Nº46 A osteoporose é a mais prevalente doença metabólica do osso entre os países desenvolvidos e é definida como patologia esquelética sistêmica, caracterizada por baixa massa e deterioração da microarquitetura do tecido ósseo, conduzindo ao aumento na fragilidade óssea e suscetibilidade a fraturas não traumáticas. Em consequência de ser uma patologia silenciosa, que pode progredir sem detecção, por décadas, é considerada um dos principais e crescentes problemas de saúde em todo o mundo, afetando milhões de pessoas e atingindo a qualidade de vida de idosos. Entende-se por massa óssea, a diferença entre a quantidade máxima de densidade mineral adquirida durante o crescimento, ou seja, até o fim da puberdade quando se observa o pico de massa óssea e a perda verificada durante a senilidade. O osso é um tecido altamente ativo metabolicamente, em que os processos osteoblásticos (formação óssea) e osteoclásticos (reabsorção óssea) são contínuos ao longo da vida. A ação conjunta de osteoblastos e osteoclastos no processo de remodelação asseguram a manutenção da estrutura óssea normal; em contraposição, a perda de homeostase óssea pode resultar em uma diminuição da massa óssea, levando à osteoporose ou a um defeito na mineralização do osso. A osteoporose afeta principalmente mulheres pós-menopáusicas, mas também homens, sendo que a incidência no sexo masculino tem aumentado, mostrando a necessidade da inclusão dos homens nos programas de prevenção. A fratura é o seu efeito clínico mais importante; a incidência aumenta com a idade e é maior em brancos do que em negros. As fraturas osteoporóticas podem afetar qualquer ponto do esqueleto, exceto o crânio. Mais comumente, ocorrem na porção distal do antebraço, coluna vertebral lombar e torácica e porção proximal do fêmur. Enquanto fraturas de quadril e rádio constantemente chegam à atenção clínica, fraturas vertebrais têm apresentação clínica variável, pois a maioria delas é assintomática. As fraturas de quadril contraem os maiores custos diretos para os serviços de saúde e principalmente, ocorrem em idosos, provocando substancial morbidade e mortalidade. Por outro lado, as fraturas osteoporóticas de vértebra e antebraço são de significância econômica menor, mas também provocam importante morbidade. A qualidade de vida começa a ser prejudicada progressivamente com o aumento do número e gravidade das fraturas vertebrais. Além disso, o risco futuro de fraturas é grandemente aumentado em pacientes com uma ou mais fraturas vertebrais. Com o acúmulo de conhecimentos adquiridos sobre a patogênese da osteoporose, dois processos parecem ser os principais determinantes dessa doença, ou seja, a aquisição de massa óssea durante adolescência e a perda óssea após a sexta década de vida. Ambos os processos são geneticamente controlados, mas fatores ambientais, tais como a dieta e o estilo de vida interagem com os genéticos durante o tempo todo, podendo interferir inclusive na penetrância do gene, ou seja, na sua capacidade de provocar a consequência deletéria, por exemplo. A genética interfere na modulação da densidade, do tamanho e da forma do osso, podendo estar associada a até 70% da variação individual na densidade mineral óssea, principal determinante do risco da fratura. A maior parte dos genes, atuantes nesse processo e identificados até o momento, apresenta caráter polimórfico. Definese polimorfismo genético como um traço mendeliano que existe numa população e é determinante por no mínimo dois fenótipos, nenhum dos quais ocorrendo em frequência menor que 1%. Durante décadas, as proteínas foram o principal objeto de estudos dos polimorfismos genéticos. Todavia, com o advento das técnicas de genética molecular, principalmente a reação em cadeia da polimerase (PCR) e o sequenciamento, o DNA tornou-se o principal alvo para estudos de polimorfismos genéticos. Quase a totalidade (90%) da matriz óssea consiste de colágeno do tipo 1, que provê tanto a mineralização como a força de tensão que dá elasticidade ao osso. O colágeno tipo 1 é a proteína mais abundante do tecido conectivo, além de essencial para as funções normais do osso e vasos sanguíneos. Essas propriedades dos produtos dos genes COL1A1 e COL1A2 os tornam candidatos de destaque, uma vez que os polimorfismos nesses genes parecem causar variação normal na densidade mineral óssea (DMO) e a resistência óssea. Nº46 A fragilidade esquelética é amplamente determinada pela massa óssea e microestrutura do osso, sendo o pico de massa óssea o maior fator quantificador de risco à fratura. Variações alélicas no gene receptor da vitamina D (VDR) têm sido relatadas, em muitos estudos, como responsáveis pela alteração da homeostase de cálcio, com efeitos subsequentes sobre o tamanho e a densidade óssea e consequentemente, maior prevalência e incidência de fraturas e perda de massa óssea. A falta ou o decréscimo de hormônios sexuais têm sido referidos como críticos no processo de osteoporose, uma vez que eles participam da aquisição e manutenção do pico de massa óssea, tanto em homens como