original / originals Relação da síndrome da pelve cruzada com a força respiratória: relato de caso The relationship between the pelvic cross syndrome with respiratory force - a case report Resumo Introdução: a má postura desencadeia desequilíbrios sobre a coluna vertebral, provocando alterações lombares e pélvicas, dentre elas a síndrome da pelve cruzada, interferindo na mecânica respiratória. Objetivo: mostrar a relação entre a síndrome da pelve cruzada e a função respiratória. Metodologia: a amostra foi constituída por uma voluntária com hiperlordose lombar. Para avaliação, foram aplicados a manovacuometria, cirtometria e testes de força muscular para coluna e quadril. O tratamento foi composto por vinte sessões, constituído por exercícios de alongamento e fortalecimento. Resultados: houve ganhos satisfatórios nas pressões respiratórias máximas, sendo que a PImáx evoluiu de 65 para 90 e a PEmáx, de 45 para 80 cmH2O. Quanto ao ângulo de inclinação anterior pélvica, houve uma redução de 4,3º da primeira para a última avaliação. Conclusão: concluiu-se que há melhora da função pulmonar com o tratamento da síndrome da pelve cruzada, havendo, assim, possível relação entre o segmento lombar e a função respiratória. Palavras-chave: síndrome da pelve cruzada, fisioterapia, manovacuometria. Tiago Del Antonio Universidade Estadual do Norte do Paraná Fabrício José Jassi Universidade Estadual do Norte do Paraná LUCIANE MAYUmI MIYAJImA NATAlIA TIEmI DA SIlVA SATO Mestranda em Fisioterapia Núcleo de Estudos em Neuropediatria e Motricidade - NENEM Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Ana Carolina Ferreira Tsunoda Sáude em Revista Abstract Introduction: Poor posture triggers imbalances on the spine, causing lumbar and pelvic changes, among them the cross syndrome pelvis, interfering in the respiratory mechanics. Objective: To show the relationship between pelvic cross syndrome and respiratory function. Methodology: The sample consisted of a volunteer with lumbar hyperlordosis. For evaluation purposes, we applied the manovacuometry, cirtometry, and muscle strength tests for spine and hip. The treatment consisted of 20 sessions of stretching and strengthening exercises. Results: There were satisfactory gains in maximal respiratory pressures; relative MIP evolved from 65 to 90 cm H2O and MEP evolved from 45 to 80 cm H2O. As to the anterior pelvic-tilt angle, it decreased by 4.3° from the first to the last assessment. Conclusion: We conclude that there is improvement in lung function with the treatment of pelvic cross syndrome, so there is a possible relationship between the lumbar segment and the respiratory function. Keywords: pelvic cross syndrome, physical therapy, manovacuometry. Relação da síndrome da pelve cruzada com a força respiratória: relato de caso 3 Tiago Del Antonio et al. Introdução Postura é a posição assumida pelo corpo, quer seja por meio da ação integrada dos músculos operando para atuar contra a força da gravidade, ou quando mantida durante a inatividade da musculatura dinâmica.1 A postura correta é aquela em que um mínimo de estresse é aplicado a cada articulação, necessitando de mínima atividade muscular para ser mantida, em contraposição a uma postura defeituosa em que existe um aumento da sobrecarga articular.