ASSÉDIO MORAL: UMA FORMA CONTEMPORÂNEA DE

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ASSÉDIO MORAL: UMA FORMA CONTEMPORÂNEA
DE DESAGREGAÇÃO ÉTICA LABORAL
LILIAN IGNÊZ MONTANARI TORETTA
CAROLINE SILVA PACHECO NÓBREGA 1
Resumo: O assédio moral tem sido reconhecido como um fenômeno destruidor do ambiente de trabalho e é caracterizado por
elementos distintivos como: abusividade da conduta dolosa,
repetição e prolongamento dessa conduta, ataque à dignidade
psíquica, dano psíquico-emocional. O presente artigo procura
mostrar como a nossa civilização capitalista e tecnológica gerou
a crise ética na seara laboral. Reflete sobre o assédio moral na
seara laboral sob o ponto de vista da ética. Por fim, destaca a
ampliação das relações éticas no ambiente de trabalho.
Palavras-Chave: Assédio moral, Dignidade da pessoa humana, Ética, Seara laboral, Sociedade.
Abstract: Bullying has been recognized as a destructive phenomenon at work and is characterized of distinctive elements such
as: the abusive deliberately misleading behavior, the repetition
and prolongation of this behavior, the attack against the psychic
dignity, the psychic emotional damage. This article intends to
show how our capitalist and technological civilization created
the ethics crisis in the labor law. Reflect about the Bullying in
the labor law, under ethic point of view. Finally, it brings out the
enlargement of the ethical relations in labor relationships.
1
Advogada. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho – PUC-SP
(2006). Professora de Direito Material e Processual do Trabalho. Campinas –
Unisal, Campinas (2011) e VERIS/METROCAMP (desde 2008). E-mail:
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CAROLINE SILVA PACHECO NÓBREGA
Keywords: Bullying, Human person dignity, Ethic, Labor law, Society.
SUMÁRIO: 1 - Introdução - 2. Do assédio moral; 2.1 O conceito doutrinário
de assédio moral na seara laboral; 2.2 Das formas de exteriorização do assédio moral e as consequências para a vítima - 3. A importância da ética no
ambiente de trabalho; - 4. Por um ambiente laboral ético - 5. Considerações
finais - 6. Referências bibliográficas.
1- INTRODUÇÃO
Numa breve análise da evolução histórica das relações de trabalho, é possível verificar que nos primórdios da civilização os homens
viviam em condições de igualdade, sem propriedade privada e sem
hierarquia econômica, numa época em que trabalhar era uma questão de sobrevivência, como bem ressalta MARA VIDIGAL DARCANCHY2.
Contudo, as mudanças sociais oriundas da privatização da propriedade fizeram com que as relações de trabalho fossem interpretadas
sob nova concepção, e, como resultado, na Antiguidade3, o homem
se desvinculou do produto do seu trabalho, estabelecendo-se uma
relação de poder e de hierarquia4 na sociedade.
Nesse contexto histórico, os trabalhadores, sob a condição de
escravos, provinham de povos vencidos em batalhas e realizavam as
tarefas manuais, consideradas vergonhosas5. A sociedade dividia-se,
à época, em duas classes: os senhores e os escravos, sendo que estes
últimos trabalhavam sem garantias, eram isentos de personalidade
jurídica6 e considerados “res”, as quais os proprietários poderiam
alienar conforme sua vontade7.
2
3
4
5
6
7
DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no meio ambiente do trabalho. Jus Navigandi.
Teresina, a. 10, nº 913, 2 jan. 2006. Disponível em: [http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=7765]. Acesso em: 02.02. 2006.
Os autores Jorge Neto e Cavalcante destacam que para os filósofos da Antiguidade
o trabalho estava relacionado ao sofrimento, sendo, portanto, executado
pelos escravos; aos afortunados cabia apenas o trabalho intelectual, que era
valorizado. JORGE NETO, F. F.; CAVALCANTE, J. de Q. P. Manual de Direito do
Trabalho. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2003. p. 77.
DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no ambiente de trabalho. Revista Justiça do
Trabalho. Porto Alegre: HS Editora Ltda. nº 262, out. 2005. p. 27.
Ibidem.
JORGE NETO, F. F.; CAVALCANTE, J. de Q. P. Manual de Direito do Trabalho. Op.
cit. p. 03.
DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no meio ambiente do trabalho. Op. cit. p. 27.
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Com o transcorrer dos fatos históricos, e o feudalismo sendo
adotado na Europa (séc. X ao XII), houve uma evolução no trabalho
humano e este deixou de ser escravo para se tornar servil, diferindo
da escravidão por não haver a exploração pura do homem pelo homem8. Nesse sistema, que ocorreu durante a Idade Média, o trabalho
passou a ser interpretado como uma forma de o homem alcançar o
reino dos céus, e, assim, trabalhava almejando sua própria redenção9.
Já na Era Moderna, as formas de trabalho passaram a sofrer distinções: o qualificado passou a ser distinguido do não qualificado,
o produtivo do não produtivo, e o manual do intelectual. E foi sob
influência da revolução industrial, fenômeno que teve início no séc.
XVIII na Inglaterra e que se disseminou na Europa e Estados Unidos, que as relações de trabalho passaram por profundas modificações, destacando-se o surgimento de mão de obra excessiva, em
face da substituição do homem pela máquina a vapor. Tal evolução
acarretou a reestruturação das relações sociais e o surgimento da
classe operária e do grupo de desempregados (este último, um
verdadeiro “exército de reserva” 10, 11, 12); a submissão do
trabalhador às jornadas extenuantes de trabalho; a fixação
de salários irrisórios e as péssimas condições de trabalho.
Nesse cenário, duas classes distintas passaram a se destacar
no âmbito social: o capitalista, que detinha o poder econô-
8
JORGE NETO, F. F.; CAVALCANTE, J. de Q. P. Manual de Direito do Trabalho.
Op. cit. p. 05.
9
Nesse contexto histórico, a Reforma Protestante fez com que o trabalho
passasse a ser considerado uma forma de realização da vontade divina,
permitindo ao homem atingir o reino dos céus. Cf. WOLECK, A. O trabalho, a
ocupação e o emprego: uma perspectiva histórica. Disponível em: [http://www.
icpg.com.br]. Acesso em: 11.05. 2007.
10 DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no meio ambiente do trabalho. Op. cit. p. 27.
11 Segundo WOLECK, as mudanças oriundas daquele período histórico “produziriam
lastros que sustentariam a Era Moderna (...) com valores e conceitos que
sobreviveram ao logo dos tempos e permanecem presentes na sociedade
ocidental moderna”. Cf. WOLECK, Aimoré. O trabalho, a ocupação e o emprego:
uma perspective histórica. Op. cit.
12 Na verdade, a revolução industrial fez surgir dois grupos sociais: os incluídos
e os excluídos. Cf. BARROS, A. M. de. Assédio Moral. Síntese Trabalhista. Porto
Alegre: Síntese. nº 184, out. 2004, p. 137.
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mico e ditava as regras de mercado, e o proletariado, que
trabalhava em troca de salário13.
