ANEMIAS HEMOLÍTICAS AUTO-IMUNES (AHAI) Nelson

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ANEMIAS HEMOLÍTICAS AUTO-IMUNES (AHAI)
Nelson Hamerschlak, Dirceu Hamilton Cordeiro Campêlo
INTRODUÇÃO
A hemólise imune é a diminuição da sobrevida das hemácias, mediada
direta ou indiretamente por anticorpos, os quais podem ser auto-anticorpos ou
aloanticorpos.
CLASSIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICA CLÍNICA DA ANEMIA HEMOLÍTICA
IMUNE
A classificação baseada nas distintas categorias clínicas é a mais
comumente utilizada (Quadro 1).
Quadro
- Classificação baseada nas categorias clínicas
AHAI a quente
 Primária (idiopática)
 Secundária (linfomas, LLC, LES etc.)
Anemia hemolítica a frio ou Síndrome da aglutinina fria
 Idiopática
 Secundária
o Doenças não-malignas (infecção, pneumonia por micoplasma,
mononucleose infecciosa e outras infecções virais)
o Doenças malignas (principalmente doenças linfoproliferativas)
Hemoglobinúria paroxística a frio (HPF)
 Primária
 Secundária (sífilis, infecções virais etc.)
Anemia hemolítica tipo mista (combinação de AHAI a quente e a frio)
Anemia hemolítica atípica
 AHAI com teste direto da antiglobina negativo
 AHAI a quente causada por auto-anticorpos IgM ou IgA
Anemia hemolítica induzida por drogas
Anemia hemolítica imune induzida por aloanticorpos
AHAI = anemia hemolítica auto-imune; LLC = leucemia linfóide crônica; LES =
lúpus eritematoso sistêmico; HPF = hemoglobinúria paroxística a frio.
A maioria dos casos de anemia hemolítica auto-imune (AHAI) é mediada
por auto-anticorpos quentes, na qual a temperatura ótima de reatividade é 37 oC
e, usualmente, a classe da imunoglobulina é IgG; por outro lado, a síndrome da
aglutinina fria é geralmente causada por uma IgM cuja reatividade máxima
ocorre a 4oC. A diferenciação entre a AHAI a quente e a frio é essencial, pois o
prognóstico e as estratégias terapêuticas são distintos. A AHAI referida como
idiopática não é associada a nenhuma doença de base; entretanto, a
secundária é geralmente associada à infecção, que desaparece após a
resolução do quadro infeccioso.
ANEMIAS HEMOLÍTICAS AUTO-IMUNES (AHAI) A QUENTE
A incidência é de 1:80.000 indivíduos e representa cerca de 70,3% de
todos os casos de AHAI. Ocorre principalmente entre 60 a 70 anos, com
discreta predominância no sexo feminino. As manifestações clínicas são
variáveis; usualmente, têm início insidioso, febre, dor abdominal e lombar,
manifestações de anemia com dispnéia, palpitações, mal-estar geral e
hemoglobinúria. Achados clínicos são palidez cutâneo-mucosa, ictérica,
hepatopesplenomegalia, linfoadenomegalia e tromboembolismo venoso, sendo
responsável por 3 a 10% dos óbitos em pacientes com AHAI.
ACHADOS LABORATORIAIS
São eles: anemia leve a grave, alterações morfológicas das hemácias
(anisocitose, poiquilocitose, policromasia, esferocitose e, raramente, autoaglutinação);
reticulocitose,
porém
alguns
pacientes
apresentam
reticulocitopenia. A maioria dos pacientes evolui com leucocitose, hiperplasia
da série eritroíde da medula óssea. A urina pode conter pigmentos de
bilirrubina ou hemoglobina. Trombocitopenia associada à AHAI caracteriza a
síndrome de Evans.
PROGNÓSTICO
É imprevisível que haja um prognóstico; nos casos de AHAI secundária,
ele depende da evolução da doença de base.
TRATAMENTO

Corticosteróides;

Esplenectomia;

Drogas imunosupressoras (exemplo: azatioprina, ciclofosfamida, etc)