² Contudo, possíveis fatores que contribuem para uma postura inadequada são: atitude mental, fraqueza muscular geral, fadiga prolongada, dor localizada, estresse ocupacional e tensão localizada. Estes fatores reduzem a eficiência do sistema muscular, assim como uma noção errada sobre uma postura correta pode contribuir para a instalação de mal alinhamento estrutural. Além disso, um fator danoso, exacerbado pela má postura, é a alteração na mecânica respiratória.3 Umas das alterações mais frequentes na postura, que pode estar diretamente ligada à mecânica respiratória, é a hiperlordose lombar, que, no aspecto patológico, é caracterizada pelo exagero na curva normal encontrada na região lombar, havendo uma curva no plano sagital com vértice anterior. De acordo com a Scoliosis Research Society, ela pode variar entre 31º e 79º.4 Segundo Morvan et al.,5 que estipulam valores menos amplos, para o gênero masculino o valor é 41º±11º e, para o gênero feminino, 46º±11º. Esta acentuação pode ser causada por malformação óssea, posturas viciadas negligentes, falta de exercício físico, desgastes 4 do tecido, mecanismo de compensação, reações de defesa antálgica, rigidez e contratilidade, como a dos músculos extensores por paralisia dos espinhais lombares, insuficiência dos músculos flexores, particularmente dos retos abdominais, insuficiência dos músculos do glúteo, retração do iliopsoas e peso das vísceras.6 A hiperlordose é criada por abdominais fracos e obliquidade pélvica e, se for superior a 20º, haverá um aumento de lordose e, consequentemente, deslocamento do centro de gravidade e realinhamento de todas as curvas para uma compensação. Não há hiperlordose lombar sem anteroversão pélvica, e não há anteroversão pélvica sem postura hiperlordótica.7 A literatura aponta que as curvaturas anormais da coluna vertebral interferem no sistema respiratório, pois estes desvios proporcionam deficiência na expansibilidade torácica, interferindo negativamente na complacência tóraco-pulmonar e na ventilação dos pulmões com diminuição da capacidade vital.8 A ventilação pulmonar depende da elasticidade pulmonar e da amplitude dos movimentos torácicos. O aumento do volume da caixa torácica deve-se, em grande parte, ao movimento do diafragma, que promove expansão do tórax em todos os sentidos. Essa expansibilidade, que é mensurada por meio da cirtometria torácica dinâmica, é proporcional à amplitude do movimento de elevação das costelas, e essa amplitude, por sua vez, depende da posição da coluna vertebral. A melhor expansão é obtida quando a costela atinge o mesmo plano da vértebra na qual está articulada, o que não acontece nas alterações posturais.9 SAÚDE REV., Piracicaba, v. 14, n. 38, p. 3-13, set.-dez. 2014 Tiago Del Antonio et al. Os testes de função pulmonar são bastante precisos para verificar a eficácia de técnicas, servindo como métodos auxiliares na avaliação respiratória, além de fornecerem medidas quantitativas que constituem, também, indicadores da função neuromuscular. As medidas de pressão inspiratória máxima (PImáx) e pressão expiratória máxima (PEmáx) permitem quantificar a força dos músculos respiratórios de forma prática e não invasiva.10 Quando o encurtamento do diafragma ocorre em sua porção esternal, provoca encurtamento de seu pilar, o que leva o tórax à posição expiratória; o encurtamento da porção costal leva as últimas costelas a adotarem uma posição inspiratória, e o encurtamento da porção lombar acentua a lordose lombar.9 Portanto, o encurtamento da cadeia respiratória pode levar ao aumento da lordose lombar e como a ventilação pulmonar está diretamente relacionada com as curvaturas da coluna vertebral, pode-se concluir que a respiração exerce um papel fundamental na postura, uma vez que os músculos respiratórios estão ligados à coluna vertebral e às costelas.9 O objetivo do estudo foi analisar se existe relação entre a síndrome da pelve cruzada e a função respiratória em um indivíduo do sexo feminino com hiperlordose lombar. Metodologia A presente pesquisa caracteriza-se por ser um estudo de caso, submetido e aprovado pela Plataforma Brasil, sob o número de protocolo 19079713.2.0000.0108, obedecendo à resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Desenvolveu-se, primeiramente, com uma triagem de indivíduos com Sáude em Revista diagnóstico