Já sobre o ambiente de trabalho contemporâneo, é
possível afirmar que o mundo corporativo passou por profundas modificações, estritamente relacionadas com o fenômeno da globalização da economia e da implementação de
novas tecnologias (robótica, informática, telecomunicações,
etc.), que suscitaram uma reestruturação no campo do trabalho, da produção e da gestão dos recursos humanos. Nesse cenário revolucionário, para permanecerem produtivas e
competitivas no mercado global, muitas empresas optaram
por uma estratégia pautada pela flexibilidade e adaptabilidade, com constante exigência por criatividade, produtividade, qualidade e perfeição técnica. Em consequência, passaram
a buscar no trabalhador as características de “multifuncionalidade”
e de “polivalência”, originando um ambiente de trabalho altamente competitivo, que exige um extremo esforço do trabalhador para
manter seu posto de trabalho14.
Sob essa perspectiva do meio corporativo, as formas contemporâneas de trabalho têm deixado de lado o elemento humano e
se tornado fontes geradoras de estresse e favoráveis à ocorrência
de situações violadoras da ética e a dignidade dos trabalhadores,
tornando-os, muitos deles, vítimas de danos psicológicos em função
tanto da rotina extenuante, quanto da pressão psicológica incessante, a exemplo da prática de assédio moral15.
13 Descrevem JORGE NETO e CAVALCANTE, que a diferença entre o trabalho na época da
revolução industrial e a escravidão era tão somente o pagamento de salários e
comparam o capitalismo industrial com a Teoria da Seleção Natural, de DARWIN
– a lei do mais forte – em que o Estado somente intervinha no individualismo
exacerbado, quando a liberdade corria perigo. JORGE NETO, F. F.; CAVALCANTE,
J. de Q. P. Manual de Direito do Trabalho. Op. cit. p. 12-3.
14 BRAMANTE, I. C. O stress profissional e o dano psicológico. Revista da
Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. São Bernardo do Campo:
Plan Art Gráfica e Editora Ltda. Ano 7, nº 9, 2003, p.153-4.
15 HIRIGOYEN, M. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Trad.
KÜHER, M. H. 9ª ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 2007, p. 94. Original: Le
harcèlement moral.
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Segundo relata EULER SINOIR DE OLIVEIRA, na atual sociedade globalizada, a busca pelo lucro marca as relações entre as empresas e
cresce a pressão por resultados em todos os âmbitos, tornando o
local de trabalho um ambiente de riscos empresariais e pessoais,
onde crescem as oportunidades de surgimento do assédio moral16.
Nesse diapasão, o assédio moral pode ser considerado um desvio de
conduta ou de procedimento administrativo em âmbito empresarial,
reflexo das exigências da economia globalizada, que, voltada para
uma maior produtividade com menor custo, torna o trabalhador menos valioso do que o seu trabalho, originando um ambiente laboral
contemporâneo assemelhado ao vivenciado no século XVIII, mas ora
caracterizado por uma Revolução Digital17.
Dessa forma, é possível concluir, preliminarmente, que apesar
de em seu sentido mais amplo o trabalho ser considerado um “esforço humano dotado de um fim determinado ou um propósito,
que transforma a natureza através do uso de suas capacidades física
e mental” 18, observa-se que, hodiernamente, ele passou a ser compreendido nas sociedades capitalistas como um mero sinônimo de
emprego remunerado, gerando uma situação desumana e antiética
na seara laboral. Tal constatação demonstra que o ambiente corporativo urge pela adoção de medidas que previnam e combatam tal
prática abusiva em todos os escalões empresariais, para que dessa
forma se restabeleçam as condições dignas de trabalho a que faz jus
a classe trabalhadora.
16 OLIVEIRA, E. S. de. Assédio Moral: sujeitos, danos à saúde e legislação. São
Paulo, Revista de Direito do Trabalho. São Paulo. Ano 30. nº 114, abr-jun. 2004.
p. 50.
17 FONTES, A. L. G. Assédio Moral no contrato de emprego. Revista IOB Trabalhista
e Previdenciária. Porto Alegre: Síntese. v. 17. nº 208, out. 2006, p. 17.
18 OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento social do Século
XX. Trad. CABRAL, A.; ALVES, E. F. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda.,
1996, p. 772-3. Original: The blackwell dictionary of twentieth-century social
thought.
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2. DO ASSÉDIO MORAL
2.1 O Conceito Doutrinário De Assédio Moral Na Seara Laboral
O termo “assédio moral” relaciona-se a uma ofensa à integridade física e mental de um indivíduo19. Os primeiros a estudarem o
tema foram os europeus, sendo que no transcorrer das últimas
décadas, a discussão atingiu os demais continentes, o que lhe
propiciou receber diversas expressões: Harcèlement moral (na
França); Bullying (na Inglaterra e na Austrália); Mobbing (na Itália, Alemanha e países escandinavos); Murahachibu (no Japão);
Acoso moral (nos países de língua espanhola); Emotional abuse
ou Mistreatment (nos Estados Unidos); Manipulação perversa,
terrorismo psicológico, psicoterror, coação moral, ou, mais comumente, assédio moral (no Brasil)20.
De acordo com MARIE-FRANCE HIRIGOYEN, psiquiatra e uma das
maiores autoridades sobre o assunto, o assédio moral, quando cometido no ambiente de trabalho se traduz “por toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente,
por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou
degradando o clima de trabalho” 21.
Considerando possa o assédio moral ser praticado de diferentes formas na seara laboral, há dificuldade de se obter uma conceituação jurídica uniforme; entretanto, há elementos utilizados em
consonância pela doutrina, a seguir expostos, que facilitam a contextualização do fenômeno. Primeiramente, a conduta do assediador é violenta22, sob a forma de situações humilhantes que visam
19 FONSECA, R. D. da. Assédio Moral – Breves Considerações. Revista LTr, nº 01,
jan. 2007. p. 35.
20 OLIVEIRA, E. S. de. Assédio Moral: sujeitos, danos à saúde e legislação. São
Paulo, Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre. nº 243, mar. 2004. p. 59.
21 HIRIGOYEN, M. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Op. cit. p. 65.
22 Na percepção de ALICE MONTEIRO DE BARROS, para que se evidencie a
prática de assédio moral, a violência psicológica praticada deve ser grave na
concepção de uma pessoa normal, e não na concepção de uma pessoa ansiosa,
instável emocionalmente: “A violência psicológica (...) não deve ser avaliada
sob a percepção subjetiva e particular do afetado que poderá viver com
muita ansiedade situações que objetivamente não possuem a gravidade capaz
de justificar esse estado de alma. Nessas situações, a patologia estaria mais
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causar à vítima diversos efeitos: destruir a sua reputação e destruir
sua autoestima, atentar contra a sua dignidade ou sua integridade
psíquica ou física, expô-la a situações humilhantes. No comando de
tais condutas o agressor age dolosamente23, sendo improvável que
sua conduta seja culposa24, pois, na verdade, deseja excluir, discriminar, isolar um indivíduo em seu ambiente de trabalho.
Outro elemento essencial para caracterizar o assédio moral é a
repetição sistemática e prolongada dessa conduta do agressor. Um
ato isolado ou esporádico, ainda que doloso e ofensivo à honra do
trabalhador, poderá ensejar a reparação pelo dano moral25, mas, todavia, não poderá ser considerado assédio moral, pois não é reiterado. Dessa forma, ainda que assemelhadas ao assédio moral, algumas
situações dele se distinguem por não apresentarem esses elementos,
tais como26: as agressões pontuais (casos isolados que não se prolongam no tempo); a gestão por injúria (que se caracteriza pela insulta a
todos os trabalhadores e não apenas a um em especial); as más condições de trabalho (tais como a má iluminação, escassez de material,
espaço insuficiente, etc.); imposições profissionais (como transferências, críticas construtivas, avaliações de desempenho, etc.); entre
outros.
