A-4 ECONOMIA Jornal do Commercio Segunda-feira, 18 de julho de 2011 AGRONEGÓCIO - Tentativas do governo de dificultar a compra de terras produtivas por investidores estrangeiros poderia inviabilizar o aumento da produção nacional Especialistas consideram capital externo necessário ANNA BEATRIZ THIEME D iante dos números recordes batidos ano a ano pelo agronegócio, especialistas veem com preocupação as tentativas do governo de dificultar a compra de terras produtivas pelo capital estrangeiro e enfatizam que investimentos externos sempre foram imprescindíveis para viabilizar o aumento da produção agrícola nacional. Eles avaliam que tais limitações no momento em que o Brasil defende a abertura dos mercados em rodadas mundiais de negócios soa como contraditório perante o mundo e que a medida poderá afastar ainda mais investidores, prejudicando já nos próximos anos a velocidade de crescimento do agronegócio brasileiro no ritmo exigido pela crescente demanda mundial por alimentos. Segundo o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho, ao restringir o capital estrangeiro, o Brasil será preterido para novos investimentos. “O controle da entrada desse capital será uma tragédia para o Brasil, que é um país carente de investimentos. Ao restringi-lo, vamos inibir o maior fator de desenvolvimento da agropecuária nacional”, afirma o dirigente. Como exemplo, cita a projeção da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) para o setor sucrooalcooleiro, estratégico no desenvolvimento global de bioenergia, que precisaria de investimentos de R$ 80 bilhões para conseguir suprir a demanda pelo etanol na próxima década, diante da crescente frota de automóveis flex no País. “Sozinho, o setor sucroalcooleiro já nos dá a proporção da necessidade de investimentos que temos. O capital estrangeiro é, portanto, bem-vindo”, acrescenta. Pesquisa divulgada no mês passado pela Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMR&A) reporta que a produção mundial de alimentos tem que crescer 20% nos próximos dez anos só para manter a relação entre oferta e demanda nos níveis atuais. Diante desse quadro, o agronegócio brasileiro tem que crescer 40% no mesmo período, o que exigiria cerca de R$ 93 bilhões em investimentos, dos quais cerca de R$ 50 bilhões têm que vir de fora. O estudo mostra ainda que pelo menos US$ 15 bilhões (cerca de R$ 24 bilhões) já teriam deixado de entrar no Brasil desde agosto do ano passado, quando a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu parecer restringindo a venda de terras a estrangeiros. Foi o primeiro passo dado pelo governo nessa direção. LIMITES. Ao explicar o parecer, o advogado-geral da União, Luís Adams, destacou que a decisão de limitar a venda das terras SOJA Apetite chinês exige cautela À medida que a China se apressa para reforçar sua segurança alimentar, especialistas recomendam cautela ao governo diante do apetite chinês por terras produtivas brasileiras. O passo mais notável do gigante asiático no Brasil nesse sentido foi também o responsável por acender o sinal de alerta do governo brasileiro em relação à questão, levando-o a solicitar parecer da Advocacia Geral da União (AGU), após a revelação da compra pela Chongqing Grain Group de 100 mil hectares na Bahia por US$ 300 milhões, para a produção de soja. Para o embaixador e presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, Sérgio Amaral, o gigante asiático é, “ao mesmo tempo, uma oportunidade e um desafio”. Ele considera razoável a proposta do governo de construir sociedade junto às empresas estrangeiras com interesse em terras produtivas no País. “Acho razoável que o Brasil tome medidas não para impedir, mas para promover convergência entre os interesses de empresas chinesas investidoras que aqui desejem se instalar e os interesses do País, enquanto grande produtor e exportador agrícola”, diz. Ele lembra que o gigante asiático é, hoje, o país que mais investe no Brasil, além de ser o principal destino das exportações brasileiras. “Acho que esse tipo de tratamento que o governo planeja será bom para os dois lados”, acrescenta. Amaral explica que a grande motivação dos chineses em comprar terras produtivas no Brasil passa pela grande preocupação em assegurar o abastecimento de algumas commodities que necessita, sobretudo alimentares e metálicas, como a soja e o minério de ferro, produtos que, juntos, respondem por 70% do total das compras chinesas no País. “A China precisa não só de alimentos, produtivas brasileiras a estrangeiros fora baseada na crescente valorização das commodities agrícolas e na escassez mundial de alimentos. “A exemplo do que é feito por muitos outros países, precisamos impor limites à compra de terras por grupos estrangeiros. E, por meio desse controle, teremos ainda a vantagem de dar mais transparência às aquisições de terras brasileiras”, disse Adams, na época. Entre as restrições previstas estão a limitação da área que poderá ser comprada e a exigência de autorização prévia do Ministério da Agricultura para implementação de projetos agrícolas e de aval do Conselho de Segurança Nacional, caso a terra