fisioterapêutico de hiperlordose lombar em virtude de fraqueza abdominal e diafragmática. Esses voluntários passaram por uma avaliação inicial, na qual foram incluídos ou excluídos do tratamento, respeitando os critérios de inclusão (hiperlordose lombar, ausência de dor lombar, fraqueza abdominal, diminuição da força diafragmática, gênero feminino, sedentarismo, ter entre 17 e 25 anos, apresentar índice de massa corpórea (IMC) até 24,9 kg/m2) e exclusão (osteossíntese, presença ou suspeita de processos inflamatórios, presença ou suspeita de doenças degenerativas, alterações nos hábitos de vida e presença de doença pulmonar). Seguindo esses critérios, foi selecionado para o estudo um paciente que apresentava 21 anos, gênero feminino, estudante, com IMC normal de 23 kg/m2, adequando-se ao projeto. A voluntária foi informada dos objetivos e da metodologia à qual seria submetida, esclarecendo-se o caráter não invasivo dos procedimentos. Posteriormente ela assinou um termo de consentimento livre e esclarecido, apresentado no primeiro dia do estudo, abordando os benefícios e riscos do procedimento a ser adotado. A avaliação fisioterapêutica foi constituída por: identificação; sinais vitais, como pressão arterial sistêmica (PAS) e frequência cardíaca (FC), por meio do equipamento Omron® HEM-742; peso e altura, por meio de balança antropométrica; e IMC, por meio da relação entre a massa corporal expressa em quilogramas e a estatura em metros determinando, assim, o estado nutricional do indivíduo. Durante a avaliação, foi realizada ausculta pulmonar, com o intuito de detectar Relação da síndrome da pelve cruzada com a força respiratória: relato de caso 5 Tiago Del Antonio et al. sons normais e patológicos produzidos nos pulmões e nas vias aéreas, excluindo possíveis alterações patológicas que poderiam afetar os testes pulmonares. No que diz respeito à análise da expansão da caixa torácica, foi realizada a cirtometria, na qual o examinador passa a fita métrica em torno do tórax em três níveis diferentes: 1) sob as axilas, para a expansão apical (axilar); 2) na linha mamilar, para a expansão da região torácica média (mamilar/esternal); e 3) no nível do processo xifoide, para a expansão da região torácica inferior, sendo as medições feitas após a expiração e a inspiração máximas.2 Por meio do manovacuômetro (da marca Comercial Médica®) foi avaliado o grau de força muscular respiratória. A PImáx foi medida durante esforço iniciado a partir do volume residual (VR), enquanto que a PEmáx foi medida a partir da capacidade pulmonar total (CPT).11 Foram realizadas três aferições para o indivíduo, com intervalo de um minuto entre elas, considerando-se para análise a melhor medida obtida. Na avaliação postural, a voluntária foi submetida a uma sessão de fotos nas vistas anterior e lateral esquerda, preconizando a visualização das curvaturas da coluna em vista frontal e sagital. Foram utilizadas pequenas bolas de isopor, preparadas previamente com fita adesiva dupla face, utilizadas como marcadores e colocadas em pontos anatômicos específicos: espinha ilíaca anterossuperior (Eias), espinha ilíaca posterossuperior (Eips) e trocânter maior, como mostrado na Figura 1. A participante foi fotografada vestindo obrigatoriamente top e short, descalça, com os pés unidos e paralelos entre si, e os cabelos foram presos. Foi orientada a manter os 6 Figura 1: Vista lateral olhos abertos para o horizonte e não houve interferência verbal para correção postural. O fio de prumo de 1 m foi colocado ao lado esquerdo, próximo à participante. A fotografia foi realizada com a participante em posição ortostática, tendo como fundo uma parede de cor branca com uma demarcação colada a 2,38 metros de distância até o tripé e a paciente sempre posicionada na letra F. A câmera fotográfica Sony® 10.2 megapixels foi girada e travada a 90º da posição horizontal, com a finalidade de focar longitudinalmente o corpo do indivíduo. Tanto as marcações dos pontos anatômicos quanto o registro fotográfico foram realizados por um avaliador. SAÚDE REV., Piracicaba, v. 14, n. 38, p. 3-13, set.