Como consequência da violência reiterada praticada no assédio
moral, a vítima poderá apresentar danos psíquicos que se manifes-
23
24
25
26
vinculada com a própria personalidade da vítima do que com a hostilidade no
local de trabalho”. Ibid. p. 140-1.
FONSECA, R. D. da. Assédio Moral: Breves Considerações. Revista LTr, nº 01,
jan. 2007. p. 36.
“Em sentido amplo, a culpa é a inobservância de um dever que o agente devia
conhecer e observar (...). A culpa, sob os princípios consagrados da negligência,
imprudência e imperícia contém uma conduta voluntária, mas com resultado
involuntário, a previsão ou a previsibilidade e a falta de cuidado devido, cautela
ou atenção.” Cf. VENOSA, S. de S. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 4º V. 3ª
ed. São Paulo: Ed. Atlas. 2003. p. 23-25.
Explica SILVIO DE S. VENOSA que “dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo
psíquico, moral e intelectual da vítima (...). Será moral o dano que ocasiona um
distúrbio anormal na vida do indivíduo; (...) um desconforto comportamental
a ser examinado em cada caso. Ao se analisar o dano moral, o juiz se volta para
a sintomatologia do sofrimento, a qual se não pode ser valorada por terceiro,
deve, no caso, ser quantificada economicamente”. VENOSA, S. de S. Direito
Civil. Responsabilidade Civil. Op. cit. p. 33-34.
FERREIRA, H. D. B. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. 1ª ed. Campinas.
São Paulo: Russell Editores, 2004, p. 60-1.
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tam, entre outras formas, como depressão, ansiedade, e até tentativa
ou cometimento de suicídio27. E, ainda que não atinja essas últimas
consequências, ante a degradação do ambiente de trabalho, e para
fazer cessar a violência gratuita, a vítima pode ensejar a ruptura do
contrato de trabalho, pelo abandono ou pela demissão. Assim, esse
desfecho passa a ser considerado por alguns doutrinadores como
outro possível elemento característico do fenômeno28.
Posto isso, com base na doutrina consultada foi possível extrair
no presente ensaio o entendimento de que o assédio moral possa
ser compreendido como “a relação profissional aética, consistente
na prática reiterada de condutas ofensivas e humilhantes direcionadas a um trabalhador na seara laboral, que afrontam a sua dignidade
e lhe acarretam prejuízos de ordem moral, psicológica e psicossomática” 29.
2.2 Das Formas De Exteriorização Do Assédio Moral E As Consequências Para A Vítima
A prática do assédio moral pode ser muito variada, iniciando-se, por vezes, de forma inofensiva, apenas como uma brincadeira
de mau gosto, mas no fundo, considerada atitude de cunho discriminatório. Com fulcro em sua experiência clínica, HIRIGOYEN30 relata
as etapas observadas na instalação do assédio moral no ambiente
laboral: inicialmente pode ocorrer na forma de “comunicação não-verbal”, caracterizada por gestos, suspiros seguidos, olhar de desprezo, silêncio, erguer de ombros, etc.; a seguir há a desqualificação
da vítima, o que consiste em tratá-la como objeto, negar a sua presença e empregar técnicas de isolamento para afastar a vítima do
grupo31 (passa a não ser convidada a participar de reuniões ou não
27 BARROS, A. M. Assédio Moral. Op. cit. p. 141.
28 “O assédio moral desestabiliza a relação da vítima com o ambiente de trabalho e
com a empresa, forçando-a a desistir do emprego”. Cf. ABE, M. C. Assédio moral.
Em geral, o objetivo é tirar a vítima do emprego. Jornal O Estado de São Paulo.
Caderno Empregos. 17.09.2006, p. Ce2.
29
Este conceito de assédio moral no trabalho, em que se considera a relação
aética, assim como diversas outras informações referentes ao tema, está disponível
no site [http://www.assediomoral.org]. Acesso em 28.06.2011.
30 HIRIGOYEN, M. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Op. cit. p.
65.
31 BARROS, A. M. Assédio Moral. Op. cit. p. 139.
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lhe são atribuídas tarefas) 32, além de retirar-lhe as qualidades, (repetidamente, até que esta acabe acreditando que não as possui) 33.
O próximo passo consiste na “comunicação verbal”, que se manifesta por ridicularizar a vítima perante os colegas, caluniar, mentir,
caçoar de uma deformidade ou enfermidade34, colocar a vítima em
situações vexatórias, lhe atribuindo tarefas inúteis ou degradantes,
apesar de sua capacidade e titulação ou, ainda, atribuindo-lhe tarefas
de grande complexidade ou incompatíveis com a função para execução em curto espaço de tempo, com a finalidade de demonstrar
sua incompetência35. Na maioria dos casos, os colegas de trabalho
percebem as atitudes hostis do agressor em relação à vítima, mas
confundem-nas com brincadeiras ou ignoram com receio de se tornarem o próximo alvo36.
O estresse gerado pelo organismo da vítima diante da prática
reiterada de assédio moral resulta de um mecanismo de defesa frente às situações ameaçadoras e cuja adaptação acarreta reações orgânicas ou distúrbios crônicos (físicos ou mentais) que se manifestam
de várias formas37, 38: alterações do sono (insônia, pesadelos); alterações da capacidade de concentração e memorização; alterações
emocionais (como irritação, insegurança, cansaço, pensamentos
repetitivos e diminuição da capacidade para enfrentar situações de
estresse); dificuldade de se relacionar socialmente; depressão e isolamento; alterações de personalidade; distúrbios digestivos; hipertensão arterial; aumento da ingestão de bebidas alcoólicas ou outras
drogas; aquisição da Síndrome de Burnout39; dores generalizadas;
diminuição da libido; etc.
32 HIRIGOYEN M. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Op. cit. p.
79.
33 Ibid. p. 125.
34 MENEZES, C. A. C. de. Assédio Moral e seus efeitos jurídicos. Revista Justiça do
Trabalho. Porto Alegre: HS Editora Ltda. nº 228, dez. 2002, p. 17.
35 BARROS, A. M. Assédio Moral. Op. cit. p. 139.
36 HIRIGOYEN M. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Op. cit. p.
66-7.
37 FERREIRA, H. D. B. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. Op. cit. p. 74.
38 OLIVEIRA, E. S. Assédio Moral: sujeitos, danos à saúde e legislação. Revista
Justiça do Trabalho. Op. cit. p. 69.
39 A Síndrome de Burnout, doença ocupacional causada pelo estresse extremo
no ambiente de trabalho, caracteriza-se pelo esgotamento físico, psíquico e
emocional do trabalhador e tem como alguns dos efeitos a hipertensão arterial,
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Assim, observa-se que em face das humilhações reiteradas, a
vítima perde, gradativamente, seu equilíbrio físico e psíquico, e,
por conseguinte, sua personalidade sofre alterações que afetam sua
competência, sua criatividade e seu talento, transformando-a numa
pessoa destrutiva, doente mental ou suicida40.
