Notas sobre o ciclo virtuoso da economia brasileira

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Notas sobre o
ciclo virtuoso da
economia brasileira
Cézar Manoel de Medeiros
Doutor em Economia IE-UFRJ
O
Brasil experimenta, desde 2004,
um ciclo virtuoso de desenvolvimento
pela estruturação de um amplo mercado
de massas em decorrência de programas governamentais de inclusão social
(Crescentes disponibilidades e acesso
ao crédito, Bolsa Família, Benefício de
Prestação, Continuada, Luz Para Todos,
PRONAF, Valorizações Reais do Salário
Mínimo, Minha Casa Minha Vida, Territórios da Cidadania, ProUni etc).
O modelo de consumo de massa
percorre o circuito: aumento da renda
disponível devido ao crescimento do
emprego, transferências de renda, aumento do poder aquisitivo de segmentos
sociais de menor renda, que viabilizam o
aumento do consumo. A elevação dos níveis de consumo e resultante expansão
do mercado interno estimulam investimentos em expansão e modernização da
capacidade produtiva, o que possibilita
aumentos da produtividade tanto do
trabalho quanto do capital. A expansão
da capacidade produtiva gera empregos
que viabilizam aumento da renda disponível para consumo e assim por diante.
Cabe destacar, portanto, que a
variável-chave para manter o ciclo e,
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ao mesmo tempo, evitar pressões inflacionárias, é o permanente aumento
da produtividade. A produtividade do
capital é obtida por meio da modernização e das inovações tecnológicas,
enquanto a produtividade da mão de
obra exige melhoria dos níveis de
educação e, principalmente, de especialização profissional. Por outro lado
o aumento da produtividade sistêmica
capaz de reduzir os custos-Brasil exige ousados programas e projetos de
infraestrutura logística (transportes,
portos, armazenagem etc.) e de expansão da matriz energética favorável ao
meio ambiente.
O Brasil reúne plenas condições de
manter o ciclo de desenvolvimento em
curso. Nesse contexto cabe sugerir a
aceleração dos programas sociais, que
devem ser aperfeiçoados, do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação),
dos PACs (I e II), da PDP (Política de
Desenvolvimento Produtivo), da Estratégia Nacional de Defesa, entre outros
programas de governo.
Algumas tendências globais podem
ser observadas com maior clareza. Contemplam, ao mesmo tempo, ameaças e
oportunidades para manutenção do ciclo
de desenvolvimento em curso:
• A redução dos níveis de consumo
da população americana devido ao excesso de endividamento das famílias já
começa a ser substituído pelo aumento
do consumo dos países emergentes,
principalmente da China, do Brasil, da
Índia etc.;
• A agressividade do comércio exterior da China está resultando no reposicionamento locacional dos principais players industriais mundiais (EUA,
Europa, alguns países asiáticos) além
da própria China, o que pode viabilizar
parcerias estratégicas para o Brasil;
• Vários países estão procurando
expandir e melhorar suas matrizes
energéticas. Aqui cabe destacar alguns da Europa e os Estados Unidos,
além da própria China. A China, no
entanto, devido às dificuldades para
explorar fontes energéticas na mesma
velocidade do seu próprio crescimento,
depende de crescentes importações,
particularmente do petróleo. Assim
como na mineração e em outros setores, os quais a China depende de
importações, também o caso da matriz
Logística
CustoCapitalDesburo-Risco
MeioInfrado capital Tecnologia intelectualEnergia
cratização Tributação jurisdicionalambiente estrutura
energética, a política industrial chinesa
contempla prioridades na estruturação
de setores capazes de agregar valor
para cada fonte de energia (exemplo: a
China já está preparada para fornecer
turbinas, transformadores, motores
etc.). Em poucas palavras: os avanços
tecnológicos da China, com objetivo de
ocupar espaços do comércio exterior,
resultam em fortes ameaças para o
Brasil, porém, abrem também significativas oportunidades para parcerias
e para adensamento e enobrecimento
da exploração de cadeias industriais
envolvidas no aproveitamento de cada
fonte energética.