-dez. 2014 Tiago Del Antonio et al. Para avaliação foi utilizado o Software para Análise Postural (Sapo). A análise das fotos obedeceu à seguinte sequência: abertura da foto, calibração da imagem a partir do fio de prumo e marcação dos pontos anatômicos. Para determinar a lordose lombar e a posição pélvica, um ângulo foi formado a partir de três pontos anatômicos: Eias, Eips e trocânter maior. Foram realizados testes de força muscular, sendo eles: resistência abdominal em 60 segundos,12 teste de Thomas,12 teste de Shober13 e teste de força de glúteo máximo.14 Após a avaliação, com a análise dos critérios de inclusão e exclusão e com base nos objetivos do estudo, foi aplicado o tratamento referente à síndrome da pelve cruzada, na qual há uma inclinação anterior da pelve em razão do encurtamento de músculos, como os flexores do quadril (psoas, ilíaco, sartório, reto femoral, grácil, pectíneo), iliopsoas, reto femoral, tensor da fáscia lata, adutores curtos e grupo eretor da espinha do tronco e o enfraquecimento dos músculos abdominais e glúteos, o que promove a flexão da articulação dos quadris, provocando, assim, a hiperlordose lombar.15 Os exercícios realizados durante as sessões foram: alongamento de ativo de paravertebrais e alongamento passivo de quadríceps, sendo realizados em duas séries de vinte segundos, com intervalo de repouso de dois a três minutos, fortalecimento de isquiotibiais e glúteo, realizando três séries de doze repetições com intervalo de repouso de dois a três minutos e com progressão da carga, e estabilização segmentar, tendo início com a conscientização abdominal e pélvica, progredindo para ponte posterior, Sáude em Revista ponte posterior com elevação de membro inferior, prancha anterior, prancha anterior com elevação de membro inferior, ponte lateral e ponte lateral com elevação de membro superior, sendo feitas cinco séries de trinta segundos em cada posição, com intervalos de repouso de dois a três minutos. Foram realizadas vinte sessões de aproximadamente sessenta minutos, quatro vezes por semana, sendo feita a reavaliação após 10ª e 20ª sessões, utilizando-se os mesmos parâmetros da avaliação inicial. Para a realização da postura, o terapeuta utilizou comandos verbais e contatos manuais, solicitando a manutenção do alinhamento e as correções posturais necessárias, com o objetivo de otimizar o alongamento e o fortalecimento, impedindo as compensações. Todas as medidas foram coletadas pelo mesmo pesquisador sob comando verbal homogêneo. Os dados foram armazenados e tabulados no programa Microsoft™ Office™ Excel 2007™, verificando possível efetividade do tratamento proposto. Resultados Em relação aos testes de força muscular, a paciente incluída no estudo apresentou resultados satisfatórios no final do tratamento, conforme a Tabela 1, havendo um ganho significativo no teste de resistência abdominal em sessenta segundos, obtendo um ganho de nove abdominais comparadas entre a primeira e a última avaliação. No teste de Thomas foi verificado um acréscimo de 10º, apontando assim uma redução do encurtamento de quadríceps. O teste de Shober, inicialmente, foi de 20 cm na distância entre o terceiro dedo e o solo, fina- Relação da síndrome da pelve cruzada com a força respiratória: relato de caso 7 Tiago Del Antonio et al. lizando com 13 cm, obtendo, assim, uma diminuição de 7 cm. Por último, o teste de força do glúteo máximo não apresentou al- teração, pois a paciente conseguiu sustentar o membro na posição por vinte segundos, considerado normal. Tabela 1: Resultados obtidos em relação à força e resistência muscular Primeira Avaliação 29 80 20 20 Resistência abdominal (repetições) Teste de Thomas (graus) Teste de Shober (cm) Teste de glúteo máximo (segundos) No teste de força respiratória, realizado por meio da manovacuometria, a PImáx aumentou de 65 para 90 cmH2O, enquanto Última Avaliação 38 90 13 20 na PEmáx, aumentou de 45 para 80 cmH2O, mostrados no Gráfico 1. 