horríveis de contemplar, terríveis de ouvir (...)uma obra abominável, uma desgraça detestável, uma coisa quase inumana, na verdade desprezada por toda a humanidade"? De acordo com os promotores públicos capetíngios, a Ordem do Templo entregou-se à adoração e ào serviço do Diabo. A cada novo recruta, na sua iniciação, dizia-se que Jesus Cristo era um falso profeta que tinha sido crucificado não para redimir os pecados da humanidade, mas como uma punição por seus próprios pecados. Ordenava-se ao postulante que negasse Cristo e escarrasse, pisasse ou urinasse numa imagem de Cristo na Cruz, e então que beijasse o templário que o recebera na boca, no umbigo, nas nádegas, na base da espinha dorsal, "e às vezes no pênis". Diziam-lhe que poderia ter "relações carnais" com outros irmãos, que isso era não só lícito, "mas também que eles deveriam praticar e submeter-se a isso mutuamente", e que "para eles não era pecado praticá-lo". Para assinalar sua rejeição de Cristo, foi dito que os padres da Ordem do Templo omitiam as palavras de consagração durante a missa. Em cerimônias secretas, eles veneravam um demônio chamado Baphomet, que aparecia sob a forma de um gato, de um crânio ou de uma cabeça com três rostos. Cordões que haviam tocado essa cabeça eram amarrados em torno da cintura dos templários "em veneração" do ídolo. Isso era feito em toda a parte e "pela maioria": aqueles que se recusassem a fazê-lo eram mortos ou aprisionados. Em acréscimo a essas graves iniqüidades, havia crimes menores que confirmavam as suspeitas públicas existentes. AS reuniões do capítulo do Templo eram realizadas em segredo, à noite, e sob proteção cerrada. O grão-mestre e outros dirigentes mais antigos tinham ouvido as confissões e absolvido os pecados de seus confrades, ainda que não fossem padres. Eles eram cobiçosos e avarentos: "eles não consideravam pecado (...) adquirir propriedades pertencentes a outrem por meios legais ou ilegais" e procuravam "obter o crescimento e o lucro da referida Ordem de qualquer modo que pudessem (...)". Uma acusação posterior foi a de traição: foram as suas negociações secretas com os muçulmanos que tinham levado à perda da 'Iérra Santa. Sem dúvida, quando o papa Clemente V e o rei Jaime 11 deAragão ouviram essas acusações pela primeira vez, eles acharam impossível acreditar nelas. Heresia e sodomia estavam invariavelmente associadas pelos propagandistas hostis da época - pelos católicos ao descreverem os cátaros, por 286 O ATAQUE AO TEMPLO exemplo, ou por Guilherme de Nogaret e Guilherme de Plaisans em seu ata- que ao papa Bonifácio VIII. Todavia, neste caso o cabedal de acusações estava não apenas combinado com as faltas que tinham sido imputadas à Ordem por seus críticos; ele também explorava uma intensa inquietação pública com a bruxaria e o poder de demônios que viria a explodir na caça às bruxas dos séculos XV e XVI. O ceticismo do papa, junto com a ampla aceitação de seus direitos soberanos sobre o Templo, talvez tivesse dificultado, se fosse incapaz de frustrar, o ataque do rei Filipe à Ordem, caso Jacques de Molay não tivesse admitido que de fato negara Jesus Cristo e escarrara na imagem de Cristo na época de sua admissão em Beaune. A única acusação rejeitada pelo grão-mestre foi a de que ele tinha se entregado a atos homossexuais. Contudo, a blasfêmia era mais do que suficiente para satisfazer Guilherme de Nogaret. As confissões de outros eminentes templários vieram em seguida: Geoffroy de Charney, preceptor na Normandia; João de La Tour, tesoureiro do Templo em Paris, até então um estreito conselheiro financeiro do rei Filipe; e Hugo de Pairaud, supervisor da Ordem do Templo na França, que, tendo recebido muitos dos templários franceses, foi citado por outros como o instigador da corrupção deles. A confissão de Hugo, feita no dia 9 de novembro, abrangia todas as acusações, incluindo a admissão de que "ele disse aos que estava recebendo que, se porventura o ardor da natureza os impelisse à incontinência, ele lhes dava permissão para aplacá-lo com outros irmãos". Recusandose a princípio a incriminar outrem, ele foi levado por seus guardas e "mais tarde, no mesmo dia", admitiu para os inquisidores que a prática era ubíqua. "Claramente, ameaças ou tortura tinham sido usadas para forçar o resultado. 11131 Como haviam começado essas práticas diabólicas? Geoffroy de Gonneville, o preceptor do Templo naAquitânia e em Poitou, afirmou que "certo mestre maligno (...) esteve na prisão de certo sultão e não pôde escapar a menos que jurasse que, se fosse libertado, introduziria esse costume na nossa Ordem, e que todos que fossem recebidos a partir de então deveriam negar Jesus Cristo (...)"; é possível que se tratasse de Bertrand de Blanquefort ou de Guilherme de Beaujeu. Geoffroy recusara-se a negar Cristo e fora descul- pado pelo preceptor, talvez porque seu tio fosse uma figura influente no governo do rei da Inglaterra. Mas ele teve de jurar sobre o Evangelho que não revelaria que tinha sido perdoado. Apenas quatro templários negaram completamente as acusações - João de Châteauvillars, Henrique de Herçigny, João de Paris e Lamberto de Toysi -,uma proporção tão pequena que poderia ser desprezada. O golpe de Filipe contra a Ordem parecia justificar-se, e enquanto suspeitas de seus OS TEMPLÁRIOS motivos persistiam, sobretudo fora da França, o papa Clemente V sentiu que não tinha alternativa senão aceitar a ação do rei como um faitaccompli e tentar ap'oveitar ele próprio a iniciativa. No dia 22 de novembro de 130?, menos de um mês após a confissão de Jacques de Molay, Clemente V enviou uma caril intitulada Pastoralis praeeminentiae a todos os reis e príncipes da cristandade, pedindo-lhes que "com prudência, discrição e em segiredo" prendessem todos os templários e mantivessem a propriedade deles sob custódiaoara a Igreja. Ele elogiava a profunda fé e zelo religioso de Filipe IV, mas insistia que ele, o papa, estava agora no comando. Oprimeiro a ser convencido de que era esse o caso foi Jacques de Molay, que, quando levado à presença de três cardeais enviados por Clemente V de Poitiers uParis, revogou sua confissão. De acordo com um relato, ele rasgou sua camiaa de alto a baixo para mostrar as marcas de tortura no seu corpo, ao que os cardeais "choraram amargamente e foram incapazes de falar".33' Outras retratações se seguiram, e parece provável que os cardeais não estivessem de todo surpresos: foi dito que os dez membros do sacro colégio nomeada pelo papa Clemente em seu primeiro consistório ameaçaram renuncia; devido à pusilânime atitude do papa para com o rei da França. Haviasem dúvida descontentamento na Cúria Pontifícia, e também pressão da partelos amigos do Templo, como o irmão de Jacques de Molay, o diácono de [angres. Além disso, muitos dos templários mais importantes eram conhecidos dos três cardeais enviados a Paris, dois dos quais eram franceses; foi enquanto jantava com eles que Hugo de Pairaud revogou sua confissão. Riscos consideráveis estavam relacionados com esse curso de ação, porque, sobes estatutos da Inquisição, hereges reincidentes eram entregues ao braço secllar para serem queimados. Jacques de Molay sem dúvida se sentia confiantcem que receberia um tratamento justo do papa, e a princípio essa confiança parecia justificar-se. Quando o rei Filipe, a caminho de Poitiers, soube que os cardeais tinham se recusado a confirmar a condenação dos templários, voltou às pressas para Paris e escreveu a Clemente V ameaçando acusá-lotos mesmos pecados; mas o papa manteve-se calmo, respondendo que prefria morrer a condenar homens inocentes; e em fevereiro de 1308 ele ordeou à Inquisição que suspendesse o processo contra os templários. Todria, embora a lei possa ter dado ao papa controle sobre o destino dos templários, eles foram mantidos nas prisões de Filipe, o Belo. Oliver de Perlne,opreceptor da Lombardia, foi o único templário de algum prestígio que o papa Clemente manteve em Poitiers sob prisão domiciliar, mas ele evadiu-sena noite de 13 de fevereiro e uma recompensa de 10.000 florins foi oferecida pela sua cabeça. Além do mais, as extensas propriedades do Templo Também estavam nas mãos dos oficiais reais, e o papa não tinha 288 O ATAQUE AO TEMPLO nenhum batalhão sob seu comando. Poitiers ficava mais perto de Paris do que Anagni, e os poderes dejure do papa eram insignificantes em comparação com os poderes defacto do rei. Não obstante, o rei Filipe tinha de estar atento à opinião pública, e, uma vez que o papa Clemente não reagira às suas ameaças iniciais, os propagandistas do rei puseram-se a trabalhar a fim de estigmatizar qualquer um que pudesse dar a impressão de apoiar os templários. Panfletos anônimos eram impressos atacando o papa, pretendendo expressar os sentimentos ultrajados do povo da França. Um, provavelmente escrito pelo advogado normando Pierre Dubois, dizia que o nepotismo do papa Clemente tinha provado sem sombra de dúvida que ele era corrupto e, por consequinte, incapaz de dispensar justiça. Apenas o suborno poderia explicar por que ele não havia condenado os templários depois de tantos terem confessado sua culpa. As duas importantes corporações do reino foram aliciadas a fim de apoiarem e disseminarem essa propaganda real: a Universidade de Paris e os Estados Gerais. Em fins de fevereiro de 1308, o rei Filipe perguntou aos doutores em teologia em Paris como ele deveria proceder no caso dos templários. Ele seria perdoado por submetê-los a julgamento sem consulta ao papa? E no caso de eles serem declarados culpados, o que deveria ser feito com a sua propriedade? A resposta deles não foi o que ele queria: embora elogiando O rei pelo seu zelo católico, eles confirmaram que o Templo estava sob jurisdição do papa e lembraram-no de que os direitos do rei não substituíam, ou justificavam, a usurpação dos direitos de outrem. O rei tampouco poderia processar hereges, exceto a pedido da Igreja. Frustrado pelos teólogos, o rei Filipe convocou os Estados Gerais, que representavam a nobreza, o clero e o povo, para se reunirem em Tours três semanas após a Páscoa, a fim de apoiarem seu rei nessa luta contra os templários heréticos. Ordenaram aos oficiais reais que se assegurassem de que cada cidade com um mercado enviasse um representante, ao passo que os vassalos do rei e os membros mais importantes do clero foram convidados por meio de uma carta pessoal de seu soberano. Não sobreviveram registros das atas, mas é quase certo que ministros reais como Guilherme de Nogaret discursaram para a assembléia em Tours sobre as iniqüidades do Templo e do predecessor de Clemente V, Bonifácio VIII. Enquanto seus colegas voltaram para casa a fim de disseminar a informação sobre os templários, vários delegados dos Estados Gerais permaneceram para acompanhar o rei a Poitiers. Aí, na companhia de um séquito poderoso e até mesmo intimidador, que incluía Carlos de Valois, irmão de Filipe, os filhos deste e os próceres dos Estados Gerais, o rei prostrou-se diante do papa Clemente, que por sua vez o ergueu com todo sinal exterior de respei- 289 OS TEMPLÁRIOS to e afeição. Em 29 de maio, num consistório público realizado perante uma grande assembléia de cardeais, bispos, nobres e burgueses, o ministro do rei, Guilherrne de Plaisans, expôs o processo contra os templários. Eles eram nãc só culpados de heresia e bruxaria, mas também responsáveis pela perda da Terra Santa. Apenas graças ao zelo religioso do rei Filipe e do povo da França é que eles tinham sido descobertos. Eles tinham feito o trabalho do papa por ele, e, se ele não reconhecesse imediatamente que os templários eram culpados, o povo da França, como "os mais zelosos paladinos da fé cristã", executaria ele mesmo o julgamento de Deus. O papa Clemente não seria intimidado a uma ação precipitada. Conquanto Guilherme de Plaisans tivesse especificamente negado que o rei Filipe estivesse de olho na propriedade dos templários, o papa disse que não daria a sentença até que a propriedade e as pessoas do Templo estivessem em suas mãos. A primeira vista, as posições eram irreconciliáveis, mas parece provável que se chegou a um meio-termo nos bastidores. Indo de alguma forma ao encontro das exigências do papa, o rei Filipe enviou setenta e dois templários para repetirem suas confissões perante Clemente em Poitiers. Embora isso sem dúvida tenha sido apresentado como um reconhecimento pelo rei da França da jurisdição do papa, outrossim bem que poderia ter sido uma medida para dar a Clemente a aparência de ouvir ambos os lados da questão. Inevitavelmente, os setenta e dois templários tinham sido escolhidos com cuidado, e o primeiro a dar testemunho perante a Cúria Pontifícia foi o padre João de Folliaco, que afirmou ter alertado as autoridades para a corrupção do Templo antes das prisões. O mesmo fizera Estêvão de Troves, um sargento da Ordem que fez uma vívida descrição da cabeça que foi introduzida no capítulo do Templo por um padre "precedido por dois irmãos com duas grandes velas de cera em candelabros de prata"."' Ele também afirmou que tinha sido espancado por rejeitar as propostas homossexuais de um irmão da Ordem, e que, quando se queixou disso a Hugo de Pairaud, este lhe disse que não deveria ter recusado. Um sargento da Ordem, João de Châlons, declarou que Gérard de Villiers, o preceptor na França, tinha colocado templários recalcitrantes num fosso em que nove dos irmãos haviam morrido. Ele também disse que o preceptor tinha sido advertido de que seria preso e, portanto, desaparecera, levando consigo cinqüenta cavalos, e escapara em dezoito galeras com o tesouro de Hugo de Pairaud. Quarenta dos depoimentos que foram preservados admitem uma ou outra das acusações feitas na época das primeiras prisões. As descrições do ídolo eram incoerentes, um dizendo que era "um ídolo repelente e negro", outro que ele "parecia branco, com uma barba", ao passo que dois insistiram 290 O ATAQUE AO TEMPLO que ele tinha três rostos. Uma análise dos depoimentos revela que sessenta por cento foram feitos por templários que eram ou apóstatas da Ordem ou que tinham sido coagidos pela tortura. Nenhum deles era um funcionário graduado: disseram ao papa que todos estes estavam doentes demais para irem a Poitiers, mas eram mantidos à sua disposição numa prisão em Chinon. Não obstante, a seleção serviu aos propósitos tanto do papa quanto do rei. Sem perder a dignidade, Clemente podia agora autorizar a Inquisição a continuar com as investigações, e em troca o rei Filipe oficialmente submeteu a propriedade da Ordem a curadores especiais e confessou que apenas tinha deitado a mão aos templários "a pedido da Igreja". Em várias bulas publicadas em Poitiers em julho e agosto de 1308, em particular Faciens misericordiam, o papa Clemente V endossou a versão do rei Filipe dos eventos e aceitou que ele tinha agido "não por avareza", mas "com o fervor da fé ortodoxa, seguindo os claros passos de seus ancestrais". Clemente autorizou cada bispo em sua diocese a designar concílios provinciais para julgarem os templários heréticos sob sua jurisdição. Estes deveriam ser compostos por dois dominicanos, dois franciscanos e dois cônegos da catedral. A Ordem como um todo deveria ser investigada por oito comissários pontifícios, e três cardeais foram mandados a Chinon para entrevistarem seus líderes. Por fim, Clemente convocou um concílio geral da Igreja para reunir-se em Vienne em 1310, a fim de discutir os templários, a cruzada e a reforma da Igreja. O que ocasionou essa aparente mudança na atitude de Clemente para com os templários? É possível, mas não provável, que ele tivesse sido persuadido pela confissão dos templários trazidos a Poitiers: ele conhecia muito bem os métodos dos templários e do rei Filipe. Parece mais provável que Clemente decidiu que os templários deveriam ser sacrificados pelo bem da Igreja. A frase usada na sua encíclica sobre o rei Filipe "seguindo os claros passos de seus ancestrais" é reveladora. Não só no seu próprio espírito, mas também no espírito de seus súditos, Filipe herdara o prestígio e a autoridade de seu avô, São Luís, e portanto, ao contrário do imperador Frederico II em sua titânica luta com o papado, poderia ameaçar usurpar não apenas o poder temporal do pontífice, como também seu poder espiritual. Apesar da opinião dos teólogos parisienses de que a heresia era um assunto para a Igreja e só a Igreja, a propaganda real contra os templários denunciou como igualmente culpáveis os fautores, aqueles que foram cúmplices da sua iniqüidade, ainda que somente por negligência. Os propagandistas capetíngios também influenciaram as inquietações públicas ao associarem os templários com os outros grupos marginalizados na sociedade européia: leprosos, judeus e muçulmanos. Foi nesse momento 291 OS TEMPLÁRIOS que o primo do rei Filipe, o rei Carlos II, que governava Nápoles, no sul da Itália, decidiu expulsar de seus domínios a comunidade muçulmana que o imperador Frederico II havia estabelecido em Lucera. O sucesso dessa propaganda pode ser aferido por uma carta remetida pelo Tribunal de Foix ao rei Jaime II de Aragão, indagando se era verdade que os templários haviam se convertido ao islamismo e planejado fazer uma aliança com os judeus e os muçulmanos de Granada. Também se disse que alguns templários fugitivos tinham procurado asilo com os sarracenos, e de fato, com todo o êxito da propaganda, havia nisso um germe de verdade: em setembro de 1313, o ex-preceptor de Corberis, Bernardo de Fontibus, foi enviado como embaixador pelo sultão de Túnis à corte do rei Jaime II em Barcelona. Ainda mais eficaz foi a associação desses grupos marginalizados com as forças das trevas. As acusações de bruxaria e culto ao Diabo tinham um potente efeito no pensamento medieval. Imagens de demônios sempre estavam presentes nas obras de talha e nos afrescos de catedrais e igrejas; e não eram apenas camponeses sem instrução que viviam com medo de seus poderes. Jacques Duèze, um gascão que recebeu o chapéu cardinalício de Clemente V e viria a suceder-lhe como o papa João XXII, embora fosse filho de um rico mercador de Cahors e bacharelem direito pela Universidade de Montpellier, tinha pavor de ser morto através de bruxaria e, ao tornar-se papa, ordenou a seus inquisidores que descobrissem aqueles que tinham feito "um pacto com o inferno". Ele estava "convencido de que existiam pessoas, mascaradas de cristãos, que tinham se juntado ao diabo por meio de uma aliança secreta 11.339 Poderia o próprio papa ter sido subornado por Satã? A idéia não era forçada demais para aqueles como Guilherme de Nogaret e Guilherme de Plaisans, que gozavam das boas graças do rei Filipe, o Belo: de fato, ela parece ter sido a única forma plausível de explicar as ações daqueles que se opuseram ao rei "mais cristão". Os serviçais do bispo de Béziers, que dissera que Filipe era tão calado e estúpido como uma coruja, não tinham admitido sob tortura que ele se comunicava com espíritos malignos? E, mais importante de tudo, o arquimimigo de Filipe, o papa Bonifácio VIII, não tinha sido um herege, um sodomita e fizera pacto com o Diabo? A reputação espiritual do finado papa era de interesse mais do que acadêmico, porque, além de instar pela condenação dos templários, o rei Filipe IV também estava insistindo num julgamento póstumo de Bonifácio VIII sob a acusação de heresia. Havia uma cláusula no direito canônico para um processo desse tipo, e precedentes, como a exumação e o julgamento do papa Formoso em 897. Para Filipe, uma condenação justificaria expostfacto o ultraje em Anagni, anularia a excomunhão de Guilherme de Nogaret e fir- 292 O ATAQUE AO TEMPLO marfa o direito do rei não só de julgar, "mas também de capturar e punir ur papa herético".34° Como parte de sua campanha de difamação contra o falecido pontífice Filipe, o Belo, também insistia na canonização de Pietro del Morone, o pap eremita, Celestino V que, de acordo com a alegação dos franceses, tinha sid forçado a abdicar, em seguida aprisionado e por fim assassinado por sei sucessor, Bonifácio VIII. Proclamar infalivelmente que Celestino estava ri céu provaria, no pensar de Filipe, que Bonifácio estava no inferno; e alega ções a favor de Celestino eram realçadas por pretensos milagres e pela ampl devoção popular. Sob intensa pressão do poderoso monarca francês, que se julgava res ponsável apenas perante Deus, e totalmente vulnerável às forças de coerçãl sob o comando deste, Clemente V lançou mão de sua tática favorita de pio crastinação e ao mesmo tempo foi se afastando da esfera de controle do re Filipe. O caos político na Itália tornava impossível seu regresso aos Estado; Pontifícios; mas o papado havia adquirido um enclave na Provença, o con dado de Venaissin, e, adequadamente instalada junto ao rio Ródano, c'dade de Av'arion. Em agosto de 1308, o apa Clemente anunciou que 1 1, p Cúria Pontifícia deixaria Poitiers e se estabeleceria em Avignon. Isso foi con. siderado uma medida temporária, mas os papas aí permaneceriam pelo setenta anos seguintes. A mudança para Avignon, que só se completou em março de 1309, nãc aliviou a pressão de Filipe, o Belo, sobre o papa. Antes mesmo de deixar Poitiers, Clemente havia concordado com um julgamento póstumo de Boni- fácio VIII. Ele o fez com muita relutância e com considerável angústia, porque sabia como seria danoso à autoridade do papado se o papa Bonifácio VIII fosse condenado como herege. As notícias do julgamento escandalizaram a opinião pública fora da França e confirmaram a impressão de que Clemente V era um fantoche nas mãos de Filipe IV O rei Jaime II de Aragão escreveu ao papa a fim de expressar sua inquietação. Todavia, quando o julgamento afinal teve início, o próprio Clemente defendeu a memória de Bonifácio VIII antes dos advogados do rei francês, recordando sua devoção, seus serviços à Igreja e as muitas manifestações da sua fé ortodoxa. Depois disso, ele permitiu que o julgamento continuasse, mas, graças aos seus conhecimentos de direito romano, conseguiu protelar as coisas, quer exigindo depoimentos por escrito, quer, em dezembro de 1310, suspendendo os procedimentos legais corri o argumento de que estava sofrendo de um dos periódicos ataques da sua doença. As negociações continuaram fora do tribunal durante sua recuperação, resultando num acordo: o papa reconhecia' que o rei Filipe e seus serviçais OS TEMPLÁRIOS tinham agido de boa-fé em Anagni, tencionando simplesmente entregar uma convocação para que o papa Bonifácio VIII participasse de um concílio geral. Nenhum ato de violência contra a pessoa do papa tinha sido o resultado de uma vingança pessoal empreendida por seus inimigos nos Estados Pontifícios. Filipe foi elogiado como "um combatente em prol da fé" e "defensor da Igreja", e Clemente V revogou todas as bulas papais prejudiciais a Filipe ou ao reino da França. Guilherme de Nogaret foi absolvido em troca do compromisso de partirem cruzada e de visitar vários santuários na França cria Espanha. Em troca dessas concessões, o rei Filipe IV declarou sua completa submissão a qualquer