Entre as tendências globais apontadas cabe enfatizar aspectos da política
industrial da China. Está cada vez mais
claro que a China prioriza o desenvolvimento de cadeias produtivas envolvidas
no aproveitamento de recursos naturais que envolvem suas importações,
de modo a agregar valor e a elevar a
competitividade de suas exportações:
importam minério de ferro, enobrecem
a cadeia minero-sider-metalurgica; importam energia (petróleo, biocombustíveis etc.) e desenvolvem máquinas e
equipamentos para cada fonte geradora
de energia.
Essa observação sintetiza a postura
equivocada do Banco Central do Brasil.
A prática de elevadas taxas de juros
resulta na valorização do real e, consequentemente, encarece as exportações
e estimula as importações, bem como a
entrada de recursos financeiros externos unicamente interessados em ganhos
de arbitragem (tomam recursos baratos
fora do Brasil e aplicam a curto prazo no
Brasil). Em poucas palavras: a política
monetária, incapaz de compatibilizar o
controle da inflação com o crescimento
da produção, resulta em prejuízo para a
política industrial.
Esse movimento está promovendo
a desindustrialização de setores importantes para a geração de emprego e de
renda no Brasil e, o mais grave, está
desagregando cadeias produtivas e nítidas vantagens comparativas, inclusive
aquelas baseadas em recursos naturais
como, por exemplo, minerais e a matriz
energética. Além disso, a postura do
BACEN está comprometendo avanços
do Brasil no desenvolvimento de setores
intensivos em tecnologia e conhecimento
apesar dos esforços governamentais e
dos investidores institucionais na constituição de fundos de investimentos e de
empresas de capital de risco dirigidas
para setores de alta tecnologia (tecnologia de informação, biotecnologia,
nanotecnologia etc.). Em síntese: este
movimento insere fortes riscos para
movimentos favoráveis ao ciclo de desenvolvimento virtuoso em curso no
Brasil. Entre os movimentos favoráveis
merecem destaques especiais:
• Forte inclusão social, ainda que tímida melhoria funcional da distribuição
de renda, como resultado de Políticas
públicas e de programas governamentais que aumentam o poder aquisitivo
das classes de menor renda;
• Aumento da riqueza no mais amplo
sentido – propriedade de bens de consumo essenciais e duráveis (eletrodomésticos etc.), automóveis, moradia – das
classes E, D e C, em ritmo superior à
melhoria da distribuição de renda. Vale
acrescentar que a renda das classes A e
B, que concentram aplicações financeiras, vem obtendo menores elevações de
rendimentos do que as classes E, D e C
devido à redução dos juros reais (mesmo
que ainda insatisfatórios);
• Evolução da matriz energética
favorável ao meio ambiente possibilita
a adoção de novas políticas industriais
para o desenvolvimento de cadeias produtivas de cada fonte energética. A revolução industrial em desenvolvimento em
nível mundial, principalmente nos EUA e
na China, que contemplam significativos
gastos em pesquisas e inovações para
geração e usos de energia, reforçam a
posição do Brasil no que diz respeito à
matriz energética;
• Movimento de mão dupla entre
os grandes conglomerados financeiros
– Bancos Universais Contemporâneos
(BUCs) – e as Grandes Corporações
na configuração de um novo padrão de
financiamento baseado na mobilização
de excedentes financeiros gerados no
mercado doméstico. Os grandes BUCs
estão criando novos instrumentos de
financiamento de longo prazo (fundos de
investimentos em participações, fundos
de investimentos de direitos creditórios,
fundos de investimentos baseados em
recebíveis, private equity, venture capital etc.). Já as grandes corporações
estão liderando a geração de fundos de
investimentos visando a financiar clientes e, principalmente, fornecedores,
cujo resultado possibilita o adensamento
e o enobrecimento de importantes cadeias produtivas.
• Tímida expansão de multinacionais
verde-amarelas. O governo, particularmente os bancos oficiais, já começaram
a apoiar esse movimento;
• Estruturação de uma sociedade
de consumo de massas de bens e serviços (inclusive entretenimento, esportes
e cultura) que garanta o aumento da
renda disponível por meio de políticas
de transferência de renda, de elevação
do nível de emprego, de aumentos reais
de salários e de expansão do crédito.
