Assessoria do Serviço Social na área da saúde do trabalhador no

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Assessoria do Serviço Social na área da saúde do trabalhador no Sindicato dos
Trabalhadores do Ramo Financeiro de Juiz de Fora/MG/Brasil.
Ana Lívia de Souza Coimbra1
Ana Paula de Souza2
Introdução
O presente artigo tem o intuito de apresentar o projeto de extensão da Faculdade de
Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora/Brasil (UFJF), destacando as
categorias teóricas que o norteia e os resultados alcançados. O projeto intitulado “Apoio à
Ação Sindical Bancária na Área da Saúde do Trabalhador” tem como beneficiários o
Sindicato dos Trabalhadores da Zona da Mata e Sul de Minas (SINTRAF/JF) e os bancários
a ele filiados. O referido projeto conta com a participação de uma bolsista e está em vigor
desde o ano de 2011, através de ações voltadas para promoção da saúde do trabalhador
bancário, com foco no combate ao assédio moral vivenciado pela categoria.
Partimos do pressuposto que o trabalho é considerado como um dos elementos
fundamentais para a sociabilidade humana. Através dele necessidades vitais são satisfeitas
e as relações sociais entre os homens são estabelecidas. Na contemporaneidade, as
transformações organizacionais e de gestão, aliadas aos processos de inovação
tecnológica, têm influenciado na forma como o trabalho é realizado em diversos setores
(cuja origem remonta os anos 1980), incluindo o bancário, onde se constata a manifestação
de práticas lesivas à saúde do trabalhador.
É comum no ambiente de trabalho bancário a exposição dos trabalhadores às
situações humilhantes e constrangedoras, permeadas pela exigência de produtividade e
estabelecimento de metas, que em muitos momentos são impossíveis de serem cumpridas.
Este contexto corrobora o processo de precarização do trabalho no setor, incitando a
introdução de métodos de gestão baseados no assédio moral, que tem provocado o
adoecimento físico e psíquico dos trabalhadores, culminando com o afastamento dos
mesmos de suas atividades laborativas.
O movimento sindical tem se apropriado dos debates sobre saúde do trabalhador e
algumas ações têm sido desenvolvidas. Em 1980, foi criado o Departamento Intersindical de
Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT). No departamento,
que conta com professores universitários e pesquisadores da área de saúde do trabalhador,
são realizadas pesquisas, estudos, cursos de formação e assessoria técnica para as
1
Assistente Social, docente da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora/Brasil,
Mestre e Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/Brasil.
2
Estudante de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora/Brasil.
entidades filiadas, com o intuito de analisar os temas recorrentes na área e propor ações
para os sindicatos.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da Central Única
dos Trabalhadores (CONTRAF/CUT) e mais de cinquenta sindicatos de bancários de todo o
país assinaram no dia 26 de janeiro de 2011 um acordo com a Federação Nacional dos
Bancos (FENABAN) que estabelece mecanismos de prevenção e combate ao assédio moral
nos bancos. O acordo define um canal específico para apurar denúncias de assédio moral,
estas podem ser encaminhadas pelos bancários aos sindicatos, que deverão formalizar as
denúncias aos bancos. Estes têm sessenta dias corridos para apurar o caso e prestar
esclarecimento ao sindicato.
Sabemos que ações pontuais não são capazes de dar respostas efetivas às
questões que têm origem na relação capital x trabalho. Cabe aos movimentos de
organização dos trabalhadores, como os sindicatos, o desenvolvimento de mecanismos de
luta que fomentem a emancipação da classe trabalhadora. No entanto, considerando o
contexto, as ações de combate ao assédio moral, desenvolvidas até o momento são
importantes e precisam ser analisadas e, em alguns casos, aprimoradas.
Consideramos que o Serviço Social tem papel fundamental neste processo,
prestando assessoria aos movimentos sociais, no caso específico, na área da saúde do
trabalhador, a partir da discussão sobre a organização e gestão do processo de trabalho nos
bancos, qualificando o trabalho desenvolvido pelas entidades sindicais e oferecendo suporte
acadêmico capaz de embasar as ações da categoria. Com essa perspectiva, construímos o
projeto de extensão que ora apresentamos, antes destacando o significado da aproximação
do Serviço Social com os movimentos sociais.