Quanto às consequências de cunho econômico, frise-se, há estreita relação entre os efeitos do assédio moral e os custos da empresa, do Estado e de toda a sociedade. Oliveira41 enfatiza que a produtividade dos trabalhadores vitimados tende a diminuir, as ausências
tendem a aumentar e os custos operacionais elevam-se em face das
doenças subsequentes, substituições frequentes e eventuais despesas processuais. Os custos também atingem o Estado já que licenças
médicas superiores a 15 (quinze) dias, afastamentos por acidentes
de trabalho decorrentes do estresse psicológico e as aposentadorias
precoces são pagas pelo INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social).
Dessa forma, torna-se evidente que os prejuízos do assédio
moral atingem ambos, empresa e trabalhador, pois, na maioria das
vezes, este sai do emprego num estado de saúde física e mental debilitado, o que lhe dificulta a recolocação no mercado de trabalho,
afetando sua sobrevivência e de sua família, enquanto aquela sofre
com a queda de produção em virtude do absenteísmo e da falta de
motivação42.
3. A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NO AMBIENTE DE TRABALHO
Apesar da expressão “ética” apresentar vasto e abrangente conceito, com diversas abordagens possíveis, o foco do presente ensaio
concentra-se na sua análise sob a perspectiva da prática do assédio
moral no ambiente laboral, sem pretensão de formular um discurso
em termos filosóficos, pois ausente esse intuito.
Ainda que muitas vezes tratadas como sinônimas, as expressões
“ética” e “moral” apresentam conceitos distintos, como bem dea perda de memória e o ganho de peso. Cf. DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no
ambiente de trabalho. Op. cit. p. 30.
40 FERREIRA, H. D. B. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. Op. cit. p. 74-5.
41 OLIVEIRA, E. S. Assédio Moral: sujeitos, danos à saúde e legislação. Revista de
Direito do Trabalho. Op. cit. p. 59.
42 FERREIRA, H. D. B. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. Op. cit. p. 71-72.
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monstram alguns doutrinadores, cujos entendimentos para melhor
discernimento do tema proposto, importam sucinta transcrição. Se
para ERNST TUGENDHAT, por ética entende-se “a reflexão filosófica sobre a moral” 43, para JOSÉ RENATO NALINI, ética é uma disciplina normativa que não cria normas, mas as descobre e as elucida, mostrando
às pessoas os valores e princípios que devem nortear sua existência
e influenciar a sua conduta44. LÉLIO LAURETTI45, por seu turno, entende
que a ética deva ser compreendida como um conjunto de princípios,
virtudes e valores universais duradouros que representam um estágio mais avançado da consciência humana e que inspira a conduta
moral dos homens, ou seja, “as regras de fazer e de não fazer” em
sociedade. Corroborando esse entendimento, o douto MIGUEL REALE
afirma, em síntese, que a ética é uma “ordenação teórica-prática dos
comportamentos humanos em sociedade” 46.
Mas o que diferencia o homem dos demais animais? Sua capacidade de discernimento, sua consciência e seu livre arbítrio. Nesse
diapasão, para GISELE LEITE, o homem torna-se distinto dos demais
animais pela capacidade de emitir julgamentos morais da realidade,
possuindo discernindo entre o bem e o mal, o justo do injusto, etc.,
e avaliando, dessa forma, sua ação e sua realidade a partir de valores
morais47. Com foco nesse entendimento, toda sociedade, considerada esta por MIGUEL REALE não apenas como um fato natural, mas
também uma realidade cultural48, necessita manter um conjunto de
valores éticos49 estáveis e compartilháveis entre os indivíduos que a
43 TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética. Petrópolis: Editora Vozes. 5ª ed. 2003. p. 39.
44 No entendimento de NALINI, “Conceituar ética já leva à conclusão de que ela não
se confunde com a moral (...) a ética seria a ciência dos costumes. Já a moral não
é ciência, senão objeto da ciência.” NALINI, J. R. Ética Geral e Profissional. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2ª ed. 1999. p. 34/5.
45 LAURETTI, L. A ética é a opção pelo bem. Revista Administrador Profissional.
São Paulo. nº 258, dez. 2007. p. 9.
46 REALE, M. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva. 27ª ed. 2003. p.
39.
47 LEITE, G. História da ética. Revista Prática Jurídica. Brasília: Editora Consulex.
Ano V. nº 52, jul. 2006, p. 36.
48 REALE, M. Lições preliminares de Direito. Op. cit. p. 32.
49 DARCANCHY, analisando o tema, enfatiza que os valores são fundamentais em
qualquer sociedade ou grupo social, pois regulam as relações humanas. Quanto
aos valores éticos, estes se relacionam com a evolução histórica do grupo, e
são escolhidos no processo social de acordo com as experiências humanas,
antropológicas e materiais, levando os integrantes do grupo a compartilharem
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compõem, posto se estabeleça e se mantenha estruturalmente de
acordo com um padrão ético adotado como resultado das transformações histórico-sociais vivenciadas50, já que resultam da própria
cultura da comunidade, variando de acordo com o tempo e sua localização no mundo.
Em sendo assim, sob essa perspectiva, ser ético é uma questão
de atitude, de escolha, é nada mais do que ser altruísta e proceder
bem, além de agir de acordo com os valores morais estabelecidos na
sociedade em que está inserido. Com base nessa assertiva, é possível
inferir: existe uma sociedade ausente de valores éticos? Para DARCANCHY51 não, pois a autora entende que não há sociedade sem ética e
sem moral, “uma vez que somos seres sociais constituídos de fundamentos morais, isto é, somos seres morais”.
Destarte, ainda que se possa considerar exista na sociedade um
padrão convencionado de valores institucionalizados e compartilhados que regulam as relações entre os seus membros52, como numa
bússola moral, é cabível aos indivíduos agirem com autodeterminação e usufruírem de livre arbítrio na escolha de valores que regularão
suas relações pessoais, através do exercício de sua subjetividade53
perante o grupo social54, 55. Tal entendimento pode ser traduzido
na seguinte assertiva: é como se a bússola moral da sociedade apontasse para a direção dos valores e condutas que ensejam a paz social
e o bem da coletividade, mas a escolha é individual, com base na
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das escolhas efetuadas no contexto onde estão inseridos. DARCANCHY, M. V.
Assédio Moral no ambiente de trabalho. Op. cit. p. 31.
LEITE, G. História da ética. Op. cit. p. 37.
DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no ambiente de trabalho. Op. cit. p. 31.
DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no meio ambiente de trabalho. Op. cit. Acesso
em: 02 fev. 2006.
REALE, M. Lições preliminares de Direito. Op. cit. p. 39.
Como bem ressalta GISELE LEITE, a possibilidade de escolha de que o homem
usufrui é denominada de liberdade intrinsecamente ligada à consciência moral,
que lhe permite agir livremente se autodeterminando. LEITE, G. História da
ética. Op. cit. p. 37.
NALINI discorre sobre a autodeterminação do indivíduo perante as convenções
éticas sociais, enfatizando que “o indivíduo se comporta sob efeito de influências
sociais, sendo que a vida social lhe impõe normas de conduta, forçando-o a
defender determinadas posturas. Porém, o indivíduo tem uma faixa individual
de discernimento para fazer suas escolhas morais. A opção moral é, antes
de tudo, uma opção de consciência individual”. NALINI, J. R. Ética Geral e
Profissional. Op. cit. p. 75.