decisão que o papa Clemente V tomasse acerca da questão da ortodoxia do papa Bonifácio VIII. Esse acordo teve má repercussão fora da França. Dante Alighieri julgou-o outro exemplo da prostituição da Cúria Pontifícia perante o rei Filipe IV O embaixador de Aragão junto à Cúria escreveu a seu soberano que o rei Filipe era agora "rei, papa e imperador!". Havia uma crença muito difundida de que a absolvição de Guilherme de Nogaret tinha custado 100.000 florins a Filipe. No entanto, para um historiador contemporâneo, essa crítica à política de Clemente durante o julgamento de Bonifácio "não encontra apoio na pesquisa histórica", mas antes deixa claro "que Clemente obteve uma vitória irrefutável. O único acordo que ele foi forçado a fazer envolvia seu generoso elogio do comportamento de Filipe - mas essa foi uma concessão teórica que o papa com freqüência achava fácil fazer 11.141 O mesmo era verdadeiro no caso do papa eremita, que Clemente V canonizou em 1313, não sob o nome que adotara como papa, Celestino, e sim como São Pedro dei Morrone; e não como um mártir, conforme o rei Filipe desejava, mas como confessor. Dessa forma, com as armas da paciência e da procrastinação, o papa Clemente V preservou a autoridade e a autonomia da Igreja. Ao contrário de seus grandes predecessores, como os papas Gregório VII e Inocêncio III, que se empenharam em titânicas batalhas contra os imperadores alemães, Clemente se descobrira virtualmente sem poderes numa contenda trivial com um rei fanático e vingativo. Quanto à questão do papa Bonifácio VIII e de seu antecessor, Celestino V, ele havia se empenhado numa bem-sucedida ação de retaguarda, fazendo concessões apenas a coisas insignificantes. Mas será que o Templo era insignificante? O papa Clemente parecia incapaz de decidir. Quando o papa Clemente V deixou Poitiers em agosto de 1308, o rei Filipe com certeza presumiu que os meios fossem oportunos para decidir o destino da Ordem num espaço de tempo relativamente curto. Os templários conti- \. - 1 O ATAQUE AO TEMPLO nuaram nas mãos dos carcereiros reais, e outras confissões dos membros da ordem militar que tinham sido presos poderiam ser esperadas agora que ele autorizara a Inquisição a dar continuidade ao interrogatório. Os líderes dos templários entrevistados pelos quatro cardeais em Chinon tinham todos revogado suas retratações e confirmado seus crimes. Nenhum deles admitiu todas as acusações, mas as confissões em conjunto abrangiam-nas todas. Todos se arrependeram do que tinham feito e pediram para serem readmitidos na Igreja. A presença em Chinon de Guilherme de Nogaret e Guilherme de Plaisans bem pode ter tido alguma relação com o que os templários veteranos escolheram para dizer. Havia todo incentivo para que o acusado admitisse as acusações, porque, se continuasse a protestar inocência, corria o risco de ser torturado de novo e de ser condenado à prisão perpétua. Se fugisse, não tinha onde se esconder: Clemente tinha voltado a escrever a todos os reis da cristandade, pedindo-lhes que detivessem todos os templários fugitivos nas terras que controlavam e que os entregassem às comissões episcopais. Muitos dos bispos, em particular os do norte da França, tinham sido indicados por Filipe; além do mais, o papa havia advertido todos os membros do clero de que a ajuda aos templários os faria culpados de heresia por associação. O rei Filipe também poderia sentir-se seguro da comissão pontifícia de inquérito na Ordem. Ele próprio remetera ao papa Clemente V uma lista de candidatos adequados, e entre os oito membros incluíam-se vários partidários do rei. O presidente da comissão era Gilles Aicelin, arcebispo de Narbonne, que havia se pronunciado contra os templários em Poitiers em 1308. Os bispos de Mende e Bayeux também eram homens do rei, e este último era com freqüência utilizado por Filipe nos assuntos reais. Quatro dos comissários não eram franceses, mas um, o arcebispo de Trento, trabalhara com um dos cardeais Coloriria e outro, o prévost de Aix, tinha sido empregado como diplomata pelo primo do rei Filipe, o rei Carlos II de Nápoles. No entanto, as complexas normas estabelecidas pelo papa Clemente V e a dificuldade de reunir oito clérigos tão eminentes fizeram com que a comissão só realizasse sua primeira sessão um ano após ter sido formada. Em 8 de agosto de 1309, no mosteiro de Santa Genoveva em Paris, ela expediu a todos aqueles que gostariam de prestar depoimento uma convocação para que comparecessem perante ela em novembro; e a comissão finalmente se reuniu, depois de atrasos de última hora, no dia 22 de novembro no salão episcopal do bispo de Paris. Entre as primeiras testemunhas estava Hugo de Pairaud, o supervisor da Ordem do Templo na França, que nada disse em defesa dela. Quando Jacques de Molay prestou depoimento em 26 de novembro, ele disse que OS TEMPLÁRIOS 1 OATAQUE AO TEMPLO gostaria de defender a Ordem porque era inconcebível que a Igreja quisesse agora destruí-la, mas tinha dúvidas quanto à sua capacidade de fazê-lo sem ajuda. Contudo, ele "se consideraria vil e miserável e assim seria considerado por outrem se não defendesse a Ordem, da qual tinha recebido tantas vantagens e honras". Não se tratava apenas do fato de Jacques de Molay ser analfabeto, como atestara quando de sua prisão, como também do fato de que o Templo, sob sua administração, não conseguira adaptar-se ao crescente legalismo do período. Outras instituições, como o Hospital e as ordens monásticas, tinham contratado os serviços de aconselhamento jurídico, mas os cavaleiros do Templo "parecem ter-se esforçado pouco tanto para recrutar advogados quanto para formar especialistas em direito entre suas próprias fileiras", a despeito da vigilância com que tinham protegido seus direitos e imunidades.3'2 Emotivo, confuso, um Dom Quixote a seus próprios olhos, bem como na percepção de outrem, Jacques de Molay sem dúvida lamentou a omissão. Quando um relato de sua confissão perante os cardeais em Chinon lhe foi lido, ele persignou-se duas vezes e lançou o que a comissão considerou ser um desafio de julgamento por duelo com "certas pessoas" - presumivelmente os cardeais que tinham tomado seu depoimento. Repreendido pela comissão, Jacques disse que não tinha planejado esse desafio, mas que, se fosse da vontade de Deus, eles deveriam seguir a prática dos tártaros e dos sarracenos, que "decepavam a cabeça desses malfeitores (...) ou os cortavam ao meio".3a3 Os membros da comissão não se impressionaram com essa fúria beligerante, mas concordaram com um recesso para permitir-lhe que preparasse a defesa de sua Ordem. O ministro do rei Filipe, Guilherme de Plaisans, que estava presente à sessão, e a quem, por ironia, Jacques de Molay apelara por ajuda, ficou desconcertado com o espetáculo desse velho dissoluto: depois de dois anos de tortura e prisão, o grão-mestre parecia confuso com o que tinha confessado, com o que tinha revogado, e se se esperava que ele defendesse ou não a Ordem. Guilherme o advertiu de que tomasse cuidado para não "sucumbir a uma armadilha preparada por si mesmo". Quando Jacques de Molay voltou a ficar perante a comissão na sexta-feira, 28 de novembro, ele repetiu que se sentia incapaz de armar a defesa de sua Ordem porque "era um cavaleiro, iletrado e pobre", e que, como lera numa das cartas apostólicas que no seu caso o papa Clemente reservara a si o julgamento, ele decidira permanecer calado até que fosse levado à presença do papa. À comissão ele diria apenas três coisas: primeiro, que a liturgia nas igrejas dos templários era mais bela do que em quaisquer igrejas ou catedrais; segundo, que a Ordem tinha sido pródiga em suas doações para cari- dade; e terceiro, que nenhuma Ordem "tinha derramado seu sangue tãc prontamente em defesa da fé crista" ou era tida em mais alta conta pelo inimigo sarraceno. O conde de Artois não havia colocado os templários na vanguarda do exército de São Luís no Nilo? E ele não teria vivido se tivesse ouvido os conselhos do grão-mestre? Quando os membros da comissão friamente retrucaram que tudo issc era inútil se não houvesse fé, Jacques de Molay concordou, mas insistiu que acreditava "num só Deus e numa Trindade de Pessoas e em outras coisas pertencentes à fé católica (...) e quando a alma estivesse separada do corpo. então ela seria visível para quem fosse bom e para quem fosse mau, e cada um de nós saberia a verdade dessas coisas que nós estivéssemos fazendo nc momento". Em 28 de novembro, a comissão suspendeu sua primeira sessão e só voltou a se reunir em 3 de fevereiro de 1310. Nesse ínterim, o derrotismo que se abatera sobre a maioria dos templários após sua prisão dera lugar a um espírito de resolução. Na primeira sessão, o preceptor de Payns, Ponsard de Gizy, dissera à comissão que todas as acusações imputadas à Ordem eram falsas; que as confissões tinham sido feitas "devido ao perigo e ao medo"; e, após descrever como tinha sido torturado, ele disse que, caso fosse ameaçado com semelhantes tormentos, admitiria qualquer coisa que lhe fosse atribuída. Entre 7 e 27 de fevereiro, 532 templários de toda a França seguiram seu exemplo. Em 14 de março, uma lista completa com as 127 acusações feitas contra a Ordem foi redigida e lida diante de noventa templários que tinham se oferecido espontaneamente para defender a Ordem. Por volta do fim do mês, o número tinha aumentado para 597 templários, entre eles um padre, João Roberto, que disse ter ouvido inumeráveis confissões dos templários, nenhuma das quais mencionava nenhum dos pecados imputados à Ordem. Confrontada com número tão grande, a comissão pediu aos acusados que selecionassem um número manejável como procuradores, e no devido tempo dois padres foram escolhidos, Reinaldo de Provins, preceptor de Orléans, e Pedro de Bolonha, procurador do 7èmplo na Cúria Pontifícia, em Roma. Pedro de Bolonha era um padre de quarenta e quatro anos e membro do Templo havia vinte e cinco. Ele era presumivelmente lombardo e tinha sido admitido em Bolonha, onde talvez tenha estudado direito sob a orientação do preceptor da Lombardia, Guilherme de Noris. Sua nomeação como procurador do 'Iémplo na Cúria Pontifícia sugere uma aptidão intelectual raras vezes encontrada na ordem militar. Após sua prisão em novembro de 1307, ele confessou ter negado Cristo e cuspido na Cruz. Ele negou a prática de sodomia, mas admitiu que tinha sido permitida. Os TEMPLÁRIOS Reinaldo de Provins também era padre, cerca de oito anos mais jovem do que Pedro de Bolonha. O fato de que ele pensara em entrar para a Ordem dos Dominicanos, e não para a Ordem do Templo, também sugere uma educação avançada, e a maneira pela qual evitou uma confissão aberta quando interrogado pela primeira vez demonstra um espírito sagaz. Ele foi admitido na Ordem em Brie quinze anos antes. A primeira submissão desses dois padres da Ordem foi um protesto contra as condições em que estavam sendo mantidos: a negação dos sacramentos, o confisco de seus bens e hábitos religiosos, a comida de má qualidade, os grilhões de ferro e o modo como aos que haviam morrido na prisão tinha sido recusado enterro em solo sagrado. Mais tarde, quando entrevistado pelos notários da comissão no Templo de Paris, onde estava encarcerado, Pedro de Bolonha denunciou as acusações como "coisas vergonhosas, muito iníquas, irracionais e detestáveis (...) fabricadas, inventadas e renovadas por testemunhas e adversários e por inimigos mentirosos". Ele insistia "que a Ordern do Templo era limpa e imaculada e que, de acordo com todos os artigos, sempre houve vícios e pecados". Quaisquer confissões eram claramente falsas, feitas ou em conseqüência de tortura ou para evitá-la. Na quarta-feira, I° de abril, Pedro de Bolonha e Reinaldo de Provins, junto com dois cavaleiros com uma folha de serviços prestados no ultramar, Guilherme de Chambonnet, preceptor de Blaudeix, no Auvergne, e Beltrão de Sartiges, preceptor de Carlat, em Rouergue, compareceram diante da comissão pontifícia; ambos os cavaleiros tinham servido na Terra Santa, e nem um nem outro confessaram nenhuma das acusações quando interrogados pela primeira vez pelo bispo de Clermont. Imediatamente Reinaldo de Provins pôs a própria comissão na defensiva, primeiro insistindo que apenas o grão-mestre e o capítulo da Ordem eram autorizados a nomear procuradores para a defesa do Templo; segundo, que os procedimentos iniciais contra a Ordem com base em acusações de heresia tinham sido irregulares e, portanto, de legalidade duvidosa. É claro que um pré-requisito para uma defesa adequada era a concessão de dinheiro aos acusados para contratarem advogados e se colocarem sob a custódia da Igreja, e não do rei. Pela primeira vez desde a prisão dos templários em outubro de 1307, eles estavam organizando uma defesa convincente. Mesmo após cerca de setecentos anos, as palavras de Pedro de Bolonha sugerem não só um hábil advogado, mas também um eterno defensor dos direitos dos acusados. Os procedimentos iniciais contra os templários, disse ele à comissão, tinham sido adotados "com uma fúria destrutiva", os irmãos "tinham sido levados como ovelhas para o abatedouro" e coagidos "por vários tipos de tortura, em virtude dos quais muitos haviam morrido, muitos O ATAQUE AO TEMPLO estavam para sempre inválidos, e muitos na ocasião foram obrigados a mentir contra si mesmos e contra a Ordem". A tortura, afirmou ele, removia qualquer "liberdade de espírito, que é o que todo homem bom deve ter". Ela o privava do "conhecimento, da lembrança e do entendimento", e, por conseguinte, qualquer coisa dita sob tortura não deveria ser levada em conta. Ele também revelou que havia mostrado aos templários cartas com o selo do rei Filipe com a promessa de que eles não seriam torturados, mas também de que "uma boa provisão e elevados rendimentos lhes seriam concedidos anualmente durante sua vida, sempre lhes dizendo em primeiro lugar que a Ordem do Templo estava completamente condenada".3'` Assim, todos os depoimentos contra a Ordem estavam corrompidos e, além do mais, afrontavam o senso comum. Era crível que tantos homens nobres, eminentes e poderosos fossem "tão tolos e loucos" que "com a perda de suas almas [eles] entrariam para a Ordem e nela perseverariam"? Decerto, cavaleiros desse quilate, se tivessem descoberto tais iniqüidades no Templo, em particular as blasfêmias contra Jesus Cristo, "teriam todos gritado e divulgado o assunto para o mundo inteiro". Essa robusta defesa do Zèmplo e as intermináveis deliberações da comissão pontifícia exasperaram o rei Filipe IV O concílio da Igreja convocado para se reunirem Vienne em outubro de 1310 a fim de dissolver o Templo teve de ser adiado por um ano, porque a comissão não havia apresentado seu relatório. O rei portanto decidiu apressar as coisas por intermédio de Filipe de Marigny, arcebispo de Sens. O arcebispo tinha sido recentemente promovido da sé de Cambrai graças à influência de seu irmão, Enguerrand de Marigny, que estava em via de substituir Nogaret como o principal ministro do rei. A pedido de Enguerrand é que o rei Filipe tinha conseguido a nomeação de Filipe pelo papa para a sé de Sens; por conseguinte, ele estava em dívida tanto para com o rei quanto para com seu irmão, e na primavera de 1311 estava em condição de saldá-la. Devido a demarcações eclesiásticas que remontavam ao tempo do Império Romano, a diocese de Paris estava situada na província de Sens. Era portanto o arcebispo de Sens quem tinha poder para julgar os casos dos templários dentro de sua jurisdição. No domingo, 10 de maio, quando) a comissão pontifícia estava em recesso, ele convocou um concílio em Paris para instaurar processo contra eles. Pedro de Bolonha se deu conta imediatamente do que se tencionava e logo apelou à comissão que protegesse os templários "que haviam se apresentado para defender a referida Ordem". Ele pediu à comissão que ordenasse ao arcebispo de Sens que não instaurasse processo contra eles. OS TEMPLÁRIOS O presidente da comissão, Gilles Aicelin, arcebispo de Narbonne, imedia,.amente recusou-se a levar essa petição em consideração, alegando que "tinha de celebrar ou de assistir à missa". Ficou a cargo dos demais membros da comissão decidir que, embora sentissem considerável simpatia pelos peticionários da Ordem do Templo, os procedimentos da comissão pontifícia e do concílio designado pelo arcebispo de Sens eram "completamente diferentes e mutuamente separados". Uma vez que o arcebispo recebera seus poderes diretamente da Santa Sé, a comissão não tinha competência pari interferir. Na segunda-feira, 11 de maio, a comissão reuniu-se novamente para tornar o depoimento de qualquer templário que desejasse defender a Ordem na ausência de seu presidente, o arcebispo de Narbonne. Num intervalo do processo, anunciou-se que quarenta e quatro templários que haviam revogado suas confissões para defender a Ordem seriam queimados como hereges reincidentes naquele mesmo dia. A comissão imediatamente enviou o arcediago de Orléans e um dos carcereiros dos templários, Filipe de Voet, a fim de pedirem ao arcebispo que adiasse a execução: Voet lhes contara como muitos templários que tinham morrido na prisão haviam jurado, à beira da eternidade, que as acusações contra a Ordem eram falsas. A intervenção deles foi ignorada. Os quarenta e quatro templários foram amontoados em carroças e levados para um campo próximo ao convento de Santo Antônio, fora dos limites da cidade, onde foram queimados. Todos eles, sem exceção, negaram "os crimes a eles imputados, mas constantemente persistindo na negação geral, dizendo sempre que estavam sendo condenados à morte sem razão e injustamente-o que, na verdade, muitas das pessoas foram capazes de perceber, de modo algum sem grande admiração e imensa surpresa".3'S Os que nunca tinham admitido os crimes alegados não puderam ser julgados hereges reincidentes e, portanto, foram condenados à prisão perpétua. Apenas aqueles que confirmaram sua confissão e se arrependeram foram absolvidos de seus pecados e postos em liberdade. Quatro dias depois, mais quatro templários foram entregues pelo arcebispo de Sens para serem queimados como hereges reincidentes, e o corpo do ex-tesoureiro do Templo de Paris, João de La rlóur, foi exumado, a fim de que também pudesse ser consumido pelas chamas. O efeito dessas ações era visível nas testemunhas agora chamadas à presença da comissão: um templário da diocese de Langres, chamado Aimery de Villiers-le-Duc, insistiu que todos os erros imputados à Ordem eram falsos, mas implorou aos membros da comissão que não revelassem isso aos oficiais do rei, porque não queria ser queimado. Os membros da comissão apenas foram induzidos a pro- O ATAQUE AO TEMPLO testar, quando um dos dois procuradores, Reginaldo de Provins, desapareceu da prisão. O protesto foi eficaz: Reinaldo de Provins foi devolvido junto com os dois cavaleiros, Guilierme de Chambonnet e Beltrão de Sartiges; mas agora Pedro de Bolonha é que tinha desaparecido, e, a despeito do envio de três cônegos para ir buscá-lo, ele não foi encontrado. Depois disso, os procedimentos da comissão prosseguiram com dificuldade, com muitos de seus membros ausentando-se com diversas desculpas. No dia 17 de dezembro, quando Guilherme de Chambonnet e Beltrão de Sartiges disseram que não poderiam continuara defender a Ordem sem Reinaldo de Provins e Pedro de Bolonha por serem "leigos iletrados", disseram-lhes que ambos os padres do Templo haviam desistido da defesa da Ordem e regressado a suas confissões originais. Reinaldo de Provins fora excluído do sacerdócio pelo Concílio de Sens, e Pedro de Bolonha fugira da prisão. Mais provavelmente fora assassinado por seus carcereiros; mas, qualquer que tenha sido o destino dos dois padres da Ordem, os dois cavaleiros julgaram-se incapazes de continuar sem eles e portanto "deixaram a presença dos membros da comissão"."' A Destruição do Templo Por que, nas palavras de Pedro de Bolonha, os membros da mais temível força militar do mundo ocidental seguiram para a morte "como cordeiros para o abatedouro"? Uma das razões foi sem dúvida a idade avançada da maioria dos templários que viviam na França. Tendo servido por algum tempo no Oriente, muitos tinham regressado à Europa para assumir postos na administração. Os cavaleiros mais jovens foram mandados para Chipre: em 1307, mais de setenta por cento da força de templários tinha sido recrutada desde o início do século."' Aí eles estavam preparados para a ação militar: tinham combatido os sarracenos por causa de Tortosa e estavam prontos para uma invasão mameluca da ilha. A bula do papa Clemente V ordenando a prisão dos templários em toda a cristandade, Pastoralis praceminentiae, chegou a Chipre em novembro de 1307. Na época o governante defacto era Amauri, irmão do rei João, que tinha sido apoiado pelos templários quando tomou o poderem agosto de 1306. As ordens do papa deixaram Amauri numa situação embaraçosa. Ele estava em dívida para com os templários e, como a maioria das outras pessoas em Chipre, julgou as acusações contra a Ordem quase com certeza inverídicas; não obstante, ele também não estava disposto a desafiar o papa ou a fazer do rei Filipe da França um inimigo. Ele portanto ordenou a seus oficiais que se movessem contra os templários sob seu marechal, Ayme de Oselier, mas eles encontraram alguma resistência e houve luta. Por fim, os templários renderam-se e oitenta e três cavaleiros e trinta e cinco sargentos foram colocados sob prisão domiciliarem suas propriedades. A propriedade deles foi seqüestrada, mas os oficiais de Amaun não conseguiram encontrar o grosso do tesouro dos templários. Nenhum julgamento ocorreu até maio seguinte, quando dois juízes nomeados pelo papa Clemente chegaram à ilha. Nenhum dos acusados admitiu as acusações. Os depoimentos foram tomados de testemunhas que não pertenciam à Ordem, entre elas dezesseis cavaleiros e o senescal do reino, Filipe de Ibelin, e o marechal do rei, Remaldo de Soissons. A maioria havia apoiado o rei Henri- 302 A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO que II contra Amauri, e portanto talvez se tenha esperado que mostrassem animosidade contra os templários, mas todos os depoimentos deles foram a seu favor. Filipe de Ibelin, que foi a primeira testemunha, julgava que apenas o segredo que cercava as admissões na Ordem é que levava à suspeita de mau procedimento. Reinaldo de Soissons confirmou que os templários acreditavam nos sacramentos e tinham sempre conduzido suas cerimônias religiosas corretamente. Um cavaleiro, Jacques de Plany, foi franco em sua defesa dos templários, lembrando ao tribunal que eles tinham derramado seu sangue por Cristo e pela fé cristã, e que eram homens tão bons e honestos quanto os que se poderiam encontrar em qualquer ordem religiosa. O senhor Perceval de Mar, um genovês, descreveu um grupo de templários aprisionados pelos sarracenos que tinham escolhido morrer a trair sua fé. Testemunhas menos importantes, embora mencionassem o segredo das admissões na Ordem do Templo e a avareza desta, nada