O Serviço Social e sua intervenção junto aos movimentos sociais
A atuação do assistente social nos espaços de organização da classe trabalhadora
possui uma função político-pedagógica importante. Cardoso e Lopes (2009) apontam as
tendências atuais do trabalho dos assistentes sociais nas organizações da classe
trabalhadora, destacando que nas décadas de 1970 e 1980 a perspectiva do trabalho
profissional do assistente social nos espaços de formação e organização política dos
trabalhadores, como por exemplo, nos sindicatos, era de mobilização social e organização.
As ações profissionais dos assistentes sociais, neste período, contribuíam para que projetos
de construção de novas relações hegemônicas na sociedade fossem viabilizados. Esse
direcionamento foi possível pela adesão dos profissionais ao Projeto Ético Político da
categoria, que direciona a atuação profissional numa perspectiva de superação do modo de
produção capitalista.
Cabe ressaltar que embora represente a direção hegemônica na formação
profissional, na produção intelectual e na organização política do assistente social, esse
projeto não se expressa com a mesma intensidade na atuação da maioria dos profissionais.
No entanto, o que se tem como pressuposto, é que o trabalho profissional desenvolvido
pelos assistentes sociais pode assumir a direção político-ideológica de emancipação
humana da classe trabalhadora, assim como, a sua subalternização pelos setores
dominantes (CARDOSO; LOPES, 2009).
O contexto sócio histórico atual, em que o componente ideológico é tão utilizado pelo
capital, através do monopólio dos meios de comunicação, incorporando valores burgueses
na vida cotidiana dos trabalhadores e exercendo sua dominação em todas as esferas da
vida social, evidencia para os profissionais comprometidos com o fortalecimento do projeto
profissional uma necessidade que foi apontada por Iamamoto (2008, p.200).
[...] reassumir o trabalho de base, de educação, mobilização e organização
popular, organicamente integrado aos movimentos sociais e instâncias de
organização política de segmentos e grupos sociais subalternos, o que
parece ter sido submerso do debate profissional ante o refluxo dos
movimentos sociais e dos processos massivos de organização sindical e
social, a partir da década de 90.
A política neoliberal, iniciada no Brasil a partir dos 1990, que prega a intervenção
mínima do Estado na garantia dos direitos dos cidadãos, influencia de forma negativa o
trabalho dos assistentes sociais, já que as políticas públicas passam a ser focalizadas e
minimalistas. Desta forma, representa um empecilho para a consolidação dos avanços
conquistados pela categoria nos anos 1980, principalmente nas organizações da classe
trabalhadora.
De acordo com Cardoso e Lopes (2009), o contexto atual de prevalência do ideário
neoliberal, trouxe à tona a necessidade de ressaltar o caráter contraditório do trabalho do
assistente social, cuja história se insere no processo contraditório de reprodução da
sociedade, na qual a profissão se legitima sendo, desta forma, determinada pelas
contradições da própria sociedade. Assim, no seio desse movimento contraditório da
sociedade capitalista e mesmo nos espaços de formação e organização política dos
trabalhadores, há projetos profissionais e societários distintos disputando hegemonia.
O trabalho profissional dos assistentes sociais nas organizações da classe
trabalhadora, segundo as autoras, pode assumir duas perspectivas teóricas e políticoideológicas que perpassam os projetos profissionais e societários presentes em nossa
sociedade atualmente. A primeira tem como foco a superação da sociedade capitalista,
numa perspectiva de emancipação humana e a segunda visa a manutenção da ordem posta
neste sistema.
A partir dessas perspectivas, os projetos profissionais e os projetos societários são
desenvolvidos e fortalecidos, através das ações dos profissionais de diversas áreas, num
espaço de disputa pela hegemonia nas entidades de organização da classe trabalhadora.
Cardoso e Lopes (2009) colocam como possibilidade de atuação profissional, no processo
de organização e formação da consciência de classes dos trabalhadores o desenvolvimento
de atividades educativas, visando o fortalecimento das organizações da classe trabalhadora
e dos processos de constituição ideológica das classes subalternas na luta pela construção
de uma alternativa emancipatória da classe trabalhadora e de toda humanidade.
