Petróleo 28

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INTRODUÇÃO
NASCE O PETRÓLEO
A história do petróleo é escrita em uma escala de tempo muito
vasta para os padrões humanos, mas inicia-se como algo inócuo e aparentemente periférico: depósitos viscosos no fundo do mar.
A crosta terrestre tem apenas entre 100 e 200 quilômetros de espessura, e isso representa apenas uma fração da distância até o núcleo.
Ela é como uma casca de ovo rachada, fragmentada em oito placas
maiores e muitas placas menores. Assim como a estrela incandescente
que é o nosso sol, a Terra obtém energia primariamente de seu próprio
interior, composto por um núcleo que permanece quente desde a criação do planeta, há mais de 4 bilhões de anos. A fúria desse calor tornase aparente quando há erupções vulcânicas, expelindo as entranhas do
planeta. Esse calor faz com que as placas estejam em constante movimento – chegando a dez centímetros por ano.1
Ao longo da história terrestre de 4,5 bilhões de anos, essas placas
móveis pressionam umas as outras, formando montanhas; separam-se,
formando enormes depressões; também passam por baixo ou ao lado
umas das outras. As superfícies rochosas levam as cicatrizes dessas
jornadas. Arranhões de blocos de gelo nas superfícies rochosas no meio
do escaldante deserto do Saara, ou plantas tropicais enterradas no meio
da América do Norte, possibilitam aos detetives geológicos descobrir
os caminhos ancestrais dessas placas móveis.2
Uma camada de água reveste a crosta rachada dessa esfera gigante de calor, deslocando as camadas exteriores e colocando-as em movimento. A água – que envolve o planeta em nuvens, oceanos, lagos, rios,
reservas subterrâneas e geleiras – circula constantemente, derrete-se, forma as chuvas, congela e evapora-se. A atividade constante da água sobre a superfície da terra molda seu aspecto ao erodir montanhas, escavar vales e infiltrar-se nas regiões mais internas, preenchendo os pequenos espaços entre o solo e chegando até as rochas sob a superfície.3
Quando o tempo se resfria, a água no interior das pedras se congela, e
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isso faz com que a rocha se expanda e se fragmente. Todos esses processos, de forma vagarosa, mas certeira, ajudam a pôr montanhas abaixo.4
Os produtos da erosão e da ação do tempo, os sedimentos, escorregam pela terra, acomodam-se em poças, são arrastados por córregos e
finalmente chegam ao mar. Os rios, carregando areia e sedimentos, correm em direção ao oceano. Ao se aproximar, o fluxo do rio se desacelera,
e os sedimentos suspensos começam a afundar. No solo marinho, as camadas de sedimentos aumentam aos poucos. As mais profundas são enterradas progressivamente, comprimidas por um peso cada vez maior, e,
no final, se endurecem. Transformam-se, enfim, em pedra.
O oceano está repleto de pequenos crustáceos, vermes e algas, uma
vida microscópica que serve de base a toda uma cadeia alimentar. Os
mares estão repletos deles. E, entre as três espécies de criaturas marinhas
– as que se fixam ao solo, como corais; as que nadam livremente, como
os peixes; e os pequenos seres que simplesmente flutuam com as correntes e marés –, estes últimos são seguramente os mais prolíficos, produzindo cerca de 80% de toda a matéria orgânica do oceano.5
Essas hordas de minúsculas criaturas marinhas são chamadas de
plâncton. O termo “plâncton” não se refere especificamente a nenhum
tipo de organismo, e sim a um comportamento: essas criaturas são muito
pequenas ou fracas para nadar e, portanto, flutuam nas correntes e marés,
esperando pelo melhor. Os fitoplânctons, microscópicos organismos
fotossintetizantes e unicelulares, são os motores do mar. Eles formam
a base da cadeia alimentar ao se aproveitar da luz do sol e do dióxido
de carbono e, quando afundam, servem de sustento às criaturas abaixo,
engolidos em pequenos pedaços por outros tipos de plâncton ou em
grandes porções por aqueles que nadam.
