RELATO DE CASO Abscesso retroperitoneal por corpo estranho Retroperitoneal abscess by foreign body Pedro Jaccottet Freitas1, Marcelo Passos da Rocha2, Aline Coletto3, Esteban Bertaso de Garcia Fernandez3 RESUMO Abscesso retroperitoneal é uma enfermidade infrequente e, muitas vezes, com sintomatologia inespecífica, o que torna difícil o diagnóstico. No presente trabalho é relatado o caso de um paciente masculino, 54 anos, previamente hígido, que apresentou lombociatalgia súbita, além de imagem suspeita na topografia de retroperitônio e, após piora clínica e laboratorial, necessitou-se de intervenção cirúrgica com o propósito diagnóstico e terapêutico (drenagem e retirada do corpo estranho descoberto no transoperatório). Objetivamos, com este relato, enfatizar é fundamental a suspeita clínica para se chegar ao diagnóstico e manejar corretamente essa patologia que, embora rara, deve ser reconhecida precocemente a fim de evitar desfechos fatais. UNITERMOS Abscesso Retroperitoneal, Corpo estranho, Cirurgia. ABSTRACT Retroperitoneal abscess is a rare disease, often with unspecific symptoms, which makes diagnosis difficult. In this paper we report the case of a previously healthy 54-year-old male patient who presented sudden low back pain, besides suspicious image on the retroperitoneal topography. After clinical and laboratory worsening, a surgical intervention was required for diagnostic and therapeutic purposes (drainage and removal of foreign body discovered trans-operatively). Our aim with this report is to stress that clinical suspicion is crucial to make the diagnosis and properly manage this condition which, although rare, should be recognized early in order to avoid fatal outcomes. KEYWORDS: Retroperitoneal Abscess, Surgery, Foreign Body. INTRODUÇÃO Abscesso retroperitoneal é uma entidade clínica que consiste no acúmulo de pus no retroperitônio, mais comumente causado por foco renal (1). Apresenta importância mais por ser grave e apresentar facilidade em disseminar-se às regiões adjacentes, do que pela sua frequência. Quanto à classificação, pode ser primário quando atinge, primeiramente, o espaço retroperitoneal, através do sangue ou linfa, e secundário quando é originado de trauma abdominal com ruptura ou perfuração de víscera no espaço retroperitoneal, processos inflamatórios, como pielonefrite, pancreatite, apendicite, doença de Crohn com formação de fístulas (2), processo vertebral (especialmente de origem tuberculosa) e complicações cirúrgicas (3). O quadro clínico, na maioria das vezes, é sutil, com febre, perda de peso e dor em flancos, dificultando e atrasando o diagnóstico. RELATO DO CASO L.C.M., 54 anos, branco, pescador, natural e residente em Santa Vitória do Palmar. Procurou atendimento médico por apresentar lombociatalgia súbita à direita, associado ao movimento de subir em sua moto. Procurou atendimento com ortopedista, o qual solicitou Ressonância Nuclear Magnética (Figura 1), a qual evidenciou lesão expansiva envolvendo musculatura pa- Residente de Cirurgia Geral do Hospital Universitário São Francisco de Paula, Universidade Católica de Pelotas (HUSFP/UCPel). Médico Cirurgião Geral. Professor adjunto de Clínica Cirúrgica da UCPel. 3 Acadêmica de Medicina da UCPel. 1 2 Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 60 (1): xx-xx, jan.-mar. 2016 1 ABSCESSO RETROPERITONEAL POR CORPO ESTRANHO Freitas et al ravertebral direita em topografia de Psoas, medindo 11,0 X 8,2 cm. Foi encaminhado ao cirurgião geral e, frente ao quadro, solicitaram-se exames laboratoriais e Tomografia de abdome total com contraste. Após analisar resultado de hemograma (22.000 leucócitos, com desvio à esquerda), e pela piora clínica do paciente, optou-se por exploração cirúrgica do retroperitônio, sendo levantada a hipótese de abscesso em músculo psoas. Foi realizada incisão de Gibson, demonstrando cavidade peritoneal sem líquido livre, entretanto, com abaulamento e hiperemia de retroperitônio. Observou-se abundante coleção purulenta em retroperitônio, além de presença de corpo estranho (figuras 2, 3 e 4), semelhante à espinha de peixe; íleo terminal, ceco e cólon ascendente sem lesões aparentes. Realizada drenagem de todo conteúdo purulento, retirada do corpo estranho, alocado dreno tubular calibroso e mantido paciente internado para antibioticoterapia parenteral (Ciprofloxacino e Metronidazol). O material coletado foi enviado para cultura, e evidenciou-se crescimento de E. coli sensível ao esquema iniciado. Figura 1 – Corte de Ressonância Magnética demonstrando lesão expansiva Figura 3 – Corpo estranho Figura 2 – Cavidade retroperitoneal com abscesso já drenado mostrando corpo estranho Figura 4 – Corpo estranho 2 DISCUSSÃO Abscesso Retroperitoneal compreende o acúmulo de pus no retroperitônio, podendo ser primário quando é oriundo de disseminação hematogênica, ou secundário quando é relacionado à infecção em algum órgão adjacente, sendo o foco o renal o mais comum (1). Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 60 (1): xx-xx, jan.-mar. 2016 ABSCESSO RETROPERITONEAL POR CORPO ESTRANHO Freitas et al Tal entidade entra na categoria das lesões expansivas do retroperitônio, as quais chamam a atenção pela variedade etiológica que possuem e pela manifestação clínica normalmente inespecífica e de longa duração, que, portanto, é confundido com outras patologias (lombociatalgia, protrusão discal, pielonefrite, etc.), Muitas vezes, exige-se um alto grau de suspeição por parte do examinador para se obter o diagnóstico, tornando necessária a solicitação de exames de imagem para se chegar ao diagnóstico. A suspeita deve ser levantada frente a casos de evolução prolongada de um quadro febril, principalmente se houver associação com comorbidades, tais como HIV e outras imunodeficiências, nefrolitíase e infecções urinárias de repetição. A bacteriologia normalmente é relacionada com a causa, sendo, na maioria das vezes, de flora polibacteriana, e raramente por fungo (8). Infecções do trato urinário costumam apresentar E. coli e P. Mirabilis, enquanto os de origem do trato gastrointestinal apresentam E. Coli e Enterobacter sp (1). Devido ao alto grau de suspeição necessário para fazer o diagnóstico clínico, os exames de imagem compreendem a principal fonte diagnóstica para tal. A tomografia computadorizada mostra-se superior à ultranossonografia por não ser examinador dependente. Além disso, permite quantificar volume, formato e dimensões; identificar a presença de gás, a relação com estruturas adjacentes, complicações e, também, propicia o tratamento por drenagem guiada no momento do diagnóstico (4). Frente à certeza de um quadro de abscesso de retroperitônio, a drenagem é mandatória, seja percutânea guiada por TC ou ultrassom (7), ou por exploração cirúrgica, seja via de acesso aberta ou laparoscópica (6,7). A escolha pela cirurgia deve ser considerada quando a drenagem guiada por TC e US é ineficiente, ou quando são achados sinais de complicações, como fasceíte necrotizante. Esta caracteriza-se pela presença de ar e fluidos dissecando o tecido subcutâneo e deve ser tratada com desbridamento radical dos tecidos acometidos. (3) Ao acesso, a preferência é pela via transabdominal (anterior) em detrimento da lombotomia para acesso direto do retroperitônio, pela possibilidade de inspeção eficiente da Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 60 (1): xx-xx, jan.-mar. 2016 cavidade (1,9). A abordagem operatória depende do estado hemodinâmico do doente, assim como da preferência do cirurgião, podendo ser a laparotomia mediana nos casos de dúvida diagnóstica ou estado choque circulatório, incisão de Gibson para acesso ao retroperitôneo pela via anterior ou videolaparoscopia. O retardo no tratamento pode levar a complicações, como a formação de fístula (5). REFERÊNCIAS 1.Sabiston Textbook of Surgery: the biological basis of modern surgical practice 19ª ed: Ed Elservier; 2012, 1088- 1113 2.Matsuki M1, Takahashi S, Hisasue S, Muranaka T, Takayanagi A, Maehana T, et al. A case with fistula formation between a perinephric retroperitoneal abscess and the duodenum: successful outcome after conservative management. J Infect Chemother. 2011 Aug;17(4):541-3. doi: 10.1007/s10156-010-0206-x. Epub 2011 Jan 18. 3.Lawlor Bryan T., Orenstein Sean B., and Sardella William V.. Surgical Infections. February 2015, 16(1): 110-111. doi:10.1089/ sur.2014.041. 4.Dong C, Wang Y, Hu S, Du F, Ding W.. Retroperitoneal abscess and acute acalculous cholecystitis after iatrogenic colon injury: report of a case Int J Clin Exp Med 2015;8(4):6338-6341 5.Yoichi Iwamoto, Masafumi Kato. A case with fistula formation between a perinephric retroperitoneal abscess, a ureter and a descending colon: Successful outcome after conservative management. Can Urol Assoc J 2014;8(9-10) 6.Lawlor Bryan T., Orenstein Sean B., and Sardella William V.. Surgical Infections. February 2015, 16(1): 110-111. doi:10.1089/ sur.2014.041 7.M. Paley, P.S. Sidhu, R.A. Evans, J.B. Karani Retroperitoneal collections - Aetiology and radiological implications http://dx.doi. org/10.1016/S0009-9260(97)80056 8.DUANI, Helena et al . Bilateral paracoccidioidomycotic iliopsoas abscess associated with ileo-colonic lesion. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., Uberaba , v. 45, n. 5, p. 649-651, Oct. 2012. Available from. access on 12 Sept. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S003786822012000500021. 9.Zollinger’s Atlas of surgical operations 9 ed: The McGraw-Hill, 2011, 28-44 Endereço para correspondência Pedro Jaccottet Freitas Rua Darci Adam, 111 96.020-420 – Pelotas, RS – Brasil (53) 8133-9102 [email protected] Recebido: 20/8/2015 – Aprovado: 6/12/2015 3