Nova receita para o bacalhau

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Nova receita para o bacalhau
Junho 2010
Peixe dos pobres vira prato de luxo: Natas sem bacalhau?
O bacalhau é o peixe mais icónico da gastronomia portuguesa. Esta espécie, pescada e consumida por
portugueses há mais de 500 anos, é considerada a mais lucrativa da história e mantém-se ainda hoje como a
principal espécie no nosso prato. No entanto, se nos tempos glórios da pesca do bacalhau os navios portugueses
conseguiam satisfazer toda a procura no mercado (que ainda hoje se mantém firme em cerca de 250.000 t em
equivalente a peso vivo (1)), hoje, os poucos navios que restam da grande frota bacalhoeira contribuem apenas em
cerca de 2% ao total consumido. O restante bacalhau consumido em Portugal é, na sua maioria, importado da
Noruega e, em menores quantidades, da Islândia, Rússia e Canadá. Sendo uma espécie cobiçada em quatro
continentes, estes países defendem acerrimamente o seu direito de preferência no acesso à pesca.
O desaparecimento da frota bacalhoeira portuguesa, entretanto reduzida a grandes arrastões, está intimamente
ligado ao colapso dos grandes stocks de bacalhau do Atlântico. Hoje resta apenas um stock com estatuto de
'grande': no Nordeste Árctico (mar de Barents). Pelo menos 12 dos 16 stocks comerciais no Atlântico estão
considerados esgotados ou à beira do esgotamento, com os cientistas a recomendar o fecho urgente de sete das
pescarias (2), especialmente no Mar do Norte, Kattegat e Báltico Oeste. Para além da ameaça constante da
sobrepesca, há ainda duas outras grandes ameaças não menos nocivas: a pesca ilegal e a técnica da pesca do
arrasto de fundo.
Em conclusão, o peixe que ajudou a escrever a história da civilização, alimentando o povo durante séculos,
encontra-se hoje ameaçado de extinção, correndo o risco de se transformar numa dieta de luxo reservada a uma
pequena parcela da população mundial.
O bacalhau do Atlântico (Gadus morhua) vive junto ao fundo do oceano em
águas menos profundas, a 150 – 200 m de profundidade. Pode viver até 20
anos, atingir 1,3 mt de cumprimento e 40 quilos de peso. Reproduz-se a partir
dos 3 / 4 anos de idade.
O bacalhau do Nordeste Árctico é apelidado 'skrei' pelos norugueses, o que
significa 'itinerante', por ser mais migratório. Os cientistas suspeitam que esta
espécie passe uma parte da sua vida nas águas gélidas do Oceano Árctico.
Quando o bacalhau do Mar de Barents se dirige para as zonas de desova que
se encontram mais a sul, mistura-se com a população de bacalhau costeiro da
Noruega, hoje gravemente ameaçada.
1
“Bacalhau que nunca chega”
O status quo do bacalhau do Atlântico
O bacalhau a leste do Canadá, depois
do famoso colapso da pesca do
bacalhau em 1992, continua sem dar
sinais de recuperação e os cientistas
mantêm a recomendação de fechar
totalmente a maioria destas pescarias
Para além disso, a maioria dos 16 stocks comerciais de bacalhau do Atlântico
(4). Apesar disso a NAFO (a
encontram-se hoje sobreexplorados (ou seja, explorados para além dos limites
Organização de Pescas do Atlântico
que os cientistas consideram biológicamente seguros. Ver Nota 1 para uma lista Noroeste) levantou a moratória para a
dos stocks ameaçados)
pesca do bacalhau na zona 3M, junto
ao “Flemish Cap”, tendo Portugal
Dos grandes stocks históricos de bacalhau, resta apenas o stock do Nordeste
assegurado uma quota de 1.070 t (5).
Árctico. Todos os outros (como os Grandes Bancos do Canadá e os stocks do
O bacalhau do Atlântico está descrito como “vulnerável - enfrentando um risco
elevado de extinção no médio prazo” nas listas vermelhas da OSPAR
(Convenção para a Protecção do Ambiente Marinho do Nordeste Atlântico) e da
IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) (3).
Báltico e Mar do Norte) estão considerados totalmente ou parcialmente
esgotados com o Conselho Internacional para a Exploração do Mar (conselho
científico ICES) a recomendar há anos o fecho de pelo menos 7 das pescarias
para recuperação do stock (6).
No entanto, esta recomendação está a ser sistematicamente ignorada, com
nomeadamente o Mar do Norte a continuar com quotas significativas para a
captura de bacalhau. Apenas os stocks do Nordeste Árctico (Mar de Barents) e
da Islândia, e até um certo ponto, o stock da zona Este do Mar Báltico, estão
considerados em bom estado.