disseram que envolvesse os templários em blasfêmia ou heresia. Um padre, Lourenço de Beirute, disse que ouvira as confissões de sessenta templários e nada poderia dizer contra eles. Outros testemunhos deixaram claro que muitos templários confessavam-se com dominicanos, franciscanos e padres seculares, e não necessariamente com seus próprios capelães. A única testemunha entre os latinos de Chipre que depôs contra os templários foi Simão de Sarezarüs, o prior do Hospital de São João, mas ele não pôde fornecer provas concretas, aludindo tão-somente a conversações que tivera com pessoas anônimas rio passado. Com essa única exceção, todas as testemunhas nobres depuseram a favor dos templários, não obstante fossem partidários do rei Henrique II. Esse resultado foi considerado inaceitável pelo papa Clemente V que ordenou um novo julgamento sob o legado pontifício no Oriente, Pedro de Plaine-Cassagne, bispo de Rodez. Este ocorreu após o assassinato de Amauri e a restauração do rei Henrique no verão de 1310, e, embora as atas não tenham sido preservadas, parece que os imperativos políticos do papa prevaleceram: os cronistas relatam que o marechal do Templo, Ayme de Oselier, e muitos outros templários morreram durante o encarceramento na fortaleza de Kervnia. Na Itália, os processos contra os templários variavam de acordo com as lealdades políticas dos governantes envolvidos. Carlos II de Nápoles, primo do rei Filipe, o Belo, até onde se sabe dos poucos depoimentos que sobreviveram, assegurou as confissões necessárias presumivelmente graças ao uso de tortura. Nos Estados Pontifícios, a tortura também produziu algumas con- 303 OS TEMPLÁRIOS fissões da negação de Cristc, de escarrada na Cruz e da adoração de ídolos; mas em geral uma investigação 1Íti nerante executada pelo bispo de Sutri teve Resultados insignificantes. Na Lombardia, muitos dos bispos apoiaram os templários e alguns foram corajosos o suficiente para dizê-lo. Os bispos de Ravena, Rimim e Fano não conseguiram encontrar provas de culpa nos poucos templários conduzidos à sua presença. Em Florença, após o uso de tortura, seis entre dezesseis templários confessaram. t~1a Alemanha, Burhhard, arcebispo de Magdeburgo, moveu-se rapidamente contra os templário, entre eles o preceptor alemão, Frederico de AlverIsleben. Em Trier, um concílio provincial da Igreja convocado pelo arcebispo não encontrou nenhuma prova contra a Ordem. Um concílio semelhante, realizado em Mogúncia e presidido pelo arcebispo, Pedro de Aspelt, foi interrompido por um contingente de vinte cavaleiros do Templo artnatlos, liderados pelo preceptor de Grumbach, Hugo de Salm. O atemorizado arcebispo foi obrigado a ouvir as queixas deles de que não se tinha dado aos membros da Ordem unta oportunidade justa de se defenderem, e de que aqueles que tinham insistido na sua inocência tinham sido queimados. Hugo de Salm também afirmou que, como uma prova milagrosa de sua inocência, os hábitos brancos dos templários não foram consumidos pelo fogo. Numa audiência posterior, o irmão de Hugo de Salm, Frederico, o preceptor do Reno, ofereceu-se para provar a inocência da Ordem por meio de um julgamento por ordálio. Ele disse que tinha servido no Oriente com Jacques de Molay e sabia que ele era "um bom cristão, tão bom quanto qualquer um poderia ser". Outras testemunhas atestaram a obra de caridade dos templários, entre elas um padre que disse que, durante um período de séria escassez de alimentos, a comunidade de Maistre tinha dado de comer a mil pobres todos os dias. Ao fim da audiência, o arcebispo formulou uma decisão a favor dos templários que tinham sido conduzidos à sua presença, o que desagradou ao papa. Fora da França e de Chipre, a presença dos templários mais significativa era na Espanha, em particular em Aragão, onde a Ordem tinha desempenhado um pjpel de destaque na reconquista das terras mantidas pelos mouros. Os enormes privilégios e as substanciais dotações que datavam dos heróicos dias da Reconquista tinham sido corroídos pelo rei havia algum tempo. De fato, embora a Ordem ainda possuísse consideráveis propriedades em Aragão, ela tinha sido onerada pela necessidade de remeter fundos à Ordem na Síria e na Palestina e pelas exigências feitas pelos reis aragoneses. Conquanto o Templo ainda atuasse como um banco, ele próprio estava endividado. A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO Em meados de outubro de 1307, o rei Jaime II recebeu uma carta do rei Filipe IV da França relacionando as iniqüidades dos templários e aconselhando-o a deitar a inão sobre suas propriedades e pessoas como Filipe fizera na França. O monarca aragonês estava incrédulo. Os templários, escreveu ele em resposta a Filipe, o Belo, têm vivido na verdade de uma forma digna de louvor como religiosos, até agora, neste país, de acordo com a opinião geral, e nenhuma acusação de desvio da fé foi feita contra eles aqui; pelo contrário, durante nosso reinado nos têm prestado fielmente grandes serviços em tudo quanto lhes temos solicitado, na repressão dos inimigos da fé. Todavia, quando chegou à Espanha a notícia de que Jacques de Moláy tinha confessado os pretensos crimes, o rei Jaime II ordenou a prisão dos templários e o confisco de suas propriedades em seu reino. Alguns templários recusaram-se a entregar seus castelos: em contraste com a França, a Ordem em Aragão tinha vários homens em armas e tempo para se preparar para tal defesa. A fortaleza em Pensícola foi tomada, e o mestre do Temple em Aragão, Exemen de Lenda, preso, mas Ascó, Cantavieja, Villel, Castellote, Chalamera e Monzón permaneceram nas mãos da Ordem, ao passo que Ramón Sá Guardia, o preceptor de Mas-Deu em Roussillon, resistiu na fortaleza de Miravet. Daí ele escreveu ao rei Jaime 11, lembrando-o do sangue que tinha sido derramado pelos templários nas guerras contra os mouros, mais recentemente contra Granada. Durante um período de séria escassez de alimentos, vinte mil pessoas tinham sido alimentadas pelos templários em Gardeney e seis mil em Monzón. Quando os franceses invadiram Aragão e ameaçaram Barcelona, foram os templários que agüentaram frmes. Por todos esses motivos, o rei deveria libertar o mestre e outros templários, que são "leais, católicos e bons cristãos". Contudo, àquela altura, os dados já tinham rolado - não porque o rei Jaime tivesse sido persuadido de que os templários fossem culpados, conforme as acusações, mas porque queria assegurar os bens deles antes que fossem desapropriados pela Igreja; ele até sugeriu uma compensação ao papa Clemente, por meio da qual dois sobrinhos deste receberiam terras em Aragão, se o papa abrisse mão de seus direitos à propriedade do Templo na Espanha.'4' Talvez cônscio de que a avareza era agora a motivação prioritária do rei, Ramón Sá Guardia escreveu para dizer quanto ele tinha pena dele, "do rei da França e de todos os católicos em relação ao dano que se originava de tudo isso, mais do que de nós mesmos, que temos de suportar o mal". Ele témia pela alma do rei, caso ele iludisse a si mesmo de que estava fazendo o 305 OS TEMPLÁRIOS trabalho de Deus e não do Diabo. Como Pedro de Bolonha, perguntava ele agora, se as acusações eram verídicas, tantos membros das melhores famílias haviam entrado para a Ordem, alguns deles por pelo menos seis anos, e ainda não haviam denunciado os pretensos abusos? Em 1° de fevereiro de 1308, o rei Jaime decidiu sitiar essas fortalezas ainda nas mãos dos templários. Sem vontade ou incapaz de organizar um ataque frontal, sua tática foi levar as guarnições à sujeição pela fome. Ramón Sá Guardia, que continuou a comunicar-se com o rei, advertiu que eles estavam dispostos a morrer como mártires, a menos que o rei Jaime garantisse protegê-los enquanto o papa Clemente permanecesse sob a influência do rei da França. Todavia, o rei Jaime não sentiu nenhuma necessidade de chegar a um acordo, e em fins de novembro os templários de Miravet tinham sido levados à sujeição pela fome. Monzón resistiu até maio de 1309, e em fins de julho, com a rendição de Chalamera, a resistência da Ordem chegara ao fim. Seguiram-se então os processos contra os templários aragoneses, mas, como a tortura não era permitida pela lei aragonesa, estes não resultaram em confissões. Os prisioneiros foram mantidos em razoável conforto, com uma alimentação decente. Ramón Sá Guardia foi tão franco perante os inquisidores quanto tinha sido em suas cartas ao rei. Ele disse que as admissões na Ordem tinham sido completamente ortodoxas, como tinha sido a prática da religião católica pelos templários. As alegações da negação de Cristo eram "horríveis, extremamente hediondas e diabólicas", e "qualquer irmão que cometesse um pecado contra a natureza" (i.e. sodomia) era punido "com a perda do hábito e prisão perpétua (...) com grandes grilhões nos pés e correntes no pescoço (...)". As acusações tinham surgido de "um espírito maligno e diabólico", e todos aqueles que as tinham confessado eram mentirosos. Em março de 1311, o papa ordenou ao arcebispo de Tarragona e ao bispo de Valência que usassem a tortura para extrair confissões, mas os métodos que se tinham revelado tão eficientes na França fracassaram na Espanha. Oito templários torturados em Barcelona persistiram com os seus protestos de inocência; um concílio local da Igreja em Tarragona, em 4 de novembro de 1312, considerou os templários inocentes, "embora tivessem sido submetidos à tortura para confessar seus crimes". O que aconteceu em Aragão também aconteceu nos reinos de Castela-Leão e Portugal. Os templários eram presos e chamados ajuízo diante de comissões episcopais, mas nenhuma conseguiu encontrar provas. para fundamentar as acusações. Em toda a península Ibérica, foi apenas em Navarra 306 A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO que a influência francesa predominante levou a algum êxito na extração d confissões dos pretensos crimes dos templários. A exemplo do rei Jaime II de Aragão, o rei Eduardo II da Inglaterra tinh recebido uma carta do rei Filipe, o Belo, em meados de outubro de 130; descrevendo como ele tinha posto a descoberto a cloaca de corrupção n Templo e aconselhando seu genro a proceder como ele fizera com a prisã dos canalhas e a desapropriação de seus bens. Como o rei Jaime de Aragão, rei Eduardo a princípio ficou cético. Embora a presença do Templo não fosstão considerável quanto era no reino da França, com 144 a 230 cavaleiros n Inglaterra, na Escócia, na Irlanda e no País de Gales, ele não obstante tinh desempenhado um importante papel no governo real desde que o primeir~ grão-mestre, Hugo de Payns, viera a Londres em 1129. Ele servira comi banqueiro aos monarcas angevinos; a ele foram confiadas as multas paga pelos assassinos de Tomás Becket, e ele atuara como intermediário em con tendas entre os reis da Inglaterra e da França, mantendo fortalezas na Nor mandia que eram o dote da princesa Margarida da França, até que sei marido, o filho e herdeiro do rei Henrique II da Inglaterra, atingisse a maio ridade. A confiança que o rei Ricardo Coração de Leão depositava na Ordem j; foi mencionada; o grão-mestre do Templo, Roberto de Sablé, fora não só sei vassalo, mas também um amigo de confiança. O Templo em Londres era urr depósito seguro para as receitas reais; e a Ordem era uma presença substan cial na vida comercial dos reinos, tirando proveito dos muitos privilégios e isenções concedidos por reis e papas. Embora a riqueza do Templo tivesse suscitado um pouco de inveja, sua renda anual proveniente de bens de raie não excedia 4.800 livres, insuficentes para inspirar "fortes sentimentos de inveja" ou "uma antipatia geral1,.1411 Jacques de Molay fora calorosamente recebido pelo rei Eduardo I quando visitou a Inglaterra em 1294, e Guilherme de La More, o mestre inglês, fora o conselheiro de confiança dc velho rei. Eduardo II, que apenas ascendera ao trono três meses antes, julgou as acusações feitas contra a Ordem implausíveis e escreveu aos reis da França, de Aragão, de Castela, de Portugal e de Nápoles para dizer isso. A Ordem tinha uma honrosa folha de serviços na Terra Santa e "brilha intensamente na religião". Ele também escreveu ao papa Clemente, insistindo que os templários tinham sido "inabaláveis na pureza da fé", ao passo que aqueles que fizeram acusações tão infames eram criminosos e mentirosos. Essa carta, remetida em 10 de dezembro, cruzou com a bula papal Pastora&Praeeminentiae, ordenando a prisão de todos os templários na cristandade, a qual o rei Eduardo recebeu quatro dias mais tarde. Isso deixou o 307 OS TLMIPLÁRIOS jovem rei sem, alrernativa, e assim, em 26 de dezembro, ele ordenou a detenção dos templários ingleses "da maneira mais rápida e melhor". Por essa ocasião, a notícia da confissão de Jacques de Molay tinha chegado à Inglaterra, e Eduardo, como o rei Jaime de Aragão, também pode. ter visto as vantagens de assumir o controle dos bens dos templários antes que eles caíssem em outras mãos. Não obstante, permaneceram as suspeitas sobre o rei Filipe e sua influência sobre o papa Clemente; e o tratamento dispensado aos templários dificilmente sugere que se acreditou nas acusações. O mestre inglês, Guilherme de La More, que foi preso em 9 de janeiro, ficou encarcerado em Canterbury, mas dois templários tiveram permissão de acompanhá-lo, e ele teve direito a mobília, roupas, roupa de cama e seus pertences pessoais, bem como a uni subsídioperdion de dois xelins e seis pence. Muitos dos preceptores tiveram permissão de ficar em suas comunidades até serem convocados a comparecer perante os inquisidores quase dois anos mais tarde. Na época da prisão dos templários, fez-se um inventário de suas posses chie dá um vislumbre de seu estilo de vida e contradiz as acusações de seus críticos de que eles estavam vivendo na abundância. No condado de Yórk, os inventários mostram que as vestes eclesiásticas, os animais domésticos e os implementos agrícolas eram os únicos bens de algum valor. Não havia armas, o dinheiro era pouco, e a mobília, escassa e de má qualidade. Encontraram-se alguns estoques de carne de carneiro salgada, toicinho defumado, peixe salgado, arenque, bacalhau seco e salgado, queijo e um pouco de carne bovina salgada, mas quase nenhum. vinho .3111 No dia 13 de setembro de 1309, os dois inquisidores designados pelo papa chegaram à Inglaterra: Dieudonnc:, abade de Lagny, e Sicard de Uaur, um cônego de Narbonne, cujo arcebispo era Gilles Aicelin, o presidente da comissão pontifícia que investigava a Ordem em Paris. Essa foi a primeira aparição dos inquisidores na Inglaterra: ao contrário da França, onde a Inquisição fora aceita e usada como um instrumento da monarquia, ela não tinha nenhum relevo na lei inglesa. Além disso, os julgamentos eram feitos norrnalmente perante os jurados e a tortura não era permitida. Ern conseqüência, o interrogatório cios templários ingleses realizado entre 20 de outubro e 18 de novembro perante os dois inquisidores e o bispo de Londres não produziu resultados. Nenhum deles admitiu nenhuma má ação. Irnbert Blanke, o preceptor do Auvergne que havia fugido para a Inglaterra por ocasião das prisões na França, disse que o segredo que cercava as admissões dos templários tinha sido "por causa de insensatez" e que nada de indesejável tinha acontecido. n DESTRUIÇÃO Do TEMPLO Frustrados por seu fracasso em extrair confissões, os inquisidores per suadiram o Concílio Provincial de Canterbury, que se reuniu em Londre em 24 de novembro, a pedir ao rei Eduardo 11 permissão para se usar a ror cura; o pedido foi redigido eufemisticamente como se dimanasse "de acorde com os estatutos eclesiásticos". Concedeu-se permissão, mas a tortura não produziu os resultatdos almejados. A única irregularidade que veio à tona fo a difundida pressuposição entre os templários de que o perdão de transgres soes pelo mestre no capítulo equivalia à absolvição sacramental. Uma frustração adicional para os dois inquisidores, que eles expressa mam em seu relatório para o papa, foi a relutância do rei Eduardo em da garantias para a trarnsferência da propriedade dos templários para a Igreja Ele disse que não poderia agir sem consultar os condes e os barões do reino uma posição que não era apenas procrastinação, pois embora o papa pudesse legitimamente salientar que as dotações originais tinham sido feiras em pro da missão dos templários na Terra Santa, o rei poderia igualmente afirma que eles tinham vindo da nobreza inglesa, a qual, se a Ordem fosse disso] vida, estava habilitada a tê-las de volta. Essa posição foi vigorosamentf apoiada por seus barões. Exasperado pela falta de resultados da Inglaterra, o papa Clemente instou os arcebispos de Canterburv e, de Yórk a dedicar-se ao processo conta os templários com maior zelo. A pressão também veio de outra parte: Gui lherme de Greenfield, arcebispo de York, recebera uma carta do rei Filipe B insistindo na sua cooperação. As autoridades da Igreja fizeram o possível mas, como Guilherime de Greenfield disse ao concílio provincial que se meu nira em maio de 1310, "nunca se ouvira falar de tortura rio reino da Ingla terra". O máximo que ele conseguiu obter foi o testemunho auricular de tes temunhas que não ]pertenciam à Ordem: João de Nassington fora informado de que os templários no Templo Hirst haviam prestado culto a um bezerro Um cavaleiro, João de Ure, disse que o preceptor de Westerdale havia mos trado à sua mulher um livro que afirmava que Cristo não havia nascido de uma virgem, e sim que era filho de José. O único testemunho de sodomi, veio de um frade, .Adão de Heton, que disse que, quando era criança, o; meninos costumavam dizer: "Cuidado com o beijo dos templários". Outro frade sabia de uma mulher que encontrara as ceroulas de um templáric numa latrina e vira que o sinal da cruz tinha sido costurado no fundilho."' O papa Clemente claramente suspeitava de que os ingleses estavam sendo vagarosos nas suas averiguações, e escreveu ao rei Eduardo oferecendo-lhe indulgência plena, se ele transferisse os templários sob a sua jurisdição para a França. Ele também exerceu pressão sobre os clérigos ingleses ac declararem sua bulla Paciens misericordiam que a culpa dos templários estava 309 OS TEMPLÁRIOS estabellecida e que qualquer um que agora tentasse protegê-los era culpado por ass;ociação com os seus pecados. O concílio provincial em York, sentindo-se incapaz de condenar ou de absolver, autorizou o arcebispo a encaminhar todo o caso ao tribunal pontifício no concílio a ser realizado em Vienne. Nesse imeio tempo, eles chegaram a uma fórmula bastante inglesa, pela qual cada templário deveria declarar o seguinte em público: "Reconheço que sou gravemente difamado pelos artigos contidos na bula de nosso Senhor, o Papa, e; visto que não sou capaz de me exculpar, submeto-me à Graça Divina e à decisão do Concílio". Tendo feito essa declaração do lado de fora da Catedral de York, cada um deles estava reconciliado com a Igreja e era enviado parar viverem várias instituições monásticas: Guilherme de Grafton para Selby, Ricardo de Keswick para Kirkbam, João de Walpole para Byland, Tomás de Stanford para Fountains e Henrique de Kirby para Rievaulx. O mau comportamento de Tomás de Stanford e de Henrique de Kirby resultou emi queixas dos abades cistercienses ao arcebispo de York. Os processos contra os templários na Escócia e na Irlanda não foram mais bem-sucedidos em satisfazer as expectativas do papa Clemente e do rei da França. As únicas confissões proveitosas foram feitas na Inglaterra por dois telmplários fugitivos, Estêvão de Stapelbrugge e Tomás de Thoroldeby, que foram recapturados em junho de 1311 e mais tarde descreveram blasfêmias na época de sua admissão. Ambos provavelmente tinham sido torturados. Enn junho, um padre da Ordem do Templo chamado João de Stoke também confessou que, um ano depois de sua admissão, Jacques de Molay lhe dissera que negasse Cristo. Quando todos expressaram arrependimento, foram absolvidos e reconciliados com a Igreja. O mesmo se deu com outros cinqüenta e dois templários que aceitaram a fórmula a que o Concílio de York chiegara. Contudo, os dois templários mais eminentes da Inglaterra, o mestre„ Guilherme de La More, e o preceptor do Auvergne, Imbert Blanke, continuaram a insistir na sua inocência e na de sua Ordem: Guilherme até mesmo negou o uso das palavras de absolvição ao perdoar templários em erro por suas transgressões da regra. Ele foi mandado para a Torre de Londres para aguardar a misericórdia do papa e aí faleceu em fevereiro de 1313. Imbert Blanke foi condenado a "ser encerrado na mais abjeta prisão, acorrentado) a grilhões duplos, e aí ser mantido até que se ordenasse de outro modo, e a ser visitado nesse meio tempo, com o fim de ver se ele desejava confessar mais alguma coisa".'SZ Ele também morreu na prisão. No sábado, 16 de outubro de 1311, após um ano de atraso, um concílio ecumênico da Igreja Católica reuniu-se em Vienne. Essa cidade junto ao Ródano, à cerca apenas vinte quilômetros ao sul de Lyon, fora construída A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO entre as ruínas de seu passado romano. O anfiteatro romano nas encostas do monte Pipet tinha capacidade para mais de 13.000 espectadores, e o templo dedicado ao imperador Augusto era agora usado como igreja. Fora em Vienne que o imperador Augusto tinha exilado Arquelau, o filho do rei Herodes, e aí a desgraciosa Blandina morrera como um mártir por Cristo "depois dos chicotes, das feras, da grelha, ela afinal foi colocada num cesto e arremessada contra um touro". Outro mártir da época, um oficial romano chamado Maurício, fora executado rio acima, em Augaune, na Suíça, por recusar-se a oferecer sacrifícios a deuses pagãos. Foi na grande catedral às margens do Ródano, dedicada a esse santo, que o papa Clemente V deu as boas-vindas aos padres de toda a cristandade e abriu a primeira sessão do concílio. A afluência foi desapontadora. O papa Clemente havia convocado bispos e príncipes de toda a cristandade, incluindo os quatro patriarcas da Igreja Ortodoxa, mas dos 161 prelados convidados mais de um terço tinha apresentado suas desculpas, enviando delegados em seu lugar. Os bispos que compareceram fizeram-no sem muito entusiasmo: a cidade estava superlotada, por conseguinte era difícil encontrar alojamento decente, e nessa época do ano, conforme o bispo de Valência queixou-se ao rei Jaime 11 de Aragão, "o país está demasiadamente frio". Nenhum rei apareceu durante os primeiros seis meses de suas deliberações, muito embora a reconquista da Terra Santa, um dos três itens na agenda do concílio, os interessasse muito. O segundo item, a reforma da Igreja, estava lá quase como uma coisa natural, mas o zelo em escoimar a Igreja da corrupção, zelo esse que animara concílios anteriores, era difícil de conservar com um papa que havia nomeado quatro parentes seus para o Colégio de Cardeais e usado todo expediente possível para extorquir dinheiro aos fiéis. O cinismo era o sentimento que prevalecia entre aqueles que participaram do concílio: um cronista