Artigo original Evolução das lesões intraepiteliais de colo uterino de baixo grau em uma coorte de pacientes acompanhadas por 18 meses Claudia Maria Ricardo Serafim GiaccioI, Edenilson Eduardo CaloreII, Wilza Vieira VilellaIII, Barbara de Paula Gomes Nunes de CastroIV, Leandro da Silva FernandesIV, Vanessa Küpper TirloniIV Instituto de Infectologia Emílio Ribas INTRODUÇÃO As lesões intraepiteliais do colo uterino são consideradas precursoras do carcinoma epidermoide desta região.1 As lesões escamosas de alto grau (high grade squamous intraepithelial lesion, HSIL) são tratadas em geral pela ablação ou excisão.2 No entanto, há divergências quanto à abordagem das lesões escamosas de baixo grau (low-grade squamous intra-epithelial lesions, LSIL),3,4 já que, de acordo com a literatura, estas regridem espontaneamente em aproximadamente 60% dos casos em até dois anos,5 enquanto que 1% evolui para carcinoma invasor.3,4,6 Há um grande período de latência entre o diagnóstico de LSIL e o desenvolvimento do câncer invasor,4 o que torna o screening citológico bastante seguro para o diagnóstico, prevenção e acompanhamento destas lesões.7 De maneira geral, o tratamento da LSIL compreende ao menos duas abordagens diferentes:8 expectante e intervencionista. Na conduta expectante, a paciente é acompanhada semestralmente, por meio de avaliações citológicas e colposcópicas, tratando-se apenas as intercorrências que podem prejudicar a regressão natural de lesão, bem como seu acompanhamento. É respaldada no conhecimento de que a maioria dessas lesões5 especialmente em mulheres jovens, representa uma infecção limitada pelo papilomavírus humano (human papillomavirus, HPV) e raramente apresentam progressão para carcinoma.6,9 A abordagem expectante tem como vantagem menor custo e menor manipulação da paciente, evitando-se o “overtreating” (tratamento em excesso), permitindo a diminuição do nível de estresse da paciente e profilaxia de procedimentos invasivos e suas consequências, tais como:3,10 dismenorreia, dificuldade de leitura do esfregaço citológico, alteração da posição da junção escamocolunar (JEC), além de facilitar procedimentos mais invasivos para futuro acompanhamento. Um dos problemas dessa abordagem é o risco de subdiagnóstico de uma lesão mais grave devido aos problemas inerentes de acurácia do exame colposcópico.11 A conduta intervencionista pode ser realizada por ablação (destruição) ou excisão. A ablação pode ser obtida por diatermocauterização, criocauterização, cauterização química e ablação a laser. Nessa modalidade, há destruição da lesão, porém é de maior custo.3 Pode ter sequelas como dismenorreia, dificuldade de leitura do esfregaço citológico, sepultamento de lesões mais graves.9,10-12 O tratamento excisional da lesão inclui a cirurgia de alta frequência (CAF) e a cirurgia a laser.8,9 Tem como vantagem ao método anterior enviar o material retirado para estudo histológico,12 porém, também está relacionado a custos mais elevados,3 sangramento e dor no momento do procedimento, e a longo prazo, alteração da junção escamocolunar.13 Outra questão que deve ser discutida é o potencial que uma dada paciente infectada tem de transmitir o vírus, não há um método definido que permita identificar quais pacientes terão remissão, persistência ou progressão da lesão. A expressão do p16 e tipagem do HPV, expressão do ki-67, entre outros, tem sido avaliada como potencial biomarcadora para ser utilizada no acompanhamento dessas pacientes.12 No entanto, como o risco de carcinoma invasor é relativamente baixo, alguns autores acreditam que não haja necessidade de conduta mais agressiva mesmo quando a junção escamocolunar não é totalmente visualizada na colposcopia.4 OBJETIVO Acompanhar a evolução de lesões intraepiteliais de baixo grau (incluindo a taxa de remissão espontânea e a incidência Mestre em Saúde Coletiva e Infectologia e professora da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) e médica assistente do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros (HMLMB). Professor livre-docente pela Universidade de São Paulo e chefe do Departamento de Anatomia Patológica do Instituto Emílio Ribas. Professora doutora, com pós-doutorado em Medicina Preventiva pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unifesp. IV Acadêmico da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). I II III Diagn Tratamento. 