2 cm/H O Gráfico 1: Análise inicial e final da PImáx e PEmáx A cirtometria inicial foi de 68 cm e a final, de 69 cm, obtendo uma diferença de 1 cm no nível esternal, enquanto na axilar e mamilar não apresentou alteração, sendo de 82 cm e 83 cm, respectivamente. 8 Em relação à análise postural, avaliada por meio do Sapo, verificou-se o ângulo de inclinação anterior pélvica, obtendo-se os seguintes valores: 61º na primeira avaliação, 60º na segunda avaliação e 56,7º na avaliação final. SAÚDE REV., Piracicaba, v. 14, n. 38, p. 3-13, set.-dez. 2014 Tiago Del Antonio et al. Discussão A atitude postural pode levar a uma série de compensações na coluna torácica, cintura escapular e pélvica em razão das ligações músculo-aponeuróticas do diafragma com iliopsoas, transverso do abdômen e quadrado lombar; o encurtamento desse músculo altera a posição da pelve e da coluna lombar, gerando anteroversão pélvica e hiperlordose.16 O aumento do ângulo de lordose lombar é provocado pelo acréscimo da força e retração dos flexores de quadril (psoas-ilíaco) e paravertebrais lombares (extensores da coluna lombar), pela diminuição da força dos extensores de quadril (grande glúteo) e abdominais (flexores da coluna lombar) e pela retração dos isquiotibiais.4 Tal desequilíbrio muscular leva a pelve a um alinhamento postural bom ou defeituoso. Os músculos que mantêm bom alinhamento da pelve, tanto anteroposteriormente quanto lateralmente, são de importância vital na manutenção de um bom alinhamento geral. Na ocorrência de um desequilíbrio entre os músculos que se opõem, a posição em pé modifica o alinhamento da pelve afetando a postura das partes do corpo acima e abaixo.17 Contudo, os desequilíbrios nunca são primários e, sim, consequência de uma causa localizada abaixo ou acima da cintura pélvica. Se localizada acima, o desequilíbrio pélvico compensa uma alteração lombar. Já quando localizada abaixo, a desordem decorre de um dos membros inferiores.18 A pelve inclina-se para frente, diminuindo o ângulo entre a pelve e a coxa anteriormente, resultando em flexão da articulação Sáude em Revista do quadril; assim, haverá um aumento da curvatura lombar, sendo que esta alteração pode ser decorrente da fraqueza dos músculos abdominais (retos e oblíquos).17 Tal desequilíbrio na região pélvica resulta em um quadro clínico conhecido como síndrome cruzada da pelve, na qual ela inclina-se anteriormente, desencadeando uma acentuação da lordose lombar, em que alguns músculos encontram-se encurtados/rígidos, enquanto outros estão fracos e inibidos.12 De acordo com a literatura, podem ocorrer três desvios pélvicos: síndrome cruzada da pelve anterior, posterior ou mista, sendo a anterior a mais comum. Nesse quadro clínico, os músculos psoas, reto femoral e espinhais tendem ao encurtamento, apresentando condições que favorecem as forças compressivas e microtraumas acumulativos sobre a região lombo-pélvica, levando a uma desestabilização lombar e consequente quadro álgico.18 Estudos norteiam que a função pulmonar está diretamente relacionada com as curvaturas da coluna vertebral, levando a alterações respiratórias com a exagerada projeção do abdome, decorrente ao deslocamento das vísceras, retificação do diafragma e a diminuição da efetividade do mesmo, interferindo negativamente na complacência tóraco-pulmonar e alterando, consequentemente, a ventilação dos pulmões.8 A principal