Glicose (soro/plasma, urina, líquor e derrames de serosas) Prova de Estimulação ou de Sobrecarga com Glucose Oral (PTGO) Descrição A glicose (aldohexose) é um monossacárido que constitui o principal produto final do metabolismo dos hidratos de carbono (HC) ingeridos com a dieta, cuja função mais importante é de suprir as necessidades metabólicas (energia) de todas as células do organismo, em particular do sistema nervoso, dos eritrócitos e dos músculos. Ao contrário das outras células e tecidos os eritrócitos e o sistema nervoso dependem da glicose como única fonte de energia. Embora o metabolismo dos HC seja dominado pela glicose, que é o açúcar mais abundante do organismo, existem outros como a frutose, a galactose e a manose que também desempenham um papel muito importante como fontes de energia, por constituírem precursores de intermediários glicolíticos no fígado (glicogénio) e no tecido adiposo (glicerol – os trigliceridos são os ésteres do glicerol mais abundantes). A homeostasia da glicose sanguínea (glicemia) reflete o equilíbrio entre a quantidade de HC convertíveis em glicose ingeridos pela dieta (exemplos: frutose, galactose, sacarose, lactose, maltose, dextrinas e amido), das necessidades metabólicas das células e da sua capacidade de utilização (glicólise: formação de piruvato e, em condições anaeróbias ao nível dos músculos e dos eritrócitos, de ácido láctico), assim como das reservas de glicogénio mobilizáveis para a circulação - fígado ou apenas para utilização local - tecido muscular (glicogénese e glicogenólise – reserva funcional mobilizável de glicose rapidamente disponível) e de intermediários glicolíticos do tecido adiposo. Quando a quantidade de HC ingerida é excessiva em relação às reservas disponíveis, às necessidades energéticas das células ou à sua capacidade de utilização, a glicose e os seus precursores são convertidos em ácidos gordos livres, trigliceridos e glicerol (lipogénese - tecido adiposo). Em contrapartida, quando o organismo perdeu a capacidade de suprir as necessidades das células em glicose, porque a sua ingestão é insuficiente (exemplos: jejum prolongado, subnutrição, exercício físico intenso ou regime alimentar habitual excessivamente rico em lípidos), as reservas de glicogénio estão esgotadas ou ambas, os níveis de glicemia e a sua disponibilização, principalmente para as células do sistema nervoso e para os eritrócitos, são mantidos através da gliconeogénese. Este é um processo metabólico, que ocorre no fígado e no rim, através do qual a glicose é formada a partir de substratos ou precursores diferentes dos hidratos de carbono, como por exemplo o lactato (origem muscular e eritrocitária), o piruvato, os ácidos gordos livres e o glicerol (tecido adiposo), e alfa-cetoácidos derivados de determinados aminoácidos do tecido muscular (exemplo: alanina). O equilíbrio de todo este complexo mecanismo metabólico dos HC (homeostasia da glicose: glicólise, glicogénese, glicogenólise e gliconeogénese) é assegurado, principalmente, pela ação biológica de diversas hormonas reguladoras e contrarreguladoras, nomeadamente da insulina (IRI), do glucagon, da adrenalina (ADR), da somatotrofina (hGH) e do cortisol. Em circunstâncias normais a glicose é filtrada livremente pelos glomérulos e reabsorvida nos túbulos renais proximais; a quantidade de glicose presente na urina (glicosúria) é vestigial (< 100 mg/dL). Valor semiológico A determinação da glicemia, associada ou não a outras determinações laboratoriais, designadamente à HbA1c (em alternativa a frutosamina), insulina, proinsulina, péptidoC, anticorpos anti-insulina e antirrecetores da insulina, beta-hidroxibutirato, cortisol, Data emissão: 2015-11-12 Pag. 1 de 3 somatotrofina, glucagon, IGF-1 e doseamento de sulfonilureias (monitorização de fármacos), tem o seu principal valor semiológico no diagnóstico, na estratificação do risco (prognóstico) e na monitorização da evolução clínica e da resposta ao tratamento da diabetes mellitus (categorias clínicas: tipo I, tipo II, diabetes gestacional e secundário a outras causas genéticas que afetam a função das células Beta ou a ação da insulina, a fibrose quistica do pâncreas, a endocrinopatias – síndroma de Cushing, acromegalia e feocromocitoma, ou induzido por fármacos) e de outras alterações do metabolismo dos hidratos de carbono, nomeadamente da hipoglicemia neonatal, da hipoglicemia idiopática e do insulinoma. A determinação semiquantitativa ou quantitativa da glicosúria tem o seu principal valor semiológico como marcador de disfunção dos túbulos renais proximais (diagnóstico e na monitorização da evolução clínica e da resposta ao tratamento) e, embora tenha uma sensibilidade baixa, a sua especificidade para identificar os doentes com hiperglicemia secundária à diabetes mellitus é elevada. A determinação da concentração da glicose no líquor (glicorráquia) e do valor da razão entre o líquor e o soro/plasma tem o seu principal valor semiológico, quando os seus valores são analisados em conjunto com os da concentração do ácido láctico, na monitorização da evolução clínica e da resposta ao tratamento dos doentes com meningites bacterianas ou fúngicas (nas de etiologia viral está normal) e nos que têm metástases meníngeas (leucemia, linfoma ou carcinoma). A