francês, Jean de Saint Vector, escreveu que "muitos disseram que o concílio foi inventado com o objetivo de extorquir dinheiro".353 O terceiro item na agenda do concílio era a Ordem do Templo. Para o papa Clemente, era imperativo que o concílio se decidisse pela dissolução, e para esse fim ele estivera reunindo todas as provas dos inquéritos em diferentes países, insistindo no uso da tortura quando eles não extraíam as necessárias confissões dos acusados. Isso havia tomado mais tempo do que ele previra e tinha sido a razão para o adiamento do concílio por um ano. No verão de 1311, muitos dos relatórios ainda não haviam chegado. Quando chegaram e foram estudados pelo papa e seus conselheiros no priorado de Grazean, estavam longe de ser satisfatórios. Apenas os da França continham OS TEMPLÁRIOS confissões críveis; os de fora da França, em particular da Inglaterra, de Aragão e de Chipre, só conseguiram obter testemunhos auriculares de não-templários para dar substância às acusações. Além de preparar resumos desses relatórios para apresentá-lo ao concílio, o papa Clemente pediu a dois de seus cardeais que redigissem pareceres a respeito do que deveria ser feito com o Templo: um era Jacques Duèze, um gascão agora bispo de Avignon, e o outro Guilherme Le Nlaire, bispo de Angers. Ambos julgaram que a culpa da Ordem tinha sido provada e que ela portanto deveria ser extinta, não por votação no concílio, mas pelo papa na sua condição de chefe da Igreja -deplenitvdinepotestatis. Eles rejeitaram as objeções "de que se deveria oferecer uma defesa à Ordem, e de que tampouco um membro tão nobre da Igreja deveria ser cortado de seu corpo sem o rigor da justiça e grandes debates"; mas esses pontos de vista eram claramente predominantes fora da Cúria Pontifícia e dos círculos leais ao rei da França. O rei Jaime II de Aragão foi informado por seu representante no concílio de que "com base no que ouvimos de cardeais e sacerdotes, não é possível condenar a Ordem como um todo, uma vez que não há provas de culpa por parte da Ordem". O abade cisterciense Jacques de Thérines perguntou-se se homens de origem nobre que haviam arriscado a vida para defender a Terra Santa poderiam de fato ser hereges, e chamou a atenção para muitas incoerências nos procedimentos inquisitoriais. Mralter de Guisborough, um sacerdote inglês, escreveu que "a maioria dos prelados tomou o partido dos templários, exceto os prelados da França, os quais, ao que parecia, não ousavam agir de outro modo por temor do rei, a causa de todo este escândalo",3s+ Clemente estava numa situação difícil. Ele havia formalmente convidado os templários a irem a Vienne para defender a Ordem, mas é claro que não esperava que eles o fizessem. No entanto, em fins de outubro, para sua perplexidade, sete templários se apresentaram perante o concílio, dizendo que ali estavam para defender a Ordem e que entre 1.500 e 2.000 de seus confrades estavam nas vizinhanças prontos para apoiálos. O papa Clemente ordenou que fossem detidos e solicitou ao concílio que formasse um comitê de cinqüenta membros para decidir se os templários deveriam ter permissão de defender a Ordem ou não; em caso afirmativo, se seriam apenas aqueles que tinham comparecido perante o concílio, ou se os templários de toda a cristandade deveriam escolher um procurador. E, caso isso se revelasse difícil demais, se o papa deveria designar um para atuar por eles. A conclusão dessa comissão foi, por grande maioria, que se deveria permitir que os templários montassem uma defesa. Apenas os bispos franceses próximos do rei Filipe - os de Rheims, Sens e Rouen discordaram. A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO Essa decisão era muito mais extraordinária porque as condições em Vienne estavam se deteriorando, com a escassez de alimentos fazendo os preços subir e a disseminação de doenças resultando na morte de vários padres do concílio. A obstinação da comissão em tais circustâncias exasperou o papa Clemente V e enfureceu o rei Filipe da França. A fim de exercer pressão sobre o concílio, Filipe recorreu à tática que usara quatro anos antes, convocando os Estados Gerais para reunir-se em fevereiro - não em Tours, mas em Lyon, a apenas vinte quilômetros rio acima. O papa, ainda receando que Filipe pudesse voltar ao ataque contra o papa Bonifácio VIII, e ansioso para pôr uma nova cruzada em marcha, correspondia-se constantemente com o rei, e em 17 de fevereiro recebeu uma delegação secreta e poderosa, formada pelo filho de Filipe, Luís de Navarra, pelos condes de Boulogne e Saint-Pol, e por seus principais ministros, Enguerrand de Marigny, Guilherme de Plaisans e Guilherme de Nogaret. Junto com o círculo interno dos cardeais da cúria, eles conferenciaram com o papa sobre como proceder. Outra fonte também fez pressão para uma rápida solução: o rei Jaime II de Aragão foi enfático em que a Ordem do Templo deveria ser dissolvida e suas propriedades em seu reino transferidas para a Ordem Espanhola de Calatrava. O destino a ser dado à riqueza do Templo parece ter sido um percalço nas negociações entre o papa e o rei francês: Filipe, ainda persistindo no mesmo tipo de acordo do rei Jaime II, escreveu ao papa de Mâcon, a apenas sessenta milhas ao norte, junto ao rio Ródano, "ardendo com o zelo pela fé ortodoxa, e caso uma injúria tão grande feita a Cristo permaneça impune, nós, com afeto, devoção e humildade, pedimos a Vossa Santidade que suprimais a aludida Ordem e desejamos criar sob nova forma outra Ordem Militar, à qual seriam conferidos os bens da Ordem supracitada, com seus direitos, honras e responsabilidades". Sabendo que o rei Filipe tinha um de seus filhos em mente como grão-mestre dessa nova ordem, o papa Clemente permaneceu surpreendentemente firme na questão, insistindo que, se o Templo fosse dissolvido, suas propriedades deveriam passar para o Hospital. Para pôr fim ao assunto, o rei Filipe resolveu transigir, prometendo aceitar o que quer que o papa decidisse, reservando apenas "quaisquer direitos que restem para nós, os prelados, barões, nobres e vários outros no nosso reino". O papa Clemente ainda estava perturbado, mas em 20 de março ele chegou a uma decisão com a chegada em Vienne do próprio rei Filipe, acompanhado por seus dois irmãos, três filhos e um forte contingente de homens armados. Dois dias mais tarde, Clemente realizou um consistório secreto, no qual se pediu à sua comissão especial encarregada da Ordem do Templo OS TEMPLÁRIOS que revisse séu parecer. Percebendo que o jogo acabara, e possivelmente subornada ou intimidada pelos franceses, a maioria dos prelados votou pela extinção da Oirdem - uma decisão, na opinião de um dos poucos dissidentes, o bispo dê Valência, "contra a razão e a justiça". Etn 3 de abril, os padres do concílio reuniram-se na Catedral de SaintMaurice para ouvir uma homilia pregada pelo papa Clemente sobre o Salmo 1, versículo 5: "Pois os ímpios não ficarão de pé no Julgamento, nem os pecadores no conselho dos justos". O sumo pontífice sentou-se no trono com o rei Filipe da rança de um lado, num pedestal um pouco mais baixo, e do outro um dos filhos do rei Filipe, o rei de Navarra. Após a homilia, e antes que os trabalhos começassem, o convocador da sessão anunciou que, sob pena de excomunhão, ninguém tinha permissão para falar nessa sessão, exceto com o Consentimento do papa ou a seu pedido. O papa Clemente então leu a bula hox in excelso, que abolia a Ordem do Templo. A bula foi cuidadosamente redigida, a fim de evitar uma clara condenação da oídem em si: ela foi extinta "não por meio de uma sentença judicial, mas pr meio de provisão ou ordenação apostólica", por causa da "infârtlia, suspeita, insinuação clamorosa e outras coisas que foram aduzidas contra a Ordem"*Ela mencionava certos fatos incontestáveis: "o segredo e a recepção clandestina dos irmãos dessa Ordem, e a diferença de muitos desses irmãos em relação ao costume geral, à vida e aos hábitos de outros crentes em Cflsto"; mas também aceitava como firmadas as "muitas coisas horríveis" que tinham sido feitas "por muitos irmãos dessa Ordem (...) que mergulharam no pecado de perniciosa apostasia contra o próprio Senhor Jesus Cristo, no crime de detestável idolatria, no execrável ultraje dos sodomitas O texto eça autojustificativo, lembrando os fiéis de que "a Igreja Romana tinha às vezes feito com que outras Ordens ilustres fossem extintas por motivos incomparavelmente menos importantes do que os acima mencionados, mesmo sem que se imputasse culpa aos irmãos". Era até apologético: o papa chegara à sua decisão "não sem amargura e pesar no coração". Contudo, não ~e pediu aos padres do concílio que concordassem com a decisão do papa olá dela discordassem: a Ordem do Templo foi abolida por um decreto irrevogável e perpetuamente válido, e nós a submetemos à proibição Verpétua com a aprovação do santo concílio, estritamente proibindo qualquer uin de conjeturar entrar para a referida Ordem no futuro, ou de receber ou usatseu hábito, ou de agir como um templário. E qualquer um que agir contra istoincorrerá na sentença de excomunhão ipso facto. ,i, A DESTRUIÇÃO b0 TRMPLq Por meio de uma bula subseqüente, ,Ad provpdam, publicadai em 2 de maio, a propriedade dos templários foí transferida para os hos;pitalários "que estão sempre colocando suas vidas em risco al~m,mar". Fez-s,e exceção ao patrimônio dos templários em Aragão, Castela, Portugal e Maiiorca, cujo destino seria decidido numa data posterior. No caso, os três reis principalmente envolvidos - Eduairdo II d, Inglaterra, Jaime II de Aragão e sobretudo Filipe TV da França _, embor-, publicamente concordassem com os planos do papa sobre a riiqueza dc Templo, asseguraram que uma parte permanecesse nas suas mãos ou na; de seus vassalos. Eduardo II já tinha arrendado algumas das propriedade; dos templários e advertido o Hospital de que não se aproveitalsse da Ac providam para "usurpar" o patrimônio dos templários. O litígiio entre c Hospital e os legados pontifícios continuou até 1336. O Templo de Lon dres foi por fim cedido para o uso de advogados; a igreja do Templo perma nece de pé até hoje. Em Aragão, o rei Jaime insistia que a segurança de seu reino dependia d, posse real das propriedades dos templários: a resistência deles à prisão err 1308 tinha demonstrado os perigos de uma força armada que não, devia su-, lealdade primária ao rei. Também neste caso, só após vários anos de nego ciações é que se chegou a um acordo. Uma nova ordem militar baseada n< Montesa, de Valência, foi criada e ficaria sujeita ao mestre de Calatrav~ juntamente com o abade cisterciense de Stas. No resto de Arag;ão, as pro priedades dos templários seriam transferidas para o Hospital, rhas, ante; de tomar posse, o hospitalário castelão de Amposta teria de presta.r homena gem ao rei. Os templários que foram reconciliados com a Igreja co>ntinuaratr a viver nas comunidades da Ordem ou foram para outros conventos e mos teiros, onde viviam das pensões pagas com os recursos do Templo. A disso lução da Ordem não significava que eles tivessem sido desobrigados de seus votos. Como no condado de York, todavia, os ex-templários em Ar-agão tive ram dificuldade de mudar da rotina militar para a monástica. Alguns evadi ram-se dos mosteiros, abandonaram o hábito e retornaram ao mundo secu lar. Ou desiludidos pelo que tinha ocorrido, ou simplesmente liberados d, estrita disciplina da Ordem, alguns ex-templários tornaram-se mercenário; e se casaram. Em alguns casos, sugeriu-se que as pensões pagas eram polpu das demais, permitindo-lhes levar uma vida indolente. Um ex-templário Berenguer de Bellvís, mantinha uma amante; outro foi acusado de estupro mas, o que é digno de nota, não existem acusações de sodomia. OS TEMPLÁRIOS As queixas contra ex-templários levaram o sucessor do papa Clemente V, o papa João XXII, a fazer repetidas tentativas de persuadi-los a voltar à vida religiosa. Numa carta ao arcebispo deTarragona, o papa pediu-lhe que se assegurasse de que eles "não se envolvessem em guerras ou em assuntos seculares" ou usassem roupas luxuosas. Dever-se-ia tomar cuidado para que nunca houvesse mais de dois ex-templários em qualquer mosteiro, e, caso se recusassem a voltar à vida reclusa, eles seriam privados de sua pensão. Houve alguns casos em que essa sanção foi posta em prática, mas em geral "os sobreviventes não eram acossados por dificuldades financeiras, ainda que alguns estivessem vivendo uma vida frustrante; e, à medida que o seu número se reduzia, provavelmente a preocupação da Igreja com eles também diminuía, e deixavam-nos terminar seus dias com pouca interferência"."' Em Portugal, permitiu-se ao rei Dinis que criasse uma nova ordem militar, a Ordem de Cristo, e a dotasse com os bens dos templários; a magnífica sede em Tomar, com sua rotunda, está de pé até hoje. O rei Sancho de Maiorca chegou a um acordo com a Cúria, transferindo propriedades dos templários para o Hospital em troca de uma renda anual. Em Castela, algumas das propriedades dos templários foram confiscadas pelo rei, outras por barões e algumas pelas ordens militares de Ucles e Calatrava; o fato de o rei ter deixado de assegurar a transferência para o Hospital gerou um protesto do papado em 1366. Um padrão similar é observado na Itália, naAlemanha e na Boêmia, onde os governantes locais confiscaram parte das propriedades dos templários, deixando o que sobrou para o Hospital. Em Hildesheim os templários resistiram e foram postos para fora à força. A Ordem de Pregadores Dominicanos, que administrava a Inquisição, recebeu as casas dos templários em Viena, Estrasburgo, Esslingen e`Vorms. No reino de Nápoles e na Provença transcorreram cinco anos antes que o rei Carlos transferisse a propriedade dos templários. Apenas em Chipre a transferência foi rápida e não-problemática, sem dúvida por causa da sua posição avançada. Na França o rei Filipe IV Fora persuadido por seu irmão Carlos de Valois e por seu principal ministro, Enguerrand de Marigny, de que render-se ao papa Clemente na questão relativa à propriedade do 'Iémplo foi um preço que valeu a pena pagar para assegurar a dissolução definitiva da Ordem. No entanto, o rei atacou pela retaguarda ao escrever ao papa que concordava com a transferência para o Hospital desde que este reformasse a Ordem, e isso só seria feito "depois da dedução das necessárias despesas para a custódia e a administração desses bens". Como seu genro, o rei Eduardo II, ele também reservava os direitos "do rei, dos prelados, dos barões, dos nobres e de todas as outras pessoas do reino que tinham uma cota na mencionada MA A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO propriedade". No caso, o Hospital teve de pagar por seus direitos: 200.000 li;rPSmnunois foram transferidos para a tesouraria real em Paris pelo prior do Hospital em Veneza, supostamente para indenizara Coroa pela perda do tesouro que fora depositado noTemplo em Paris. Mesmo depois desse adoçamento, não ocorreu uma transferência total; outros 60.000 livres tournois foram adiantados pelo prior do Hospital em Veneza, em 1316, a fim de cobrir as despesas da Coroa para levar os templários ajulgamento; e em 1318 mais 50.000 no acordo final, deixando o Hospital, no curto prazo, em pior situação financeira do que antes. Esse não foi o único lucro que coube ao rei da França em conseqüência do Concílio de `ienne. Em 3 de abril de 1312, menos de duas semanas após ter dissolvido a Ordem do Templo, o papa Clemente V consumou a ambição que tinha sido o objetivo de suas tortuosas políticas desde o início do seu pontificado. Pregando para os prelados da cristandade reunidos na Catedral de Saint-11Iaurice, e escolhendo para seu texto um versículo do Ilivro de Provérbios, "o desejo dos justos será satisfeito", o sumo pontífice proclamou uma nova cruzada. Não seria um passagiu;w particnlarP, como a maioria havia aconselhado, mas opassagiunngenei-ale cujo único proponente fora o ex-grão-mestre do Templo, Jacques de Molay, agora definhando na prisão. Ela seria liderada pelo rei Filipe da França, mas custeada pela Igreja mediante um imposto de dez por cento sobre toda a renda eclesiástica nos próximos seis anos. No ano seguinte, numa cerimônia de grande solenidade realizada em Paris, o rei Filipe, o Belo, tomou a Cruz. Ele a recebeu das mãos do núncio pontifício, o cardeal Nicolau de Fréauville, e foi seguido por seus três filhos, por seu genro, o rei Eduardo II da Inglaterra, e por muitos membros da nobreza de ambos os reinos. Com as suas dissensões superadas, o neto de São Luís e o papa gascão tiniram-se finalmente no empreendimento para reconquistar a'Iérra Santa ao infiel. Os dois rios de piedade e bravura convergiarri para formar uma torrente irresistível; e para celebrar essa grande ocasião, a cidade de Paris foi enfeitada com estandartes reluzentes, o ar encheu-se com o som de música e de regozijo, e festividades de um esplendor sem precedentes continuaram por mais de uma semana. Havia apenas um assunto por resolver: a pouca distância dos festejos, os oficiais mais antigos da extinta Ordem do ~lèmplo aguardavam nas masmorras do rei o julgamento do papa Clemente V O ex-grão-mestre, Jacques de Molay, recusara-se obstinadamente a dar as últimas explicações sobre si mesmo a qualquer um, a não ser ao papa, e parecia convencido de que, quando estiOS TEMPLÁRIOS vesse face a face com a única autoridade que a Igreja pusera acima dele, com certeza defenderia sua própria honra e a de sua Ordem. Esse encontro nunca aconteceu. Por volta do fim de dezembro de 1313, o papa Clemente designou uma comissão de três cardeais-o legado Nicolau de Fréauville, Arnaud de Auch e Arnaud Nouvel -para decidir acerca do destino dos líderes dos templários. Em 18 de março de 1314, esses três cardeais convocaram um concílio de doutores em teologia e direito canônico para se reunir em Paris na presença de Filipe de Marigny, o arcebispo de Sens. Perante esse concílio foram chamados Jacques de Molay, Hugo de Pairaud, Geoffroy de Gonneville e Geoffroy de Charney. A sentença então proferida foi a de que "uma vez que esses quatro, sem exceção, tinham pública e abertamente confessado os crimes que lhes tinham sido imputados e insistido nessas confissões, e pareciam por fim insistir nelas (...), eles foram condenados a prisão perpétua e severa"."' Dois dos acusados, Hugo de Pairaud e Geoffroy de Gonneville, submeteram-se a esse julgamento sem protestar; mas a severidade da sentença, vindo ao fim de sete anos de encarceramento, foi decisivamente insuportável para Jacques de Molay. Agora um velho com mais de setenta anos, que vantagem havia na submissão se a recompensa era uma morte lenta? O papa o traíra; tudo o que ele poderia esperar nessas circunstâncias era a justiça de Deus. Portanto, exatamente quando os três cardeais julgaram que o caso do Templo estava afinal resolvido, Jacques de Molay e o preceptor da Normandia, Geoffroy de Charney, levantaram-se finalmente para retratar suas confissões e insistir que tanto eles quanto a Ordem eram completamente inocentes de todas as acusações. Essa virada nos acontecimentos assombrou os cardeais e precipitou em confusão o final cuidadosamente ensaiado. Os dois cavaleiros recalcitrantes foram levados dali pelo marechal real, enquanto a notícia do que tinha acontecido foi transmitida às pressas ao rei. Nem bem ela o alcançara quando o rei Filipe convocou os membros leigos de seu conselho, onde foi decidido que os cavaleiros, como hereges reincidentes, deveriam sofrer o destino prescrito. Naquela mesma tarde, "por volta da hora das vésperas", Jacques de Molay e Geoffroy de Charney foram conduzidos a uma pequena ilha no rio Sena, chamada Ìle-des-Javiaux, para serem queimados na fogueira. Antes de eles morrerem, foi dito mais tarde, Jacques de Molay fez um último pedido ao papa Clemente e ao rei Filipe: ele os convocou a comparecer, antes que o ano terminasse, perante o tribunal de Deus. Também foi relatado que "se verificou que eles estavam preparados para alimentar o fogo com o espírito tranqüilo", o que "suscitou de todos que os viram muita admiração e surpresa pela persistência na morte e pela negação final". Os 318 A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO dois anciãos foram então amarrados ao poste e queimados. Mais tarde, sob c manto da noite, frades do mosteiro agostiniano situado na beira do rio e outras pessoas pias foram recolher os ossos carbonizados dos dois templário; como relíquias de santos. Como os céticos no Concílio de Vienne tinham predito, a planejada cruzadido papa Clemente V nunca se realizou. Ele morreu no dia 20 de abril de 1314, pouco mais de um mês após a morte de Jacques de Molay. O inventário dos poucos pertences encontrados no seu quarto de dormir incluía "dois livretes na língua `romance', revestidos de couro curtido e com um fecho de ferro (...) contendo a Regra dos Templários 11.311 O rei Filipe, o Belo, seguiu-c para o túmulo no dia 29 de novembro do mesmo ano, depois de um acidente durante uma caçada. As grandes somas de dinheiro que tinham sido arrecadadas para custear a cruzada foram tragadas pelo erário francês ou usadas para os objetivos particulares do falecido papa. Em seu testamento, o papa Clemente V deixou 300.000 florins para seu sobrinho Beltrão de Got, visconde de Lomagne, em troca da promessa de empreender uma cruzada, promessa jamais cumprida. Como um cronista anônimo expressou na época, "o papa guardou o dinheiro, e seu primo, o marquês, teve o seu quinhão; e o rei e todos os que tinham aceitado a Cruz permaneceram aqui; e os sarracenos vivem em paz lá, e creio que eles podem continuar dormindo em segurança". epílogo O Veredicto da História Qual foi o veredicto da história sobre os templários? Desde a época de seu ~ulgarnento, a opinião estava dividida quanto a se eles haviam cometido ou não oh crimes a eles imputados. Dante Alighieri julgou-os vítimas inocentes da cobiça do rei Filipe, ao passo que Raimundo Lúlio, o poeta, místico, missionário e teórico das cruzadas maiorquino, embora a princípio em dúvida, acabou por aceitar que as acusações feitas contra a Ordem do Templo eram verdadeiras. Contudo, ambos eram sectários: Dante tinha sido expulso de Florença pela facção apoiada por Carlos de Anjou, enquanto Lúlio, como Filipe, o Belo, era fanaticamente a favor da fusão das duas principais ordens militares. Nos séculos seguintes, julgamentos retrospectivos do Templo foram distorcidos de forma semelhante por considerações políticas: partidários dos papas romanos e dos reis franceses não estavam dispostos a admitir que os predecessores de seus soberanos tinham cometido uma gritante injustiça, ao passo que democratas e constitucional istas tendiam a retratar os templários como vítimas da tirania. Assim, no início do século XVI, em De occultaphilosophia, de Henrique Cornélio Agripa, os templários estavam associados com bruxas, enquanto mais tarde, no mesmo século, o pensador político francês Jean Bodin, cita-os, junto com Jesus, como exemplo de uma minoria vulnerável marginalizada e depois expropriada por um rei ganancioso. Nos séculos XVII e XVIll, a presunção de culpa no caso dos templários foi usada como um bastão com o qual protestantes e céticos desferiam golpes contra a Igreja Católica Romana. O teólogo anglicano Thomas Fuller escreveu que foram "em parte seus vícios, em parte sua riqueza" que causaram a "extirpação final" dos templários, ao passo que Edward Gibbon, em sua obra IVistorY of the Decline and Fall of the Roman Empire (História d o Deel ínio e Queda do Império Romano), mencionou "o orgulho, a avareza e a corrupÇãD desses soldados cristãos".358 Foi tal percepção dos templários que inspirou os personagens templários de SirWalter Scott. 