contribuição às alterações dos volumes pulmonares é atribuída à geometria da deformidade da caixa torácica, o que leva também à diminuição da complacência da parede torácica e resulta em uma má expansão do parênquima pulmonar, de tal forma que há uma redução dos valores de fluxo expiratório máximo, capacidade respi- Relação da síndrome da pelve cruzada com a força respiratória: relato de caso 9 Tiago Del Antonio et al. ratória máxima e capacidade vital, representando aumento do trabalho respiratório.19 O movimento inspiratório proeminente do tórax superior influencia a mecânica tóraco-abdominal, alterando o posicionamento do músculo diafragma e sua zona de aposição em razão da redução da pressão intra-abdominal. Este fato levaria, então, ao desenvolvimento de deformidades torácicas, como a elevação das últimas costelas, o deslocamento superior da caixa torácica e o aumento da lordose lombar.20 A efetividade do diafragma depende da estabilidade da parede abdominal, que promove a sustentação das vísceras durante a inspiração, e depende também da estabilidade dos paravertebrais lombares, sendo o local da inserção vertebral do diafragma.21 Os músculos respiratórios são fundamentais na manutenção da mecânica respiratória e, em condições fisiopatológicas, a força muscular apresenta-se alterada, refletida na diminuição das pressões respiratórias, assim como também relaciona os valores baixos de PImáx e PEmáx com a deficiência da musculatura respiratória.22 A avaliação da força muscular é de extrema importância para que se torne conhecida a capacidade do músculo respiratório de responder a uma efetiva contração, ou seja, realizar um adequado trabalho muscular.23 As pressões respiratórias máximas têm sido utilizadas para mensurar a força dos músculos respiratórios, a velocidade de contração por meio do fluxo aéreo alcançado e o encurtamento muscular pela variação do volume pulmonar.24 A PEmáx é uma medida que indica a força dos músculos abdominais e intercostais. Contudo, as alterações funcionais e 10 estruturais de tais estruturas levam ao prejuízo de tal pressão. Já a PImáx corresponde, não só à força do músculo diafragma, mas também ao conjunto de todos os músculos respiratórios.25 A PImáx pode refletir a ocorrência de fraqueza diafragmática, levando a uma redução dos volumes pulmonares e força muscular respiratória.26 Em nosso estudo, pudemos fazer a mesma observação, uma vez que a pesquisada apresentava inicialmente diminuição da PImáx e de força muscular. Após a intervenção, obteve, progressivamente, aumento de ambos, assim como da PEmáx, diminuição de anteroversão pélvica e expansibilidade torácica. Acredita-se que o aumento na expansibilidade torácica deve-se ao fato de que, quanto mais alongado estiver um músculo dentro do limite de sua capacidade contrátil, maior será sua competência de gerar tensão, atingindo, assim, maiores volumes e capacidades respiratórias. Deve, também, ser considerado que a contração dos músculos abdominais aumenta o comprimento do diafragma, colocando-o fisiomecanicamente em uma posição curva de tensão-comprimento que lhe trará maiores vantagens mecânicas, inclusive pelo aumento da zona de aposição.27 Contrapondo-se a isto, o encurtamento muscular pode ser decorrente de diversos fatores, tais como alinhamento postural incorreto, imobilização, fraqueza muscular e envelhecimento. Quando um músculo perde sua flexibilidade normal, ocorre uma alteração na relação comprimento-tensão, incapacitando-o de produzir um pico de tensão adequado, o que desenvolve fraqueza com retração muscular, considerando que possí- SAÚDE REV., Piracicaba, v. 14, n. 38, p. 3-13, set.