O trabalho profissional dos assistentes sociais nas organizações da classe
trabalhadora é complexo e pode ocorrer a partir de duas dimensões institucionais distintas: a
primeira refere-se ao trabalho realizado pelos assistentes sociais nas instituições de
organização autônoma da classe trabalhadora, como empregadora desses profissionais; e a
segunda diz respeito ao trabalho que o assistente social desenvolve junto a essas
instituições e no movimento de organização da classe trabalhadora, a partir de outras
instituições da prática profissional. Como exemplo, podemos citar as universidades através
de projetos de extensão, onde faz parte o projeto que desenvolvemos.
Como dito anteriormente, a partir dos anos 1990, o trabalho dos assistentes sociais
nas organizações da classe trabalhadora, e nesses espaços a perspectiva de emancipação
política e emancipação humana foram fortemente limitadas, devido à influência do modelo
neoliberal. Desta forma, a defesa dos valores democráticos presentes no projeto profissional
dos assistentes sociais, os quais visam a emancipação humana, tem sido constantemente
pressionada pela hegemonia do Capital. Contudo, Iamamoto (2009) destaca que a realidade
não apresenta apenas obstáculos para materialização do Projeto Ético Político Profissional,
em meio às dificuldades as possibilidades também se presentam. Por isso, a importância do
comprometimento do assistente social com o projeto defendido e da sua capacidade de
fazer uma leitura crítica da realidade posta.
Nessa perspectiva, Cardoso e Lopes (2009) destacam algumas estratégias do
trabalho profissional no âmbito das organizações da classe trabalhadora, quais sejam:
prestar assessoria técnica e apoio aos setores organizados da classe trabalhadora;
desenvolver junto aos trabalhadores atividades educativas formadoras de um modo de
pensar e de agir que lhes permitam a organização; e desenvolver um trabalho pedagógico
junto aos trabalhadores, em suas instituições de organização, que contribua com os
mesmos, para formulação e implementação de uma política que concretize a participação
das massas.
A relação interventiva do Serviço Social junto aos movimentos sociais e as
organizações da classe trabalhadora está ancorada na lei de regulamentação da profissão,
que determina como competência do assistente social “prestar assessoria e apoio aos
movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa
dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade” (Lei n. 8.662, 1993, art. 4°, parágrafo
IX) e no Código de Ética do assistente social, que afirma como direito do profissional “apoiar
e/ou participar dos movimentos sociais e organizações da populares vinculados à luta pela
consolidação e ampliação da democracia e dos direitos de cidadania” (Código de Ética do
assistente social, 1993, art. 12, alínea b) e estabelece como um dever do profissional
“respeitar a autonomia dos movimentos populares e das organizações das classes
trabalhadoras” (Código de Ética do assistente social, 1993, art. 13, alínea c)” (BALDI, 2010).
Como apontam Cardoso e Lopes (2009), a possibilidade de se trabalhar com as
organizações da classe trabalhadora foi significativa a partir de 1980, ampliando, desta
forma, o número de experiências de intervenção profissional nos processos de organização
e mobilização popular. As universidades, principalmente as públicas, representam espaços
ricos e capazes de fomentar experiências interventivas junto aos movimentos sociais, por
meio de projetos de extensão.
Considerando o Sindicato dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da Zona da Mata
e Sul de Minas (SINTRAF/JF) o trabalho de assessoria hoje realizado, por parte do Serviço
Social, tem raízes. Após passar por um período de restruturação financeira e operacional,
no final da década de 1980, o sindicato realizou a contratação de assessores técnicos,
dentre eles a Coordenadora do projeto que hoje desenvolvemos, que naquela época era
estagiária de Serviço Social. Havia um trabalho interdisciplinar entre as assessorias de
saúde e serviço social, fato que representou um avanço no campo da saúde do trabalhador,
num contexto de superação da postura assistencialista presente no movimento sindical
desde o governo Vargas. Partiu de uma parcela da diretoria o interesse em criar uma
“Comissão de Saúde e Trabalho”, e o Serviço Social se inseriu nesta comissão de saúde
visando contribuir para o planejamento das ações pretendidas, elaborando projetos que
permitissem um melhor desempenho e acompanhamento das atividades.