“Bacalhau com todos”
As ameaças ao futuro do bacalhau
Para além da ameaça persistente da sobrepesca, o desaparecimento dos stocks de bacalhau tem sido agravado
pela pesca ilegal, não-declarada e não-regulamentada (IUU). Apesar de, neste momento, as pescarias da zona Este
do Mar Báltico e do Mar de Barents serem fiscalizadas com muito mais rigor, diminuindo em parte o problema,
continua a ser difícil controlar a declaração das capturas e todos os anos é retirado mais peixe do que previsto nas
quotas legais.
Para além disso, mesmo nas zonas onde existem stocks saudáveis e razoavelmente bem-geridos, o bacalhau do
Atlântico enfrenta ainda outro perigo: a pesca de arrasto de fundo. Esta técnica de pesca que literalmente arrasa
tudo o que encontra no seu caminho, é o método de captura mais desperdicente, contando, em média, com um
índice de rejeição nunca inferior a 40% da captura total (7). Como tal, a pesca de arrasto de fundo está a causar a
destruição gradual dos habitats dos oceanos, perturbando gravemente os ecossistemas marinhos, e é uma das
principais ameaças à sobrevivência desta e outras espécies.
Actualmente, cerca de 40% das capturas de bacalhau são efectuadas com a pesca de arrasto de fundo (8) praticamente todos os navios da União Europeia (incluindo a frota portuguesa) e da Rússia que pescam no Mar de
Barents utilizam esta técnica (9). Na Noruega, a pesca tradicional (cerco demersal, palangre e linha de mão) ainda é
a mais popular, sendo que apenas 30% da sua frota utiliza a pesca de arrasto de fundo.
Os portugueses consomem anualmente perto de 60.000 t de bacalhau em peso seco,
ou seja, o equivalente em peso vivo a aproximadamente 250.000 t (10). Portugal é
assim um dos maiores consumidores per capita deste peixe a nível mundial,
absorvendo no mercado nacional um terço do bacalhau exportado pela Noruega.
Mais recentemente, devido às consequências das alterações climáticas (aquecimento das águas e mudanças das
correntes), o bacalhau está a deslocar-se mais para Norte até ao Oceano Árctico, onde não existe qualquer
2
mecanismo de gestão nem fixação de quotas de pesca. Adicionalmente, as alterações climáticas fizeram recuar a
linha de gelo, tornando hoje possível pescar em regiões anteriormente inacessíveis. Os grandes arrastões da
Rússia, Noruega e de outros países europeus estão assim a seguir os passos do bacalhau, ameaçando um
ecossistema riquíssimo e até agora pristino, com o seu equipamento altamente destrutivo, pondo em risco espécies
nunca antes pescadas, como o bacalhau polar.
Face ao estado actual dos stocks de bacalhau e às ameaças acrescidas descritas acima, a Greenpeace recomenda
aos grandes retalhistas que evitem totalmente a venda de bacalhau proveniente de zonas como o Oeste do Mar
Báltico, o Mar do Norte, o Oeste da Escócia, o Mar da Irlanda e Canal Irlandês, o Mar Celta, o Kattegat e o Atlântico
Noroeste a leste do Canadá. A organização recomenda ainda evitar qualquer bacalhau capturado através do arrasto
de fundo ou que tenha como consequência elevadas capturas acidentais de bacalhau costeiro da Noruega e de
peixes-vermelhos, sendo que ambas as espécies se encontram ameaçadas.
Actualmente estão autorizadas a pescar no Mar de Barents (gerido pela Comissão Conjunta para a Pesca da
Noruega e Rússia) frotas da Noruega, Rússia, Portugal, Espanha, Gronelândia, Islândia, Ilhas Faroé, Reino Unido,
Alemanha e França. Portugal, em particular, tem 9 arrastões a operar no Mar de Barents com uma quota de 4.730
toneladas, o correspondente a menos de 2% do total consumido em Portugal (11).
“Sonhos de bacalhau”
Quais são as soluções?
A Greenpeace está a pedir às nações de pesca e Organizações Regionais de Gestão da Pesca que sigam as
recomendações dos conselhos científicos (nomeadamente o ICES) e encerrem as pescarias com maior risco de
colapso do stock de bacalhau. Para as restantes pescarias, a organização defende que as quotas máximas sejam
estabelecidas segundo os níveis de exploração considerados seguros, de forma a assegurar a manutenção ou
recuperação continuada dos stocks, acrescentando que estas quotas devem ter em conta a quantidade total de
bacalhau que se estima retirar das zonas em questão (ou seja, devem incluir a mortalidade resultante da pesca ilegal
e das capturas acidentais).