O crescimento do consumo, que induz
à expansão de investimentos acompanhados de maior produtividade (Capital
e Trabalho), aumenta os níveis de emprego e de renda disponíveis, elevando o
consumo e assim sucessivamente;
• Ganhos de Produtividades do capital e do trabalho (variáveis fundamentais na estruturação de uma sociedade
de consumo de massa) superiores às
elevações dos salários reais possibilitam
um ciclo longo do movimento descrito.
É importante salientar, portanto, que
os ganhos de produtividade do trabalho
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Logística
CustoCapitalDesburo-Risco
MeioInfrado capital Tecnologia intelectualEnergia
cratização Tributação jurisdicionalambiente estrutura
compensam aumentos salariais, que os
ganhos da produtividade do capital elevam a margem de lucro das empresas
e o próprio crescimento econômico em
curso eleva a arrecadação do governo
e diminui a dívida publica. Esses argu-
mentos são suficientes para convencer
o Banco Central de que é desnecessário
elevar juros com objetivo de inibir possíveis reivindicações salariais acima
das elevações das produtividades do
trabalho, de margens de lucros acima
das produtividades do capital que vem
sendo obtido pelas empresas e excessivos gastos de governo, o qual já vem
cumprindo metas de redução do endividamento público;
• Convergências entre políticas
Um novo padrão de financiamento
O BNDES, o Banco do Brasil e a
Caixa Econômica Federal foram amplamente utilizados pelo governo para
garantir financiamentos para capital
de giro e para investimentos industriais, imobiliários, bem como para a
matriz energética e para infraestrutura
como instrumentos para compensar a
reação defensiva/negativa do sistema
bancário privado, nacional e estrangeiro, durante o período da crise.
Cerca de R$ 200 bilhões foram
captados via títulos públicos pelo Tesouro Nacional e repassados ao BNDES, reeditando, assim, a antiga conta
de suprimentos, que funcionou transitoriamente, entre o Banco do Brasil e
o Tesouro Nacional durante o processo
de extinção da “conta de movimento”.
Os subsídios contidos nos repasses ao
BNDES poderão ser recuperados via
elevação da arrecadação tributária
resultante da expansão das empresas
apoiadas e pelo aumento de lucros do
BNDES.
O justificável procedimento adotado deixou clara a necessidade da
montagem de novos mecanismos para
financiamento de longo prazo e para
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fortalecimento/diversificação/expansão
do mercado de capitais no Brasil para
complementar atuação do BNDES de
forma a atender a demanda de financiamentos e de investimentos capazes
de garantir crescimento anual do PIB
superior a 5% a.a..
A configuração estrutural atual
do sistema financeiro brasileiro em
grandes conglomerados financeiros ou
verdadeiros Bancos Universais Contemporâneos (BUCs) modernos e sólidos praticamente não experimentou
desequilíbrios significativos diante da
crise internacional recente.
Os conglomerados, que atuam
como banco comercial, financeira,
leasing, capitalização, seguradoras,
administradora de planos de previdência complementar e de consórcios,
financiamentos imobiliários, corretora
e distribuidora de valores mobiliários,
banco de investimentos e empresas de
participações, possibilitam acelerar
o movimento virtuoso de mão dupla
entre os grandes conglomerados financeiros e as grandes corporações,
privadas e estatais, na mobilização
de excedentes financeiros gerados via
aumentos sucessivos de lucros, tanto
dos bancos, quanto das empresas.
Em outras palavras, os grandes
BUCs já estão criando novos instrumentos de financiamento de longo
prazo (fundos de investimentos em
participações, fundos de investimentos de direitos creditórios, fundos de
investimentos imobiliários, fundos de
investimentos baseados em recebíveis, private equity, venture capital
etc.). Por outro lado, as grandes corporações, a exemplo da Vale, da Petrobras, da Votorantin, das principais
montadoras de veículos, entre outros,
estão gerando fundos de investimentos
corporativos para financiar clientes e,
principalmente, fornecedores e prestadores de serviços. Esse movimento
resulta num maior adensamento e
enobrecimento de importantes cadeias
produtivas.
O Brasil já dispõe, portanto, das
condições necessárias e suficientes,
para estruturação de um novo padrão
de financiamento complementar ao
BNDES e ao sistema de bancos de fomento estaduais para geração de fundos de investimentos de longo prazo.