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liberdade de escolha dos indivíduos. Por conseguinte, embora muitos valores sejam compartilhados pela coletividade, seus membros
não são totalmente determinados pelos mesmos56, não existindo
garantias de que os indivíduos os cumpram em sua integralidade,
podendo, de outra parte, transgredi-los ou até mesmo negá-los57.
Sob o entendimento de MIGUEL REALE, quando os indivíduos se
respeitam mutuamente, colocam-se uns perante os outros como
“pessoas”, o que vem demonstrar a unidade da vida ética no grupo58;
mas, destarte, quando sua conduta vier a ferir os princípios éticos
convencionados pela sociedade, inevitavelmente o indivíduo sofrerá
um juízo moral59, 60, posto que toda atitude sua esteja relacionada
com os demais membros dessa sociedade.
Sobre a crise de valores vivenciada pela sociedade contemporânea, Nalini cita o entendimento de Gregório Robles, de que a causa
ideológica é a exacerbação do relativismo moral e da concepção utilitária da felicidade, que conduz ao egoísmo perverso e se pauta apenas no êxito material, em que o indivíduo julga seus próprios atos
do seguinte modo: “não há instância superior à minha consciência,
sou eu quem decide o que é bom e o que é mau, o que está bom
e o que está mal. O bom não é bom porque seja bom em si, senão
56 Sobre o assunto, importa transcrever o seguinte comentário de PETER SINGER:
“Quem quer que já tenha debruçado sobre uma questão ética difícil sabe muito
bem que o fato de nos dizerem o que é que a sociedade acha que devemos
fazer não ajuda ninguém a se resolver por essa ou aquela solução. Precisamos
tomar a nossa própria decisão. As crenças e os costumes dentro dos quais fomos
criados podem exercer grande influência sobre nós, mas ao refletirmos sobre
eles, podemos resolver agir de acordo com o que nos sugerem, mas também
podemos fazer-lhes franca objeção”. Cf. SINGER, P. Ética Prática. São Paulo:
Martins Fontes. 2ª ed. 1998. p. 14.
57 Conforme, ainda, o entendimento do referido autor, o indivíduo que não segue
os padrões éticos dominantes na sociedade poderá seguir padrões éticos que
divergem daqueles, pois acredita que vive sob padrões éticos próprios, ou,
poderá viver, ainda, à margem de todo e qualquer padrão ético. Ibid. p. 17.
58 REALE, M. Lições preliminares de Direito. Op. cit. p. 39-40.
59 DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no ambiente de trabalho. Op. cit. p. 32.
60 Para TUGENDHAT, a comunidade exerce a função de instância de cobrança do
seguimento das normas morais pelos indivíduos que a compõem. TUGENDHAT,
E. Lições sobre Ética. Op. cit. p. 343.
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porque eu decido que é bom em virtude de minhas próprias razões,
que são aquelas que a mim convencem” 61.
À guisa do exposto, é possível depreender que a inobservância
de valores morais que permeia o ambiente laboral, levando à prática
do assédio moral, seja um reflexo da inobservância de valores morais que atinge a sociedade contemporânea e que ocorre, em parte,
pelo desenvolvimento da personalidade individual62 da maioria de
seus membros, ocasionando uma forma de desagregação ética laboral através da disseminação de fenômenos violentos e humilhantes.
Pode-se dizer que o indivíduo agressor passa a aplicar no ambiente
corporativo a concepção utilitária da felicidade citada acima por Robles, ou seja, passa a agir com base na ideia de que: “minha consciência é o meu guia: sou eu quem decide o que é bom e o que é mau,
o que está bom e o que está mal, não me importando o que o outro
sente”.
Por conseguinte, a prevalência dessa autodeterminação e desse
pensamento individual no ambiente de trabalho vem substituir o
bem-estar da coletividade, distanciando-se dos objetivos previstos
na função social da empresa e ensejando atitudes violentas, perversas e humilhantes (banalizando a prática do mal naquele ambiente).
Nesse diapasão, reportando-se à questão da aplicação dos valores
éticos na seara laboral, Darcanchy afirma que, embora os indivíduos
possuam o discernimento necessário para reconhecer o respeito às
regras de uma convivência social sadia e equilibrada, em determinadas situações o código moral convencionado pela coletividade parece não surtir efeito, prevalecendo no agente agressor a premissa
de “prevalecer vivo a todo custo” 63, o que gera a prática do assédio
moral em suas inúmeras formas de exteriorização.
Prevalecem, assim, no ambiente laboral as condutas de desrespeito e de discriminação entre os indivíduos, instalando uma
condição de fragilidade moral entre os trabalhadores. Se para TUGENDHAT “respeitar alguém significa reconhecê-lo como sujeito de di61 ROBLES, G. Los derechos fundamentales y la ética em la sociedad actual.
Madrid: Civitas. 1995. p. 89. In: NALINI, J. R. Ética Geral e Profissional. Op. cit.
p. 312.
62 Ibidem.
63 DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no meio ambiente de trabalho. Op. cit. Acesso
em: 02 fev. 2006.
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reitos morais” 64; é possível inferir que na prática de assédio moral
o agressor não reconhece a existência dos direitos morais de sua(s)
vítima(s), tornando o ambiente violento e discriminatório.
Sob essa perspectiva, Darcanchy65 enfatiza que nos últimos
anos, as variadas práticas de assédio moral podem ser consideradas
condutas transgressoras dos valores convencionados pela sociedade
ao contrato laboral, e que, visualizadas, então, como se inerentes ao
próprio trabalho, têm levado à banalização da violência66 na seara
laboral, afastando cada vez mais os trabalhadores dos propósitos basilares do contrato de trabalho.
Sobre o contrato de trabalho, por seu turno, afirma JOÃO JOSÉ
SADY: “Este é instituto ao qual o direito, teoricamente, imputa os
maiores valores éticos, mas, na prática, é o local em que os interesses da produção se colocam como o grande princípio não escrito a
presidir as relações entre os homens” 67.
Dessa forma, para que a empresa mantenha um ambiente laboral pautado pela conduta moral68, se faz necessária a aceitação,
por ambas as classes, de empregados e empregadores, de alguns
princípios éticos como: o respeito às diferenças, a generosidade, a
honestidade, a solidariedade e o comprometimento, que devem ser
declarados expressamente no seu código de ética, condenando expressamente a prática de assédio moral e outras condutas de discri64 TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética. Op. cit. p. 363.
65 Extrai-se, ainda, do entendimento de DARCANCHY que, se a violência fosse
imanente ao próprio trabalho ou às relações sociais, a lógica de que o “homem
é o lobo do homem”, de THOMAS HOBBES, estaria atual. Contudo, o assédio
moral, compreendido como uma forma de violência é uma prática políticosocial e economicamente contextualizada, não devendo prevalecer como se
fosse própria da natureza humana. DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no meio
ambiente de trabalho. Op. cit. Acesso em: 02 fev. 2006.
66 “A crise para a humanidade é uma crise moral. Os descaminhos da criatura
humana, refletidos na violência, no egoísmo e na indiferença pela sorte do
semelhante, assentam-se na perda de valores morais”. Cf. NALINI, J. R. Ética
Geral e Profissional. Op. cit. p. 34.
67 SADY, J. J. A boa-fé objetiva no Novo Código Civil e seus reflexos nas relações
jurídicas trabalhistas. Revista do Advogado. São Paulo: AASP. Ano 23. nº 70,
julho 2003. p. 51.