2010;15(4):170-3. Claudia Maria Ricardo Serafim Giaccio | Edenilson Eduardo Calore | Wilza Vieira Vilella | Barbara de Paula Gomes Nunes de Castro | Leandro da Silva Fernandes | Vanessa Küpper Tirloni de carcinoma epidermoide na população incluída) e avaliar os tratamentos recebidos pelas pacientes. zados controles citológicos e colposcópicos semestrais durante 18 meses. MÉTODOS RESULTADOS A média de idade das pacientes era de 28,8 anos, com mediana de 26,5 (desvio padrão, DP 8,78), variando de 14 a 45 anos. A idade média da coitarca foi de 18 anos, variando de 12 a 26 anos. Dos 63 casos acompanhados, 51 pacientes (80,95%) apresentaram citologia e colposcopia normais após seis meses de acompanhamento, cinco pacientes (7,94%) persistiram com LSIL, sendo que três destas (60%) persistiram com LSIL após 12 meses de acompanhamento e um (20%) evoluiu para HSIL no acompanhamento de 18 meses. Sete pacientes (11,11%) apresentaram citologia com HSIL no acompanhamento de seis meses. Estas foram submetidas a tratamento ablativo. Das pacientes que no primeiro acompanhamento semestral (seis meses) apresentavam citologia e colposcopia normais, três (4,76%) apresentaram lesões intraepiteliais após 12 meses de acompanhamento, sendo que duas (66,67%) apresentaram quadro citológico de LSIL e uma (33,33%) HSIL. Estes diagnósticos foram confirmados histopatologicamente. Na somatória, das 63 pacientes estudadas com LSIL na primeira consulta, 9 (14,28%) pacientes evoluíram em algum momento no acompanhamento por 18 meses para HSIL, enquanto a lesão regrediu nas restantes (87,72%). Desenho do estudo Coorte retrospectiva com coleta de dados de prontuários. Amostra Foram selecionadas 63 pacientes saudáveis da população geral, que foram encaminhadas da Unidade Básica de Saúde para o Ambulatório de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia do Hospital e Maternidade “Leonor Mendes de Barros” (HMLMB) – Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, no período de setembro de 2001 a fevereiro de 2003, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição. As pacientes que preenchiam os critérios de inclusão, após assinarem um termo de consentimento livre esclarecido, foram incluídas no estudo. Critérios de inclusão: • Citologia oncológica recente (até seis meses) • Presença de LSIL pela histologia • Colposcopia satisfatória • Presença de zona de transformação atípica Critérios de exclusão: • Diagnóstico citológico de lesão intraepitelial de alto grau e carcinoma • Sorologia positiva para HIV • Imunossupressão • Histerectomizadas • Tratamento prévio de lesões pré-neoplásicas do colo do útero • Gestantes • Puérperas • Colposcopia insatisfatória Intervenção e desfechos As pacientes deste estudo foram submetidas ao tratamento expectante. Na primeira consulta, realizou-se anamnese, exame ginecológico e colposcopia para avaliação da presença de zona de transformação atípica e sua biópsia. Tratou-se a leucorreia ou colpite atrófica quando presente. O diagnóstico da colpite senil e da colporreia foi feito clinicamente por meio de uma abordagem sindrômica, e/ou pela citologia oncológica. Os medicamentos utilizados no tratamento da leucorreia foram os específicos para cada diagnóstico sindrômico. Após essa primeira etapa, programaram-se controles semestrais para coleta de citologia oncológica e colposcopia com biópsia. Só foi realizada nova biópsia nos casos em que houve modificação do aspecto da lesão ou alteração do resultado citológico. Nestas situações, as pacientes foram desligadas do grupo de estudo. Foram reali- Diagn Tratamento. 2010;15(4):170-3. DISCUSSÃO Segundo as recomendações do American College of Obstericians and Gynecologists, e a American Society of Colposcopy and Cervical Patology, o diagnóstico definitivo de LSIL depende de confirmação histológica, o que foi realizado no presente estudo. Essas sociedades recomendam que pacientes com citologia mostrando LSIL devam ser submetidas a colposcopia para afastar a existência de lesões graves. Para mulheres com histologia de LSIL confirmada, recomenda-se o acompanhamento durante um ano, com exame de citologia a cada seis meses.14,15 A infecção pelo HPV inicia-se com a penetração do vírus no epitélio, por meio de microtraumatismos atingindo a membrana basal. A partir daí, a infecção pode evoluir para infecção latente, subclínica ou clínica.13 Regressão espontânea pode ocorrer em qualquer uma das fases dessa evolução. A resposta imunológica do hospedeiro é provavelmente o fator principal para determinar a evolução.14 O tipo de vírus