Expresso, 30 de abril de 2011 ECONOMIA 09 Reestruturação da dívida ganha apoios O mundo académico coloca o tema na agenda e o debate chega também a Portugal A enorme pressão dos mercados financeiros sobre a dívida dos países já “intervencionados” pela troika (União Europeia/Banco Central Europeu/Fundo Monetário Internacional), ou em vias de o ser, é um sinal claro das dúvidas sobre a eficácia dos planos de resgate. A Grécia tem sido palco de rumores diários de que uma reestruturação da dívida (ver perguntas & respostas) estaria a caminho. E a discussão já chegou a Portugal e à Irlanda. Em julho do ano passado, Ricardo Cabral, professor na Universidade da Madeira, referia, no Expresso, ser essa a melhor opção. Recentemente, o número de vozes aumentou. A maioria dos economistas portugueses radicados no estrangeiro, ouvidos pelo Expresso, como Álvaro Santos Pereira (Simon Fraser University, Canadá), Nuno Garoupa (University of Illinois, Estados Unidos), Rui Esteves (Oxford University, Reino Unido) e Ricardo Reis (Columbia University, Estados Unidos), pronunciaram-se nesse sentido. Não são apenas economistas lusos a referir esta possibilidade. A Economist Intelligence Unit considera que o incumprimento e a reestruturação da dívida sobera- P&R O que pode acontecer se a reestruturação de dívida for mal gerida? O que é uma reestruturação de dívida soberana? É uma renegociação com redução do valor presente (ou atual) da dívida. Tipicamente, está associada a um evento de incumprimento formal (vulgo bancarrota, no inglês default). Um evento de incumprimento formal pode, por exemplo, consistir numa moratória, ou mesmo num atraso excessivo no pagamento de juros ou capital em dívida. As partes podem concordar em reestruturar a dívida sem que ocorra um evento formal de incumprimento. Quando é que as agências de rating consideram que se está diante de uma bancarrota? Se a participação na reestruturação de dívida não for um ato voluntário por parte dos credores. Que modalidades de reestruturação existem? Uma redução do valor presente da dívida consegue-se de várias formas (que podem ser utilizadas em combinação): a) diminuindo o valor facial do montante em dívida; b) reduzindo o cupão da obrigação, que resulta numa redução da taxa de juro em relação ao montante em dívida; c) aumentando a maturidade da dívida (uma obrigação que vencia em 2016 passaria a vencer em 2031 — como o valor facial em dívida só terá de ser pago muito mais tarde, o valor presente da dívida diminui substancialmente). Um país devedor fica a ganhar com uma reestruturação? A reestruturação ocorre quando o país devedor já não é capaz de pagar essa dívida — isto é, numa situação limite. O país devedor ganha em enfrentar a realidade e em resolver uma situação insustentável. Contudo, associados a essa decisão, existem custos significativos de reputação e aumento dos custos de financiamento nos mercados internacionais. Uma reestruturação de dívida demasiado pequena pode resultar em reincidência da crise de dívida e nova reestruturação de dívida passados poucos anos. Uma reestruturação de dívida mal conduzida pode resultar numa crise grave do sistema financeiro e ainda em litígios que se arrastam em tribunais internacionais por vários anos, restringindo o acesso a crédito nos mercados financeiros internacionais. Quem são os principais prejudicados? Os credores e os mercados financeiros, que não gostam desse tipo de incerteza. Os contribuintes do país em dívida são lesados ou beneficiados? Numa situação limite, com juros elevados e dívida a crescer exponencialmente devido ao juro composto, os contribuintes saem beneficiados em resolver, através da reestruturação, uma trajetória de dívida claramente insustentável. É eticamente aceitável? O capitalismo tem, na sua génese, a tomada de risco e, em consequência, a possibilidade de insucesso. Ou seja, o processo de reestruturação de dívida é intrínseco a economias de mercado. Se o país se refinanciar através do FEEF/FMI, fica mais difícil ou mais fácil reestruturar a dívida? A dívida contraída junto do Fundo Monetário Internacional (FMI) tem senioridade (prioridade de pagamento no caso de incumprimento) em relação à dívida soberana portuguesa. O pacote de resgate com o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) irá traduzir-se num chamado Loan Agreement. Contudo, é de esperar que a lei e o foro jurídico aplicável a esse contrato de empréstimo seja internacional. Em suma, o resgate do FEEF/FMI torna, de facto, muito mais difícil e complexa, no futuro, em caso de necessidade, uma reestruturação de dívida do Estado português. na portuguesa permanecem como riscos elevados. A alternativa será o país “ficar dependente do financiamento da UE e do FMI por muitos anos”. E o economista Nouriel Roubini já afirmou que para Portugal, Irlanda e Grécia “a questão não é saber se vai haver uma reestruturação de dívida, mas sim quando é que ela vai acontecer”. Luís Cabral, do IESE em Nova Iorque, e Nuno Peres Monteiro, da Universidade de Yale, também advogam a linha de reestruturação em artigos de opinião (ver página 22). Ainda que, de um modo cauteloso, o académi- co Raghuram Rajan, entrevistado nesta edição, vá no mesmo sentido (ver página ao lado). Também em Espanha, o tema deixou de ser tabu. O académico Santiago Niño Becerra, de Barcelona, não tem papas na língua: “Acho que não há alternativa a reestruturar a dívida. Contudo, a pergunta que tem de ser feita é outra: que parte da dívida pode cada país devedor pagar?” O tema permanece tabu entre a maioria dos políticos europeus. Christine Lagarde, ministra da Economia francesa, não teve dúvidas em afirmar que seria “catastrófico” reestruturar as dívidas de Grécia, Irlanda e Portugal. Contudo, os jornais gregos anunciaram que uma delegação ao mais alto nível da troika, com Strauss-Kahn, diretor do FMI, Jean-Claude Trichet, presidente do BCE, e Olli Rehn, comissário europeu de Assuntos Económicos, deverá desembarcar em Atenas no início de maio. E apontaram a hipótese de negociação de um reescalonamento da dívida grega com uma extensão dos prazos em cinco anos em média. Jorge Nascimento Rodrigues e Sónia M. Lourenço [email protected] ‘‘ Dado o nível de endividamento externo, a reestruturação da dívida é, na prática, inevitável’’ RICARDO CABRAL Universidade da Madeira ‘‘Não vejo alternativa a reestruturar a dívida’’ NIÑO-BECERRA Universidade Ramon Llull, Barcelona