fique em área considerada indispensável para a segurança do País. Além disso, as empresas só poderiam comprar terras para projetos agrícolas, pecuários ou industriais vinculados aos seus objetivos estatutários. E a soma das áreas não poderia ultrapassar 25% dos municípios onde estejam presentes. A consultora da Informa Economics FNP, Jacqueline Bier- EULLER JÚNIOR/EM/D.A. PRESS Sérgio Amaral: oportunidade e desafio para atender a uma demanda crescente de grandes contingentes de população que migram do campo para a cidade. Precisa também importar minério de ferro, para manter o ritmo de crescimento de suas cidades”, explica. “Sua preocupação é, portanto, estratégica, ao assegurar essas fontes de fornecimento. Eles têm buscado isso em diversas parte do mundo, não apenas no Brasil”, completa. hals, explica que a regulamentação da aquisição de terras por estrangeiros já era feita pela lei n° 5.709, de 1971. “No entanto, em meados de 2010, muitas empresas mistas – brasileiras com participação de capital estrangeiro – começaram a adquirir volume muito grande de terras nos últimos anos, o que acabou deflagrando toda essa discussão”, diz. Segundo Jacqueline, o apetite dos estrangeiros, principalmente dos chineses, acabou gerando certo incômodo entre as autoridades locais, levando o então governo a encomendar parecer da AGU sobre a questão. “Com toda a euforia de alguns grupos, o mercado de terras acabou inflacionado, com os preços também sustentados pela valorização das commodities agrícolas no mercado internacional”, comenta. A valorização dos preços, de fato, aconteceu. Um estudo feito pela consultoria, divulgado no início do ano, mostra que as terras tiveram valorização média de 9,1% em 2010. Enquanto, no primeiro bimestre do ano, o hectare custava R$ 4.599, no último bimestre de 2010, passou a custar R$ 5.017. Tudo isso, avalia a analista, acabou gerando desconforto no governo, principalmente no atual, que tem caráter mais nacionalista e admite questões como reforma agrária e distribuição social da terra – movimentos que poderiam, inclusive, ser prejudicados. “Outra questão que o governo também ‘martela’ bastante é a da soberania nacional, o que tem até certo fundamento”, avalia Jacqueline. “A partir do momento em que não se conhece exatamente nas mãos de quem estão as terras, o governo poderá um dia se surpreender. É um percentual muito grande do território nacional que poderá estar nas mãos de empresas controladas por gente de fora”, acrescenta. ALERTA. De acordo com Jacqueline, desde agosto, quando o governo acendeu o sinal de alerta e divulgou o parecer que, na prática, funciona como uma lei, os negócios vêm sendo afetados, principalmente em regiões agrícolas da Bahia, Tocantins, Maranhão e Piauí, onde há forte investimento internacional. ■ BÔNUS DE CINCO ANOS BNDES conclui captação externa ALEXANDRE RODRIGUES DA AGÊNCIA ESTADO O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anuncia hoje a conclusão de uma captação de 200 milhões de francos suíços, cerca de R$ 380 milhões, com o lançamento de bônus de cinco anos no mercado internacional. Na sua primeira emissão de títulos no exterior este ano, o banco obteve na Suíça o menor custo entre as operações internacionais que realizou desde 1998. A captação é a primeira rea- lizada pelo BNDES em moeda suíça em catorze anos e serve para formar referência para outras emissões brasileiras em um novo mercado, em meio à turbulência que afeta a zona do euro e desvaloriza o dólar americano. Na Europa e EUA, o mercado de emissão de bônus está complicado no momento, por causa dos problemas da Grécia e de outros países europeus. As empresas estão tendo que adiar ou cancelar emissões em razão do aumento da aversão ao risco dos investidores. A emissão do banco foi iniciada em meados de junho, quando o cenário era um pouco mais calmo. Com um tíquete baixo de cerca de 5 mil francos, indicando uma emissão bastante pulverizada, o cupom ficou em 2,75%. Em entrevista ao Grupo Estado, o superintendente da Área Internacional do BNDES, Sérgio Foldes, estimou que esse custo financeiro seria equivalente a cerca de 3,9% numa emissão de bônus em dólar, o que faz dessa captação internacional mais vantajosa do que as operações similares recentes. Em 2009, o banco emitiu US$ 1 bilhão em bônus com cupom (juros nominal) de 6,5% para papéis de dez anos. No ano passado, operação idêntica obteve cupom de 5,5%, e a emissão de 750 milhões em títulos de sete anos no mercado europeu obteve 4,125%. "Vínhamos estudando acessar o mercado de francos suíços, que é importante por ser um selo de qualidade para os emissores. São investidores muito conservadores, muito exigentes em relação a rating", diz Foldes. BRASIL S/A ANTONIO MACHADO [email protected] A doença profunda Os governos da União Europeia e dos EUA, endividados até o nariz a maior parte deles e todos com deficits fiscais, travam batalhas que parecem as derradeiras depois de quatro anos de crise, desde que a economia americana entrou em recessão no fim de 2007. O suor na fronte dos governantes, no entanto, camufla a verdade. A verdade inconveniente, servindo-se