envolvido na infecção influencia o curso da doença. Mulheres infectadas com HPV de alto risco oncogênico têm maiores taxas de progressão. Adicionalmente, mulheres com vírus de alto risco progridem em menor tempo de atipias escamosas de significado indeterminado para lesões mais graves, sendo que a duração das lesões também é maior que a prevista para o vírus de baixo risco.16-18 A suscetibilidade genética seria outro fator que poderia influenciar a história natural 171 172 Evolução das lesões intraepiteliais de colo uterino de baixo grau em uma coorte de pacientes acompanhadas por 18 meses da infecção pelo HPV. Polimorfismo no antígeno leucocitário humano (human leucocyte antigen, HLA) pode responder pela maior ou menor predisposição de certos indivíduos à infecção pelo vírus.19-22 Melnikow, ao estudar a história natural das lesões intraepiteliais cervicais escamosas por metanálise, observou que pacientes com citologia compatível com LSIL e ASC-US (atypical squamous cells of undetermined significance) apresentam baixo risco relativo de progressão para carcinoma, que é de 1,44% (0%, 3,95%) e 0,25% (0%, 2,25%) respectivamente. A possibilidade de regressão ao diagnóstico citológico normal é de 68,19% (57,51%, 78,86%) dos casos para as pacientes com citologia anterior classificada como ASC-US e de 47,39% (35,92%, 58,86%) para pacientes com diagnóstico anterior de lesão de baixo grau em um prazo de 24 meses.2,12,15 CONCLUSÕES No presente estudo foi observada uma taxa de regressão de 87,72% das LSIL. Nos casos sem remissão, o acompanhamento citológico permitiu o diagnóstico de HSIL e a abordagem terapêutica adequada. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Edenilson Eduardo Calore Instituto de Infectologia Emílio Ribas Avenida Dr. Arnaldo, 164 Cerqueira César — São Paulo (SP) CEP 01246-000 Tel. (11) 3896-1365/3896-1439 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma Conflitos de interesse: nenhum REFERÊNCIAS 1. Solomon D, Davey D, Kurman R, et al. The 2001 Bethesda System: terminology for reporting results of cervical cytology. JAMA. 2002;287(16):2114-9. 2. Human papillomavirus testing for triage of women with cytologic evidence of low-grade squamous intraepithelial lesions: baseline data from a randomized trial. The Atypical Squamous Cells of Undetermined Significance/Low-Grade Squamous Intraepithelial Lesions Triage Study (ALTS) Group. J Natl Cancer Inst. 2000;92(5):397-402. 3. Falls RK. 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Claudia Maria Ricardo Serafim Giaccio | Edenilson Eduardo Calore | Wilza Vieira Vilella | Barbara de Paula Gomes Nunes de Castro | Leandro da Silva Fernandes | Vanessa Küpper Tirloni PALAVRAS CHAVE: Colo do útero. Infecções por papillomavirus. Neoplasias do colo do útero. Neoplasia intra-epitelial cervical. Conização. RESUMO Contexto e objetivo: As lesões intraepiteliais são consideradas precursoras do câncer de colo uterino, sendo que o tratamento depende do tipo da lesão encontrada; para lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL) recomenda-se o acompanhamento e nos casos de lesão intraepitelial de alto grau (HSIL) existem como opções a ablação e a excisão. O objetivo do presente trabalho foi estudar a evolução de lesões intraepiteliais de baixo grau, acompanhadas em um serviço público da cidade de São Paulo, por 18 meses, e a partir desses dados discutir a abordagem terapêutica e acompanhamento destas pacientes. Desenho e local: Este é um estudo de coorte retrospectivo e foi realizado no ambulatório de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia do Hospital e Maternidade “Leonor Mendes de Barros” (HMLMB). Métodos: Foram selecionadas 63 pacientes saudáveis que preencheram critérios de inclusão previamente estabelecidos, além de assinarem um termo de consentimento livre esclarecido. Resultados: Dos 63 casos acompanhados, 51 (80,95%) apresentaram citologia e colposcopia normais após 6 meses, 5 pacientes (7,94%) persistiram com LSIL, sendo que três destas (60%) persistiram com LSIL após 12 meses de acompanhamento e um (20%) HSIL no acompanhamento de 18 meses. Sete pacientes (11,11%) apresentaram citologia com HSIL no seguimento de seis meses. Estas foram submetidas a tratamento ablativo. Conclusão: No presente estudo foi observada taxa de regressão de 87,72%. Nos casos sem remissão, o acompanhamento citológico permitiu o diagnóstico de HSIL e a abordagem terapêutica adequada. Diagn Tratamento. 2010;15(4):170-3. 173