O objetivo de vida do plâncton é não afundar. Precisam permanecer na camada de água que lhes proporciona suficiente luz e calor, e
essa luta tende a mantê-los diminutos. Eles escapam dos predadores ao
se tornar transparentes, ao se juntar em grandes aglomerações, ou simplesmente ao se tornar ainda menores. As partículas de nutrientes
suspensos na água ao redor lhes servem de alimento.6
As diatomáceas são especialmente prolíficas. Elas são criaturas
metade planta e metade animal, se reproduzem por divisão e podem du14 | Introdução
rar por anos em estado de suspensão, esperando pela oportunidade certa
para voltar a viver. A mais longa delas chega a medir oitenta micrômetros.
Depois que morrem, suas carapaças silicosas afundam até o solo marinho,
unindo-se aos ossos e dentes de peixes, e se misturam ao longo das costas com os sedimentos provenientes dos rios.7 As pequenas carapaças
dessas e de outras criaturas unicelulares atingem o fundo e se misturam
à lama, tornando-se o que os geólogos chamam de “sapropel”.8
Os restos de plâncton e outros sedimentos podem cobrir o solo
marinho com cerca de 0,1 milímetro de matéria orgânica por ano. Após
dez milhões de anos, isso chega a um quilômetro. E, de fato, o acúmulo
dos restos dos cocolitos, pequenas conchas esféricas com cerca de dez
micrômetros de diâmetro9, formou a maior parte das colinas íngremes
e esbranquiçadas que compõem a paisagem de ambos os lados do Canal da Mancha.10
A maior parte da matéria orgânica que começa a afundar até as
profundezas nunca atinge o fundo do mar. É comida por peixes ou
destruída por bactérias. Contudo, em alguns momentos e locais específicos, os sedimentos orgânicos são preservados intactos e são enterrados. Se as condições para esse acúmulo são adequadas, eles podem,
com o tempo, se transformar em petróleo.
Essa lama em questão, esse pré-ancestral do petróleo, é composta
em boa parte por carbono.
O carbono é o bloco elementar da vida, o elemento que as plantas
transformam em alimento e que nós expelimos na respiração como gás
carbônico. É substância negra e fuliginosa que compõe o carvão e o
grafite, assim como o material mais duro do planeta, o diamante. Combinado com outros elementos, forma incontáveis outros produtos. Todo
um ramo de pesquisa científica, a química orgânica, concentra-se no
estudo do carbono.
Bilhões de anos atrás, meteoritos com carbono, e outros corpos
celestes menores, bombardearam a Terra, aumentando gradativamente
a quantidade de carbono no planeta recém-nascido.11 Há cerca de 49
mil gigatoneladas métricas12 de carbono na Terra atualmente13, e o elemento é o quarto mais abundante no universo, depois do hidrogênio,
hélio e oxigênio.14
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O carbono circula pelo planeta, aprofunda-se na terra, é expelido
de vulcões e flutua pela atmosfera. Cerca de 750 gigatoneladas de carbono estão na atmosfera, representando menos de 1% do carbono mundial. Nas alturas, o carbono envolve o planeta numa camada que o
aquece, deixando que o calor entre, mas impedindo-o de sair.15
A grande parte do carbono do planeta – mais de 30 mil gigatoneladas – reside nos oceanos. (Cerca de 10 mil gigatoneladas estão armazenadas em hidratos de metano, uma forma cristalizada do metano que
se desenvolve nas profundezas dos mares gelados.)16 O oceano e a atmosfera mantêm uma boa relação a respeito do carbono, do tipo “toma
lá, dá cá”, recebendo ou enviando o elemento em função de qual lado
está com a maior concentração.17 O dióxido de carbono (gás carbônico)
se dissolve nos mares, e as correntes oceânicas conduzem as águas carregadas de carbono até as profundezas. O fitoplâncton também transforma
o carbono do ar em alimento, armazenando-o em seus tecidos aquosos.
Outras criaturas famintas, ao se alimentar do fitoplâncton, aproveitam-se
de todo o seu estoque de carbono, transportando-o pela cadeia alimentar.18
Um processo similar ocorre em terra firme; as plantas transformam o carbono em alimento e em tecido vivo por meio da fotossíntese.