A Greenpeace alerta ainda para a necessidade de empregar métodos de pesca mais suaves do que a pesca de
arrasto de profundidade, evitando consequências graves para o futuro dos habitats marinhos e das espécies que
estes abrigam. O método utilizado actualmente com menos impacto é a pesca à linha de mão, seguido do palangre
artesanal. No entanto, mesmo o cerco demersal (nomeadamente a rede de cerco dinamarquesa) e o palangre de
maior dimensão podem ser utilizados de maneira segura, desde que aliados a técnicas de mitigação das capturas
acidentais e supervisionados por observadores independentes.
Por fim, a Greenpeace está a pedir que seja impedida a pesca comercial no Árctico, nomeadamente a pesca do
bacalhau, enquanto os países do Árctico e outros países interessados discutem medidas para proteger este tesouro
da humanidade até agora quase inacessível.
“Bacalhau delícia”
Receita para retalhistas
Os supermercados são responsáveis pela comercialização de 70% do pescado que se vende em Portugal, o que
lhes confere uma enorme capacidade de influenciar o mercado. Nesse sentido, as grandes cadeias de distribuição
alimentar têm a responsabilidade de garantir que não estão a incentivar a pesca em stocks ameaçados ou métodos
de captura destrutivos para os ecossistemas marinhos. Para contribuir para a preservação dos últimos stocks de
bacalhau do Atlântico, estes devem incorporar medidas preventivas nas suas políticas de pescado e facilitar a
escolha do consumidor, etiquetando o bacalhau que comercializam com o nome do stock e o método de pesca
utilizado.
A Greenpeace está a pedir aos retalhistas que:
•
forneçam maioritariamente bacalhau do Atlântico da Islândia (zona Islândia Va) e do Mar de Barents (zona
Árctico Nordeste I & II), podendo, em quantidades bastante mais reduzidas, fornecer adicionalmente
bacalhau da zona Este do Mar do Báltico (zona Báltico Este 25-32). O bacalhau do Pacífico (com excepção
das águas do Canadá, uma vez que o método predominante de pesca nesta zona ainda é o arrasto de fundo)
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encontra-se a níveis sustentáveis e pode constar uma boa alternativa;
•
evitem a pesca de arrasto de fundo, fornecendo apenas bacalhau capturado através de métodos mais
suaves, como a pesca à linha de mão, o palangre artesanal e, desde que aplicados com técnicas de
mitigação das capturas acidentais e controlados por observadores independentes, o cerco demersal e
palangre de maior dimensão;
•
não forneçam bacalhau capturado acima dos 80º N (Oceano Árctico).
Campanha para Mercados de Peixe Sustentável
Greenpeace International
Junho 2010
Notas
1. Os stocks considerados sobreexplorados são os da zona Oeste do Mar Báltico, o Mar do Norte, a zona Oeste da Escócia, o Mar
da Irlanda e o Canal Irlandês, o Mar Celta, o Kattegat e ainda o Atlântico Noroeste a leste do Canadá.
Referências
1.
2.
Dados da Associação dos Industriais do Bacalhau para 2008 para peso seco e factor de conversão utilizado no estudo
“A saga do “Fiel Amigo”: As indústrias portuguesas do bacalhau”, J.Ferreira Dias et al., publicado em Global
Economics and Management (2001,1). http://repositorio-iul.iscte.pt/handle/10071/808
ICES 2009
3.
4.
http://www.iucnredlist.org/apps/redlist/details/8784/0
5.
6.
7.
http://www.portugal.gov.pt/pt/GC17/Governo/Ministerios/MADRP/Notas/Pages/20090925_MADRP_Com_NAFO.aspx
8.
MBA/SeafoodWatch (2005) "Imported Atlantic Cod-FinalReport"
www.montereybayaquarium.org/.../MBA_SeafoodWatch_ImportedAtlanticCodReport.pdf
Em 2003, o Comite para a Situação das Espécies Ameaçadas no Canadá (COSEWIC) classificou os stocks da Terra
Nova e Labrador com estatuto de “em perigo”, os stocks do Laurentian Norte com estatuto de “ameaçado” e os stocks
dos Marítimos e do Árctico com estatuto de “preocupante”. Recentemente estas classificações foram submetidas a uma
revisão e espera-se que os respectivos estatutos tenham piorado. Veja também a história das pescarias canadianas aqui:
http://www.dfo-mpo.gc.ca/kids-enfants/map-carte/map_e.htm
ICES 2009
DAVIES RWD, et al. Defining and estimating global marine fisheries bycatch. Marine Policy (2009),
doi:10.1016/j.marpol.2009.01.003
9.
A pesca de arrasto de fundo representa 30% das pescarias norueguesas, mas a maioria das outras nações com quotas
na zona emprega exclusivamente este método. http://www.fisheries.no/Ecosystems-andstocks/marine_stocks/fish_stocks/cod/north_east_arctic_cod/
10. Dados da Associação dos Industriais do Bacalhau para 2008
11. Estatística da Pesca 2008 – INE / Direcção Geral das Pescas e Aquicultura
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