68 Explica TUGENDHAT que “o comportamento moral consiste em reconhecer o
outro como sujeito de direitos iguais; isto significa que às obrigações morais
que temos em relação ao outro correspondem por sua vez direitos morais”.
TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética. Op. cit. p. 336-7.
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minação humana e de banalização da violência no ambiente laboral69, 70.
Destarte, não apenas declarados nesse documento, esses princípios éticos devem ser colocados em prática por todos, transformando-se em códigos de condutas que possam ir além dos valores e
costumes individuais de seus colaboradores, a fim de conseguirem
firmar, de maneira uníssona, a imagem de empresa séria e ética, o
que lhe atribuirá credibilidade no nicho de mercado em que atua71.
Por fim, oportuno mencionar o enfrentamento da questão por
NALINI, segundo o qual, urge a recuperação pelos indivíduos dos valores éticos na sociedade, através do abandono do egoísmo e da
aplicação da solidariedade72. Essa perspectiva pode ser transposta,
indubitavelmente, para a seara laboral, em prol do resgate das condições dignas de trabalho e para que não se instale o retrocesso vil
às condições de escravidão da antiguidade, que, aliás, se distingue
de forma tênue da escravidão contemporânea, ora ilustrada no presente ensaio, que é de cunho moral e psíquico, não apenas físico.
4. Por Um Ambiente Laboral Ético
69 Nesse diapasão, afirma FLORINDO, sobre a função social das empresas: “O
trabalho é o maior de todos os fatores de produção da sociedade e o ser humano,
fonte de todos os valores (...) Podemos afirmar então, que a empresa tem de ter
uma finalidade social. De nada adianta uma empresa estar bem em relação ao
lucro e seus trabalhadores estarem sendo humilhados na sua dignidade”. Cf.
FLORINDO, V. Dano moral e o Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr Editora
LTDA. 2002. p. 83.
70 Sobre os códigos de ética instituídos pelas empresas, CAMPOS afirma que
correspondem a códigos de conduta que devem respeitar os interesses do
conjunto de indivíduos da sociedade, não apenas mecanismos de defesa
corporativa. CAMPOS, P. T. C. Ética dos Negócios. 99. Disponível em: [http://
paulocampos.cnt.br/arqs/ética.pdf] Acessado em 19/04/2011.
71 Explica DOUGLAS FLINTO: “(...) embora o código seja interpretado como a lei
maior de uma organização, já que reflete sua cultura, valores, princípios
corporativos, além de esclarecer responsabilidades éticas, sociais e ambientais
perante a sociedade, não é ele quem torna a empresa ética. Apenas serve
de instrumento norteador para seus funcionários, clientes, acionistas,
fornecedores e comunidade, os chamados stakeholders”. FLINTO, D. Não
existe responsabilidade social sem ética. Revista Administrador profissional.
São Paulo: Conselho Regional de Administração de São Paulo. Jul. 2008. nº 265.
p. 20.
72 NALINI, J. R. Ética Geral e Profissional. Op. cit. p. 313.
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Com a expansão da economia no mercado globalizado, o trabalhador, além de competir com a máquina, passou a sofrer uma competição desumana e antiética com seus pares, em notória afronta à
sua dignidade73. Na prática corporativa, o assédio moral é denominado “jogo da intimidação” ou “fritura”, considerado um dos dez jogos
territoriais praticados nas empresas mediante a disputa territorial
entre funcionários ou entre esses e seus superiores hierárquicos74,
afetando não apenas o patrimônio ativo humano da empresa, mas
também os seus custos operacionais, com a baixa produtividade, o
absenteísmo e a falta de concentração, que resultam em erros de
produção e acidentes de trabalho75.
Para HIRIGOYEN, diante da prática de assédio moral, a empresa
pode apresentar diferentes posições: pode manter-se inerte e nada
fazer para eliminar o problema76 ou estimular a prática de métodos
perversos, hipótese em que a própria empresa torna-se um sistema
corporativo perverso, e, para atingir os objetivos propostos, passa a
empregar métodos desumanos, de modo complacente com o abuso de poder, desde que o lucro obtido não motive uma revolta dos
funcionários e interrompa a produção77. De outra parte, quando a
prática de assédio moral não faz parte da política da empresa, mas
disseminado apenas em determinados grupos, entre empregados,
ou entre chefes e empregados, tem-se como principais causas: a in-
73 Para FERREIRA, o ambiente de trabalho torna-se cada vez mais ameaçador e
menos profissional, sendo tomado por um sadismo que se caracteriza pelo
medo infligido aos trabalhadores e cuja finalidade é torná-los inseguros e
manipuláveis. Prevalecem apenas os interesses econômicos. Nesse sentido,
comenta a autora: “O estímulo à produção mediante a competitividade gera
um contexto profissional perfeito para o aparecimento do assédio moral. Num
sistema onde as pessoas são instigadas a defenderem o que é seu – seu emprego,
sua produção, sua promoção, sua premiação – a todo custo, as pessoas que
as rodeiam deixam de ser consideradas colegas de trabalho e passam a ser
encaradas como inimigos em potencial”. FERREIRA, H. D. B. Assédio Moral nas
Relações de Trabalho. Op. cit. p. 34-35.
74 LEANDRO, A. M. Abaixo a sabotagem. Jornal O Estado de São Paulo. Caderno
Feminino. Ano 55. nº 2.930, 27 jan. 2008, p. 8-9.
75 BARROS, A. M. de. Assédio Moral. Op. cit. p. 144.
76 HIRIGOYEN, M. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Op. cit. p.
67.
77 Ibid. p. 98.
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competência do superior hierárquico78, e os efeitos da globalização79
(tais como: a reengenharia, a alta competitividade, o individualismo
exacerbado, o receio do desemprego e a resistência ao novo, ao diferente ou ao tradicional)80.
Todavia, ainda que a disseminação do assédio moral no ambiente corporativo não se dê por imposição da política da empresa,
como bem ressalta FERREIRA, esta, elegendo os superiores hierárquicos, assume o risco de que estes venham a ser agentes assediadores
em potencial81. Considerando os dizeres de MARIE FRANCE HIRIGOYEN
de que: “o assédio moral é um fenômeno desumano, sem emoções
ou piedade” 82, cujos “procedimentos foram utilizados nos campos
de concentração e continuam a ser norma nos regimes totalitários”
83
, convém frisar que ao empregador cabe, portanto, o dever de garantir condições de bem-estar físico e mental ao trabalhador, empenhando-se em coibir qualquer excesso, pois seu poder diretivo e
disciplinar encontra limites na dignidade da pessoa humana84, considerada esta, princípio fundamental de um Estado Democrático de
Direito85.
78 Ibid. p. 74.
79 Para HIRIGOYEN o assédio moral na seara laboral tem por fim livrar do sistema os
indivíduos que com ele não se sintonizam, pois a globalização busca produzir o
idêntico, clones, robôs, interculturais, intercambiáveis, sendo que para isso, o
grupo deve ter homogeneidade. HIRIGOYEN, M. Mal estar no trabalho. Trad.
JANOWITZER, R. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 39. Original:
Malaise dans lê travail.