mulheres. Nas mulheres, isso pode ocorrer devido à menopausa natural ou decorrente da retirada dos ovários, de forma precoce. Por outro lado, os homens também perdem osso com o avanço da idade, por causa da redução na produção dos hormônios. Nessa relação, os osteoclastos causam mais perda óssea do que os osteoblastos podem reconstituir, causando a redução do balanço normal e reparo da remodelação óssea. A presença de variantes polimórficas no gene do receptor de 1 estrógeno (ER1) tem sido bastante analisada com relação ao seu papel na densidade mineral óssea (DMO), perda óssea e fraturas nas mulheres. Além disso, o declínio dos níveis de estradiol após a menopausa conduz ao aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias, incluindo a interleucina 6 (IL-6), cujos níveis circulantes estão correlacionados à extensão de perda óssea. Polimorfismos funcionais nesse gene parecem associados com os níveis de proteína C reativa e marcadores de reabsorção óssea em mulheres após a menopausa. Nos Estados Unidos, tem sido estimado que, pelo menos 90% de todas as fraturas de quadril e coluna entre mulheres brancas idosas acrescidas de mais de 70% daquelas entre homens brancos idosos podem ser atribuídas à osteoporose. De importância notória, os custos relacionados às fraturas de quadril podem dobrar nos próximos 20 anos, devido ao aumento da expectativa de vida da população. A prevenção e o tratamento da osteoporose são de grande importância para as organizações de saúde em todos os países, pois metade de todos os pacientes acometidos de fraturas dificilmente retorna às condições de vida anteriores. Como agravante, existe um aumento do índice de mortalidade dentro do primeiro ano da fratura, com implicações significativas nos orçamentos de todas as nações. As abordagens amplas em estudos genéticos tendem a favorecer a identificação dos alelos de risco para várias doenças complexas. Desse modo, a busca por esses marcadores pode ser o melhor caminho a seguir na prevenção e melhor entendimento da etiopatogênese da osteoporose. Outra contribuição da genética refere-se à farmacogenética de medicamentos empregados no tratamento da osteoporose. O conceito de farmacogenética baseia-se na resposta diferencial à terapia farmacológica, em parte devida à variação genética, que é comum e está representada pelos polimorfismos, responsáveis por entre 25% e 95% da variação interindividual na resposta a drogas e consequente alteração da atividade enzimática, estabilidade proteica ou afinidade de ligação a sítios específicos. A farmacogenômica é um termo mais geral e refere-se à interação entre a droga e qualquer gene ou múltiplos sítios ao longo do genoma. A variabilidade genética interindividual na resposta às drogas é um dos mais sérios problemas enfrentados na clínica médica e influi na absorção, disponibilidade, metabolismo e excreção dos medicamentos. Desse modo, os testes de perfil de risco para reações adversas demonstram ser um dos pilares na prática da medicina do novo milênio, com profundo impacto na clínica laboratorial e na melhoria de vida do paciente. Há que se considerar, no entanto, que apesar dos fatores genéticos parecerem preponderantes na eficácia e toxicidade do fármaco em uso, outros fatores contribuem para a diversidade de resposta, como a idade, etnia, gênero, peso corpóreo, estado nutricional, função hepática e renal, infecções, interações medicamentosas, doenças concomitantes, consumo de cigarro e álcool e fatores genéticos. A maioria dos estudos publicados sobre farmacogenética da resposta aos bisfosfonatos tem se centrado em genes candidatos relacionados com a DMO, remodelação óssea e risco de fraturas osteoporóticas, entre eles o gene receptor da vitamina D (VDR), o gene do colágeno tipo 1 (COL1A1) e gene do receptor da lipoproteína de baixa densidade (LRP5). Variação polimórfica no gene VDR parece contribuir na resposta individual ao etidronato e alendronato, em mulheres caucasóides pós-menopáusicas. Do mesmo modo, polimorfismos no gene do COL1A1 demonstram interferir na resposta ao tratamento. Variações no LRP5 também foram avaliadas quanto à sua influência na resposta ao alendronato e risedronato, respectivamente, no entanto, não foi encontrada associação. O estabelecimento da correlação entre a resposta aos fármacos e o perfil genético do paciente possibilita melhor condução clínica, pela possibilidade de seleção do medicamento e suas dosagens, com base na capacidade herdada de cada paciente em metabolizá-los, eliminá-los e, consequentemente responder ao tratamento preconizado. Nº46 Agradecimento especial à mestre em Genética, Giullianna Tayar, cuja dissertação de mestrado “Envolvimento da Genética na Osteoporose”, defendida no programa de pós-graduação em Genética, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em 2005, forneceu informações significativas para este texto. LITERATURA DE APOIO Baldock PA, Eisman JA. Genetic determinants of bone mass. Curr Opin Rheumatol 16:450–456, 2004. 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