-dez. 2014 Tiago Del Antonio et al. veis mudanças no comprimento do músculo refletirão em sua capacidade funcional.23 Quando o músculo é imobilizado, sua capacidade contrátil é alterada em razão das modificações proteicas e do metabolismo mitocondrial, resultando na diminuição do número de sarcômeros e aumento na deposição de tecido conjuntivo, ocasionando encurtamento muscular, além de limitação de mobilidade articular,23 o que corrobora o presente estudo, sendo que, anteriormente à intervenção, o indivíduo apresentava encurtamento muscular apontado nos testes realizados e, após dela, obteve ganhos na mobilidade. O alongamento muscular pode ser um meio de evitar o encurtamento de tal estrutura, sendo que uma fibra muscular corretamente tensionada promove o aumento do número de sarcômeros em série, além de recuperar a extensibilidade dos ligamentos e tendões, melhorando a amplitude de movimento. Nesse sentido, tais benefícios devem-se, possivelmente, à melhor interação entre os filamentos de actina e miosina, em virtude do aumento do comprimento funcional do músculo.28 O alongamento estático é o mais utilizado para obter aumento da flexibilidade e relaxamento, utilizando exercícios que podem ser realizados de forma isolada ou de maneira global, envolvendo diversos segmentos simultaneamente.23 Segundo Moreno et al.,22 a pressão máxima gerada por um músculo reflete sua força. No estudo de Moreno, procurou-se aplicar técnicas de alongamento para melhorar a relação comprimento-tensão das fibras musculares, favorecendo a capacidade de expansão torácica. Sáude em Revista Uma alternativa coadjuvante ao tratamento e prevenção da instabilidade lombar é a estabilização segmentar vertebral (ESV), sendo este um método de fortalecimento baseado na conscientização da contração muscular, no treinamento resistido dos estabilizadores lombares e na estimulação proprioceptiva, baseando-se no recondicionamento dos músculos estabilizadores da coluna vertebral (transverso do abdômen e multífidos) em busca do controle e da coordenação do movimento. Nessa técnica, a contração muscular é treinada, permitindo a restauração do automatismo e da força dos estabilizadores em busca da reabilitação da coluna que se encontra instável.29 Assim, tais exercícios terapêuticos podem representar um importante papel na prevenção da instabilidade lombar, promovendo um recondicionamento e a recuperação da força e resistência da musculatura estabilizadora da coluna lombar, prevenindo o aparecimento de distúrbios posturais nessa região.30 Conclusão De acordo com a análise da produção estudada, foi possível constatar um aumento da força abdominal, força muscular inspiratória, expiratória e expansibilidade, decorrentes do melhor alinhamento pélvico e diminuição da hiperlordose lombar, sugerindo sua utilização como recurso fisioterapêutico para a melhora da função pulmonar e postural, já que se pode constatar uma possível relação entre o segmento lombar e a ação muscular inspiratória e expiratória. Relação da síndrome da pelve cruzada com a força respiratória: relato de caso 11 Tiago Del Antonio et al. Referências 1. 2. 3. 4. 23. Oliver J, Middleditch A. Anatomia funcional da coluna vertebral. Rio de Janeiro: Revinter; 1998. Magee DJ. Avaliação músculo esquelética. 4 ed. Barureri: Manole; 2005. Campignion P. Respirações. São Paulo: Summus; 1998. Barbosa J, Filipe F, Marques E, Sancho J. Hiperlordose lombar. Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitação. 2011; 20(2). Morvan G, Wybier M, Mathieu P, Vuillemin V, Guerini H. Clichés simples du rachis: statique et relations entre rachis et bassin. J Radiol. 