80 Segundo HIRIGOYEN, além desses fatores, outra possível causa da instalação do
assédio moral no ambiente laboral, sob o ponto de vista da psiquiatria, é a
própria perversidade humana, pois o contexto sociocultural contemporâneo
tende a tolerar a perversão e isso permite que ela se dissemine no ambiente de
trabalho. Consequentemente, as pessoas que presenciam tal prática abstêm-se
de intervir nas ações e opiniões do agressor, posto que provoque um misto
de sentimentos (a perversão fascina, seduz e amedronta), fazendo com que o
agressor seja temido e respeitado, pois que aparenta ser dotado de uma força
maior, que o torna destemido e invejado. Cf. HIRIGOYEN, M. Assédio moral: a
violência perversa no cotidiano. Op. cit. p. 12.
81 FERREIRA, H. D. B. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. Op. cit. p. 62-3.
82 HIRIGOYEN, M. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Op. cit. p.
66.
83 Ibid. p. 76.
84 HEMETÉRIO, R. A. Assédio Moral no trabalho. Revista IOB Trabalhista e
Previdenciária. Porto Alegre: Síntese. v. 17. nº 208, out. 2006, p. 08.
85 Conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA: “A Dignidade da Pessoa Humana é um valor
supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem”.
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Outrossim, as organizações nada mais são do que sociedades
de indivíduos que compõem comunidades humanas e morais, como
disserta MARVIN T. BROWN86, que se relacionam com outros indivíduos
e com outras organizações, devendo nelas prevalecer condições dignas de convivência, justiça e respeito aos direitos humanos, através
de um processo ético contínuo, em que os indivíduos, agindo como
agentes morais, devem adotar uma perspectiva ética perante os seus
pares e atribuir-lhes vontade e poder87.
Dessa forma, o bom desempenho das empresas depende do
comportamento ético de seus dirigentes, posto que estes possuam
tanta responsabilidade quanto o próprio Estado na manutenção de
condições dignas de trabalho aos indivíduos, pois, como afirma BROWN, quanto à influência das empresas no capitalismo global: “empresas internacionais controlam em grande medida os recursos do
sistema global e como o próprio sistema global sofre de uma falta de
base legal adequada para impedir abusos de poder, as empresas têm
responsabilidade de levar em consideração suas próprias ações e de
ouvir aqueles que clamam contra injustiças, bem como respeitar os
direitos humanos” 88.
De tal feita, é possível depreender que não apenas na esfera de
empresas familiares, mas também de multinacionais, com filiais em
países com culturas distintas e condições socioeconômicas muitas
vezes discrepantes, o ambiente laboral deve ser pautado pelo respeito aos direitos e às diferenças humanas, sendo inadmissível que
nesse contexto, a prática de assédio moral ou de outra forma de vioSILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 104.
86 Para BROWN, vivemos em diferentes comunidades, incluindo a família, a
vizinhança, agrupamentos religiosos e o local de trabalho. Nesse sentido, o
autor define as organizações como comunidades humanas e morais em que os
membros podem ter pouco conhecimento da vida privada de cada um, mas,
ao mesmo tempo, devem ser capazes de entender que o bem-estar de cada
um está ligado ao bem-estar da comunidade como um todo. Assim, define
que “comunidade é uma forma de solidariedade”. Cf. BROWN, M. T. Ética nos
negócios. Trad. STEFFEN, F. D. São Paulo: Editora McGraw-Hill Ltda., 1993, p.
20. Original: Working Ethics-strategies for decision making and Organizational
Responsability.
87 BROWN acrescenta, ainda, que a ética no ambiente de trabalho visa proporcionar
aos seus membros ferramentas conceituais e estratégias para que as pessoas
ajam de modo responsável. Ibid. p. 2.
88 Ibid. p. 120.
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lação à dignidade humana seja aceitável ou estimulável, já que a ética
para o empresário deve ser a mesma do trabalhador, respondendo
cada um, ante as peculiaridades de suas atividades89.
Assim, tem-se que o papel das empresas em face do problema
deve ser de um agente social transformador, com o devido resgate dos valores éticos e morais, o que representa a adoção de um
comportamento compromissado com sua Responsabilidade Social.
Corroborando com esse entendimento, para FERREIRA “não restam
dúvidas de que o empregador possui a obrigação de manter um ambiente de trabalho saudável, inclusive psicologicamente, e o Ministério do Trabalho tem o múnus público de desempenhar eficazmente
sua função de fiscalizar os locais de trabalho (...) e verificar as condições psicológicas a que os trabalhadores estão sendo submetidos” 90.
Ademais, convém frisar, no mercado de trabalho globalizado,
com o estabelecimento de novas e complexas relações de trabalho,
o trabalhador não busca apenas a recompensa salarial por seu labor, mas também as recompensas sociais, simbólicas e não-materiais
e, nesse sentido, a felicidade no ambiente de trabalho passou a ser
cada vez mais almejada nas organizações, pois a gestão de pessoas,
hodiernamente, passou a focar no capital intelectual, seu maior ativo91. Nesse contexto, na visão de MARIA FRANCISCA DOS SANTOS LACERDA,
o Princípio da Eticidade deve ser aplicado em todo contrato laboral
firmado, posto representar um dos princípios que norteiam o Direito do Trabalho, fundado no valor da pessoa humana como fonte
de todos os direitos, priorizando a equidade e os valores éticos92 e
privilegiando a boa-fé .
Em sendo assim, como obrigação decorrente da aplicação do
Princípio da boa-fé dos contratos laborais, cabe ao empregador proporcionar um ambiente de trabalho adequado, em respeito à per89 OLIVA, A. Comportamento ético rende lucros. Jornal Zero Hora. Porto Alegre,
14 ago. 2003. Caderno Gestão, p. 8. Entrevista MARÇAL ALVES LEITE. In: CAMPOS,
P. T. C. Ética dos Negócios. 99. Disponível em: [http:// paulocampos.cnt.br/arqs/
etica.pdf] Acessado em 19/04/2011.
90 FERREIRA, H. D. B. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. Op. cit. p. 99.
91 PEREIRA JR., J. B. Gestão de pessoas focado no humano. Revista Administrador
profissional. São Paulo: Conselho Regional de Administração de São Paulo. Fev.
2008. nº 260. p. 26.
92 LACERDA, M. F. dos S. O novo código civil e o direito do trabalho. Revista Justiça
do Trabalho. Porto Alegre: HS Editora Ltda. nº 243, março 2004. p. 8.
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sonalidade moral e à dignidade do empregado. André Luiz Guedes
Fontes93, sobre o tema, acrescenta a importância da possibilidade
de se caracterizar a culpa in vigilando do empregador na instalação
do assédio moral, pois a sua omissão em coibir atos de assédio moral
por parte de outros empregados, o tornará responsável pela indenização à vítima.
Frise-se, por oportuno, que, nesse sentido, almejando a proteção aos direitos do trabalhador e à sua dignidade, a Constituição
Federal, em seu artigo 170, tornou requisito para o desenvolvimento
econômico do Brasil, a valorização social do trabalho humano, em
superioridade aos demais valores da economia. Contudo, como é
possível observar, tal preceito pouco é considerado na prática cotidiana, tornando-se distante da realidade de muitos trabalhadores.
Ademais, além de tal preceito constitucional, a Carta Magna, em seu
artigo 22594, elegeu o meio ambiente à categoria de bem de uso
comum do povo, a que o art. 200, em seu inciso VIII95, inclui o ambiente de trabalho; e do que se pode inferir, portanto, seja dever do
empregador propiciar um meio ambiente de trabalho sadio, ensejando a “obrigação do empregador em caso de demissão do empregado, devolver-lhe o seu status quo ante, assim entendida a mesma
saúde física e mental que possuía quando de sua admissão”, como
oportunamente afirma Luiz Salvador96.