A partir deste momento, os dirigentes do Departamento de Saúde do SINTRAF/JF
passaram a realizar, assessorados por estagiárias de Serviço Social e por um médico do
trabalho, reuniões com os trabalhadores, estas contavam com um contingente expressivo de
trabalhadores, já que as doenças relacionadas ao trabalho como as Lesões por Esforço
Repetitivo – LER – estavam no auge e atingiam principalmente os digitadores e
compensadores. Vistorias nos bancos para levantar as condições de trabalho, seminários
sobre saúde do trabalhador, especialmente sobre Lesões por Esforço Repetitivo – LER, e a
elaboração de artigos nos boletins do sindicato também fizeram parte do trabalho
desenvolvido pela equipe. Esse resgate da trajetória do Serviço Social no espaço sindical,
no âmbito da saúde do trabalhador, demonstra que o campo de atuação é rico e necessita
de intervenções qualificadas, diante de um número considerável de trabalhadores que se
afastam das atividades laborativas diante do assédio moral vivenciado nos bancos.
O projeto de extensão que neste artigo apresentamos parte do pressuposto que o
assédio moral tem influência direta na saúde do trabalhador bancário, representando
expressão importante da questão social e que, por isso mesmo, deve ser tratada pelo
Serviço Social. No entanto, cabe destacar os aspectos da organização do trabalho bancário
e sua relação com o adoecimento dos trabalhadores da categoria, para posteriormente
apresentarmos os objetivos e metodologia que compõem o projeto de extensão de apoio à
ação sindical bancária na área da saúde do trabalhador.
Trabalho e saúde do trabalhador bancário e o projeto de extensão.
Desde os anos 1980 ocorre mundialmente um processo de reestruturação do
sistema bancário, diante da forte concorrência nos mercados nacionais e internacionais, a
partir da grande presença na cena econômica de investidores institucionais e organizações
financeiras não bancárias. Para enfrentar tal conjuntura tem-se, por um lado, a concentração
e centralização de capital no setor, ao promover liquidações, privatizações, fusões ou
incorporações de bancos. Por outro, vivencia-se uma redefinição do perfil operacional das
instituições bancárias, que atuam o mercado através de atividades especulativas,
diversificando produtos e serviços (JINKINGS, 2010). Esse processo de reestruturação
interfere simultaneamente nas condições e relações de trabalho no setor, representando
precarização do emprego para os bancários.
A reestruturação dos sistemas financeiros nacionais no Brasil e em outros países da
América Latina desenvolveu-se no contexto de adaptação da economia desses países ao
modelo neoliberal. A partir da década de 1990 houve uma expansão de grupos financeiros
na América Latina, possível através da abertura econômica e estimulada pela pressão
concorrencial nos mercados financeiros mundiais (JINKINGS, 2006).
A reestruturação no sistema bancário também é caracterizada por vínculos
empregatícios diversos como contratos temporários, estágios e terceirizações. Nesse
processo de precarização do trabalho, em que os custos com a força de trabalho são
reduzidos, os vínculos são fragilizados, fragmentando e estimulando a competição entre os
trabalhadores. A figura do bancário “vendedor”, capaz de vender títulos, seguros e
aplicações demonstra uma transformação importante na organização do trabalho bancário,
marcada pelo deslocamento das atividades administrativas para as comerciais nos bancos,
privilegiando o contato com o cliente e sofisticando a prestação de serviços financeiros.
Na contemporaneidade presenciamos, como expressão da reestruturação e da
mundialização do capital, a expansão dos mercados monetários internacionais e a
introdução de agressivas modalidades produtivas para alcançar a máxima intensificação do
trabalho. As políticas de liberalização do comércio, de privatização do Estado e de ataques
aos direitos dos trabalhadores e à organização sindical também podem ser consideradas
como demonstrações desse processo, que alguns autores consideram como de transição
entre o modelo fordista-keynesiano e o modelo de acumulação flexível (JINKINGS, 2010).
A acumulação flexível se beneficia de formas mais sofisticadas de apropriação de
mais-valia, com o suporte da inovação tecnológica e de práticas de controle e gestão do
trabalho. No entanto, formas mais antigas, pautadas no prolongamento de jornadas de
trabalho e no rebaixamento salarial também são agregadas as modalidades atuais,
aperfeiçoando a exploração sobre os trabalhadores.