Logística
CustoCapitalDesburo-Risco
MeioInfrado capital Tecnologia intelectualEnergia
cratização Tributação jurisdicionalambiente estrutura
públicas (Bolsa Família, Benefício de
Prestação Continuada, aumentos reais
do salário mínimo), PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, PDP – Política
de Desenvolvimento Produtivo, END
– Estratégia Nacional de Defesa e Es-
tratégias empresariais de investimentos.
Segundo dados recentes divulgados pelo
BNDES, até os setores intensivos em
exportações, que haviam adiado investimentos durante o segundo semestre de
88 até o final de 89, já começam a reto-
mar investimentos. O estudo mostra que
as empresas mineradoras, siderúrgicas
e de papel e celulose já estão ampliando
suas intenções de investimentos: de
R$ 81 bilhões em 2009/2012 para
R$ 122 bilhões entre 2010/2013.
[email protected]
O BNDES reúne plenas condições
para negociar reduções de limites de
repasses e, ao mesmo tempo, exigir,
como contrapartida, complementações
dos agentes financeiros. Os bancos
obtêm reciprocidades de seus clientes
(seguros, aplicações financeiras, folha de pagamento, crédito consignado
etc.), que utilizam linhas de crédito
com recursos oficiais. Por exemplo,
o BNDES reduz o limite de 90% para
70% no Norte, no Centro-Oeste e no
Nordeste, e de 90% para 60% no Sul
e no Sudeste, desde que seus agentes
financeiros complementem até 90% ou
95% do crédito ao tomador final.
Iniciativas caberão ao Banco do
Brasil e à Caixa Econômica Federal,
como grandes conglomerados financeiros oficiais, como estratégias para
induzir o sistema financeiro privado ao
mesmo comportamento diante do risco
de perderem importantes segmentos
de mercado.
É necessário chamar a atenção,
no entanto, que o envolvimento dos
conglomerados financeiros no crédito
de longo prazo no Brasil e no fortalecimento do mercado de capitais
exige, como premissa fundamental, a
redução das taxas de juros reais para
aproximadamente 3% a.a. e não de 6,5
a 7,0% como vem sendo praticadas,
de modo a reduzir o custo de capital
no Brasil e tornar a taxa de juros de
curto prazo compatível com a que a
TJLP de 6% a.a.
O Banco Central do Brasil vem
adotando a maior taxa de juros do
mundo, maior, inclusive, do que as
utilizadas pelos países que apresentam
taxas de inflação maiores do que as
do Brasil (ver revista The Economist,
agosto de 2010) como estratégia para
obter taxas de inflação entre 2,5% e
6,5 % a.a. estabelecidas pelo Conselho
Monetário Nacional em obediência ao
regime de metas.
Além da redução dos limites de
repasse do BNDES e da mudança de
postura do Banco Central, é necessário dotar as letras financeiras de
médio e de longo prazo de estímulos
fiscais como mecanismo para induzir
as instituições financeiras a aumentar
suas participações no crédito de longo
prazo e na dinamização do mercado
de capitais. Ou seja, é de fundamental
importância a adoção de reduções de
impostos sobre renda, COFINS, CSLL
e IOF, de forma progressiva conforme
os prazos de aplicações financeiras.
Ademais, o governo pode estimular
a geração de fundos de investimentos
constituídos com parcelas das reservas
internacionais, do fundo soberano e
das remessas de lucros enviadas para
as matrizes de empresas multinacionais. Nesse caso cabem negociações,
como, por exemplo, participações nos
resultados do fundo de participação, de
modo a tornar atrativa a aplicação de
recursos das multinacionais.
Um fundo de investimentos para
projetos de infraestrutura contemplados nos PACs poderá ser criado para
captar recursos externos de curto
prazo aplicados no Brasil e induzir
maior valorização do dólar através do
seguinte mecanismo: o Banco Central
eleva significativamente o IOF de 6%
para 20%, por exemplo, quando da
entrada de recursos para renda fixa e
para a bolsa, porém reduz, progressivamente, o IOF desde que o investidor
canalize, também progressivamente,
aplicações no novo FIP.
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