2008; 89: 654-66. Carneiro JA, Hector LM, Munaro LR. Predominância de desvios posturais em estudantes de educação física da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Rev. Saúde Com. 2005; 1(2): 118-23. Hamill J, Knutzen KM. Bases biomecânicas do movimento humano. São Paulo: Manole; 1999. Costa D. Fisioterapia respiratória básica. São Paulo: Atheneu; 2004. Marques J. Caracterização do perfil físico funcional predominante dos indivíduos asmáticos através da avaliação da cadeia muscular respiratória e da cirtometria dinâmica: Estudo Comparativo. [monografia]. Cascavel: Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Faculdade de Fisioterapia; 2005. Pierce R. Spirometry: An essential clinical measurement. Aust Fam Physician. 2005; 34(7): 535-9 Neder JA, Andreoni S, Lerario MC, Nery LE. Reference values for lung function tests, II: Maximal respiratory pressures and voluntary ventilation. Braz J Med and Biol Res. 1999; 32(6): 719-27. Cox JM. Dor lombar: mecanismo, diagnóstico e tratamento. 6. ed. São Paulo: Manole; 2002. Silfies SP, Mehta R, Smith SS, Karduna AR. Differences in feedforward trunk muscle activity in subgroups of patients with mechanical low back pain. Arch Phys Med Rehabil. 2009; 90: 1159-1169. Liebenson C. Spinal stabilization – an update. part 2 – functional assessment. Journal of Bodywork and Movement Therapies. 2004; 8(3): 199-210. Pachioni CA, et al. Avaliação postural em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. Fisioter. Pesqui. 2011;18(4): 341-5. Kendall FP, Mccreary EK, Provance PG. Músculos: provas e funções. 4. ed. São Paulo: Manole; 2007. Hammer WI. Exame funcional dos tecidos moles e tratamento por métodos manuais. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. Key J, Clift A, Condie F, Harley C. A Model of movement dysfunction provides a classification system guiding diagnosis and therapeutic care in spinal pain and related musculoskeletal syndromes: A paradigm shift – part 2. Journal of Bodywork and Movement Therapies. 2008; 12: 105-20. Sullivan SV, Schimitz TJ. Fisioterapia: avaliação e tratamento. São Paulo: Manole; 2003. Ahmet BMD, Swank MD, Claire M, Catherine SH, Sassoon D. Prespiratory mechanics in anesthetized young patients with kyphoscoliosis. Chest. 1990; 97(5). Benatti AT. Equilíbrio tóraco-abdominal integrado à respiração e à postura. Arq Cienc Saude. 2001; 5: 87-92. Moreno MP, Catai AM, Teodori RM, Borges BLA, Zuttin RS, Silva E. Adaptações do sistema respiratório referentes à função pulmonar em resposta a um programa de alongamento muscular pelo método de reeducação postural global. Fisioter. Pesqui. 2009; 16 (1): 11-5. Azeredo CA. Técnicas para o desmame no ventilador mecânico. Barueri: Manole; 2002. 12 SAÚDE REV., Piracicaba, v. 14, n. 38, p. 3-13, set.-dez. 2014 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. Tiago Del Antonio et al. 24. Lemos A, Caminha MA, Melo JE, Dornelas A. Avaliação da força muscular respiratória no terceiro trimestre de gestação. Rev. Bras. De Fisioterapia. 2005; 9(2): 151-6 25. Costa D. Avaliação da força muscular respiratória e amplitudes torácicas e abdominais após a reeducação funcional respiratória em indivíduos obesos. Revista Latino-americana de Enfermagem. 2003; 11: 156-60. 26. Chiavegato LD, Jardim JR, Faresin SM, Juliano Y. Alterações funcionais respiratórias na colecistectomia por via laparoscópica. J. Pneumologia [online]. 2000; 26(2): 69-76. 27. Durigon OF. Alongamento muscular parte ii: a interação mecânica. Rev. Fisio. Univ. São Paulo. 1995; 2(2): 72-8. 28. Coutinho EL, Gomes ARS, França CN, Oishi J, Salvini TF. Effect of passive stretching on the immobilized soleus muscle fiber morphology. Braz J Med Biol Res. 2004; 37(12): 1853-61. 29. Hides J, Scott Q, Juull GA, Richardson CA. Clinical palpation test to check the activation of the deep stabilizing muscles of the lumbar spine. Intern J Sport Med. 2000; 1(4): 123-9. 30. Siqueira GR, Silva GA. Alterações posturais da coluna e instabilidade lombar no indivíduo obeso: uma revisão literatura. Fisioter. Mov. 2011; 24(3): 557-66. Sáude em Revista Relação da síndrome da pelve cruzada com a força respiratória: relato de caso 13