320 O VEREDICTO DA HISTóRIA Cortudo, com o advento do Iluminismo no século XVII, surgiu uma terceira concepção dos templários como nem cristãos ortodoxos nem heréticos, mas antes como os sumos sacerdotes de uma religião antiga e oculta anterior ao nascinento de Cristo. Poder-se-ia pensar que um movimento intelectual que se orgulhava de substituir a superstição pelo senso comum removeria o véu de obscuridade que cercava a história dos templários; mas o Iluminismo, como Peter Partner assinalou em seu livro sobre os templários, TheMurdered Magiciarls (O Assassinato dos Magos), estava longe de ser o simples exercício das faculdades racionais que alguns dos seus protagonistas gostavam de sugerir. A transformação das idéias sobre os templários durante o século XVIII revela quão distantes do rigoroso racionalismocientífico os homens do Iluminismo poderiam vaguear. No próprio corpo da histéria da Igreja, que foi o principal alvo da racionalização e da desmistificação, os homens do século XVIII encontraram os templários e transformaram-nos numa fantasia absurda que, pela mistagogia e obscuridade, igualava tudo que a antiga historiografia católica pudesse oferecer. O empreendimento foi tão bem-sucedido que até hoje é impossível discorrer sobre os templários sem enconcar os remanescentes, ou mesmo as vestes completas e aparatosas, do preconceito do século XVIII.319 Os Frincipais agentes desse "templarismo" - a metamorfose dos templários de história em mito-foram os maçons, confrarias secretas comprometidas com o apoio mútuo, cujo deísmo impreciso tornou-as inimigas da Igreja Católica Romana. Eles não foram os primeiros a transformar os templários em personagens de ficção: antes mesmo da dissolução da Ordem, os templários tinham começado a figurar em epopéias e romances, com freqüência como os paladinos de amantes, consolando-os se sua paixão não fosse correspondida e facilitando sua consumação se o, fosse. Muito mais do que os hospitalários ou os cavaleiros teutônicos, os templários cativaram a imaginação de cronistas e poetas. Os Cavaleiros do Santo Graal no Parsifal, de Wolfram von Eschenbach, são descritos como templários, mas "não há indícios em seu poema de que ele, um cavaleiro alemão pobre, possuísse quaisquer conhecimentos secretos sobre a Ordem do Templo, que naquela época ainda tinha pouquíssimas propriedades na Alemanha e cuja maioria dos membros eram franceses"."' A hipótese dos maçons era positivamente tão fantasiosa quanto Parsifal. Ramsay, um jacobita escocês exilado na França que foi chanceler da Grande Loja francesa na década de 1730, afirmou que os primeiros maçons tinham sido pedreiros nos Estados cruzados que tinham aprendido os rituais secretos e conquistado a sabedoria especial do mundo antigo. Ramsay não fez 321 OS TEMPLÁRIOS uma referência específca aos templários, provavelmente porque não queria contrariar seu anfitrião, o rei da França; mas na Alemanha outro exilado escocês, George Frederick Johnson, criou um mito que transformou "os templários (...) de seu aparente status de monges-soldados iletrados e fanáticos para o de videntes cavalheirescamente esclarecidos e sábios, que tinham usado sua estada no Oriente para recuperar seus segredos profundos e para se emancipar da credulidade católica medieval"."' Segundo os maçons alemães, os grão-mestres da Ordem tinham aprendido os segredos e adquirido o tesouro dos essênios judeus, que eram transmitidos de um para outro. Jacques de Molay, na noite de sua execução, enviara o conde de Beaujeu à cripta da Igreja do Templo em Paris para recuperar esse tesouro, que incluía os candelabros de sete braços dos quais o imperador Tito se apropriara, a coroa do reino de Jerusalém e uma mortalha. É inconteste que, num depoimento prestado no julgamento dos templários, um sargento, João de Châlons, afirmou que Gérard de Villiers, o preceptor na França, tinha sido advertido de sua prisão iminente e, portanto, fugido em dezoito galeras com o tesouro dos templários. Se assim foi, o que aconteceu com esse tesouro? George Frederick Johnson disse que ele fora levado para a Escócia, e um de seus seguidores especificou a ilha de Mull. A especulação não chegou ao fim no século XVIII; na verdade, nunca foi mais febril do que hoje, criando, nas palavras de Malcolm Barber, o principal historiador dos templários na Grã-Bretanha, "uma pequena indústria muito ativa, rendosa para cientistas, historiadores da arte, jornalistas, editores e críticos de televisão"."" Começando com as alegações esotéricas dos maçons, afirma-se que os templários foram os guardiães do Santo Graal - que é por sua vez o cálice usado por Cristo na última Ceia -, da linhagem de reis merovíngios descendentes da união de Cristo com Maria Madalena ,161 ou simplesmente da relíquia mais preciosa dos templários, o Sudário de Turim.36a Fatos escassos são ilustrados com especulação. Em Les Templiers. Ces Grands Seigneurs aux Blancs Manteaus (Os Templários. Esses Grandes Senhores de Mantos Brancos) (1997), o escritor francês Michel Lamy retrocede além da criação dos Pobres Soldados de Jesus Cristo, em 1119, até o cisterciense saxão e abade de Citeaux Estêvão Harding, amigo e mentor de Bernardo de Clairvaux. Lamy nos lembra de como o abade Estêvão procurou a ajuda de rabinos nas suas traduções dos livros do Velho Testamento do hebraico. "Que razão havia para esse súbito interesse por textos hebraicos?", pergunta ele. De acordo com Lamy, eles revelavam que um tesouro oculto estava enterrado sob o monte do Templo. Esse é o motivo por que o patrono leigo dos cistercienses, o conde Hugo de Champagne, foi a Jerusalém e ins- 322 O VEREDICTO DA HISTÓRIA tigou seu vassalo, Hugo de Payns, a fundar sua Ordem dos Pobres Soldados de Jesus Cristo no monte do Templo: "Pode-se pensar que os documentos levados para a Palestina por Hugo de Champagne (que sem dúvida os descobriu na companhia de Hugo de Payns) tinham algum tipo de relação com o lugar que mais tarde se tornou a moradia dos templários",365 A mesma hipótese é encontrada em dois livros de escritores britânicos, The Holy Blood and the Holy Grail (O Sangue Sagrado e o Santo Graal), de Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln (1982), e The Head of God (A Cabeça de Deus), de Keith Laidler (1998): o ritmo lento de recrutamento nos primeiros anos da Ordem é explicado pela necessidade de restringir essa busca do tesouro enterrado aos poucos iniciados. "A evidente falta de atividade dos templários nos seus anos de estruturação", escreveu Laidler, "parece ter sido devida a alguma forma de projeto secreto sob o Templo de Salomão ou nas suas proximidades, uma operação que não poderia ser revelada a ninguém, a não ser a alguns nobres de alta categoria. 11161 Para esses escritores, não há dúvida de que algo extraordinário foi encontrado. Será que foi, pergunta Michel Lamy, a Arca da Aliança? Um meio de se comunicar com forças externas: deuses, elementais, gênios, extraterrestres ou outras coisas? Um segredo sobre o uso sagrado e poder-se-ia dizer da mágica da arquitetura? A chave de um mistério relacionado com a vida de Cristo e sua mensagem? O Graal? O meio de reconhecer os lugares onde a comunicação com o céu assim como com o inferno é facilitada sob o risco de libertar Satã ou Lúcifer? Não, afrma Laidler: o que eles encontraram foi nada menos do que a cabeça embalsamada de Cristo. Esta era a cabeça conhecida como Baphomet e que supostamente era adorada em segredo pelos templários. Se não foi encontrada sob o Templo por Hugo de Payns, então pode ter sido levada para a França por Maria Madalena, onde entrou para a posse dos cátaros e foi conservada na sua fortaleza de Montségur. Quando ela estava quase se rendendo aos cruzados, três parfaits fugiram com o tesouro. "Mas qual era esse tesouro dos cátaros? Quanto ouro e prata poderiam três parfaits carregar? Não poderia ter sido dinheiro (...). Tinha de ser outra coisa, algo que tivesse sido essencial para o ritual que aconteceu no equinócio da primavera, no dia anterior à capitulação do castelo" - em outras palavras, a cabeça de Cristo. E para onde os cátaros fugitivos poderiam tê-la levado senão para o "único lugar na França que estava além do alcance do rei, uma organização que para todos os efeitos era autônoma e partilhava essencialmente a mesma visão do mundo gnóstica dos cátaros: a Ordem do Templo"?3e' 323 OS TEMPLÁRIOS Assim, quando Gérard de Villiers evadiu-se do Templo de Paris em 1307, levou consigo essa relíquia mais importante de todas. A esquadra de galeras dos templários que zarpou de Lã Rochelle se dividiu, metade rumando para o sul, para Portugal, onde mais tarde foi absorvida pela Ordem de Cristo do rei Dinis, metade navegando rumo ao norte, para a Escócia, onde lançou âncora no estuário do Forth. Ao sul de Edimburgo estava o castelo de Rosslyn, de propriedade dos Saint-Clairs, uma família com longos vínculos com os templários, onde a capela era "um Templo de Salomão diferente". Foi aí, sob um pilar, que os templários fugitivos enterraram "a Cabeça de Deus". Por mais intrigantes que tais especulações possam ser, elas traem, pelo seu uso da linguagem, a falta de um fundamento histórico plausível: "a resposta parecia residir (...)"; "parece bastante provável que (...)"; "sabe-se que (...)"; "bem poderia ter (...)"; "parece certo que (...)". "Após alguma pesquisa", escreve Andrew Sinclair em seu Livro The Discovery of the Grail (A Descoberta do Graal), "esses fantasistas formularam uma hipótese. Cristo ou o Graal foi enterrado sob uma montanha no Sul da França? Jesus desposou Maria Madalena e forneceu a linhagem dos merovíngios? Em algumas páginas, a asserção se torna real, a idéia é transformada em prova (...)"."g Ou, como Peter sucintamente o expressa em relação aos templários, "o templarismo (...) foi uma crença forjada por charlatães para os incautos".369 O enigma da Ordem do Templo não foi deixado completamente para os charlatães, mas também tem sido objeto de estudo sério por historiadores profissionais. A Revolução Francesa de 1789, que derrubou as duas instituições que tinham particular interesse na culpa dos templários - a monarquia e a Igreja Católica-,abriu caminho para uma investigação menos parcial. O fato de a família real francesa ter sido aprisionada na torre de menagem do Templo de Paris, e daí ter ido para a execução, foi visto por muitos defensores dos templários como uma vingança simbólica pela morte de Jacques de Molay: em março de 1808, uma missa de réquiem foi celebrada no aniversário de sua morte. No mesmo ano, o donjon do Templo foi demolido: ele se havia transformado num lugar de peregrinação de monarquistas leais à memória de seu rei martirizado. Três anos antes, em 1805, uma peça intitulada Les Templiers (Os Templários), da autoria de um advogado da Provença, François Ravnouard, que defendia a inocência dos templários, tinha sido encenada no Théâtre français. A peça conveio bastante a Napoleão para que ele redigisse uma crítica durante a campanha em benefício de seu chefe de polícia. Quando os arquivos papais foram levados para Paris em 1810, Raynouard teve permissão para 324 O VEREDICTO DA HISTÓRIA procurar documentos que pudessem lançar luz nova sobre o julgamento d templários. O material que ele divulgou nada provo.l de conclusivo, mas f a balança oscilar a favor da inocência da Ordem. E.e certamente "não d nenhum apoio àqueles que nutriam suspeitas sombrias das práticas de bt xaria pelos templários ou de seus ritos religiosos gnósticos"."° Já quase no fim do século XIX, contudo, o historiador alemão Ha Prutz, após um exaustivo estudo dos depoimentos dos templários, conclL que muitos deles tinham sido contaminados pelo ca:arismo e eram culpad de adoração do Diabo.3'I Por outro lado, o historiador da Inquisição o ame cano Henry Charles Lea, escrevendo cerca de de:: anos depois de Pru~ decidiu que o templários eram quase cote certeza inocentes: nenhum del estivera disposto a morrer por suas crenças heréticas; nenhuma prova co creta de adoração do Diabo tinha sido encontrada; e as confissões, feitas s~ tortura, meramente demons.ravam, como Pedro de Bolonha dissera na oc sião, "o desamparo da vítima, independentemente de quão eminente fos,~ depois que a acusação fatal de heresia lhe fosse imposta; e era imposta p meio da Inquisição".3'z A experiência dos julgamentos de fachada de Stalin no século demonstrou a eficácia não só da tortura, mas também de meios secundári de coerção, tais como a privação do sono, em induziras pessoas a darem fal testemunho contra si mesmas. Os carcereiros de Filipe, o Belo, demonstl ram a mesma brutalidade dos agentes do NKVD` e da Gestapo; e seus pr pagandistas, como Guilherme de Nogaret e Guilherme de Plaisans, revel ram um talento digno de Goebbels. O exagero e a deturpação do que de fa aconteceu podem persuadir o sujeito do interrogatório, em particular , guém "insuficientemente instruído para ser capaz de perceber a diferen entre (...) o inofensivo e o criminoso", 373 a alterar sua percepção do que ler brava. Assim, a veneração das imagens de Cristo ou de João Batista pode s apresentada como adoração de um ídolo; o cordão amarrado ao redor da ci tura, prática comum entre os templários, é deturpado de talismã pio e amuleto diabólico; o beijo simbólico que era comum como "o clímax e seqüências de ações tanto na vida monástica quanto na secular""' transfC ma-se na entrega à paixão homossexual. Será que o Templo era um foco de homossexualidade? Inevitavelmente, n, últimas décadas do século XX, durante as quais as atitudes para com homossexualidade na Europa e na América mudaram da condenação para Sigla de Norodn~ Komisariat huurnnitsch Djel (literalmente, Comissariado do Povo pa Assuntos Internos, na extinta União Soviética). (N. do T) OS TEMPLÁRIOS tolerância, parece quase "homofóbico" sugerir que muitos dos templários não eram homossexuais. Assim, o historiador francês jean Favier julgou que a "ausência de mulheres, a influência do Oriente, tudo contribuiu para o fato de a sodomia ter penetrado profundamente nos costumes do Templo". E o historiador americano joseph Strayer concorda, acreditando que a homossexualidade é sempre encontrada em instituições exclusivamente masculinas - talvez ele estivese pensando nas escolas públicas britânicas. Essas pressuposições do século XX são úteis para se chegar a um veredicto sobre essa acusação específica? Não pode haver dúvida de que a homossexualidade não era desconhecida na sociedade medieval: ela era comum na corte de Guilherme, o Ruivo, e embora agora pareça que Ricardo Coração de Leão não era homossexual, afirmou-se que a promiscuidade do imperador Frederico 11 abrangia rapazes e moças; seu senescal na Terra Santa, Ricardo Filangieri, foi acusado por seus inimigos Ibelins de relações amorosas homossexuais com o bailli imperial em Acre, Filipe de Maugustel.3's Que a sodomia era encontrada entre os templários é também estabelecido pelo relato de caso encontrado nas "Especificações das Penitências" de sua regra."' Todavia, é significativo que "o ato foi tão ofensivo que o mestre e "um grupo de respeitáveis homens da casa" decidiram que ele não deveria ser apresentado ao capítulo; e essa mesma repugnância é encontrada na prontidão de muitos templários, entre eles Jacques de Molay, em confessar quase tudo, menos a prática de sodomia. Se, portanto, for possível evitar as distorções do preconceito do fim do século XX, poder-se-á estar bastante seguro de que não havia sodomia institucionalizada no Templo e ao mesmo tempo rejeitar as acusações de heresia, blasfêmia e idolatria como destituídas de provas. Existe, escreveu Malcolm Barber num artigo recente, "O Julgamento dos Templários Revisitado", um consenso bastante geral entre os historiadores modernos de que os templários não eram culpados conforme afirmado".3" Qual deveria ser o veredicto mais abrangente da história sobre os Cavaleiros da Ordem do Templo? Para Peter Partner, que em The Murdered Magicians (O Assassinato dos Magos) tão efetivamente salvou a reputação dos templários não só do diabolismo de Filipe, o Belo, mas também da "mistagogia e obscuridade" dos maçons, somos deixados com algo completamente vago. "A característica mais marcante dos templários medievais era o seu caráter ordinário; eles representavam o homem comum, e não o visionário incomum." A queda da Ordem aconteceu em conseqüência da "mediocridade e O VEREDICTO DA HISTÓRIA falta de fibra deles (...) a maioria, incluindo seus líderes, no momento do julgamento provou que não tinha muito a dizer".3'R Em certos aspectos, esse veredicto sobre os templários é positivamente tão condenador quanto o dos maçons ou o de Filipe, o Belo. Eles eram mesmo medíocres? Certamente, se se compara a matéria-prima de um templário, um cavaleiro franco como o conde d'Eu, com um cavaleiro muçulmano como Usamah Ibn-Munqidh, o muçulmano parece possuir muito mais das qualidades que nos agradam hoje. Usamah não é apenas pio, corajoso e um caçador hábil, como também poeta. O conde d'Eu, conforme descrito por João de Joinville, em vez de escrever poesia, "montou uma máquina de balística em miniatura com a qual podia atirar pedras à minha barraca. Ele nos observava enquanto tomávamos a refeição, ajustava sua máquina para corresponder ao comprimento de nossa mesa e então disparava contra nós, quebrando nossas panelas e copos",3'9 e ele abatia as aves domésticas de Joinville - o tipo de brincadeira rude que pode ser encontrado em alguns ranchos de oficiais do Exército Britânico hoje. Os monges guerreiros do Templo eram de algum modo diferentes de cavaleiros como o conde d'Eu? Até que ponto o aspecto religioso de sua vocação os elevava acima dos cavaleiros seculares? Se o cavaleiro da Ordem do Templo mostrasse em batalha a mesma bravura prodigiosa de seu homólogo secular, ele também partilhava sua falta de cultura e sofisticação. Num poema satírico escrito em fins do século XIII pelo trovador flamengo Jacquemart Giélée, Renart le nouvel, o templário é retratado como consideravelmente menos sofisticado do que o hospitalário: ele "não é um orador adestrado, seu argumento é simples e desajeitadamente externado, repetindo-se com freqüência - `nós somos defensores da Santa Igreja'- e enfatizando o perigo que os muçulmanos representam para a Europa (...)" 38° - uma imagem que condiz quase com exatidão com a impressão que adquirimos através dos séculos de Jacques de Molay. Mas essa falta de sofisticação não exclui certa santidade. O grande respeito pelos templários do franciscano John Peckham, arcebispo de Canterbury mais ou menos na época em que Giélée escreveu sua sátira, e "um homem de grande integridade e austeridade", sugere um alto padrão de santidade na Ordem. Assim, um veredicto definitivo sobre os templários deve depender de nosso juízo acerca da cristandade católica, e em particular de sua prolongada guerra contra o Islã, as cruzadas. De modo geral, hoje se percebe que as cruzadas - como a Inquisição foram uma coisa má. Neste caso, mais uma vez nos deparamos com "as vestes completas e aparatosas (...) do preconceito do século XVIII" de Peter Partner. Diderot, no verbete sobre as cruzadas em sua Encyclopaedia, descreveu o Santo Sepulcro como "um fragmento de OS TEMPLÁRIOS rocha que não vale uma gota sequer de sangue humano"; para ele, os cruzados eram motivados pela cobiça, "imbecilidade e falso zelo". Para o filósofo escocês David Hume, eles foram "a maior demonstração e o mais durável monumento da insensatez humana que já surgiram em qualquer era ou nação".38' Essa opinião passou por meio de Edward Gibbon ao mais renomado historiador das cruzadas de nossos dias, Sir Steven Runciman: o veredicto ao fim de sua monumental obra foi o de que a guerra santa travada pela Igreja Católica foi "nada mais do que um longo ato de intolerância em nome de Deus, que é o pecado contra o Espírito Santo".382 Runciman foi particularmente injuriado pelo saque de Constantinopla pelos latinos, declarando que "nunca houve crime maior contra a humanidade do que a Quarta Cruzada" - como assinala o historiador Christopher Tyerman, um juízo estranho de emitir menos de dez anos após o término da Segunda Guerra Mundial. Mas Runciman não está só: para o historiador israelense Joshua Prawer, o reino de Jerusalém foi um exemplo precoce do colonialismo europeu; e para o teólogo Michael Prior as cruzadas são um impressionante exemplo de como "a Bíblia foi usada como agente de opressão". 