Anticorpo monoclonal anti CD20 (Rituximab) etc
SÍNDROME DA AGLUTININA FRIA OU ANEMIA HEMOLÍTICA A FRIO
A incidência é relativamente incomum; havendo um pico de incidência
entre 50 a 60 anos em ambos os sexos. Sintomas de anemia crônica (fadiga,
dispnéia aos esforços e fraqueza), urina escura, acrocianose de orelhas, dedos
das mãos e dos pés, icterícia, hepatoesplenomegalia e linfadenomegalia. As
manifestações clínicas variam entre os pacientes; provavelmente, são
dependentes da amplitude térmica do anticorpo frio.
ACHADOS LABORATORIAIS
A primeira observação que muitas vezes sugere o diagnóstico é autoaglutinação à baixas temperaturas, da amostra de sangue anticoagulado do
paciente, anemia leve a moderada, alterações morfológicas (anisocitose,
esferocitose, poiquilocitose e policromasia), reticulocitose, aumento bilirrubinas
e hemoglobinúria.
EVOLUÇÃO DA DOENÇA E PROGNÓSTICO
O curso da doença é monótono; o paciente pode sobreviver muitos anos
sem complicações, e o prognóstico é significantemente melhor que AHAI a
quente.
TRATAMENTO
Raramente são necessárias drogas imunossupressoras ou transfusão de
sangue.
HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA A FRIO (HPF)
É uma anemia hemolítica caracterizada por uma hemolisina bifásica. A
destruição dos eritrócitos é causada por um auto-anticorpo frio, conhecido
como auto-hemolisina bifásica, que se liga aos eritrócitos do paciente em
baixas temperaturas e fixa complemento. A maioria dos casos foi descrita em
crianças após infecções virais, como sarampo, caxumba, varicela,
mononucleose infecciosa, infecção do trato respiratório superior, e, em adultos,
secundária a sífilis. A HPF pode ser classificada em três categorias: sifilítica
crônica; crônica não-sifilítica e transitória aguda. Atualmente, a HPF é rara;
quase todos os casos são tipo aguda e transitória. Não há particularidade
racial.
SINAIS E SINTOMAS
A manifestação típica é a anemia, que aparece entre 1 a 2 semanas
após a infecção do trato respiratório superior, febre recorrente, urina escura,
dor abdominal, icterícia.
ACHADOS LABORATORIAIS

Anemia frequentemente grave e rapidamente progressiva;

Reticulocitose (reticulocitopenia em alguns) morfológica anormal de
hemácias (esferocitose, anisocitose, poiquilocitose, auto-aglutinação e
policromasia);

Eritrofagocitose por neutrófilos;

Hemoglobinúria;

Hiperplasia eritróide;

Leucocitose;

Contagem de plaquetas normal ou elevada.
ACHADOS IMUNO-HEMATOLÓGICOS
O anticorpo de Donath-Landsteiner (DL) característico da HPF é IgG
com especificidade de anti-P, que demonstra baixo título (< 32), amplitude
térmica (< 20oC) e hemólise bifásica. Embora a especificidade do anticorpo de
DL seja quase sempre anti-P, hemácias P- (p.ex., P k, ou P k) são
extremamente raras e não estão disponíveis na rotina imuno-hematológica. O
anticorpo DL não interfere na rotina pré-transfusional e nos testes de
compatibilidade, porque o auto-anticorpo raramente causa aglutinação das
hemácias acima de 20oC. O teste direto da antiglobulina é positivo e pesquisa
anticorpos irregulares negativos. O teste de Donath-Landsteiner é essencial
para avaliar hemólise bifásica, o qual pode ser realizado pelo método direto,
usando sangue total, ou pelo método indireto, usando o soro. A amostra do
paciente deve ser mantida a 37oC após a coleta. Ambas as técnicas requerem
incubação das amostras a banho frio (0oC) e, a seguir, incubação a 37oC. A
causa mais comum da negatividade do teste de DL nos casos suspeitos
(quadro clínico clássico e achados laboratoriais inconsistentes) é a falha na
identificação desse anticorpo transitório, que desaparece rapidamente do
plasma durante a recuperação da fase aguda. Os títulos do anticorpo
rapidamente caem após o episodio inicial.
TRATAMENTO

Transfusão de sangue;

