35º Imagem da Semana: Radiografia de pé Radiografia em perfil do pé esquerdo Enunciado Paciente do sexo feminino, 59 anos, relata dor em queimação na região plantar do pé esquerdo há cerca de 1 ano. A dor é mais intensa pela manhã, quando pisa pela primeira vez no solo, e diminui após alguns passos. Ao fim do dia, há nova exacerbação do sintoma. Ao exame físico, há dor à extensão passiva dos pododáctilos e à palpação da região plantar. Baseado na história clínica e na imagem radiográfica, qual o diagnóstico mais provável? a) b) c) d) Síndrome do túnel do tarso Tendinite do tendão de Aquiles Tendinite do tibial posterior Fasciíte plantar Imagem 2: Radiografia em perfil do pé esquerdo, evidenciando entesófito na origem da fáscia plantar (tubérculo medial do calcâneo). A estrutura em forma de espícula óssea (seta vermelha), localizada na região inferior do calcâneo, é chamada de “esporão” do calcâneo. Diagnóstico A presença de dor plantar matutina, especialmente ao iniciar deambulação, associada ao desencadeamento da dor durante manobra de extensão dos pododáctilos, são compatíveis com o diagnóstico de fasciíte plantar. A Síndrome do túnel do tarso apresenta dor de características muito semelhantes às da fasciíte plantar. Podem ocorrer, entretanto, alterações de sensibilidade e motricidade na região. Ao exame físico, podem ser identificados sinais clínicos característicos da síndrome, como o sinal de Tinnel do pé (presença de parestesia no pé à percussão da área súpero-anterior ao maléolo medial, no trajeto do nervo tibial), o teste do torniquete (dor exacerbada pela compressão do tornozelo com um manguito inflado), a comparação do pulso arterial do pé patológico com o sadio e o teste de dorsiflexão-eversão do pé, que reproduz a compressão do nervo tibial posterior pelos retináculos flexos que ocorre na síndrome do túnel do tarso. A tendinite do tendão calcâneo é caracterizada por dor na região posterior do calcanhar, irradiada para panturrilha. O paciente apresentaria dor à flexão plantar passiva, à flexão plantar contra resistência e à palpação do tendão inflamado. A tendinite do tibial posterior, causa mais comum de pé plano adquirido, apresenta-se com dor na borda medial do tornozelo. Ao exame físico, seriam constatados dor e edema na borda medial do tornozelo, perda do arco longitudinal medial do pé com hiperpronação (pé plano valgo), incapacidade de ficar na ponta do pé e o sinal do “too many toes” (“muitos dedos do pé”), quando o examinador se posiciona atrás do paciente, que está em ortostatismo. Discussão do caso A fáscia plantar é uma estrutura plana e fibrosa que se origina na tuberosidade medial do calcâneo e se insere na base das falanges proximais dos pododáctilos, tensionando o arco longitudinal do pé durante a deambulação e mantendo o arco plantar. A fasciíte plantar é a inflamação e/ou degeneração dessa fáscia devido a sua exposição a tensões excessivas e repetitivas. É uma doença de alta prevalência e aproximadamente 10% das pessoas apresentará pelo menos um episódio ao longo da vida. Alguns dos fatores predisponentes são obesidade, permanência prolongada em posição ortostática, utilização de calçados inapropriados e prática de atividades que constantemente tracionam a fáscia plantar, como corrida, salto e dança. O “esporão” calcâneo, encontrado em aproximadamente 70% dos pacientes com fasciíte plantar, é uma calcificação com origem na tuberosidade plantar do calcâneo. É causado por microtraumas repetidos na região plantar que levam a pequenas rupturas na inserção dos ligamentos e tendões e à alteração do tecido. É importante destacar que a dor não ocorre por causa da proeminência óssea, mas por um processo inflamatório na região, o que é confirmado pela presença do “esporão” em cerca 50% da população assintomática. O diagnóstico é clínico e a existência do “esporão” calcâneo na radiografia do pé acometido auxilia no diagnóstico diferencial, especialmente com a Síndrome do túnel do tarso. Em caso de dúvida, pode-se solicitar ressonância magnética. O tratamento conservador é eficiente em 90% dos casos de fasciíte plantar e inclui alongamentos e fisioterapia analgésica, utilização de calçados adequados e/ou de palmilhas de silicone, além de terapia com AINE’s. Nos casos refratários, pode-se realizar o procedimento de infiltração dos pontos dolorosos com corticoide. Terapias de choque extra-corpóreo podem ser também indicadas em algumas dessas situações. A abordagem cirúrgica (fasciotomia plantar) é reservada aos casos com sintomas muito intensos e recidivantes após 6-12 meses de terapia conservadora. Aspectos Relevantes - A fasciíte plantar é uma inflamação da fáscia plantar com incidência de aproximadamente 10%, mais prevalente em obesos e praticantes de atividades como corrida e salto. - O esporão calcâneo é uma consequência comum da doença, presente em 70% dos casos, mas não é o responsável pela dor. -30-50% dos pacientes adultos assintomáticos apresentam esporão do calcâneo na radiografia do pé em perfil, -Os sinais clínicos típicos são a presença de dor plantar matinal, especialmente no início da deambulação e o desencadeamento da dor à palpação do tubérculo medial do calcâneo durante manobra de extensão passiva dos artelhos. - A maioria dos casos responde bem ao tratamento conservador. Referências - Pinals RS – Traumatic arthritis and allied conditions. In: Koopman WJ. Arthritis and allied conditions.A textbook of rheumatology. 13th ed, Pensylvania, Williams and Wilkins, 1993.p.1767-1771. - Araujo NC; Fermandes JA – Reumatismos de partes moles – II. Membros inferiores. Elementos Básicos de Diagnóstico. Temas de Reumatologia Clínica Junho2003;v.4(2):38-42. - Anderson, BC. Office Orthopedics for Primary Care: Diagnosis and Treatment, 2nd ed, WB Saunders Company, Philadelphia 1999. Responsável Júlio Guerra Domingues, acadêmico do 7º período de Medicina da FM-UFMG. Email: jgdjulio[arroba]gmail.com Orientador Prof. Robinson Esteves, professor do Departamento do Aparelho Locomotor da UFMG Revisores Fabiana Resende, Camila Andrade e Profª Viviane Parisotto Agradecimento À Professora Maria Fernanda Brandão de Resende Guimarães, do Departamento do Aparelho Locomotor da FM-UFMG, pela contribuição na análise do exame