Os animais comem as plantas ricas em carbono, e isso faz com que
cresçam e exalem os produtos colaterais, como o gás carbônico, na
atmosfera – que será novamente usado pelas plantas durante a sua respiração. No total, as florestas e todo o restante da vida terrestre se
alimentam, respiram e exalam outros 3% do carbono mundial.
Ao se fundir com o hidrogênio, o carbono repele a água, e é por esse
motivo que o óleo não se mistura à água. O petróleo, assim como o gás
natural e o carvão, é um hidrocarboneto, batizado com esse nome porque
consiste de carbono e hidrogênio. As moléculas mais simples de petróleo
são longas cadeias de átomos de carbono, com átomos de hidrogênio ligados nas laterais e nas terminações dessas moléculas. Um único átomo
de carbono com alguns átomos de hidrogênio ligados a si é chamado de
metano, um gás leve. Uma cadeia de três carbonos chama-se propano; com
quatro carbonos, é butano. Já uma cadeia de oito carbonos leva o nome de
octano. Conforme as cadeias e os anéis de carbono ficam mais longos,
grudam-se melhor uns aos outros. Ou seja, o hidrocarboneto fica mais
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denso. Cadeias de 30 carbonos são ceróides; as refinarias produzem cadeias ainda mais longas para criar os plásticos.19
Para seres como o plâncton, que vivem em ambientes aquáticos e
são compostos principalmente por água, é essencial ter uma barreira de
material que afaste a água. É isso que os separa do mar que os cerca; uma
tênue barreira entre a água animada, do lado de dentro, e a inanimada,
do lado de fora. Portanto, não é de surpreender que um componente
essencial das membranas celulares dos plânctons sejam as cadeias de
moléculas de hidrocarboneto. Se você fosse capaz de ampliar as membranas celulares de algas marinhas, veria uma cadeia de 15 ou 17 átomos de carbono unidos, impedindo que as águas avançassem.20
Carcaças de plâncton ricas em hidrocarbonetos amontoam-se nos
sedimentos no fundo do mar. Conforme mais e mais sedimentos orgânicos recobrem o topo, cada camada é enterrada cada vez mais fundo
no leito oceânico. Após os sedimentos avançarem muitos quilômetros
no subterrâneo, sua matéria compacta expele grande parte da água que
armazenava. Como muito da matéria orgânica provém dos plânctons, e
como o plâncton tem hidrocarbonetos que repelem a água, as camadas
tornam-se ricas desses compostos. Após milhões de anos, as camadas
subterrâneas ricas em hidrocarbonetos se endurecem, tornando-se finas camadas de uma rocha de cor amarronzada ou negra.21 Se você
pudesse pegar um pedaço dessa rocha e observá-la no microscópio,
veria pequenas partes de conchas, pólen e até microrganismos completos fossilizados na pedra.22
Depois de terem sido enterradas em regiões bem profundas, no
mínimo a dois quilômetros abaixo da superfície, essas camadas sedimentares se transformarão em uma argila xistosa impregnada de hidrocarbonetos. Sob pressões cada vez maiores, ao se aproximar do centro da terra, essas camadas ricas em matérias orgânicas são lentamente aquecidas
a temperaturas de cerca de 80ºC, o equivalente a uma xícara de chá muito quente. Cozinhados por milhares de anos, os hidrocarbonetos presentes na rocha transformam-se. O calor quebra as moléculas maiores, deixando-as cada vez menores, e os hidrocarbonetos na rocha tornam-se mais
leves, menos viscosos e muito mais voláteis. As membranas celulares dos
seres marinhos unicelulares, que repelem a água, são esmagadas e fervem
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lentamente no óleo e, em seguida, preenchem o xisto, ou “rocha-fonte”,
como os geólogos a chamam, em gotas e bolhas.23
Se a camada rochosa continuar a se aprofundar na crosta terrestre, passando dos 5,5 quilômetros, a pressão e a temperatura tornam-se
muito intensas, e as camadas comprimem-se. O óleo se “quebra” nas
menores e mais leves moléculas possíveis – metano ou gás natural.24
Cerca de um quinto do carbono existente no planeta ficou preso
dessa forma, permanecendo na crosta terrestre.25 Antes que as pessoas
começassem a escavar em busca do petróleo, pesquisadores do Serviço
Geológico dos Estados Unidos estimaram que houvesse cerca de 2
trilhões de barris26 de óleo rico em carbono no subsolo. Ao recolher o
petróleo de seu aprisionamento e queimá-lo, enviamos o carbono preso em hidrocarbonetos de petróleo de volta à atmosfera. Durante a última era glacial, a camada de carbono na atmosfera tinha apenas a
metade da espessura que tem hoje. Agora, conforme mais carbono é
liberado e preenche essa camada, ela fica cada vez mais espessa, aquecendo gradativamente o planeta.27
Se todo o petróleo do planeta permanecesse no subterrâneo, em
camadas de rochas xistosas muito profundas, as pessoas nunca tomariam conhecimento de sua existência. Parte da história do óleo é como
essas camadas se movem e ficam retidas em lugares que podem ser
alcançados pelos humanos.