333 Só mais recentemente é que os historiadores lançaram um novo olhar na mente dos cruzados e chegaram a uma conclusão menos condenadora. "Os historiadores das cruzadas", escreveu Jonathan Riley-Smith, professor de História Eclesiástica na Universidade de Cambridge, "subitamente descobriram (...) a fragilidade fundamental dos argumentos a favor de uma motivação materialista geral, e a insuficiência das provas em que eles se baseavam tornou-se muito mais clara. Os filhos intrépidos mais jovens começaram afinal a sair de cena. Poucos historiadores parecem acreditar mais neles 11.114 A verdade que emergiu da pesquisa recente é que o cruzado muitas vezes vendia ou hipotecava seus bens materiais na esperança de uma recompensa puramente espiritual. Ao contrário do jihad muçulmano, a cruzada era sempre voluntária. Para um cavaleiro secular, um período de aventura e o subseqüente renome cavalheiresco podem ter sido um incentivo para tomar a Cruz; mas para o cavaleiro que ingressava numa ordem militar, era bastante provável que a austera regra da caserna combinada com o claustro levasse ou a um longo período na prisão ou a morte precoce. Desde o começo, o grau de desgaste na Ordem do Templo era alto. Seis dos vinte e três grãomestres morreram em combate ou na prisão. O postulado de um ano originalmente considerado foi abandonado por causa da urgente necessidade de homens para servirem no Oriente. Nos depoimentos em seu julgamento,-foi dito que 20.000 templários haviam morrido no O VEREDICTO DA IiISTóRIA ultramar. Alguns foram mortos em combate, mas outros, após terem sido aprisionados, preferiram morrer a renunciar à sua fé. "Para avaliar como é surpreendente encontrar esses mártires", escreveu Jonathan Riley-Smith sobre os que partiam em cruzada, dever-se-ia lembrar que o martírio, por envolver a aceitação voluntária da morte no interesse da fé e refletir a morte de Cristo, é o supremo ato de amor de que um cristão é capaz e o exemplo perfeito de uma morte cristã. É a doação de sua própria vida pelo mártir, e um ato de tão grande mérito que justifica o mártir imediatamente aos olhos de Deus?s Da perspectiva cristã, poder-se-iam portanto aplicar aos templários as palavras de João no Livro do Apocalipse: "Estes são os que vieram de grande tribulação, e lavaram os seus vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro".386 É claro que os cavaleiros do Templo também ceifaram vidas, mas aqui também há um equívoco acerca da motivação daqueles que lutaram nas cruzadas. Devido à animosidade anticatólica que data do Iluminismo, e porque a maioria das histórias das cruzadas tende a começar com a Primeira Cruzada, é comum vê-la como a primeira de muitas ondas de agressão do Ocidente cristão contra o Oriente islâmico. No entanto, foi o Islã, e não a cristandade, que desde o começo promoveu a conversão pela conquista; e até mesmo a cristandade, em certas épocas e em certos lugares, também batizou à ponta da espada, mas seu crescimento nos três primeiros séculos, até abranger todo o Império Romano, foi quase inteiramente pacífico. Por conseguinte, desde a época da primeira razzia do Profeta Maomé, a percepção dos cristãos era a de que as guerras contra o Islã eram travadas ou em defesa da cristandade ou para libertar e reconquistar terras que eram legitimamente suas. Isso está explícito na Reconquista, na pregação do papa Urbano II após a derrota bizantina na batalha de Manzikert e na pregação do dominicano Humberto de Romans no século seguinte. O apelo de Humberto "baseava-se em grande parte no argumento de que o Islã se expandira agressivamente à custa de governantes cristãos e de que os exércitos cristãos tinham tanto o direito quanto a obrigação de deter a expansão islâmica e de reaver as terras que os muçulmanos tinham ocupado".38' A idéia de que um homem podia chegar ao martírio enquanto ele próprio estava perpetrando violência não era nenhuma inovação, mas está claramente estabelecida na cristandade ocidental desde fins do século VIII. OS TEMPLÁRIOS rocha que não vale uma gota sequer de sangue humano"; para ele, os cruzados eram motivados pela cobiça, "imbecilidade e falso zelo". Para o filósofo escocês David Hume, eles foram "a maior demonstração e o mais durável monumento da insensatez humana que já surgiram em qualquer era ou nação".3e' Essa opinião passou por meio de Edward Gibbon ao mais renomado historiador das cruzadas de nossos dias, Sir Steven Runciman: o veredicto ao fim de sua monumental obra foi o de que a guerra santa travada pela Igreja Católica foi "nada mais do que um longo ato de intolerância em nome de Deus, que é o pecado contra o Espírito Santo".'8z Runciman foi particularmente injuriado pelo saque de Constantinopla pelos latinos, declarando que "nunca houve crime maior contra a humanidade do que a Quarta Cruzada" - como assinala o historiador Christopher Tyerman, um juízo estranho de emitir menos de dez anos após o término da Segunda Guerra Mundial. Mas Runciman não está só: para o historiador israelense Joshua Prawer, o reino de Jerusalém foi um exemplo precoce do colonialismo europeu; e para o teólogo Michael Prior as cruzadas são um impressionante exemplo de como "a Bíblia foi usada como agente de opressão". 3B3 Só mais recentemente é que os historiadores lançaram um novo olhar na mente dos cruzados e chegaram a uma conclusão menos condenadora. "Os historiadores das cruzadas", escreveu Jonathan Riley-Smith, professor de História Eclesiástica na Universidade de Cambridge, "subitamente descobriram (...) a fragilidade fundamental dos argumentos a favor de uma motivação materialista geral, e a insuficiência das provas em que eles se baseavam tornou-se muito mais clara. Os filhos intrépidos mais jovens começaram afinal a sair de cena. Poucos historiadores parecem acreditar mais neles 11.114 A verdade que emergiu da pesquisa recente é que o cruzado muitas vezes vendia ou hipotecava seus bens materiais na esperança de uma recompensa puramente espiritual. Ao contrário do jihad muçulmano, a cruzada era sempre voluntária. Para um cavaleiro secular, um período de aventura e o subseqüente renome cavalheiresco podem ter sido um incentivo para tomar a Cruz; mas para o cavaleiro que ingressava numa ordem militar, era bastante provável que a austera regra da caserna combinada com o claustro levasse ou a um longo período na prisão ou a morte precoce. Desde o começo, o grau de desgaste na Ordem do Templo era alto. Seis dos vinte e três grãomestres morreram em combate ou na prisão. O postulado de um ano originalmente considerado foi abandonado por causa da urgente necessidade de homens para servirem no Oriente. Nos depoimentos em seu julgamento,,foi dito que 20.000 templários haviam morrido no O VEREDICTO DA I'ISTóRIA ultramar. Alguns foram mortos em combate, mas outros, após terem sido aprisionados, preferiram morrer a renunciar à sua fé. "Para avaliar como é surpreendente encontrar esses mártires", escreveu Jonathan Riley-Smith sobre os que partiam em cruzada, dever-se-ia lembrar que o martírio, por envolver a aceitação voluntária da morte no interesse da fé e refletir a morte de Cristo, é o supremo ato de amor de que um cristão é capaz e o exemplo perfeito de uma morte cristã. E a doação de sua própria vida pelo mártir, e um ato de tão grande mérito que justifica o mártir imediatamente aos olhos de Deus?s Da perspectiva cristã, poder-se-iam portanto aplicar aos templários as palavras de João no Livro do Apocalipse: "Estes são os que vieram de grande tribulação, e lavaram os seus vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro".386 É claro que os cavaleiros do Templo também ceifaram vidas, mas aqui também há um equívoco acerca da motivação daqueles que lutaram nas cruzadas. Devido à animosidade anticatólica que data do Iluminismo, e porque a maioria das histórias das cruzadas tende a começar com a Primeira Cruzada, é comum vê-la como a primeira de muitas ondas de agressão do Ocidente cristão contra o Oriente islâmico. No entanto, foi o Islã, e não a cristandade, que desde o começo promoveu a conversão pela conquista; e até mesmo a cristandade, em certas épocas e em certos lugares, também batizou à ponta da espada, mas seu crescimento nos três primeiros séculos, até abranger todo o Império Romano, foi quase inteiramente pacífico. Por conseguinte, desde a época da primeira razzia do Profeta Maomé, a percepção dos cristãos era a de que as guerras contra o Islã eram travadas ou em defesa da cristandade ou para libertar e reconquistar terras que eram legitimamente suas. Isso está explícito na Reconquista, na pregação do papa Urbano II após a derrota bizantina na batalha de Manzikert e na pregação do dominicano Humberto de Romans no século seguinte. O apelo de Humberto "baseava-se em grande parte no argumento de que o Islã se expandira agressivamente à custa de governantes cristãos e de que os exércitos cristãos tinham tanto o direito quanto a obrigação de deter a expansão islâmica e de reaver as terras que os muçulmanos tinham ocupado".38' A idéia de que um homem podia chegar ao martírio enquanto ele próprio estava perpetrando violência não era nenhuma inovação, mas está claramente estabelecida na cristandade ocidental desde fins do século VIII. OS TEMPLÁRIOS Por que, então, apesar de haver alguns hospitalários canonizados, não existem santos templários? Isso pode serem parte explicado pela modéstia de cada cavaleiro, mas também pelo envolvimento da Igreja no fim da Ordem. Sua destruição final, como vimos, a morte cruel de vários de seus membros, não foi obra de muçulmanos, mas das forças de coerção da Inquisição a serviço do "mais cristão" rei da França. O período de existência de duzentos anos da Ordem do Templo coincide quase exatamente com a reivindicação do papado a uma soberania suprema sobre o mundo todo. Um indício da devoção sincera da Ordem a seus objetivos originais é o fato de que, embora fosse uma força multinacional, jamais foi recrutada pelos papas em sua constante luta para impor a seus rivais, os imperadores alemães, suas reivindicações ao domínio universal. Todavia, os papas estavam tão decididos a vencer essa disputa que não conseguiram perceber, até que fosse tarde demais, a ameaça representada pelo Estado nacional predador. O perigo representado por Frederico II de Hohenstaufen tinha sido óbvio, e sua megalomania pagã, fácil de ver para todos. Mas quem poderia ter imaginado que o neto de São Luís seria o instrumento para a queda dos pontífices romanos - um homem "cuja devoção religiosa (...) algumas vezes beirava o misticismo" e que "com freqüência impunha sua política, mesmo em claro antagonismo com os interesses reais"?3$$ O papa Bonifácio VIII, ao sentar-se no trono de Constantino durante as comemorações do centenário em 1300, demonstrou a altura das pretensões papais; Clemente V apenas alguns anos mais tarde, declarou que tinha perdido "a liderança moral, espiritual e autorizada que o papado havia firmado na Europa durante séculos de trabalho minucioso, coerente, detalhado, dinâmico e progressista".319 Na Inglaterra, mais de duzentos anos mais tarde, o rei Henrique VIII espoliaria os mosteiros exatamente como o rei Filipe IV da França tinha espoliado o Templo, tirando proveito dos interesses particulares de novas forças sociais; mas, ao contrário do rei Filipe IV, ele não conseguiu fazer o papa de seu tempo curvar-se à sua vontade e repudiou a autoridade da Santa Sé. Assim como no caso da percepção das cruzadas pelo Iluminismo, a percepção whig da história inglesa vê nisso a gênese do Estado nacional inglês. A Reforma que se seguiu na Inglaterra, na Escócia e no continente europeu levou à fragmentação daquela cristandade unificada que os sucessores de São Pedro tinham tentado por tanto tempo preservar. A Revolução Francesa em 1789 também espoliou e quase destruiu a Igreja Católica, deixando mosteiros como Citeaux e Molesme em ruínas e convertendo Clairvaux em prisão. Napoleão teve êxito onde Guilherme de Nogaret fracassara: em levar um papa prisioneiro a Paris para observar impotentemente O VEREDICTO DA HISTÓRIA enquanto o aventureiro corso coroava a si mesmo imperador na Catedral de Notre-Dame. Com essa cerimônia, o Vigário de Cristo foi mais uma vez humilhado pelo poder da força bruta. A história européia por fim abandonou as restrições intrínsecas às aspirações cristãs e moveu-se rapidamente em direção à era moderna. Se a balança de sofrimentos suportados pela humanidade pende ou não para a Idade Média sob o peso das cruzadas, da Inquisição e das guerras religiosas, ou para a era do Estado nacional sob a carnificina das trincheiras, dos gulags e dos campos de concentração, cabe a cada um de nós decidir. APÊNDICES 1 As Cruzadas Posteriores As guerras entre cristãos e muçulmanos continuaram por muitos séculos após a dissolução da Ordem do Templo. No decorrer do século XIV os mamelucos do Egito foram substituídos pelos turcos otomanos como a principal força que impulsionava a expansão islâmica. Assim designados por causa do emir seldjúcida Oman, cujo feudo ficava ao sul de Nicéia, na Anatólia, eles rapidamente se expandiram durante o século XIV conquistando toda a Ásia Menor e, passando ao largo de Constantinopla pelos Dardanelos, moveram-se impetuosamente através da Macedônia e da Bulgária até o Danúbio. Os sérvios cristãos foram derrotados na batalha de Kosovo em 1386. O imperativo cristão tornou-se então não a reconquista de Jerusalém, mas a ajuda a Constantinopla. Em 1396, uma grande força expedicionária da Europa Ocidental, liderada pelo rei Sigismundo da Hungria e pelo conde João de Nevers, foi aniquilada em Nicópolis, às margens do Danúbio. Em 1443, um exército cruzado convocado pelo papa Eugênio IV foi vencido em Varria. Dez anos mais tarde, Constantinopla render-se-ia aos turcos otomanos. Essa catástrofe para a cristandade teve o mesmo impacto da rendição de Jerusalém mais de dois séculos antes. João Capistrano foi enviado pelo papa Nicolau V para pregar uma nova cruzada na Hungria, recrutando um exército que em 1456 derrotou uma força otomana superior que sitiava Belgrado. Contudo, a prorrogação foi apenas temporária: Belgrado rendeu-se em 1521, e os húngaros foram afinal vencidos na batalha de Mohács em 1526. Um avanço paralelo do Islã sob os otomanos ocorreu no Mediterrâneo. Os Cavaleiros do Hospital perderam Rodes em 1522 e o reino latino de Chipre caiu em 1571. A vitória de uma esquadra cristã na batalha de Lepanto no mesmo ano possibilitou aos venezianos manter-se firmes em Creta até 1669. O único progresso feito pelos cristãos antes do século XVII foi na Espanha: entre 1482 e 1492 a Reconquista chegou ao fim com a queda de Granada, o último principado islâmico na península Ibérica. 335 OS TEMPLÁRIOS I século XIV em diante, o idealismo das primeiras cruzadas tinha dado lugar frios cálculos da parte de governantes cristãos, por um lado, e a um profL:io cinismo entre seus súditos, por outro. No século XVI, Erasmo condenotodo o conewito da cruzada, e a Reforma que se seguiu solapou o valor penillcial de se empreender uma cruzada por negar o poder dos papas para remir penitências e perdoar pecados. AS principais forças que tomaram parti4 contra o Islã procediam daquelas nações cujos interesses ele ameaçava:, venezianos no Mediterrâneo e os Habsburgos da Áustria na Europa Orienl. (rpogeu da expansão islâmica na cristandade, que começara durante a vida Profeta no século VIII, ocorreu em 1683, quando um exército otomancitiou Viena, a capital do imperador do Sacro Império Romano, Leopoldcla Áustria. 1•stados alemães vizinhos e os poloneses sob jan Sobieski formam um exército que aliviou o cerco; e em 1684, uma Liga Santa foi forma sob os ~Pícios do papa para repelir o avanço otomano. No século XVII a Rússia assumiu a defesa dos cristãos ortodoxos que viviam sob domío muçulmano. Buda foi reconquistada em 1686, Belgrado em 1688, e, pe Paz de Karlowitz em 1699, grandes partes da Europa Central e da Gréc foram recuperadas pelas potências cristãs. Os sérvios, que tinham perrrnecido leais à Igreja Ortodoxa durante cinco séculos de domínio otomancreconquistaram a independência sob o Tratado de Berlim em 1878. Apóss guerras dos Balcãs de 1912 e 1913, as fronteiras do Império Otomanctgora o Estado da Turquia, foram recuadas para a Trácia, onde permanece hoje. Pls séculos XIX e XX, colônias espanholas, francesas e italianas foram estalecidas no norte da África, e a Grã-Bretanha tornou-se o suserano virtual (Egito e do Sudão, mas essas conquistas foram inspiradas pela rivalidadeamercial e política, e não pelo zelo religioso. O conceito de cristandadeavia perdido seu significado. Quando o general Allenby se apossou de Jerusém após derrotar os turcos em Gaza em 1917, ele estava cônscio do signi:ado histórico do que fizera. Um cabograma do Ministério da Guerra britâco afirmava' "Fortemente sugerem desmonte à entrada. Imperador alem entrou a cavalo e o comentário circulou: `Um homem melhor do que ele alou a pé'. Va>>tagens do contraste serão óbvias".39° O "homem melhor" a qur' Ministério da Guerra se referia não era Jesus Cristo, que entrou na cidacno lombo de um jumento, mas o sogro de Maomé, o califa Ornar. O genel Allenby desmontou e entrou a pé na Cidade Santa. (domínio britânico no ultramar depois de 1917 foi partilhado com os frances, que exerceram um protetorado sobre a Síria até 1941. Em 1947, os blânicos retiraram-se da Palestina, cujos habitantes judeus, no ano 336 AS CRUZADAS POSTERIORES seguinte, proclamaram um Estado judeu. Jerusalém foi governada pelo Reino Hachemita da Jordânia até junho de 1967, quando foi tomada pelas forças israelenses durante a Guerra dos Seis Dias. Seu status preciso sob o direito internacional continua sem solução. O monte do Templo permanece nas mãos dos muçulmanos. A Igreja do Santo Sepulcro é partilhada, freqüentemente com acrimônia, por seis denominações cristãs diferentes. Que papel foi desempenhado pelas ordens militares nas cruzadas posteriores? Após a queda de Acre, os cavaleiros teutônicos abandonaram a causa da Terra Santa para concentrar-se em campanhas contra os prussianos e os lituanos pagãos no Báltico. Em 1309, transferiram sua sede de Veneza para Marienburg, ao sul de Danzig (Gdansk), e, tendo absorvido uma ordem militar menor na Livônia, os Irmãos da Espada, no século XIII, obtiveram controle do litoral báltico até o golfo da Finlândia, ao norte. Freqüentemente criticados pelos papas em Roma por estarem mais interessados em escravizar do que em converter seus prisioneiros pagãos, eles importaram camponeses da Alemanha para colonizar as terras prussianas conquistadas e lucravam com o comércio como um membro da Liga Hanseática. Agora que a Terra Santa era inacessível aos cavaleiros ocidentais, as campanhas sazonais dos cavaleiros teutônicos contra os lituanos pagãos, chamadas Reisen, tornaram-se uma forma elegante de os cavaleiros europeus provarem seu valor. Henrique Bolingbroke participou de várias dessas Reisen antes de se apoderar do trono inglês como Henrique IV Em 1386, Jagiello, o grão-duque da Lituânia, levou todo o seu povo para a Igreja Católica e desposou Jadwiga, a princesa herdeira da Polônia. Em 1410, os exércitos desse Estado recém-unificado derrotaram os cavaleiros teutônicos na batalha de Tannenberg: 400 cavaleiros e o grão-mestre foram mortos. Depois disso, a Ordem entrou em declínio, perdendo seus poderes, por um lado, para os alemães seculares que tinham colonizado o país e, por outro lado, para seu vizinho mais forte, o rei da Polônia. Em 1525, o último grão-mestre, Alberto de Brandem burgo-Ansbach, converteuse ao protestantismo, dissolveu a Ordem e transformou seu território num ducado secular. Dos cinqüenta e cinco cavaleiros que restaram na Prússia, poucos continuaram católicos. A maioria se casou e acabou absorvida pela nobreza local, os junkers prussianos. Em 1561, o último Landmeister do ramo livômo dos cavaleiros teutônicos seguiu o exemplo, transformando-se no duque secular de Courland. Uma Ordem remanescente com propriedades na Alemanha católica continuou a existir até ser abolida por Napoleão em 1809. Foi restaurada como uma corporação eclesiástica honorária pelo império austríaco em 1834. 337 1 OS TEMPLÁRIOS AS CRUZADAS POSTERIORES N >enín;ula Ibérica, as ordens militares continuaram a combater os moudo alcance de qualquer outro poder. Sua prontidão a assumir estava fora um ~ nas s)b a direção de reis. Em Castela, as ordens de Santiago, Alcántara e papel em algum futuro passagium parliculare se harmonizava C ,b trava continuaram a defender e a consclidar as terras conquistadas aos concepção da cruzada do rei Filipe IV quanto com a do papa importante tanto com a a) ó ros. A. Ordem de Alcántara também protegia a fronteira com Portugal na Clemente V. Es~I~Nmadura. Todas as ordens hispânicas contribuíram para a vitória cristã da rivalidade entre o Templo e o Hospital, não existem Apesar provas de no ,o Saldo em 1340, a qual levou à captura de A]geciras em 1344. No século hospitalários exultaram com o destino de seus irmãos. As duas ordens e tl~e~1o subseqüente, a Reconquista estava limitada a vários ataques de surtido menos diferenças do que pontos em comum, e os hospi t~l~ a a Granada, o último principado mouro. Todas participaram das últimas talários continuaram a ter um grande respeito pelos templários. que os tinham sempre h "Sua he paÌ~ mnhks, que em 1492 finalmente consumaram a Reconquista, expulpropriedades que tinham pertencido aos templários fez crescer seu sat,l~lo os Inuçulmanos da Espanha. tornado proprietários rurais rança de prestígio, não tanto pelo fato de eles se terem IIPepcis disso, as ordens espanholas continuaram como ricas e poderosas importantes, mas porque era uma honra seguir os passos de uma corpo mais CO~,, ~~°raçoes dentro dos Estados ibéricos. Enl Aragão, o Hospital era o maior nobre".391 A adição das propriedades dos templários às que eles ração tão já ptr ~~ rietário rural individual e em Castela a Ordem de Alcántara possuía apesar das "deduções" feitas pelo rei Filipe IV e por outros possuíam, reis mui arde da Estremadura. O poder dos mestres inevitavelmente os envolveu aumentou consideravelmente os recursos do Hospital, mas com o europeus, en ntriga política. Reis e nobres reiteradamente asseguraram o cargo de tempo, conforme Jacques de Molay predissera, a falta de passar do competi m` t` =re Pára os candidatos que eles apoiavam que eram muitas vezes seus declínio e à estagnação. Em 1343, o papa Clemente VI escreveu fll~l,~l~s legítimos ou ilegítimos. Entre 1487 e 1499, as ordens castelãs ficaram "a opinião virtualmente unânime e popular do clero e ção levou ao `~p que era do Estado sol jd? controle do rei, e Montesa foi incorporada à Coroa de Aragão em 1587. hospitalários nada estavam fazendo pela defesa da fé. Fize ~Em Portugal, a Ordem do Templo, cora. permissão do papa, tinha sido propostas para se criar uma nova ordem dotada com parte da riqueza rel rl;aniz,lda como a Ordem de Cristo. Aí, tanbém, era controlada pelos reis poli igueles, que conseguiram instalar prírcipes reais ou outros favoritos 1522, os hospitalários perderam Rodes para os turcos secular" que os iam-se do Hospital .3112 Em otomanos e corVt !h mestres. Seus feitos mais significativos se deram sob seu mestre, o imperador Carlos V lhes doou a ilha de Malta. Em 1565, sua em 1530 o ca pi p,,, lÀpe I4enrique, nomeado em 1418, o qual usou a riqueza da ordem para foi sitiada pelos turcos, mas eles prepararam uma heróica re ~s tal La Valeta fl, h (ciar c-,xpedições exploratórias à costa da África, ao redor do cabo da Boa grão-mestre, Jean Parisot de La Valette, deixando mortos E tência sob seu :rança e por fim à Ásia. No século XVI, o controle das ordens passou para sV quase 250 entre os 1.500 cavaleiros. Depois de um cerco de cinco meses, os a Ç~4p'oa, e, como as sucessivas bulas papais atenuaram os votos de pobreza, retiraram. Seis anos mais tarde, galeras dos hospitalários contribuí ca r~,t~ i turcos se &de e obediência, a qualidade de membro transformou-se meramente ram para a derrota da esquadra otornaria na batalha de Lepanto. o questão de honra e prestígio. ~k únüca ordem que continuou a dar Lma contribuição substancial à século XVII, os hospitalários, agora mais comumente Durante todo o gtt ra santa da cristandade contra o Islã foi u Hospital, os Cavaleiros de São os cavaleiros de Malta, forneceram uma útil força naval, conhecidos como JoV~'~ Sob o grão-mestre Foulques de Villaut, eles tinham ficado notavel-campanhas contra as potências islâmicas, quer para ataques pira quer para m`Vte calados durante o julgamento dos terlplários, em parte por receio do escala a expensas de navios procedentes dos portos do norte tas em pequena q ,,\ , hes Poderia acontecer caso se opusesses a Filipe, o Belo, em parte porremadores eram escravos, e os ofciais, jovens aristocratas das da África. Os qV `I~esperavam lucrar com a extinção do TerAplo. Por que eles foram poupalangues da Ordem que mais tarde se retiraram para administrar as diferentes dQ e'Se Guilherme de Nogaret era de fato n-to de cátaros, talvez ele tenha comendadorias na Europa. A qualidade de membro da Ordem numerosas siç erpnflutnciado a seu favor pela atitude complacente da Ordem para com sinecura dentro de uma corporação aristocrática privile assegurava "uma os ÇregeN durante a Cruzada Albigense. À primeira vista, parece pequena a proporcionava um satisfatório benefício para toda a vida".'9' A vida giada que pr h¡abilidlade de que a blasfêmia, a heresia ea sodomia contaminassem uma capital da Ordem na ilha de Malta, foi descrita pelo historia em La Valeta, a or~,~ ~m~ mas não a outra. Todavia, o Hospitaltinha várias vantagens: possuía Cavaliero como monótona. "A monotonia era o traço predomi m~ advD,gados treinados na sua folha de paramentos e sua sede em Rodes ilha. O tom estabelecido no topo era de moderada urbani- íli 338 dor Roderico nante da vida na 339 OS TEMPLÁRIOS dade, com ude, com uma meticulosa e exagerada insistência na disciplina e na precedência." 