prova de estimulação ou de sobrecarga com glucose oral tem o seu principal valor semiológico na avaliação da reserva funcional mobilizável das células- dos ilhéus de Langerhans (capacidade de secreção de insulina) e no diagnóstico da diabetes mellitus. Informação adicional A glicemia tem caracteristicamente uma variabilidade fisiológica pré-analítica, apresentando no soro/plasma um coeficiente de variação biológico intraindividual normal de 5,6% e de 27,4% nos doentes que apresentam alterações da função renal. A sua concentração sérica/plasmática é afetada pela ingestão de alimentos cuja elevação em relação aos valores basais, nos indivíduos saudáveis, persiste cerca de 60 a 90 minutos; recomenda-se que a colheita de sangue seja efetuada após um período de jejum entre 8 a 12h. Exemplos de situações clínicas em que a concentração da glicose está aumentada: - Soro/plasma (hiperglicemia: > 100 mg/dL): » Diabetes mellitus (categorias clínicas: tipo 1 – 5 a 10% dos casos, tipo 2 – 90 a 95% dos casos, diabetes gestacional e secundário a outras causas genéticas que afetam a função das células Beta ou a ação da insulina, a patologias do pâncreas exócrino fibrose quistica, hemocromatose e pancreatite, a endocrinopatias – síndroma de Cushing, acromegalia, tirotoxicose, hiperaldosteronismo primário e feocromocitoma, ou induzido por fármacos – glucocorticoides, tiazidas, hormonas tiroideias, ácido nicotínico e agonistas beta-adrenérgicos): Critérios de diagnóstico (American Diabetes Association – ADA; norma da Direção-Geral da Saúde de Portugal): * Diabetes mellitus: Hemoglobina glicada (HbA1c): ≥ 6,5% obtida em duas ocasiões diferentes (intervalo de 1 a 2 semanas); ou Glicemia em jejum (8 a 12h): ≥ 126 mg/dL obtida em duas ocasiões diferentes (intervalo de 1 a 2 semanas); ou Glicemia às 2h após ingestão de 75 gramas ou 1,75g/kg até um máximo de 75g de glucose (tolerância à glucose): ≥ 200 mg/dL; ou Data emissão: 2015-11-12 Pag. 2 de 3 Glicemia colhida aleatoriamente a qualquer hora do dia em jejum ou após refeição: ≥ 200 mg/dL. * Pré-diabetes ou disfunção da homeostase da glicose (elevado risco de diabetes mellitus): Hemoglobina glicada (HbA1c): entre 5,7 e 6,4%; ou Glicemia em jejum (8 a 12h): entre 100 (OMS: 110) e 125 mg/dL; ou Glicemia às 2h após ingestão de 75 gramas ou 1,75g/kg até um máximo de 75g de glucose (tolerância à glucose): entre 140 e 199 mg/dL (cerca de 50% dos indivíduos com mais de 65 anos verifica-se uma diminuição da tolerância à glucose). * Diabetes gravídica (entre a 24ª e a 28ª semana de gravidez): Prova de tolerância à glucose oral (PTGO: após ingestão de 75 gramas de glucose): Glicemia em jejum (8 a 12h): ≥ 92 mg/dL. Glicemia aos 60 minutos: ≥ 180 mg/dL. Glicemia aos 120 minutos: ≥ 153 mg/dL. » Outras: stress (aumento da adrenalina: gliconeogénese) e infusão de soros glucosados. - Urina (glicosúria; > 100 mg/dL): » Hiperglicémicas: concentração da glicemia superior a 180-200 mg/dL (limiar da capacidade máxima de absorção tubular renal de glicose). » Normoglicémicas: terceiro trimestre de gravidez (em cerca 12% das mulheres grávidas sem patologia evidente), diabetes insipida e lesão ou disfunção dos túbulos renais proximais (exemplos: síndroma de Fanconi renal - acidose tubular renal tipo II – acidose metabólica hiperclorémica: aminoacidúria, hiperuricosúria, hiperglicosúria, hiperfosfatúria, hiperbicarbonatúria e hipercalciúria; doença de Wilson, nefrite intersticial e glicosúria hereditária). - Líquor e derrames de serosas (relação líquor ou derrame / soro > 0,5 a 0,6): » Hiperglicemias (exemplo: diabetes mellitus). Exemplos de situações clínicas em que a concentração da glicose está diminuída: - Soro/plasma (hipoglicemia: < 50 mg/dL; tríade de Whipple: sinais e sintomas neurogénicos e neuroglicopénicos de hipoglicemia, hipoglicemia e resolução dos sinais e sintomas com a administração de glucose): » Fármacos hipoglicemiantes (exemplos: insulina, sulfonilureias e metformina), pentamidina, salicilatos, quinino, beta-bloqueantes, fluorquinolonas, consumo excessivo de álcool, gabapentina, neoplasias (tumores mesoteliais – mesotelioma, hemangiopericitoma e tumores fibrosos solitários; tumores de origem epitelial – hepatocelular e do estroma do aparelho gastrointestinal; associados com elevação soro/plasma do fator de crescimento semelhante à insulina - IGF-1 e 2 e valores de insulina dentro dos intervalos de referência), insulinoma (concentrações elevadas de insulina), hiperinsulinismo congénito (secreção inapropriada e insulina em relação à glicemia), autoanticorpos anti-insulina ou antirrecetores da insulina (associados muitas vezes a doença de Graves, mieloma múltiplo, lupus eritematoso sistémico e artrite reumatóide), insuficiência hepática (diminuição em mais de 80% da reserva funcional), deficiência de somatotrofina, em particular quando se associa a deficiência de ACTH (hipopituitarismo), doença de Addison, hipotiroidismo, deficiência de glucagon, após cirurgia bariátrica para a obesidade e glicogenoses (doenças do armazenamento do glicogénio). - Líquor e derrames de serosas (relação líquor ou derrame / soro < 0,5): » Patologia infeciosa de etiologia bacteriana, micobacteriana ou fúngica, neoplasias e colagenoses. Data emissão: 2015-11-12 Pag. 3 de 3