O xisto e as “rochas-fonte” estão repletos de óleo, é verdade, mas
é praticamente impossível extraí-lo dessa massa rochosa, devido à alta
densidade. As pessoas, é claro, tentaram fazer isso. Há uma enorme
quantidade de xisto betuminoso no Colorado, depositado por um lago
gigante que cobriu partes de Utah, Colorado e Wyoming há mais de 60
milhões de anos. Hoje, o lago se foi, mas seus sedimentos petrolíferos
permaneceram na superfície e chegaram a ser chamados por um geólogo
de “campo de petróleo que não nasceu”.
Pedaços do rico xisto do Colorado queimam quase como carvão
– essa descoberta foi feita por trabalhadores da ferrovia que o usaram
para cercar suas fogueiras. Há toneladas de petróleo nesse xisto; se as
pessoas pudessem retirá-lo, a quantidade seria mais ou menos equivalente a todo o óleo convencional do mundo.28
18 | Introdução
Nos anos 1980, a Exxon, desesperada por uma nova fonte petrolífera, gastou mais de US$ 1 bilhão tentando extrair petróleo do xisto do
Colorado e abandonou o projeto quando seu custo chegou a US$ 8 bilhões
para produzir apenas 50 mil barris de petróleo por dia.29 Para extrair esse
petróleo, a companhia teria de recolher a rocha, esmagá-la e aquecê-la,
produzindo mais lixo do que caberia no espaço em que a rocha fora retirada.30 O procedimento é também altamente poluente, liberando de três a
seis vezes mais gases-estufa na atmosfera do que a produção convencional de petróleo, de acordo com o Greenpeace, que fez campanhas contra
o desenvolvimento da produção de petróleo de xisto.31
Em vez disso, as pessoas procuram por regiões em que as forças
geológicas extraíram o petróleo do xisto e o passaram a uma rocha mais
apropriada para ser perfurada. Isso ocorre quando as camadas de xisto
são comprimidas pelos constantes movimentos das placas tectônicas.
Após milhões de anos dessa pressão, o óleo, menos denso que a rocha,
escapa de seu aprisionamento. Uma corrente migratória de petróleo pode
viajar por longas distâncias, percorrendo, em alguns casos, mais de 160
quilômetros.32 Para onde ele vai? Esmagado sob uma tremenda pressão,
sob centenas de metros de camadas de rocha em movimento, o petróleo
segue o caminho de saída mais fácil, através de pequenas fraturas e poros
nas rochas que o sufocam. É um caminho tortuoso, curvando-se e serpenteando pelas minúsculas brechas, em direção ao sol.33
As camadas rochosas são pesadas, mas nem todas são muito densas. Digamos que o óleo em deslocamento encontrou uma rocha produzida a partir das areias brancas e finas de uma praia enterrada, que se
fundiu em arenito poroso. Mesmo sob grande pressão, cerca de um
quarto do volume dessa rocha será composto de espaços vazios. Os
grãos de areia, com dimensões semelhantes, empilham-se uns sobre os
outros como se fossem bolas de pingue-pongue, deixando bastante espaço entre eles. Ou digamos que o petróleo deparou com pedra calcária
que, em algum momento, se deslocou das profundezas e entrou mais
uma vez em contato com o mar. A acidez da água pode abrir caminhos
na rocha, deixando atrás de si uma rede de pequenos veios interconectados. O calcário pode também deparar com recifes soterrados, com
seus infindáveis tubos e reentrâncias criados por seres vivos, e também
ficará marcado com reentrâncias interligadas.34 Uma rocha porosa como
essa começará a se encharcar de petróleo, como se fosse uma esponja.