1cia." Por volta Por voltado fim do século XVIII, a decadência do Hospital chegara a um ponto em quito em que sua inexpugnável fortaleza de La Valeta pôde ser tomada por Napoleão Bopoleão Bonaparte após um cerco de apenas um dia. Dos 322 cavaleiros na guarnição, cilrnição, cinqüenta eram velhos demais para lutar. Como Napoleão comentou maisntou mais tarde, "o lugar certamente possuía imensos meios físicos de resistência, ristência, mas absolutamente nenhuma força moral". Na ocasião em que Napoleão foipoleão foi afinal derrotado na batalha de Waterloo, Malta foi ocupada pelos britâni,os britânicos, que não tinham a menor intenção de devolvê-la ao remanescente da ;cente da Ordem do Hospital. Depois de deporem o grão-mestre que tinha perdidha perdido Malta, Ferdinand de Hompesch, os cavaleiros de São João escolheram colheram como seu sucessor o czar da Rússia, Paulo I, "que não era católico ou celibo) ou celibatário, ou um irmão professo, mas com certeza era louco". 394 Seguiu-s Seguiu-se o que um historiador do Hospital chamou de "os piores vinte anos da históls da história da Ordem: vinte anos de oportunidades desperdiçados por interesses peresses pessoais mesquinhos, que tornaram permanentes os desastres temporários nporários do período revolucionário".39s Não obstante, já quase no fim do século, ela vculo, ela voltou ao objetivo filantrópico por que fora originalmente criada: uma corporaça corporação de católicos romanos devotos, cujos membros aristocráticos trabalhavam balhavam para ajudar os doentes, os pobres e os destituídos. E como tal permanece a-manece até hoje. Foi inevi Foi inevitável que os cavaleiros de Malta da atualidade renunciassem à sua vocação t. vocação militar, uma vez que a Igreja Católica desistira do conceito de uma cruzada a cruzada armada: de fato, desde o Segundo Concílio do Vaticano tem-se demonstradorlonstrado um respeito pelo herege e pelo infiel que teria frustrado São Bernardo demardo de Clairvaux. Contudo, não se pode dizer que esse espírito de tolerância teerância tenha significado o fim de toda inimizade entre cristãos e muçulmanos. Mesalos. Mesquitas são construídas na parte mais importante do que um dia foi chamado ichamado de cristandade - em Paris, em Londres e na própria Roma -, mas a práticas a prática da religião cristã continua proibida na Arábia, o âmago do Islã. Vários Estadcios Estados, como o Irã, o Sudão, o Afeganistão e o Paquistão, governam de acordo coacordo com a doutrina do Alcorão. Conflitos armados entre cristãos e muçulmanos çulmanos continuam na África, nos Balcãs, na Indonésia e nas Filipinas. Fundamentahdamentalistas islâmicos em anos recentes assassinaram missionários cristãos no Ptãos no Paquistão, monges coptas no Egito, e monges trapistas e um bispo católicoo católico na Argélia. O conflit O conflito também prossegue na Terra Santa entre os palestinos, em sua maioria rr maioria muçulmanos, e os israelenses, na maior parte judeus. Após longa hesitação, o 'itação, o Vaticano acabou reconhecendo o Estado de Israel e, embora 340 AS CRUZADAS POSTERIORES continue a argumentar que Jerusalém deveria ser colocada sob ju internacional, não mais advoga a reconquista cristã da Terra San tinha sido o principal objetivo de tantos papas durante tantos anos. , Igreja testemunha com consternação o êxodo da Terra Santa de nativos que sentem que não têm nenhum futuro no país que assistiu cimento de sua religião. No próximo milênio, se a atual tendência coI o único grupo significativo de cristãos a ser encontrado assistindo ac ços religiosos na Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém serão os pel que até aí terão ido de aviões a jato. Grão-Mestres do Templo Hugo de Payns Roberto de Craon Everardo de Barres Bernardo de Trémélay André de Montbard Bertrand de Blanquefort Filipe de Nablus Odon de Saint-Amand Arnoldo de Torroja Gérard de Ridefort Roberto de Sablé Gilberto Erail Filipe de Plessiez Guilherme de Chartres Pedro de Montaigu Armando de Périgord Ricardo de Bures Guilherme de Sonnac Reinaldo de Vichiers Tomás Bérard Guilherme de Beaujeu Teobaldo Gaudin Jacques de Molay 1119-1136 1137-1149 1149-1152 1152-1153 1153-1156 1156-1169 1169-1171 1171-1179 11801184 1185-1189 1191-1193 1194-1200 1201-1209 1210-1219 1219-1232 1232-1244 1244-1247 1247-1250 1250-1256 1256-1273 1273-1291 1291-1293 1293-1314 Bibliografia ARMSTRONG, Karen. Muhammad.- A Biography of the Prophet. Londres: 1991. 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Wilson, Paul: The Mind of the Apostle, Londres, 1997. Ver também Hyam Von Grunebaum, Medievallslam, p. 201. 70 Maccoby, The mythmaker: Paul and the Invention of Christianity, Londres, 1986. Joshua Prawer, The Latin Kingdom of Jerusalem: European Colonialism 71 in the Middle 33 A Bíblia de Jerusalém, Atos dos Apóstolos, 18:13; 16-17. 34 Ibid., Atos dos Apóstolos, 24:5-6. 72 Ages, Londres, 1973, p. 4. Von Grunebaum, Medieval lslam, p. 182. 35 Citado em Edward Gibbon, lhe Decline and Fall of the Roman Empire, Londres, Gibbon, The Decline and Fall of the Roman Empire, p. 721. 1960, p. 197. 74 73 Keen, The Penguin History of Medieval Europe, p. 47. 36 Eusébio, The History of the Church from Christto Constantine, p. 171. Murphy-O'Connor, The Holy Landa An Archaeological Guide from 75 Jerome Earliest 37 Ibid., p. 341. Times to 1700, Oxford, 1986, p. 78. (Esgotado.) 38 Ibid., pp. 200, 202. Toronto, 1996, p. 1. 39 76 E L. 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Bryce, The Jonathan Riley-Smith, Ver Christopher Tyerman, lhe Invention of the Crusades, Londres, 54 Ferdimand Lot, lhe End of the Ancient World and the Beginnings of the Middle Ages, Michael Prior, The Bible and Colonialism, Sheffield, 1997, 90 p. 35. tradução de Philip e Mariette Leon, Nova Iorque, 1931, p. 395. Crusades, p. 7. 55 Ibid., ]p. 394. Idea, 56 Ibid., lp. 389. Londres, 92 91 Mayer, The Norman Housley, "Jerusalem and the Development of the Crusade 1099-1108", em The Horns of Hattin, organizado por B. Z. Kedar, 57 Richarrd Fletcher, The Conversion of Europe: From Paganism to Christianity, 32. 1992, p. 371-13386 AD, Londres, 1997, p. 213. the Crusades, p. 77. 93 58 Bryee„ The Holy Roman Empire, p. 69. 59 Ibid., Ip. 49. 95 94 Riley-Smith, The Oxford Illustrated History of Mayer, The Crusades, p. 31. Bu11, em The Oxford Mustrated History of the Crusades, p. 17. 60 W Mo) ntgomery Watt, Muhammad Prophet and Statesman, Oxford, 1961, p. 51. Riley-Smith, The First Crusade and the Mea of Crusading, p. 52. 61 Ibid., lp. 129. a,~ Q 97 96 Fleteher, The Conversion of Europe, p. 31. 349 OS TEMPLÁRIOS NOTAS 98 Citado em Dan Cohn-Sherbok, The Crucified Jew: Twenty Centuries of Christian Riley-Smith, The First Crusade and the Mea of Crusading, 130 p. 44. Aná-Semitism, Londres, 1992, p. 40. to the Early Fourteenth Centuries, p. 2 99 Mayer, The Crusades, p. 44. 131 132 Forey, TheMilitary Orders.- From the Twelfth A Bíblia de Jerusalém, Mateus 16:24-5. 100 Citado em Riley-Smith, The First Crusadeand the Mea of Crusading, p. 96. Citado em Barber, The New Ânighthood, p. 261. 101 Citado em R. C. Smail, Crusading Warfare, 1097-1193, Cambridge, 1995, Alan Forey, em The Oxford Alustrated Ristory of the Crusades, 133 134 p. 204. p. 115n. 135 Imagesofthemili, Helen Nicholson, Templars, HospitallersandTeutonicKnights: 102 Citado em Amin Maalouf, The Crusades through Arab Eyes, tradução de jon Orders, Leicester, 1995, p. 62. Rothschild, Londres, 1984, p. 39. 136 Upton Ward, The Rule of the Templars, p. 22. 103 Riley-Smith, The First Crusade and the Mea of Crusading, p. 154. MedievalIdea of Marriage, p. 267. 137 Brooke, The 104 Miehel Lamy, Les Templiers: Ges GrandSeigneurs aux Blancs Manteaux, Bordéus, John Boswell, Christianity, Social ToleranceandHomosexuality: 138 Gaypeoplein Wes 1997, p. 26. Europe from the Beginning of the Christian Era to the Fourteenth Gentury, Chie 105 1980. Christopher N. L. Brooke, TheMedievalIdeaofMarriage, Oxford, 1989, p. 136. 106 Ibid., p. 138. 107 140 R. W Southern, Western Society and the Church in the MidNe Ages, Harmondsworth, A Bíblia de Jerusalém, Romanos 1:26. 1970. 141 139 Southern, SaintAnselm, p. 150. Santo Agostinho, Confissões, III, 8. 108 "Traité du Précepte et de Ia dispense", citado em Philippe Delacroix, Vrai Southern, SaintAnselm, p. 130. Visage de Saint Bernard, Abbé de Clairvaux, Angers, 1991, p. 52. orders: From the Twefth to the Early Fourteenth Centuràes, 143 142 Forey TheMilitary p. 1 f 109 Citado em Adriaan H. Bredero, Bernard of Clairvaux: Between Cult and History, Upton Ward, The Rule of lhe Templars, p. 112. Edimburgo, 1996, p. 95. jordan", em Malcc 145 Denys Pringle, "Templar Castles on the Road to the 110 Knowles, Christian Monastieism, p. 78. Faith and Caring for lhe S 111 148. 144 Barber (org), The Military Orders: Fighting for the Ver A. J. Forey, The Templars in the Corona de Aragon, Oxford, 1973, p. 5. 112 Prawer, The Latin Kingdom of Jerusalem, p. 254. citado por judi Upton Ward, em "The Surrendei 146 Imad ad-Din al Isfahani, 113 R. W Southern, Saint Anselm: A Portrait in a Landscape, Cambridge, 1990, Gaston and the Rule of the Templars", em Barber (org), TheMilitary ord p. p. 169: Anselmo modificou sua linha de conduta quando quis livrar-se de um Fightirrgfor the Faith and Caringfor the Sick, p. 181. cunhado incômodo. Londres, 1995, p. 107 147 John Julius Norwich, Byzantium: TheDeclineandFall, 114 Citado em Maleolm Barber, The New Knighthood.- A History of the Order of the 148 Mayer, The Crusades, p. 99. Temple, Cambridge, 1994, p. 13. the Crusades, p. 81. 149 Riley-Smith, The oxford 1llustrated History of 115 The Rule of the Templars: The French Text of the Rule of the Order of the Knights Templar, 150 Citado em Steven Runcirnan, A History of the Crusades, vol. 2, The Kingdon tradução e introdução de J. M. Upton-Ward, Woodbridge, 1992, p. 20. and the 1lrankish East 1100-1187, Cambridge, 1952, p. Jerusalem 254. 116 Marion Melville, La Fie des Templiers, Paris, 1978, p. 3. Bernard of Clairvaux, organizadas e traduzidas por Bru 151 lhe Letters of Saint 117 461. Upton-Ward, The Rule of the Templars, p. 19. Scott-James, Londres, 1953, p. 118 Ibid., p. 36. 152 Ibid. 119 199. Ibid., p. 28. 153 Stephen Howarth, The Knights Templar, Londres, 1982, p. 120 Colin Morris, The Papal Monarchy: The Western Church from 1050 to 1250, Oxford, 154 Melville, La Ire des Templiers, p. 92. 1989, p. 280. 1988, p. 182. 121 p. 66. 155 Christopher Tyerman, England and the Crusades, 1095-1588, Citado em Barber, The New Knighthood, p. 49. 122 Maurice Keen, Chivalry, Londres, 1994, p. 8. Aquitaine", em janet L. Nelson (org), Richa 156 Barber, The New KIrighthood, 157 Jane Martindale, "Eleanor of 123 Forey, The Templars in the Corona de Aragon, p. 271. History and Myth, Londres, 1992, p. 40. Coeur de Lion àn 124 Rev. Dr. E. Martin, The Templars in Yorkshire, York, 1929, p. 380. Bredero, Bernard of Clairvaux, p. 150. 158 Citado em 125 Alan Forey, The Military Orders: FromtheTwefthtotheEarly Fourteenth Centuries, 159 Von Grunebaum, Medieval Islam, p. 58. Londres, 1992, p. 189. Cambridge, 1995, p. 43. 160 R. C. Smail, Crusading Warfare, 1097-1193, 126 H. J. A. Sire, The Knights of Malta, New Haven e Londres, 1994, p. 4. The Latin Kingdom of ierusalem, p. 67. 127 Nicolo de Martoni, citado em Sire, The Knights of Malta, p. 8. Riley-Smith, The Feudal Nobzlity and the Kingdom of Jerusale 128 81. Citado em Barber, The New Knighthood, p. 27. 129 Forey, The Templars in the Corona de Aragon, p. 22. Kingdom of Jerusalem, p. 506. 350 161 Prawer, 162 Ver Jonathan 1174-1277, Londres, 1973, p. y 163 Prawer, The Latin ~S~ 164 Ibid., p. 504. 165 Jonathan Phillips. 166 167 168 169 OS TEMPLÁRIOS em Th, Oxford Illustrated Hìstory of the Grusades, p. 116. Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 238. Ibid., p. 383. Citado em Maalouf, The Grusades through Arab Eyes, p. 129. Susan Edington, "Medicai Knowledge ira the CrusadingArmies: The Evidence of Albert of Aachen and Others", em Barber (org.), The Military Ordens: Fighting for the Faith and Garing for the Sick, p. 326. 170 Robert Irwin, "Islam and the Crusades", em The Oxford Illustrated History of the Grusades, p. 235. 171 Citado em Barber, The New Knighthood, p. 93. 172 Ibid., p. 93. 173 Jaroslav Folda, "Art ira the Latira East, 1098-1294", em The Oxford Illustrated History of the Grusades, p. 150. 174 Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 416. 175 Jaroslav Folda em The Oxford Illustrated History of the G'rusades, p. 416. 176 Ann Hyland, ~The Medieval Warhorse: From Byzantiurn to the Grusades, Stroud, 1994, p. 153. 177 Nieholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 117. 178 Upton Ward, The Rule of the Templars, p. 91. 179 Knowles, Ghristian Monasticism, p. 84. 180 Sail Grusading Warfare p 39 181 m, Helen Nicholson, "Before William of Tyre: European Reporta ora the Military Ordens Deeds ira the East, 1150-1185", em Helen Nicholson (org.), TheMilitary Ordens, vol. 2, Aldershot, 1998, p. 114. 182 Runeiman, A History of the Grusades, vol. 2, The Kingdom of Jerusalem, p. 366. 183 Barber, The New Knighthood, p. 76. 184 Smail, Crusading Warfare p 201. 185 186 Runeiman, A History of the Grusades, vol. Z, The Kingdom of Jerusalem, p. 178. Bernard Hamilton, "Queens of Jerusalem", em Ghurch History, Oxford, 1978, p. 157. 187 Bernard Lewis, The Assassina: A Radical Sect ira Islam, Londres, 1967, p. 27. 188 Guilherme de Tiro, Historia Rerum ira partibus transmarinisgestarum, citada em Bernard Hamilton, "The Elephant of Christ: Reginald of Châtillon", em Barker (org.), Studies ira Ghurch History, p. 98. 189 Runeiman, A History of the Grusades, vol. 2, The Kingdom of Jerusalem, p. 348. 190 Kamal ad-Din, citado em Lewis, The Assassina, p. 111. 191 Citado em Barber, The New Knìghthood, p. 103. 192 193 194 D. Barker (org.), Studies iu Ver ibid., p. 104. Runeiman, A History of the Grusades, vol. 2, The Kingdom of Jerusalem, p. 398. "The Elephant of Christ: Reginald of Châtillon", em Barker (org.), Studies ira Ghurch History, p. 99. Sir Steven Runciman em sua History of the Grusades não faz menção a resgate. 195 Ibid., p. 100n. 196 Citado em Barber, The New Knighthood, p. 109. IMOTAS 197 Tyerman, Eugland and the Crusades, p. 46. 198 Runeiman, A History of the Crusades, vol. 2, The Kingdom of Jerusalem, p. 406, nota 4. 199 Ibid., p. 448. 200 Ibid., pp. 441-2. 201 "The Elephant of Christ: Regìnald of Châtillon", em Barker (org.), Studies ira Church History, p. 104. 202 Ibid., p. 107. 203 Pedro de Blois, citado por Michael Markowski em "Peter of Blois and the Con ception of the Third Crusade", em Kedar (org.), The Horns of Hattin, p. 264. 204 Prawer, The Latira Kzitgdom of Jerusalem, p. 81. 205 William J. Hamblin, "Saladin and Muslim Military Theory", em Kedar (org.), The Horns of Hattin, p. 236. 206 Smail, Crusading Warfare, p. 38. 207 Barber, The New Knighthood, p. 117. 208 Michael Markowski, "Peter of Blois and the Conception of the Third Crusade", ira Kedar (org.), The Honras of Hattin, p. 13. 209 Mayer, The Crusades, p. 136. 210 Ver Tyerman, The Invention of the Crusades, p. 28. 211 Alfred Richard, Contes, II, p. 457, citado em Jane Martindale, "Eleanor of Aquitaine", em Nelson (org.), Richard Goeur de Lion ira History and Myth, p. 210. 212 Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 185. 213 Tyerman, Englaudandthe Grusades, p. 58. 214 Steven Runciman, A Hútory of the Grruades, vol. 3, The Kingdom of Acre, Cambridge, 1954, p. 11. 215 Norwieh. Byaantium: The Decline and Fall, p. 129. 216 217 Runeiman, A History of the Grusades, vol. 3, The Kingdom of Acre, p. 54n. Peter W Ed bury, The Kingdom of Gyprus and the Grusades,1191-1374, Cambridge, 1991, p. 17. 218 Runeiman, A History of the Grusades, vol. 3, The Kzizgdom of Acre, p. 73. 219 Ver John Gillingham, Richard the Lionheart, Londres, 1978, p. 161. 220 H. E. Marshall, Our Island History, Londres, p. 167. 221 J. O. Prestwich, "Richard Coeur de Lion: Rex Bellicosus", em Nelson (org.), Richard Goeur de Lion ira History and Myth, p. 16. 222 Gillingham, Richard the Lionheart, pp. 285, 288. 223 A. Bothwell-Gosse, The Ternplars, London, 1918, p. 11. Par outro lado, Ricardo associou esses vícios às ordens religiosas quando ordenado a abandoná-los pelo pregador Foulques de Neuilly. Ver Runciman, A History of the Grusades, vol. 3, The Kingdom of Acre, p. 109n. 224 Duffy Saints and Sinners, p. 110. 225 Tyerman, The Invention of the Crusades, p. 89. 226 Norman Housley, em The Oxford Illustrated History of the Grusades, p. 266. 227 Citado em Peter Partner, The Murdered Magiciaus: The Templars and their Myth, Oxford, 1982, p. 30. 353 OS TEMPLÁRIOS NOTAS 228 101. Nieholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 102. 266 Citado em ibid., p. 229 Michael Gervers, "Pro defensione Terre Sancte: The Development and Exptoitation 267 Citado em ibid., p. 217. of the Hospitallers' Landed Estate ira Essex", ira Barber (org.), The Military Maalouf, The Crrhrades through Arab Eyes, p. 228. Ordens: Fighting for the Faith and Garing for the Siek, p. S. Knighthood, p. 240. 268 Citado em 269 Barber, The New 230 Nicholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Kmights, p. 131. History of the Crusades, vol. 3, The Kingdom of Acre, p. 193. 270 Runciman, A 231 75. Barber, The New Knighthood, p. 267. 271 Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 232 Forey, The Templars ira the Gorona de Aragon, p. 349. Kingdom of Arynenia, Edimburgo, 1978, p. 110. 233 Ibid., p.351. 273 234 anc 272 T S. R. Boase, The Ciliciam Smail, Crusading Warfare, p. 101. Ibid., p. 48. 274 Para uma relação abrangente, ver Riley-Smith, The Feudal Nobility 235 Nieholson, Templars, Hospitallers and Terttomic Knights, p. 21. Jerusalém 1174-1277, pp. 62-3; ou Prawer, The Latira Kingdo Kingdom of 236 Peter W Edbury e John Gordon Rowe, William of Tyre, Cambridge, 1988, Jerusalem, p. 404. p. 128. 275 Citado em Riley-Smith, The Feudal Nobility amd the Kingdom of Jerusalem, p. 237 Alan Forey, em The Oxford Illustrated History of the Crusades, p. 213. Prawer, The Latira Kimgdom of Jerusalem, pp. 509-10. 238 Forey, The Templars ira the Gorona de Aragon, p. 136. Kedar, Crusade and Mission: European Approaches toward 277 276 Ver Ver BenjamIin Z. 239 Edbury e Rowe, William of Tyre, p. 148. Muslims, Princeton, 1984, p. 157. 240 Mayer, The Crusades, p. 188. 278 Citado em ibid., p. 126. 241 Ibid., p. 189. 279 Upton Ward, The Rule of the Templars, p. 148. 242 Citado em ibid., p. 191. 280 Forey, The Templars ira the Corona de Aragon, p. 323. 243 Peter Lock, "The Military Ordens ira Mainland Greece", em Barber (org.), The 281 Citado em Forey, The Military Ordens: From the Twelfth to the Early Fourte Military Ordens: Fighting for the Faith and Caringfor the Sick, p. 333. 244 Norman Housley, The Later Grusades, 1274-1580, Oxford, 1992, p. 153. The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 93. Centnries, p. 208. 282 Prawer, 245 Forey, em The Oxford Illustrated History of the Crusades, p. 189. Jonathan Phillips em "The Latira East", em The Oxford Illustr 283 246 Jonathan Sumption, The Albigensian Grusade, Londres, 1978, p. 38. Grusades, p. 119. Citado por History of the 247 Zoe Oldenbourg, Massacre at Monségur, tradução de Peter Green, Londres, "Le Templier de Tyre", citado em Prawer, The Latira Kingdom 284 of Jerusa, 1961, p. 27. p. 326. 248 Père D'Avrigny, citado em Ronald Knox, Enthusiasm, Oxford, 1950, p. 319. Nicholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 30. 249 Citado em Sumption, The Albigensian Grusade, p. 53. Knighthood, p. 230. 250 Ibid., p. 31. Templa 285 286 Barber, The New 287 Malcolm Barber, "Supplying the Crusader States: The Role of the 251 Raimonde Reznikov, Gathares et Templiers, Portet-sur-Garonne, sal., p. 21. Kedar (org.), The Horns of Hattin, p. 319. 252 em Ibid., p. 13. 288 Prawer, The Latira Kàngdom of Jerusalem, p. 197. 253 Ibid., p. 46. 289 Keen, Ghivalry, p. 120. 254 Sumption, The Albigensian Grusade, p. 208. Colonialism, p. 34. 255 290 Tyerman, The Invention of the Grusades, p. 75. Ver Prior, The Bible and 291 Keen, Chivalry, p. 56. 256 James M. Powell, "The Role of Women ira the Fifth Crusade", em Kedar Runciman, A History of the Crusades, vol. 3, The Kingdom of Acre, 292 p. 220. (org.), The Honras of Hattin, p. 301. 293 Citado em Barbes The New Knighthood, p. 142. 257 Citado em Barber, The New Knighthood, p. 163. Saint Louis, tradução de M. R. B. Shaw, Harmom 258 Citado em ibid., p. 130. 294 João de Joinville, The Life of worth, 1963, p. 175. 259 Citado em Thomas Curtis vara Cleve, The Emperor Frederick II of Hohenstaufen, Keen, The Penguin History of Medieval Europe, p. 133. Immutator Mundi, Oxford, 1972, p. 64. 260 296 Joinville, The Life of Saint Lauis, p. 201. Maalouf, The Grusades through Arab Eyes, p. 230. 297 Ibid., p. 222. 261 Van Cleve, The Emperor Frederick II of Hohenstaufen, p. 239. Irwin, "Islam and the Crusades", em TheOxfordlllustratedHistorj 262 295 Maalouf, The Crusades through Arab Eyes, p. 230. 298 Ver Robert lhe Crusades, p. 238. 263 Citado em Van Cleve, The Emperor Frederìck II of Hohenstaufen, p. 421. Joinville, The Life of Saint Louis, p. 277. 299 264 Citado em ibid., p. 335. 300 Ibid., p. 288. 265 Ibid., p. 420. 301Prawer, The Latira Kingdom of Jerusalem, p. 414. OS TEMPLÁRIOS 302 Mayer, The Creades, p. 253. 303 Flores Historiarm, citado em Barber, lhe New Knighthood, p. 157. 304 Ver Judi UPton- Ward, "The Surrender of Gaston", em Barber (org.), The Military Order Fighting for the Faith and Caring for the Sick, pp. 186-7. 305 Sylvia Schein,Fidelis Crucis: The Papaey, the West, and the Recovery of the Holy Land 1274-1314, Oxbrd, 1991, p. 20. 306 James A. Brudage, "Humbert of Romans and the Legitimacy of Crusader Conquests", em Kedar (org.), The Horns of Hattin, p. 311. 307 Schein, FidelifCrucis, p. 25. 308 Ibid., p. 41. 309 Ver peter Edóury, "The Templars in Cyprus", em Barber (org.), The Military Ordens: Fighting for the Faith and Caring for the Sick, p. 193. 