De acordo com Jinkings (2010), os bancários vivenciam, assim como os
trabalhadores de outros ramos, a instabilidade do emprego e a intensificação do trabalho na
sua vida cotidiana. No entanto, enquanto segmento da classe trabalhadora diretamente
ligado aos movimentos direcionados pelo capital financeiro, vivenciam de modo particular as
transformações do capitalismo mundializado sob e égide do capital financeiro.
Para a autora, as medidas de reestruturação nos bancos excluem os trabalhadores
considerados menos qualificados ou não adaptados aos princípios empresariais da
“qualidade total” e da “excelência” do atendimento ao cliente. São valorizados nesse
processo os profissionais com habilidade de gerenciamento e vendas, capazes de fazer
uma leitura do mercado financeiro, aptos para realizar um atendimento personalizado aos
clientes mais rentáveis para o banco.
Chaves (2006) destaca que com o incremento da automação nos bancos, estratégico
para o enfrentamento da conjuntura econômica do setor, dividiu os correntistas em três
grupos: os dos pequenos correntistas, que foram direcionados para o autoatendimento; os
médios correntistas, que ainda mantiveram algum tipo de atendimento pessoal; e os
grandes correntistas que passaram a ter atendimento especializado e assessoramento nas
tomadas de decisões.
Observa-se, desta forma, um processo de elitização do atendimento bancário, a
partir do qual todos os esforços dos bancos estão voltados para atender de forma plena os
clientes que movimentam maiores recursos financeiros. Considerados clientes especiais não
precisam enfrentar filas para o atendimento, enquanto os pequenos e médios correntistas
têm como opção de atendimento, na maioria das vezes, apenas os caixas eletrônicos e
ainda pagam taxas altíssimas para utilizá-los (CHAVES, 2006).
Nesse contexto, os programas de qualidade total, a tecnologia informacional e
microeletrônica e a flexibilidade na contratação e remuneração dos trabalhadores, passaram
a compor o quadro de ajustes organizacionais do setor. Paralelamente, o atendimento
eletrônico, através de centrais telefônicas, caixas automáticos e internet transferem os
serviços que a priori eram realizados nas agências.
Tal processo de transformação do processo de trabalho nos bancos contribuiu para
alterações nas relações de poder dentro dos espaços de trabalho. Paralelamente a
inovações tecnológicas e organizacionais, as instituições financeiras praticam novas formas
de controle e gestão do trabalho buscando a adesão dos trabalhadores ao modelo
capitalista. As formas de cooptar o trabalhador e disciplinar o trabalho são mascaradas com
artifícios diversos, como a remuneração variável e premiações salariais mediante
cumprimento de metas. A criação de equipes “de qualidade” nos locais de trabalho para
estimular a competitividade entre os trabalhadores, a criação de campanhas de vendas de
“produtos”, também são estratégias de controle e dominação do trabalho, utilizadas pelos
bancos (JINKINGS, 2010).
As políticas de gestão chamadas de participativas, que se apresentam como
instrumentos de democratização dos ambientes de trabalho, obscurecem a disciplina e o
controle do trabalho. As novas práticas gerenciais buscam construir uma identidade entre os
interesses do trabalhador e os do capital, o trabalhador passa a ser chamado de
colaborador e a partir da cooptação e alienação no ambiente de trabalho defende os
projetos empresariais.
Para Jinkings (2006) o atual contexto de precarização social e desregulamentação
da economia traz insegurança, ansiedade e medo para o cotidiano de trabalho dos
bancários. Além de propiciar relações tensas e competitivas nos ambientes laborais,
desgastando a saúde mental e física dos trabalhadores. Neste contexto, de sofrimento
psíquico, fruto do controle, da pressão e da intensidade do trabalho os episódios de assédio
moral são recorrentes.
Se no início da década de 1980 os casos de adoecimento do trabalhador bancário
pautavam-se prioritariamente nas Lesões por Esforço Repetitivo (LER), atualmente o quadro
é outro, evidenciam-se na categoria, com maior frequência, doenças relacionadas à saúde
mental dos trabalhadores, consequentes de determinados tipos de posturas sobre os
trabalhadores, o chamado assédio moral. De acordo com a Confederação dos
Trabalhadores do Ramo Financeiro, da Central Única dos Trabalhadores (CONTRAF/CUT),
devido á exigência de produtividade, estabelecimento de metas e a precarização do trabalho
bancário aumentaram os casos de adoecimento e afastamento do trabalho devido ao
assédio moral.