O arenito ou o calcário saturado de óleo tornam-se o que é chamado de
“rocha-reservatório”.35
Nasce o petróleo | 19
O arenito repleto de petróleo, essa esponja oleosa, precisa receber alguma espécie de lacre. Caso contrário, o óleo continuaria a se
deslocar e se dispersaria, tornando-se tão espalhado que seria impossível coletá-lo. Algo impermeável deve se depositar sobre o arenito, formando uma espécie de parede para impedir a migração do petróleo; a
própria estrutura das rochas pode se alterar, de forma a reter o petróleo.
Uma camada impermeável de rocha – mais xisto, por exemplo –, que
impede a passagem de água e óleo, pode se acomodar em uma posição
ideal, sobre uma corrente de petróleo em migração, retendo-o como se
fosse uma cuia de ponta-cabeça. Após milhões de anos, essas camadas
curvas (chamadas de “anticlinais” pelos geólogos) podem reter o petróleo nas rochas porosas logo abaixo.36
Em alguns casos, se há múltiplas camadas de xisto, arenito e sal,
numa seqüência repetida diversas vezes, o sal tenderá a se deslocar
para a superfície, pois é mais leve do que as outras camadas. As camadas de sal empurrarão as camadas sedimentares de cima, formando
uma espécie de domo. Depois de o xisto ser espremido e seu petróleo
ser transferido ao arenito, o domo barra qualquer deslocamento posterior. Anticlinais formados por domos salinos são excelentes armazenadores de petróleo.37
Anos de erosão, entretanto, podem desgastar as rochas que retêm
esses reservatórios de petróleo, fazendo com que um campo petrolífero inteiro atinja a superfície. Isso ocorreu em Alberta, no Canadá. Todo
o óleo menos denso e o gás natural rapidamente se dispersaram no ar,
deixando para trás apenas um solo coberto de alcatrão e óleo viscoso –
conhecido como areias de alcatrão de Alberta, um campo petrolífero
morto em comparação ao campo xistoso por nascer.38
Uma boa reserva petrolífera, portanto, precisa conter camadas
espessas de “rochas-fonte” ricas em petróleo, “rochas-reservatório”
porosas e uma rocha impermeável, “selante”, todas na posição adequada para formar uma “trapa”, que será pressurizada e aquecida nas condições necessárias. É uma complexa seqüência de eventos que ocorre
durante milhões de anos, aproveitando-se das carcaças de bilhões de
criaturas, do aumento e retrocesso dos mares e do deslocamento de
toneladas de rochas. No final, estima-se que a Terra tenha gerado 2
trilhões de barris de petróleo, em um trabalho que parece improvável,
mas cuja escala é surpreendente.
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Kenneth Deffeyes, professor aposentado de geologia da Universidade Princeton, é um homem rotundo e alegre que cresceu na esteira
do petróleo. O amor ao óleo, que estudou durante toda a vida – para a
Shell, para Princeton ou para várias outras companhias petrolíferas em
que foi consultor –, o compele a abaixar o vidro do carro sempre que
passa por uma refinaria para poder sentir seu cheiro. A história do inusitado ancestral do petróleo parece enchê-lo de júbilo. “Se falta alguma das condições necessárias, é má sorte. Se alguma delas só se desenvolve parcialmente, surge um pequeno campo petrolífero”, diz ele. “As
chances de tirar um sete com os dados por seis vezes consecutivas é
muito pequena!”