310 Barber, The Ac Knighthood, p. 176. 311 Citado em Sehein, Fidelis Crucis, p. 67. 312 Runciman, ANistory of the Crusades, vol. 3, The )~Jngdom of Acre, p. 420. 313 Citado em Sehein, Fidelis Crucis, p. 115. 314 Ibid., pp.1256, 315 Citado em ibia,, p. 126. 316 Nieholson, T mplars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 125. 317 Norwieh, 8ykntium: The Decline and Fall, pp. 264-73. 318 Edbury, `The Templars in Cyprus", em Barber (org.), The Military Orders: FightingfortheFaithandCaringfortheSick, p. 194. 319 Citado em Tyerman, England and the Crusades, p. 233. 320 Schein, FideliJCrucis, p. 140. 321 Citado em ibid., p. 145. 322 E. A. R. Brovn, "The Prince is Father of the King: The Character and Childhoed OfPhilip de Fair of Franee", Medieval Studies, 49, pp. 282-334. 323 Ver Reznikov, Cathares et Templiers, p. 21; e Ives Dossat, Guillaume de Nogaret, petit-filsd'hérétiques, Annales dá Midi, n° 212, Toulouse, outubro de 1941. Do panegírico de Guilherme de Nogaret durante o processo póstumo contra BonifácioVIII, citado em Malcolm Barber, TheTrialoftheTemplars, Cambridge, 1978, p. ?9. 325 Ibid., p.31 326 Bryce, Tlt Holy Roman Empire, p. 109. 327 Sophia i\lenache, Clement V Cambridge, 1998, p. 19. 328 Ver ibid.,p. 40. 329 Ibid., p.96. 330 Schein,Telelif Cruás, p. 180. 331 Ibid., p.110. 332 333 334 335 336 337 Citado em Barber, The Trial of the Templars, p. 16. Citado em ibid., p. 48. Citado em Menache, Glement V, p. 207. Jean de Saint.Vlctor, Prima Vta, citada em Menache, Clernent V, p. 206. Barber, lha Thal of the Templars, p. 67. Ibid., p.'ó. NOTAS 338 Citado em ibid., p. 100. 339 Ibid., p. 184. 340 Menache, Clement l; p. 192. 341 Ibid., p. 199. 342 James Brundage, "The Lawyers of the Military Ordens", em Barber (org. Military Ordens Fighting for the Faith and Garing for the Sick, p. 351. 343 Citado em Barber, The Trial of the 7érnplars, p. 125. 344 Citado em ibid., p. 148. 345 Da Crônica de Guilherme de Nangis, citada em Barber, The Trial of the Tem p. 157. 346 Ver ibid., p. 161. 347 Forey, The Military Ordens: From the Twelfth to lhe Early Fourseenth Genturies, p. 348 Ver Barber, The Trial of the Templars, p. 206. 349 Menache, Clement V, p. 229. 350 Martin, The Templars in Yorkshire, p. 142. 351 Ibid., p. 147. 352 Citado em Barber, The Trial of the Templars, p. 202. 353 Jean de Saint Vector, p. 656, citado em Barber, TheTrialoftheTemplars, p. 2 354 Crônica de Walter de Guisborough, p. 396, citada em Menache, Glem p. 236. 355 Forey The Templars in the Gorona de Aragon, p. 364. 356 A Crônica de Guilherme de Nazzgis, citada em Barber, The Trial of the Tem, p. 241. 357 Ver Simonetta Cerrini, "A New Edition of the Latin and French Rule o Temple", em Nicholson (org.), TheMilitary Ordens, vol. 2, pp. 211-12. 358 Citado em Barber, The New Knighthood, p. 316. 359 Partner, The Murdered Magiciarrs, p. 100. 360 Nieholson, Templars, Hospitallers and Teutonic Knights, p. 94. 361 Partner, The Murdered magicians, p. xix. 362 Barber, The New Knighthood, p. 331. 363 Ver Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln, The Holy Blood az Holy Grail, Londres, 1982. 364 Ver Ian Wilson, The Blood and the Shroud, Londres, 1998. 365 366 367 368 369 370 371 372 Lamy, Les Templiers. Ces Grand Seigneurs aux Blancs Manteaux, p. 28. Keith Laidler, The Head of Goda The Lost Treasure of the Templars, Londres, 1 p. 177. Ibid., p. 199. Andrew Sinclair, The Discovery of the Grail, Londres, 1998, p. 264. Partner, The Murdered Magicians, p. 112. Ibid., p. 138. H. Prutz, Geheimlehre und Geheimstatreten des Templerherren-Ordens, Berlim, 1 pp. 62, 86, 100, citado em Malcolm Barber, "The Trial of the Templars Re ted", em Nicholson (org.), TheMilitary Ordens, vol 2., p. 330. H. C. Lea, A History of the Inguisition in the Middle Ages, Nova Iorque, 1 p. 334, citado em Barber, "The Trial of the Templars Revisited", p. 329. 357 OS TEMPLÁRIOS 373 J. Favier, PhilippeleBel, Paris, 1978, p. 447; citado em Barber, "The Trial of the Templars Revisited", p. 330. 374 Southern, Sainl Anselm, p. 153. i 375 ee Ver Riley-Smith, The Ferulal Nobility and the Kingdom of Jerusalern, p. 201. 376 Ver Upton-Ward, The Rule of the Templars, Artigo 573, p. 148. 377 Barber, "The Trial of the Templars Revisited", p. 331. 378 Pa rtner, The Murdered Magicians, p. 180. 379 Joinville, The Life of Saint Louis, p. 310. 380 Nicholson, Templars, Hospitallers and Dutonic Knights, p. 74. 381 David Hume, History, i, p. 209, citado em Tyerman, The Invention of the Crusades, Indi ' p. 111. 382 Runeiman, A History of the Crusades, vol. 3, The Kingdom of Acre, p. 480. 383 Prior, The Bibleand Colonialism, p. 35. l,, 384 76 Jonathan Riley-Smith, "The Crusading Movement and Historians", em The al-Kamil, sultão 213-214, 219-221, 238 Oxford Alustrated History of the Crusades, p. 7. Ibrahim 239-240 Abraão 17-18, 22, 25, 59 385 Riley-Smith, The First Crusade and the Mea of Crusading, p. 115. sultão 77 386 A Bíblia de Jerusalém, Livro do Apocalipse 7:15. rei de Jerusalém 146, 153-15~ abácidas 65, al-Mansur Acre Carlos de Anjou 257 Alp Arslan, Amauri, 387 "Humbert of Romans and the Legitimacy of Crusader Conquests", em Kedar comércio 224 163-164, 165, 171, 194 complexo do Templo 236 Amauri de Chipre 302-303 (org.a, The Homns of ~attin, p. 306. grão-mestre 110, 13, 388 Menache, Clement V, p. 177. 389 Ibid., p. 86. Frederico II 221-222, 238 André de Montbard, mamelucos 250, 254, 259-262, 267- 268 146-147 an-Nasir Yusuf, sultão de Alepo 240, 246 390 Citado em Amos Elon, Jerusalem: City of Mirrors, Londres, 1989, p. 167. 259-262, 267-268 Anselmo de Canterbury 121, 122 queda de 391 Michael Gervers, "ProdefensioneTerreSancte: The Development and Exploitation Saladino 178, 183, 185 Antioquia 76, 89-91, 92, 178, 252 of the Hospitallers' Landed Estare in Essex", em Berber (org.), The Military Cruzada 185-188 Antioquia, principado de 97-98, Terceira 99, 12~ Orders: FightingfortheFaithandCaringfortheSick, p. 20. Puy 78, 259 392 Ver Schein, Fidelis Crucis, p. 245. Ademar de Monteil, bispo de Le 82, 90, 91, 97 anti-semitismo 33, 137 393 Anthony Luttrell, "The Military Orders, 1312-1789", em The Oxfordlllustrated imperador 29 Aragão, reino de 197, 200, 235, 258, Adriano, 272 History of the Crusades, p. 347. Afonso I, rei de Aragão 117, 119 304-307, 315 394 Jonathan Riley-Smith, The Atlas of the Crusades, Nova Iorque, 1991, p. 156. Jordão, conde de Toulouse 117, Arca da Aliança 19, 323 128, 132, 147, 149 Armando de Périgord, grão-mestre 239 395 Sire, The Knights of Malta, p. 250. agostinianos 101, 118-119 Agostinho de Hipona 42-44, 83, 101, 106 240, 243 Armênia Cilícia 90, 99, 124, 150, 200, 224 Aimery, patriarca de Antioquia 150 281, 282 al-Ashraf 260, 262 Amoldo de Torroja, grão-mestre 169, 170 Alcorão 57, 58, 59 Ascalão 145-146, 148, 168, 176, 188, 189 alegações de bruxaria 286, 290, 292, 295298, 325-326 Afonso assassinos 13, 148-149, 163, 189, 194, 247 250 alegações de heresia 286, 290, 295-304, 306, 308-309, 314, 325-326 ávaros 61, 62, 67 Ayyub 238, 240, 245 Aleixo Comneno, imperador bizantino 77, ayyúbidas 201, 219, 238, 241, 246 82, 87, 88, 92 Aleixo IV Ângelo, príncipe 202 Balduíno I, rei de Jerusalém (Balduíno de Aleixo V Ducás, imperador bizantino 203 Alexandre VI, papa 86 Alice de Jerusalém 124 Balduíno II, rei de Jerusalém (Balduíno de Le Bourg) 88, 98, 101, 108-109, 118, Alice, rainha de Chipre 223, 239 Alienor de Aquitânia 116, 126, 130, 131, 168, 181-182 358 ÍNDICE ÍNDICE Boulogne) 88, 91, 97-98, 100 123-124, 136, 147 Balduíno 111, rei de Jerusalém 132, 145, 147, 150, 151, 165 o IV, rei de Jerusalém 165, 168Filipe Augusto, rei da França 182, 186 Balduín'), 170, 171 e os templários 143, 234, 268, 281, 314, 316, 338 16~ ° V rei de Jerusalém 170 Filipe de Montfort 240 turcos otomanos 335 Baphonís 44-46 188, 191 fortalezas 123, 144, 248-249, 251 Balduín'let 286, 323 Frederico 11218, 219, 221, 238 Nablus, senhor da Transjord igrejas 196 persas 62 ,, rousinage 69, 121 Credo de Nicéia 42 cristianismo monofisita 62 Filipe de 154, 163 bárbaro. al-Malik az-Zahir Rukn ad-Din França (Filipe, o B Malta 339 Cruzada Albigense 204-210 Baibars~, 250-254, 259 mamelucos 251, 253, 260, 268 277, 279-281, 283-285, 287-; 24i'm°s 70, 103, 121, 195, 210 315, 317-319, 330 mongóis 249 ver tambérrr cátaros 272- cruzadas 328-329, 335-341 312- benedit também beneditinos cluniacenses queda de Acre 261, 268 Albigense; ReconFilipe, rei da França 83 ver finos cluniacenses 72, 78, 103 233, 267 rendição a Saladino 178 benedil~e Núrsia 50-53, 70, 103, 112 Francisco de Assis 213, 216, 218, 233 Bento G Tomás 249 Sicília 200 Rudes 269, 335 Luís IX 241-249 Bérard~o de Clairvaux 103-105, 107, 11086-94 classe de guerreiros 80, 88 Bernar 1, 113, 114-115, 121, 125-129, 134211, 328 Clóvis 45 13 )o de Trémélay, grão-mestre 145126-135 Império Romano 44 vertall,: ' --- Cruzada quista franciscanos 195, Frederico 11214, 218-222 francos 55 Terceira Cruzada 188 cavaleiros 112 11 5 Celestino V, papa 271, 276, 278, 293, 294 estilo de vida no ultramar 136-13 Filipe IV, rei da Primeira Cruzada 83, 85, Quarta Cruzada 201-204, Quinta Cruzada 211-213, 221 celibato 48, 106, 111, 205 Segunda Cruzada Bernart 6 67 Cesaréia 21, 25, 27, 28 Terceira Cruzada 182-192 invasão da Catalunha 14 d de Blanquefort, grão-mestre 147, Chartres, Concílio de (1150) 135 , Rocha 66, 93, 100, 140, 144, promoção do cristianismo Cúpula da 54-55 Bertradl~ 154 Chipre 150-151 177,221,222 15(ido de Taranto 88, 89, 91, 97, 98, 2 Frederico I, imperador do Sacro Imp Luís IX 242 Romano 183-184 templários 189, 200, 257, 269, 270- Daimbert, patriarca de Jerusalém 97, 101 Boemu Frederico II, imperador do Sacro Imp Idpdo II, príncipe de Antioquia 124 133, 168, 220, Romano xii-xiii, 12, 271, 302-303 Damasco 108-109,123,132- 199, 213, Boemu fido III, príncipe de Antioquia 153, 240, 249 222, 223, 235, 238, 241, 249 7 Boemu Terceira Cruzada 186 cistercienses 103-105, 111-112, 121, 125, Davi 19, 25 Damieta 213, 214, 233, 243, 245 Foulques de Anjou 80, 102, 108-109, 1dÃo VIII, papa 271, 275-278, 279, 195, 207, 210 BonifO, 292-294, 330 Citeaux, Abadia de 103, 104-105 Foulques, patriarca 199 2?-io, marquês de Montferrat 203 Gusmão 207, 218, 233, 285 Bonifá~ 252 145, 147 Doação de Constantino 72 Clairvaux, Abadia de 103, 105, 107 Clemente V, papa 279-284, 286, 288-289, '6-57, 58, 59 222, 238, 239- Domingos de Gaston 124, 152, 178, 200, 224, 291-295, 302-303, 309, 311, 313, 317, Edessa 91, 97, 98, 99, 126 Geoffroy de Saint-Omer 120 Caaba 57 319, 330 Eduardo I, rei da Inglaterra 254, 256, 260, II 102 Clermont, Concílio de 81, 83 Margines 249, 250 267, 271, 274, 279, 281 Geoafdoy de Cadija Gérard de Ridefort, grão-mestre 121, Calistdíh rei de Nápoles 279, 303 315 Clóvis 45, 50, 53 Ntagno 67, 71 171, 173-174, 176, 178 Carlos Cluny 70-71, 79, 80, 105 Eduardo II, rei da Inglaterra 307-310, Egito 201, 212-213, 238-240, 243, 246, gnosticismo 38 Carlos conde de Anjou 252, 253, 256, 257250 comunidades de templários 116,196,198 Carlos4~8, 259 cônegos do Santo Sepulcro 119, 194 ï8 o de Bouillon 88, 89, 92, 97 2~ ~nos 68, 80 201, 204 empréstimo de dinheiro 197 Conradino, rei de ,Jerusalém 249, 253 cartux, 186-187, 189 casam' Peregrino 212, 219, 235, 237, 250, Gre ório IX, 218-219, 224, 235 eremitas 49-50, 205 Estêvão de Otricourt 245 Estêvão Hardin 104-105, 110, 322 godos 52 Gregório I (o Grande), papa 47, 52 Comado II, rei daAlemanha 132,133,135 ~ Casteli,3, 269 Conrado III, rei da Alemanha 128-131 2i> e fortalezas 144, 152, 198, 237, Contado, God i Enrico Dandolo, doge de Veneza carolíd'lls 104, 236 Conrado de Montferrat 178,183, 184-185, Godofredo de Saint-Omer 101, 109, 1 unto 48, 60, 106 249- Estêvão VI, papa 69 g g papa rei de Jerusalém 218, 223, 239, Estêvão, conde de Blois 88, 89, 91Gregório VII, papa 74, 78, 82 castelt~l8 181 246, 249 Eugênio III, papa 126, 127, 129, 134, 135 Gregório VIII, papa 180- 2, 194, 204-210, 241, 274, 323, 325 Constança, princesa deAntioquia 131,148, 32, 33, 38, 48 Gregório X, papa 255-257 cátaro~ros do Hospital de São João 11888, 93 Gualtério de Brienne 240 150, 153, 167 Eusébio Eustáquio, conde de Boulogne CavalE 9 Constantino, imperador 39-41, 49, 72 Gualtério de Mesnil, 163-164 1 !~ub 238 Constantinopla Everardo de Barres 116,129, 130-131,135 Gualtério Sem-Haveres 86, 87 A icarrota 147, 154 cruzadas 88, 203, 281 Guido, rei de Jerusalém (Guido de Fakhr ad-Din 219, 243, 244, 245 b,aIno funcionários civis 199 171-176, 178, 184, 185, 1 fariseus 23, 24, 26, 30 c~izada Albigense 209 zrn fundação 41 Islã 63 fatímidas 65, 76, 92, 149, 153, 166 361 Guilherme de Beaujeu 256-257, 259-261, 268 Guilherme de Burres 108, 123 Guilherme de Chartres, grão-mestre 212 Guilherme de Nogaret 274, 277, 284, 289, 292, 294-295, 313, 325 Guilherme de Sonnac 243-244, 245 Guilherme de Tiro 145-146,148,154,164, 169, 194, 199, 202, 223 Guiscard, Roberto 77, 88 Hasan-Sabah 149, 163 Hattin, batalha de 175 Henrique I, rei da Inglaterra 109, 116 Henrique II, rei da Inglaterra 168, 170, 174, 177, 180, 181-182 Henrique JI, rei de Chipre 258, 260, 261, 270, 303 signan) 189 Henrique IV, imperador do Sacro Império Romano 73, 88 Henrique VI, imperador do Sacro Império Romano 191 Heráclio, imperador bizantino 61, 62 Heráclio, patriarca 169, 171, 177 Hermann de Salza 199, 218, 219, 221 Herodes Agripa 135 Herodes, o Grande 20, 22-25 Hildebrando ver Gregório VII Hircano, rei da Judéia 20, 23 homossexualidade 122, 217, 235, 286-287, 291, 297, 306, 315, 325-326 Honório III, papa (cardeal Savelli) 199, 211,215,217,218 hospitalários ve-Cavaleiros do Hospital de São João Hugo de Payns 101-103, 108-111, 114, 116, 120, 123, 125, 323 Hugo de Vermandois, conde 88 Hugo, conde de Champagne 100, 102,110, 120, 322 Hugo, rei de Chipre 257, 258, 270 Humphrey de Toron 166, 171, 175, 185, 186 Iftikhar 92, 93 Igreja do Santo Sepulcro 140 conquista islâmica de Jerusalém 66 Frederico 11221 igrejas baseadas na 196 ÍNDICE ÍNDICE peregrinação à 80, 83, 100 Primeira Cruzada 93 reconstrução (1149) 141 Império Bizantino 43, 55 Chipre 150 cruzadas 88-89, 92, 130, 133, 184, 202203 Filipe IV 281 Islã 59, 61-62, 76 Itália 72, 74, 77 rivalidade com o papado 75 turcos seldjúcidas 82,149 Império Romano 20-23, 30, 39-40, 44-46, 51 Inab, batalha de (1149) 149 Inocêncio II, papa (Gregório Papareschi) 119, 125, 200 Inocêncio III, papa 193-194, 199-200, 201 202, 207-208, 209, 211, 214 Inquisição 285, 288, 291, 295, 308, 325 Iolanda, rainha de Jerusalém 212, 218, 238 Isaac Ducás Comneno, príncipe de Chipre 186 Isabel, rainha 185, 189 Islã ver também muçulmanos Abraão 18 conversão forçada ao 329 divisão do 61 fundação do 5666 Império Bizantino 75-77 mapa 63 islamismo sunita 61, 64, 77 islamismo xiita 61, 64, 148 Jacques de Mailly, marechal do Templo 173 Jacques de Molay 271, 282-284, 286-288, 295-297, 304, 310, 318 Jacques de Vitry 211, 233-234 Jaime I, rei de Aragão 236, 256 Jaime II, rei de Aragão 305-307, 312, 313, 315 Jean Michel 111 Jerusalém 140 conquista islâmica 66 conquista persa 62 cristãos primitivos 40 cruzadas 92-93, 188, 201, 213, 220221, 223 domínio latino 136-139 Império Romano 20-27, 29, 33, 40 Maomé 58 peregrinações a 79-80, 83, 100, 102 primórdios da história 17-28 Saladino 177 sécuL vy 336, 341 Jerusalém, reino ,.97-98, 99 Jesus Cristo 29-34, 40, 59 Joana de Navarra 273 João Batista 30, 31, 32 João Cassiano, 50, 51 João de Brienne (rei de Jerusalém) 212214, 218, 219, 223 João de Giubelet 250 João de Ibelin 222, 223, 235, 250 João de Joinville 241-242, 244, 245-246, 247, 327 João de Villiers 261, 268 João VIII, papa 69 João X, papa 69 João XI, papa 69-70 João XII, papa 71 João XXII, papa 292, 316 João, rei da Inglaterra 188, 191, 199 Josefo 20, 23, 27-28, 32 judaísmo vertambém judeus Abraão 18 anti-semitismo 33, 137-138 Jesus Cristo 29-35 mundo greco-romano 21 primórdios da história 18-19 judeus ver também judaísmo e cristãos primitivos 42 e o Islã 58, 59, 62 Estados cruzados 137 Primeira Cruzada 86-87, 93 Juliano, o Apóstata 41-42, 66 Justiniano, imperador 52, 61, 90 Kerbogha de Mossul 90 Knowles, Dom David 107 Lã Forbie, batalha de (1244) 240, 250 Lança Sagrada 91 Languedoc,cátaros 206-209,241 Leão 1, papa 46 Leão 111, papa 55, 64 Leão IX, papa 74 Leão, príncipe da Armênia Inferior 20i Leopoldo, duque daÁustria 184,187,1 Luís da Baviera, duque 213 Luís IX, rei da França 241-249, 252, 2 273, 275 Luís VII, rei da França 126-127, 129, 1 135, 168, 181, 202 Luís VIII, rei da França 209 Lyon, Segundo Concílio de (1274) 25f Malta 339 mamelucos 244, 246-247, 250-252, 2 262, 267-268, 272, 281 maniqueístas 206 Mansurá 243-245 Manuel Comneno, imperador bizant 130, 133, 150, 151, 167 Manzikert, batalha de 77, 83, 329 Maomé 56-61 Marco Antônio 21 Margarida da Provença 241-242, 243, 2 247 Maria, mãe de Jesus 144 Mariamna (segunda mulher de Herod 23-24 Martinho de Tours 50, 72 Martinho IV papa 258, 270 Massada 21, 25, 28 Mayeul de Cluny, abade 70, 79, 81 Meca 56-59, 172 Melissanda, rainha de Jerusalém 108-1i 132, 134, 147, 149 merovíngios 54, 68, 80, 322 mesquita al-Aqsa 66, 139, 140, 177 Messias do judaísmo 25, 29, 30, 31, 34, 6 mestres 113, 121, 141 vertambém nomes individuais Miguel VIII Paleólogo, imperador biz~ tino 255 Milícia da Fé de Jesus Cristo 209 MilitesTempli (1144) 125-126 MilitiaDei (1145) 125 Moisés 18-19 monasticismo 47-55 ÍNDICE mop~óis 243, 248,249-250, 254, 267, 272, >77, 2$1 moq~anista5 38 Paganismo Pacômio 49 mop~e do 'fbmpla140 der tamkán mesquita ai-Aqsa; Cúpula da Rocha;templo de Salomão Wificios dos terrlplários 138-139 17reder0 11220 Ma%é 59 beregrinos 100 ialadi00 177 §antuá(io Islâmico 66 Mona Alberto dever Gregório VIII muç,almanOs 64 ber ta0ém Islã ameaça a Roma 75 ataques a peregrinos 100, 102 convefsão aocristianismo 224 EstadOs cruzados 136-139 França 71 Nie~Sia, Primeira Cruzada 89 NiQÇ)lau IV papa 258, 267, 268-269 Nip br, Ra1Ph 195 norrnarldo9 73-75 77, 88, 91 Nur ed-Dín 151,153-154, 165-167, 177 Odcracro 4'1 ~~qm de Lagery ver Urbano II qm de Saint-Amand, grão-mestre 163, 168 ~~ÇIn Poilechienz58 k>n, abade de Cluny 70 Orar, califa 61, 66, 93, 336 O»te datiA Optimrem (1139) 125, 163, 200 Orem dos Cavaleiros Teutônicos 184 e os dmplaqos 143 fortalezas na palestina 212, 248 Frederico 11218 219, 221 La Fotbie 240 mamelucos 254, 260 mona°IS 249 mudança pata a Prússia 269, 337 Ori,.genes38, 48 osCkogodaç 43, 4$ ótç,n I (oGrande) duque da Saxônia 71, 75 ÍNDICE Império Romano 21, 24, 29, 36-37, 41, 46 mártires 53 norte da Europa 67 tribos árabes 56, 58 Palestina conquista islâmica 6` conquista persa 61 domínio latino 136-137 fortalezas dos templários 123,152, 248 Império Romano 20-28, 30, 32-37 língua árabe 65 peregrinações à 100, 102 primórdios da história 18-19 século XX 340 papado conflitos com governantes seculares 71-72 cristianismo primitivo 46-47 desintegração do império de Carlos Magno 69-70 Doação de Constantino 72 e o Império Bizantino 75-78 pacto franco 54-55 privilégios das ordens militares 125, 194, 199, 236, 271 supremacia do 277 Papareschi, Gregório ver Incêncio II partos 20 23 Paulo de Tarso 35-36, 38, 47, 122 Payen de Montdidier 116 pedreiros-livres 321 Pedro de Bolonha 297-299, 301, 302 Pedro de Capitólia (eremita) 65 Pedro de Montaigu, grão-mestre 213, 222 Pedro de Rovira 116 Pedro de Sevrey 262 Pedro II, rei de Aragão 208, 210 Pedro, o Apóstolo 38, 46 Pedro, o Eremita 86, 87, 89, 90 Pedro, o Venerável 105, 134 Pedro, São 35, 39 Pelágio de Santa Lúcia, cardeal 213-214, 221,223,234,243 Pepino, o Breve 54 Pepino, rei 72 peregrinação 79-80, 92, 100, 102 período do Evangelho 29-36 Pérsia, conquista islâmica da 61 Piacenza, Concílio de 78, 82 Pietro dei Morrone 276, 293 Pobres Soldados de Jesus Cristo 101-102, 322-323 Poitiers, batalha de 64, 67 Pôncio Pilatos 24, 30, 33 Portugal 117, 119, 235 Qalawun 259-260 Quantrempraedecessores (1145) 126-127 Raimundo Berenguer IV, conde de Barcelona 117, 119 Raimundo de Le Puy 118, 145 Raimundo de Poitiers 131, 132, 148, 153 Raimundo de Saint-Gilles, conde de Toulouse 79, 88, 89, 91, 92-93, 97, 190 Raimundo II, conde de Trípoli 148-149 Raimundo III, conde de Trípoli 164, 165, 167-168,170-171,173 Raimundo VI, conde de Toulouse 208, 209, 210 Raimundo VII, conde de Toulouse 210 Reconquista 67, 118, 119, 233, 235, 329, 335, 338 Reinaldo de ChâtiLlon 149-150, 151, 167, 168, 171-172, 175, 181 Reinaldo de Provins 298, 301 Reinaldo de Spoleto 219 Reinaldo de Vichiers 246, 249 regra de vida 111-114, 141-143, 234 relíquias 40 Ricardo Coração de Leão 181-182, 185192,193 Ricardo Flangieri 223, 236, 239, 326 riqueza 195-196, 235-236 benefícios 116, 120, 196-197 confisco de 313-315 Inglaterra 307 lendas relativas à 322-323 serviços financeiros 199 Roberto de Craon, grão-mestre 125 Roberto de Flandres 92 Roberto de Molesme 103-104 Roberto de Sablé, grão-mestre 186, 189, 191 Roberto II, conde de Flandres 88 Roberto, conde de Artois 243, 2250 Roberto, duque da Normandia 88 Roche Ia Roussel 124 Rodes 269-270, 335, 339 Rogério de Flor 261, 269-270 Rogério de Mowbray, conde da P bria 196 Rogério de San Severino 257 Rogério des Moulins, grão-mestre pitai 169, 173 Rogério II, rei da Sicília 125, 128, 1 Rolão 67, 73 Roma conquistas islâmicas 64, 69 cristãos primitivos 42 Doação de Constantino 72 godos 52 papado primitivo 46-47 Ruad 263, 270, 271, 272 Sacro Império Romano 71 saduceus 24, 26, 30 Safed 152, 250-251, 252 Saladino 165-179, 183, 187-188, 1 Salimbene 214, 216, 217 Salomão 19 Salomé 24 Sanders, E. P 31 Santiago, Ordem de 117, 338 Santo Graal 322, 323 Saphet248 sarracenos ver ayyúbidas; fatímic melucos; muçulmanos; turco: cidas saxões 54, 67 segredo 195, 286, 303, 308, 314 serviços financeiros 199 Sibila, rainha de Jerusalém 171, 1' Sicília 73-75, 77, 214, 253, 258 Simão de Montfort 201-202, 208, 2 211 Simeão EstiLita 49 Sinan (Velho da Montanha) 154,1 f sistema feudal 68-69, 98, 137 Suger de Saint-Denis, abade 126, I Tancredo 88, 90, 93, 98, 136 Tancredo, rei da Sicília 185 ÍNDICE templarismo 321-324 Templo de Londres 197 Templo de Paris 129, 197, 324 Templo de Salomão 17-28 destruição pelos romanos 27, 33 Pobres Soldados de Jesus Cristo 101 profanação por Pompeu 20, 21 profecias de Jesus 33 reconstruído por Herodes 22 tesouro enterrado 323 Teobaldo Gaudin 262, 271 Teodósio, imperador 42 Tertuliano 37, 38, 47 Thoros, rei da Armênia Cilícia 150 Tiberíades 174 Tiro 27 Tomás Becket 169 Trípoli, condado de 97, 98, 99 Troyes, Concílio de 109,110,114,123,141 turcos khwarezmitas 240 turcos otomanos 335, 336, 339 turcos seldjúcidas 77, 79, 82 Império Bizantino 149 Primeira Cruzada 88, 89-90 Segunda Cruzada 130, 132 Terceira Cruzada 184 ultramar 97-115, 136-164, 237 ver também Palestina Urbano 11, papa (Odon de Lagery) 78-79, 8083, 91, 97, 103, 104 Urbano 111, papa 180 Urbano IV, papa 199 Usamah Ibn-Munqidh 136, 138-139, 147, 327 vassalagem 68-69, 98 vau de jaboc 168 Verdadeira Cruz 40, 61,175,176,187, 214 vestuário 112, 113, 142 Vienne, Concílio de (1311) 310-315 viquinques 68, 74 visigodos 44, 46, 47 Vítor, bispo de Roma 39 Walter Map 164, 195, 234 zelotes 26, 28 zoroastrismo 204