Oportunamente, convém mencionar a afirmação de FLÁVIA PIOVEde que o respeito à dignidade da pessoa humana, enquanto um
“superprincípio” constitucional impõe-se no ordenamento jurídico
como exigência de justiça e de prevalência de valores éticos na sociedade97, sendo que cabe ao Direito do Trabalho garantir a proteção e
SAN,
93 FONTES, A. L. G. Assédio Moral no contrato de emprego. Op. cit. p. 15.
94 Dispõe o artigo 225, da Constituição Federal: “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
95 Dispõe o artigo 200, inciso VIII, da Constituição Federal: “colaborar na proteção
do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”
96 SALVADOR, L. Assédio Moral – TRT da 17a Região reconhece que violação à
dignidade humana dá direito à indenização. Revista Justiça do Trabalho, Porto
Alegre: HS Editora Ltda. nº 230, fev. 2003, p. 35.
97 PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Princípio da dignidade humana. Revista do
Advogado. São Paulo: AASP. Ano 23. nº 70. julho 2003. p. 40.
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a aplicação dos direitos fundamentais do trabalho no meio ambiente
laboral, principalmente a dignidade humana98.
Por derradeiro, como bem ressalta DOUGLAS FLINTO, “a ética é a
base da sustentabilidade moral e o alicerce que deve orientar e conduzir a gestão e as ações das empresas socialmente responsáveis”99.
Dessa forma, para que uma empresa seja considerada ética100, deve
proporcionar, entre outros, um ambiente de trabalho seguro, sadio,
confortável e marcado pela confiança recíproca, pois se a escolha
pelo bem for uma imposição ou uma obrigação, a ética inexistirá
naquele local101.
5. Considerações Finais
Não se pretendeu com o presente ensaio esgotar a análise do
tema, posto que dele ainda seja possível extrair outras análises e
reflexões. Contudo, à guisa do exposto, foi possível concluir que a
ética humana individualista, aliada à busca desenfreada pelo capital, vem desencadeando um processo de banalização da violência
no ambiente de trabalho moderno, tornando o assédio moral uma
prática comum e uma conduta transgressora do código moral convencionado pela coletividade ao contrato laboral.
Em outras palavras, é possível afirmar que o assédio moral tornou-se um “contra-valor” do trabalho ou um ato que reflete a marcha a ré moral engatada no ambiente laboral pelas empresas, frente
aos direitos conquistados arduamente pelos trabalhadores ao longo
de gerações e de séculos.
É possível concluir que sob o olhar do indivíduo assediador a
vítima não é considerada seu semelhante, ou um sujeito de direitos
98 Nesse sentido, importa transcrever a oportuna afirmação de que “sonegar
direitos é diminuir do homem a sua verdadeira condição de postular uma
vida que lhe garanta viver de forma satisfatória em toda a sua integralidade.
A pessoa humana deve ser o sujeito central do desenvolvimento econômico”.
CF. ALVARENGA, R. Z. de. Direitos humanos e dignidade da pessoa humana no
direito do Trabalho brasileiro. Op. cit. p. 43.
99 FLINTO, D. Não existe responsabilidade social sem ética. Op. cit. p. 21.
100 Para LÉLIO LAURETTI, no mundo moderno, é de suma importância que as empresas
sejam éticas, porque elas são as entidades de maior influência social entre o
bem e o mal (acima de governos, famílias, igrejas, etc.); gerando riquezas,
promovendo avanços tecnológicos, criando e mantendo empregos, etc. Cf.
LAURETTI, L. A ética é a opção pelo bem. Op. cit. p. 9.
101 Ibid. p. 8-9.
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morais, e não merece, portanto, receber um tratamento fraternal e
respeitoso, o que banaliza a prática de violência e viola um direito
fundamental do indivíduo vitimado e seu bem maior: sua dignidade.
Prevalecendo a personalidade individual na seara laboral contemporânea, observa-se que a prática de atitudes violentas e humilhantes
dela advindas, tornam o ambiente corporativo aético, infeliz e, por
conseguinte, indigno aos trabalhadores, já que o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser compreendido, hodiernamente,
um “dever-ser ético”, que a todos se impõe: empregador e empregados.
Como corolário do entendimento de DARCANCHY102, de que “não
há sociedade sem ética e sem moral”, e considerando sejam todas as
pessoas seres morais, pergunta-se: como é possível permitir seja o
ambiente laboral um local aético? Torna-lo tal ou permitir sê-lo, é o
mesmo que distanciá-lo dos princípios éticos e das normas morais
que regem o convívio pacífico em sociedade, ou, em outras palavras:
é como retroceder ao ambiente de trabalho extenuante existente à
época da Revolução Industrial, mas, contudo, com uma aparente
diferença; extenua-se o indivíduo de dentro para fora: a começar de
seu espírito.
Ademais, a prática de assédio moral viola preceitos da Constituição Federal, cujo fim é promover a dignidade humana como um
dos objetivos da ordem econômica, apresentando os direitos fundamentais do trabalho por meio de valores, princípios e fundamentos,
que buscam a eliminação das desigualdades. Dessa forma, pode-se
concluir que o assédio moral pode ser considerado uma conduta
transgressora do código moral convencionado pela coletividade ao
contrato de trabalho, que acarreta a desagregação ética no meio laboral.
Nesse diapasão, a sua tolerância pelo empregador e pelas empresas pode demonstrar um verdadeiro retrocesso na história evolutiva dos direitos dos trabalhadores, pois, a empresa, considerada
hodiernamente uma comunidade humana e moral, deve deixar explícito em seu código de ética que rechaça a prática de condutas
violentas no ambiente de trabalho, posicionando-se, dessa forma,
pela ética e pela não violência laboral. A inércia ou omissão pode ser
102 DARCANCHY, M. V. Assédio Moral no ambiente de trabalho. Op. cit. p. 31.
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traduzida como conivência, gerando a responsabilidade pela empresa, dos danos sofridos pelo trabalhador. Igualmente, convém destacar que o papel da empresa ante a problemática do assédio moral
deve ser de um agente social transformador, com o devido resgate
dos valores éticos e morais, pois cabe ao empregador a manutenção
da unidade ética e da coesão grupal no ambiente laboral, para que a
empresa não se afaste de sua função social.
O ambiente de trabalho acometido pelo assédio moral constitui
uma clara ofensa também ao texto constitucional do artigo 225103,
que elegeu o meio ambiente à categoria de bem de uso comum do
povo, impondo ao empregador a obrigação de assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho sadio, que lhe permita, quando rescindido seu contrato de trabalho, encontrar-se em perfeito estado de
saúde física e mental, tal qual quando admitido no emprego, condição esta, que não se verifica na maioria das vítimas.
Isso posto, é possível concluir que é um engano o pensamento
de que uma empresa ética não pode ter o lucro como objetivo. Sem
demagogia, o lucro pode ser obtido sim, sem, contudo, ter como
pilar a humilhação e o assédio moral dos trabalhadores. Urge, para
tanto, o resgate da humanização no ambiente de trabalho, para que
a força de trabalho humana deixe de ser vista como mera mercadoria
no sistema capitalista globalizado e para que a pessoa humana passe
a ser vista efetivamente como um sujeito central do desenvolvimento e não apenas como um meio.
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ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
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