desse jargão ambientalista, é que as finanças soberanas da maioria dos países, da Grécia aos EUA, de Portugal ao Japão, há anos são equilibradas com dívidas financiadas no mercado por fundos alavancados — ou seja, oriundos de outra corrente de dívidas — levantados pelo sistema financeiro num circuito em forma de pirâmide. No vértice superior, estão os bancos centrais bombando liquidez. Logo abaixo, vem a banca comum e o mercado desregulado dos fundos de hedge e outras nomenclaturas. É essa corrente de fabricação de riqueza artificial que a quebra do Banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, desnudou. No primeiro momento, ficou exposta a ruína dos ativos bancários. Os Tesouros e os bancos centrais dos EUA e da Zona do Euro — as economias mais abaladas pelo terremoto financeiro — encamparam tais papéis a fim de impedir a quebra seriada da banca e, no momento seguinte, uma depressão planetária. A economia privada do Ocidente foi salva. O que está agora pedindo socorro sem que haja quem possa socorrê-la é a economia pública dos países da velha ordem: EUA, os da Zona do Euro, o Japão, cujo endividamento é anterior à loucura dos anos de maior prosperidade desde a 2ª guerra, e a constelação de astros nacionais que orbitam essas superestrelas. Não há solução fácil. A crise mais profunda é a dos passivos sem correspondência com o valor dos ativos que os amparavam nos balanços da banca e da rede de fundos que agem como bancos à sombra do mercado regulado. É o que explica o trauma do mercado imobiliário nos EUA, travado desde que o devedor hipotecário ficou sem conseguir renovar os papagaios e a banca perdeu as fontes de alavancagem. E é também o que aflige países como Grécia e Portugal, que zeravam seus deficits externos e fiscais, mais o principal e juros da dívida pública, com dívida. REPUBLICANOS INSANOS Está aí o esquema simplificado de uma crise que assume múltiplas formas, mas sempre com a mesma causa: o descasamento entre ativos e passivos. Da banca e dos Tesouros e bancos centrais. No caso de países, ela se revelou insustentável para aqueles que já operavam com deficits externos volumosos, caso dos EUA, que só não foram à breca graças ao dólar e aos papéis do Tesouro, vistos, apesar de tudo, como portos seguros nas ondas de aversão ao risco no mundo. A CRISE SÓ ACABA É essa vantagem NA EUROPA, NOS EUA única dos EUA que a miopia do PartiE NO JAPÃO SE A DÍVIDA do Republicano MIRRAR OU COM ameaça com sua oposição ao goverCRESCIMENTO no Barack Obama, ECONÔMICO ROBUSTO que cresceu desde que ela se tornou majoritária na Câmara, ele se declarou candidato à reeleição em 2012 e ambos tiveram de negociar o aumento do teto da dívida pública do país. Estima-se que os EUA tenham caixa para cobrir os compromissos internos e externos apenas até 2 de agosto. DE FLUXOS E ESTOQUES Ninguém de bom senso cogita os EUA em situação de insolvência. Só que o novo radicalismo dos republicanos não conhece limites, o que torna tudo possível. Mas vamos admitir o melhor — e que a lucidez também ilumine os governos europeus que dão as cartas na Zona do Euro, sobretudo a Alemanha, permitindo à Grécia (ou a Portugal e a Irlanda) rolar toda a dívida a vencer nos próximos anos. E daí? Não, não respire aliviado. A crise continuará. E isso porque ela é tratada como se fosse problema de fluxo e não de estoque. A Grécia vive do turismo, não tem produção, isto é, estoque, para solver a dívida que assumiu, mesmo cortando gasto, e que cresce quanto mais se endivida por causa dos planos de socorro. Os EUA e o Japão estão em melhor situação. Ambos têm o que produzir e vender, esquecendo-se o valor percebido do crédito soberano. Mas não basta ter produção. ARMADILHA DO OCIDENTE Para que funcione a terapia aplicada, que empilha novas dívidas sobre as dívidas vencidas, o crescimento da economia tem de ser maior que os juros do passivo. No caso da Grécia, segundo estudo do Citibank, a economia tem de crescer 5% ao ano para que a relação da dívida sobre o PIB (Produto Interno Bruto) fique estável. Irlanda e Itália teriam de crescer 5%. Portugal, 4%. É factível? Não, diz o Citi, já que não cresciam a esse ritmo nem antes da crise. Para complicar, os programas de austeridade vão reduzir o crescimento, que subtrai receita, e a inflação, o que vai onerar o valor devido. A economia do mundo rico está presa nessa armadilha. O TUMOR NÃO LANCETADO Como diz o analista inglês Niels Jensen, a austeridade aplicada a uma economia exportadora e competitiva como a da Alemanha pode mitigar com exportações, e até evitar, a contração do mercado interno. É o que os EUA estão tentando, ao forçar a desvalorização do dólar com os tais quantitative easing — o sofisma para emissão monetária que implica o aumento de preço das commodities, graças às quais não há deficit na balança comercial do Brasil. Está tudo conectado. Obama tenta tirar os EUA do buraco ativando o crescimento, que na conta dele deveria ser da ordem de 3% ao ano. No melhor cenário, será de 2%, mesma projeção do FMI para a Zona do Euro, onde o quadro é pior. O tumor não lancetado da dívida pública debilita todos eles.