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, o assédio moral caracteriza-se por
toda e qualquer conduta abusiva, a partir de gestos, palavras, escritos, comportamentos,
atitudes que, intencional e frequentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica
de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. Dentre as
condutas mais comuns temos: instruções confusas e imprecisas ao trabalhador; dificultar o
trabalho, atribuindo-lhes erros imaginários; exigir, desnecessariamente, trabalhos urgentes
ou sobrecarga de tarefas; ignora-lo, não cumprimentá-lo ou não lhe dirigir a palavra na
frente dos outros; fazer críticas ou brincadeiras inconvenientes ao trabalhador, em público;
agressão física ou verbal; revista vexatória; restrição ao uso de sanitários; ameaças;
insultos; isolamento.
Tais pressões sobre o trabalhador, tem gerado sofrimento psíquico e surgimento de
doenças, o que determina uma ação sindical incisiva. Este é o pensamento do Sindicato dos
Trabalhadores do Ramo Financeiro da Zona da Mata e Sul de Minas (SINTRAF/JF). Criado
em 27 de novembro de 1932, o SINTRAF/JF é filiado a Central Única dos Trabalhadores
(CUT), representa cerca de 1400 trabalhadores e vem, ao longo de sua história, construindo
sua ação em um cenário cada vez mais desfavorável. Segundo a diretora de Saúde e
Condições do Trabalho do SINTRAF, Cristina Moysés, em entrevista ao Jornal dos
Bancários (janeiro 2011), as doenças de origem psicológicas são as que mais afetam a
saúde do trabalhador, causando afastamentos, aposentadorias precoces ou a saída
compulsória do profissional da empresa de onde trabalha. "Há dez anos, os bancários
chegavam ao sindicato alegando sofrer de doenças ocupacionais como LER/DORT. Hoje, a
procura por assistência médica é em grande maioria relacionada a problemas psiquiátricos
adquiridos no ambiente de trabalho, seja por discriminações sofridas em público ou
imposição de metas abusivas". Segundo a sindicalista, apesar deste tipo de doença ter
ganhado visibilidade nos últimos anos, o assédio moral é um problema antigo dentro das
relações profissionais. "O assédio sempre existiu, mas não era conhecido nem reconhecido.
Hoje as pessoas já conhecem os seus direitos, sabem que o assédio é crime e que adoece."
Tendo a categoria que representa atingida por processos que geram adoecimento,
os sindicalistas do SINTRAF/JF passaram a planejar suas ações no intuito de combater as
práticas lesivas à saúde dos bancários. O projeto em questão, em parceria com o
SINTRAF/JF, procura atuar neste campo, propondo, para isso, um trabalho educativo junto
aos bancários que possibilite o entendimento sobre os motivos do adoecimento, com
centralidade na questão do assédio moral, bem como assessorar o SINTRA/JF na
estruturação de ações preventivas.
Nesse contexto, a Faculdade de Serviço Social da UFJF, por meio da ação de
extensão, assessora o Sindicato dos Trabalhadores do Ramo Financeiro de Juiz de Fora em
atividades de prevenção de doenças e de combate às práticas lesivas à saúde dos
trabalhadores. A partir da discussão sobre o processo e organização do trabalho no setor
bancário, com ênfase na questão do assédio moral.
O projeto tem como objetivo geral oferecer suporte ao SINTRAF/JF na execução de
ações sindicais na área de saúde do trabalhador, a partir da discussão sobre processo e
organização do trabalho no setor bancário, com ênfase na questão do assédio moral. Para
isso, definimos como objetivos específicos, os seguintes pontos:
- Avaliar o trabalho já realizado pelo SINTRAF/JF na área de saúde do trabalhador, como
base para elaboração de planejamento.
- Organizar de bancos de dados com os seguintes indicadores: número de caso de
afastamento por motivo de assédio moral; empresas que apresentam casos de assédio
moral; perfil de organização e gestão do processo de trabalho nas empresas que
apresentam casos de assédio moral.