“É como se fosse uma estrada na qual sempre ocorrem acidentes;
na maior parte, são batidas leves, apenas com pára-choques amassados. Mas às vezes ocorrem engavetamentos gigantescos, com quarenta
carros”, continua ele. “Bem, o Oriente Médio é uma dessas rodovias
expressas em que houve um engavetamento de quarenta carros. É um
lugar em que tudo aconteceu como tinha de ser.”39
Há cerca de 180 milhões de anos, um mar morno e raso ocupava
uma região na linha do Equador, dividindo o único continente que cobrira previamente a Terra em dois grandes subcontinentes, Laurásia e
Gondwana. Organismos ancestrais, formadores de recifes, lentamente
construíram suas barreiras nesse mar. Ele foi batizado de Tétis, em
relação à lendária filha do deus grego dos céus e da deusa da terra, que
teve 3 mil ninfas do oceano e todos os deuses dos rios.40 Tétis espalhou
suas correntes equatoriais de água quente, com uma diversidade de
seres primitivos do jurássico e do cretáceo, por todo o globo.41 Répteis
com formato de golfinhos e crocodilos marinhos cruzavam suas águas,
com plesiossauros de até dez metros reinando no mundo submarino.
Na terra, dinossauros marchavam entre as cicadas compridas e primitivas. Nossos ancestrais, os primeiros mamíferos, eram seres ínfimos,
“as baratas da época”, conforme diz o paleontólogo Michael Benton, apesar de reclamarmos para nós os produtos do Tétis muito tempo depois.42
Por mais de 100 milhões de anos, o solo marinho do Tétis recebeu
ricas camadas de sedimentos, como conchas descartadas, plâncton e
outros sedimentos orgânicos que se acomodaram suavemente sobre o
leito. Posteriormente, os mares que banhavam a costa retrocederam,
Nasce o petróleo | 21
deixando para trás uma crosta salgada sobre as camadas orgânicas. As
areias avançaram e cobriram o sal. O processo se repetiu diversas vezes
e deixou seqüências espessas de rochas-fonte, rochas-reservatório e
evaporitos. Vagarosamente, essas camadas começaram a afundar e foram comprimidas nessa essência da vida ancestral, o petróleo.43 Esses
antigos leitos marinhos do Tétis contêm, hoje, cerca de dois terços de
todo o petróleo mundial.44
Muito disso ficou aprisionado no Oriente Médio. Cerca de 15
milhões de anos atrás, o solo marinho do Tétis foi erguido pela terra,
com seus sedimentos chegando à superfície. As massas continentais da
Arábia e da Ásia, que anteriormente margeavam suas águas, colidiram. O impacto arrasou a terra, criando os picos das enormes montanhas Zagros, localizadas atualmente no sudoeste do Irã. A face sudoeste das montanhas foi deixada com uma enorme depressão, a Bacia
Mesopotâmica, uma das maiores bacias sedimentares do mundo, onde
se depositaram os sedimentos orgânicos do agora extinto Tétis. Nesse
meio tempo, o estresse da enorme colisão continental criou elevações,
depressões e dobras na rocha, empurrando o petróleo para fora dos
extratos subterrâneos. O óleo começou a migrar. As extintas praias e os
recifes do Tétis, enterrados e transformados em arenito e calcário, absorveram os óleos que migravam. Em alguns locais, as camadas de sal
os selaram em domos salinos; em outros, o estresse curvou os sedimentos, formando enormes anticlinais que armazenaram o petróleo.45
Com trilhões de barris de petróleo cru migrando pelas fendas das
rochas abaixo do solo, não é de surpreender que em algum momento a
substância tenha encontrado um caminho até a superfície. Uma parte
dela simplesmente desapareceria ao evaporar na atmosfera. Outra parte permaneceria, acumulando-se em poças lamacentas, escorrendo de
encostas ou borbulhando no leito de rios, falhas e mares.46 As bactérias
se alimentariam dos ricos hidrocarbonetos, ocupando as poças negras.