Drogas imunossupressoras etc.;
O prognóstico é excelente, porém há descrição de recaídas.
ANEMIA HEMOLÍTICA MISTA
Tem achados sorológicos característicos de AHAI e aglutinina fria com
altos títulos e amplitude térmica, bem como especificidade anticorpo anti-i e
teste direto antiglobulina fortemente positivo com anti-IgG e C3. É mais
frequente na idade avançada, com predomínio no sexo feminino, associada ao
linfoma e lúpus eritematoso sistêmico (LES).
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE ATÍPICA COM TESTE DIRETO DA
ANTIGLOBULINA NEGATIVO
A incidência exata do TDA negativo em pacientes com AHAI é
desconhecida. Algumas vezes, a pequena quantidade de IgG ligada à hemácia
pode não ser detectável ou o auto-anticorpo é IgM ou IgA.
ANEMIA HEMOLÍTICA INDUZIDA POR DROGAS
A anemia hemolítica causada por drogas é muito rara, porém é mais
frequente com alfa-metil-dopa. A hemólise ocorre devido à destruição imune
das hemácias que estão recobertas com anticorpo, anticorpo e complemento
ou apenas complemento. Há quatros mecanismos clássicos responsáveis pela
hemólise induzida por medicamentos: a formação de complexos imunes;
adsorção dos medicamentos; modificação da membrana e formação de autoanticorpos. No primeiro mecanismo, denominado formação de complexo imune
(testemunha inocente), a droga combina-se às proteínas plasmáticas,
formando imunógenos. As imunoglobulinas, IgM e IgG, reconhecem
determinantes no medicamento. Se o paciente ingerir a droga, pode ocorrer
formação de um complexo medicamento/antimedicamento com ativação da
cascata do complemento; as hemácias envolvidas nesse processo atuam como
testemunhas inocentes, porém podem ser lisadas. O paciente, frequentemente,
apresenta hemólise intravascular aguda; entretanto, com a suspensão da
medicação, há rápida recuperação. O TDA pode ser negativo, mesmo que o
anticorpo seja IgG, pois o complexo medicamento/antimedicamento pode eluirse da hemácia. Na adsorção de medicamento (penicilina), ele liga-se
firmemente às proteínas, inclusive às proteínas da membrana eritrocitária, e
não há ativação do complemento; portanto, a destruição celular é
predominantemente extravascular. A anemia tem evolução mais branda, sem
risco de vida para o paciente. No terceiro mecanismo, ocorre uma modificação
da membrana pela adsorção não-imunológica; acredita-se que as
cefalosporinas, em especial a cefalotina, atuam sob esse mecanismo. Elas são
capazes de modificar as hemácias de tal forma que proteínas plasmáticas, IgG,
IgM, IgA, e complemento podem ligar-se à membrana. Cerca de 3% dos
pacientes medicados com cefalotina podem apresentar TDA positivo. O último
mecanismo proposto é a formação de auto-anticorpos. O alfa-metildopa induz a
produção de um auto-anticorpo que reconhece os antígenos eritrocitários.
Cerca de 10 a 20% dos pacientes que são medicados com alfa-metildopa
apresentam TDA positivo; entretanto, apenas 0,5% a 1% evoluem com anemia
hemolítica imune com repercussão clínica. Medicamentos como L-dopa, ácido
mefenâmico, diclofenaco também causam o aparecimento de auto-anticorpos.
Os achados laboratoriais da anemia hemolítica induzida por alfa-metildopa são
semelhantes aos da anemia hemolítica auto-imune idiopática com TDA e eluato
positivo. Informações sobre o uso de medicamentos é importante para formular
a hipótese de a droga ser o agente causal. O tratamento de escolha é a
suspensão da droga; contudo, o TDA permanecerá positivo durante meses. O
prognóstico é excelente.
ANEMIA HEMOLÍTICA IMUNE INDUZIDA POR ALOANTICORPOS
A presença de aloanticorpos em pacientes cronicamente transfundidos e
após a gestação é uma complicação bem conhecida; em contraste, o risco de
auto-imunização associada à aloimunização é muito pouco estudada. Em
estudos com pacientes politransfundidos, tais como anemia falciforme e
talassemia, tem sido descrita a associação entre aloimunização e autoimunização. Uma das teorias que explica o mecanismo pelo qual a AHAI pode
ocorrer concomitantemente ou logo após a transfusão de sangue é o fato de o
aloanticorpo se ligar às hemácias transfundidas, alterando a conformação dos
epítopos antigênicos, o que leva a produção de auto-anticorpos. O termo
hemólise bystander é usualmente utilizado quando a AHAI ocorre após a
exposição à aloantígenos. O quadro clínico florido de hemólise precede o teste
direto de antiglobulina (teste de Coombs) na grande maioria. Há relatos na
literatura de resolução espontânea do quadro hemolítico em um curto período
(semanas), e outros com evolução fatal. Geralmente, apresenta boa resposta a
corticoterapia.
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