- Elaborar material informativo sobre a questão do assédio moral.
- Orientar os trabalhadores que sofreram assédio moral no que se refere aos seus direitos.
As atividades do projeto são realizadas a partir da assessoria da coordenadora e
bolsista junto à Secretaria de Saúde e Condições de Trabalho do SINTRAF/JF, onde como
procedimentos metodológicos foram definidos:
- Análise das ações realizadas e formulação de planejamento na área da saúde do
trabalhador, com centralidade no Assédio Moral;
- Elaboração de material educativo (cartilhas e artigos no jornal sindical dos bancários);
- Realização de palestras para tratar do tema do processo de trabalho e saúde do
trabalhador;
- Realização de reuniões com trabalhadores afastados por motivo de doença ocupacional;
- Participação mensal em reuniões da Diretoria Sindical para monitoramento e avaliação das
atividades realizadas.
Análise das atividades e resultados alcançados
Junto à Secretaria de Saúde e Condições de Trabalho temos realizado atendimento
individual aos trabalhadores, orientando-os com relação aos procedimentos burocráticos em
situação em que ocorrem problemas relacionados à saúde, como emissão de Comunicação
de Acidente de Trabalho (CAT), marcação de perícia médica e alterações de benefícios
previdenciários. A partir dos casos apresentados pelos próprios bancários, no atendimento
individual, o sindicato promove ações pontuais nas agências onde ocorrem os abusos.
Também é disponibilizado no site do SINTRAF/JF um endereço de email para denúncias de
casos de assédio moral.
No início do projeto de extensão, conforme previsto, foi realizado um planejamento
das atividades que a diretoria sindical já vinha realizando na área de saúde. O atendimento
individual ao bancário, antes realizado, foi mantido, já que representa o contato inicial e
direto do trabalhador com o sindicato, representando uma alternativa para futuras ações
políticas. Entretanto, este contato passou a ser realizado a partir de uma ficha de recepção
de fundamental importância para a sistematização dos dados obtidos no primeiro
atendimento. Através dela é possível a elaboração de uma planilha com dados estatísticos
referentes ao número de casos de afastamento por assédio moral, empresas nas quais
ocorrem os maiores casos de adoecimento e perfil de organização e gestão do processo de
trabalho nas empresas que apresentam casos de assédio moral.
O trabalho educativo com a categoria é desenvolvido através da elaboração de
artigos referentes à temática, os mesmos são publicados nos meios de comunicação
utilizados pelo sindicato como jornal, site, newsletter e redes sociais. A proposta de criação
de uma cartilha própria do SINTRAF/JF, abordando a questão do assédio moral também
compõe os objetivos do projeto. Assim como, a realização de palestras capazes de propiciar
a interação da entidade com os trabalhadores, como também a presença de outros
profissionais, ampliando a discussão sobre o tema. A metodologia do projeto inclui, além
das atividades expostas anteriormente, reuniões com os trabalhadores afastados por motivo
de doença ocupacional e participação nas reuniões da Diretoria Sindical para
monitoramento e avaliação das ações.
O projeto reafirma os princípios da extensão universitária, ao considerar que as
ações propostas podem oportunizar aos estudantes de graduação a experiência de
aproximação com realidade social brasileira. Especificamente no caso das ações propostas,
que se inserem na área do Trabalho, Saúde e Sindicalismo, a bolsista de Serviço Social tem
contato com os trabalhadores que passam por intenso processo de adoecimento, bem como
com o cotidiano de uma entidade sindical, correlacionando o conhecimento teórico das
disciplinas de graduação e a intervenção na realidade. Além disso, o trabalho educativo
entre os bancários tem possibilitado a reflexão e análise crítica acerca dos motivos do
adoecimento, com centralidade na questão do assédio moral, indicando para os
trabalhadores que a saída para a superação dos problemas enfrentados passa pela
organização coletiva. Para o entidade sindical assessorada, a realização do projeto tem
contribuído para que os sindicalistas passem a planejar ações de prevenção à doenças,
quanto de combate às práticas lesivas à saúde dos bancários, além de instrumentalizá-los
para discussão nos espaços organizativos nacionais onde o sindicato assessorado participa.
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