Nos mares tropicais, as bactérias se agrupariam ao redor das manchas
de óleo na superfície, formando aglomerações que mais tarde seriam
colonizadas por seres formadores de recifes.47
Os recentes humanos marcharam para fora da África ancestral,
aproveitando-se de uma ponte de terra formada na colisão entre a Áfri22 | Introdução
ca e a Ásia, que engolira o Tétis, e se instalaram no vale fértil entre os
rios Tigre e Eufrates. Não demorou muito para que encontrassem os
resquícios desse antigo e rico mar. Os solos férteis, banhados pelo sol,
liberavam lentamente a substância viscosa.48
A primeira coisa que notaram foi o som sobrenatural. O gás escapava do subsolo através de fissuras no chão, criando um eco fantasmagórico. Para as pessoas que colavam os ouvidos à superfície, era como
se escutassem as vozes dos deuses dos mundos inferiores. Encontraram piscinas viscosas e pegaram um pouco do estranho líquido, predizendo o futuro a partir das formas que ele adquiria ao ser lançado na
água. Em pouco tempo, a substância foi empregada numa atividade
mais prática: em embarcações e casas como uma vedação à prova de
água. Os vazamentos no solo eram tão abundantes que os povos
mesopotâmicos foram capazes de escavar cerca de 50 mil quilos de
sedimentos de petróleo sólido. Também encontraram o óleo líquido e
menos denso, mas o consideraram inútil. Plínio chegou a declarar que
este era muito combustível e, portanto, “totalmente inadequado para o
uso”.49
Os persas enchiam potes e outros recipientes com uma mistura
malcheirosa e volátil de enxofre e óleo cru, à qual ateavam fogo e
lançavam contra os inimigos. Os gregos antigos untavam as flechas e
lanças com petróleo para torná-las inflamáveis. No século VII d.C., o
Império Bizantino havia aperfeiçoado um líquido combustível produzido principalmente a partir de petróleo fervido, chamado de “fogo
grego”, e o usara como uma arma que amedrontara a região durante
séculos.50 Eles usavam a mistura inflamável para destruir as ondas de
ataques de muçulmanos, europeus ocidentais e russos. Os soldados
movimentavam-se com longos tubos cheios de óleo cru, que acendiam
e atiravam nos rostos de seus inimigos. Estados muçulmanos praticaram a guerra incendiária – armas tornadas ainda mais letais com o óleo
– para repelir os invasores cristãos.51
Os hidrocarbonetos de Tétis inspiraram tanto a devoção quanto a
agressividade. Em Baku, a antiga cidade persa que hoje é capital do
Azerbaijão, parte do petróleo escapava com o fluxo de gás natural e
queimava continuamente. Os persas reverenciavam esses fogos eternos e miraculosos. O profeta Zoroastro, nascido no Azerbaijão ou no
Irã, há mais de dois mil anos, criou uma nova religião baseada na devoção ao fogo, que floresceu como a religião oficial da Pérsia durante
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mais de 400 anos. Seus seguidores, os zoroastristas, mantinham chamas perpétuas em seus templos. Quando os árabes muçulmanos conquistaram a Pérsia, no século VII, extinguindo os fogos perenes, os
zoroastristas fugiram para a Índia. Hoje, 270 mil zoroastristas na Índia
e no Irã rezam para a chama eterna cinco vezes por dia – uma devoção
moderna a uma maravilha ancestral, a pura combustão brotando do
ventre da terra.52
O petróleo tornou-se tão conectado às nossas vidas que, como o
ar que respiramos e o chão sobre o qual pisamos, muitos de nós quase
nunca o notamos, a não ser quando sentimos o odor da bomba de gasolina no breve ritual semanal de encher o tanque do carro. Mas o petróleo, como parte de nosso planeta, com seu legado e capacidade de
mudança, não é algo que possamos separar facilmente de nossa própria origem orgânica e terrestre, quando o colocamos em nossas máquinas, com braços esticados e nariz tampado.
A forma como o óleo é criado, seu pedigree ancestral, sua viagem
tortuosa até os locais da terra em que podemos encontrá-lo, sua química elaborada – tudo isso o torna precioso. Ainda assim, nunca foi tratado da maneira que merece. Logo que encontramos o petróleo, nos refestelamos com ele e o consumimos com uma velocidade cerca de 100
mil vezes maior do que o tempo que ele precisaria para se acumular
novamente.53
24 | Introdução
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