UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA – DCV – CAMPUS I TÍTULO: MONITORAMENTO DA TOXICIDADE DO METOTREXATO EM ESQUEMAS DE ALTAS DOSES NO TRATAMENTO DE OSTEOSSARCOMA AUTORA: MILENA DA MOTTA XAVIER SALVADOR – BAHIA 2010 1 MILENA DA MOTTA XAVIER ORIENTADORA: PROF.ª Msc. MAIANA DE ARAÚJO TEIXEIRA CO-ORIENTADOR: PROF. Msc. MARCO ANTÔNIO ARAÚJO SILVANY TÍTULO: MONITORAMENTO DA TOXICIDADE DO METOTREXATO EM ESQUEMAS DE ALTAS DOSES NO TRATAMENTO DE OSTEOSSARCOMA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Farmácia. SALVADOR - BAHIA 2010 2 LISTA DE SIGLAS 7-OH-MTX: Metabólito 7-OH-metotrexato AINES: Antiinflamatórios não-esteróides ALT: Alanina Aminotransferase AST: Aspartato Aminotransferase BHE: Barreira hemato-encefálica CLAE: Cromatografia Líquida de Alta Eficiência Clcr: Clearance de creatinina COX: Enzima Ciclooxigenase DHFR: Enzima Diidrofolato Redutase G6PD: Enzima Glicose-6-fosfato desidrogenase GBTO: Grupo Brasileiro de Tratamento de Osteossarcoma HDMTX: Metotrexato em altas doses INR: Índice internacional normalizado. Tempo de protrombina corrigido a valores mundiais. LCR: Líquido cefalorraquidiano LIQ: Limite Inferior de Quantificação MTX: Metotrexato MTX-PG: Poliglutamatos de MTX NAD: Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo NADH: Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo Reduzida TGF: Taxa de Filtração Glomerular TGI: Trato Gastrintestinal TNM: Classification of Malignant Tumours 3 ÍNDICE DE TABELAS TABELA 1: ESTADIAMENTO TNM.............................................................................9 TABELA 2: PROTOCOLO GBTO OSTEOSSARCOMA METASTÁTICO..................10 TABELA 3: CLEARANCE DE CREATININA (Clcr) E AJUSTES DE DOSE..............25 TABELA 4: PRINCIPAIS INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS.................................26 TABELA 5: COMPARATIVO DE MÉTODOS – EMIT versus CLAE..........................36 4 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................6 2. OBJETIVOS ..............................................................................................................12 3. REVISÃO DE LITERATURA 3.1. METOTREXATO.................................................................................................13 3.1.1. FARMACOCINÉTICA ...............................................................................15 3.1.2. METOTREXATO EM ALTAS DOSES COM LEUCOVORINA DE RESGATE.....................................................................................................17 3.2. TOXICIDADE DO METOTREXATO....................................................................19 3.2.1. EFEITOS SOBRE O TGI...........................................................................20 3.2.2. TOXICIDADE PULMONAR.......................................................................20 3.2.3. MIELOTOXICIDADE ................................................................................21 3.2.4. HEPATOTOXICIDADE .............................................................................21 3.2.5. EFEITOS NEUROLÓGICOS ....................................................................22 3.2.6. TOXICIDADE RENAL...............................................................................23 3.2.7. TERATOGENICIDADE..............................................................................24 3.2.8. PARÂMETROS FISIÓLOGICOS E AJUSTES DE DOSE........................24 3.3. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS .................................................................26 3.4. MONITORIZAÇÃO TERAPÊUTICA ...................................................................28 3.4.1. FÓRMULA DE SCHWARTZ.....................................................................28 3.4.2. ENSAIO IMUNOENZIMÁTICO..................................................................29 3.4.3. CROMATOGRAFIA LÍQUIDA DE ALTA EFICIÊNCIA.............................31 4. DISCUSSÃO..............................................................................................................34 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................37 REFERÊNCIAS................................................................................................................41 5 RESUMO O tratamento do osteossarcoma compreende um conjunto de estratégias para o controle do tamanho do tumor e do avanço da doença, e a quimioterapia está presente nos protocolos adotados, seja como neoadjuvante ou adjuvante. Um dos principais quimioterápicos que compõem o tratamento é o metotrexato em altas doses, com leucovorina de resgate. Verifica-se, no entanto, que a utilização deste esquema não é consenso na prática clínica, diante dos inúmeros efeitos tóxicos causados pelo fármaco e seus metabólitos. Assim, este trabalho aborda os principais aspectos relativos à toxicidade, as interações medicamentosas e os métodos de monitorização terapêutica, como a cromatografia líquida de alta eficiência. Palavras-chave: Osteossarcoma; Metotrexato; Toxicidade; terapêutica; Cromatografia; Uso racional; Farmacovigilância. Monitorização 6 1. INTRODUÇÃO Os tumores ósseos primários correspondem a 2% de todos os tumores clínicos e a 0,6% dos tumores malignos. Apesar da relativa raridade, constituem um sério problema clínico, principalmente pela incidência de metástases ósseas e pulmonares (ALIMENA, et al, 2008). Segundo dados do Registro Hospitalar de Câncer do Estado de São Paulo, dentre os tumores ósseos, o osteossarcoma é o mais freqüente, representando 43,1% do total de casos (FUNDAÇÃO ONCOCENTRO DE SÃO PAULO, 2005). O osteossarcoma ou sarcoma osteogênico é o tumor maligno ósseo mais frequente e caracteriza-se por células mesenquimais neoplásicas formadoras de tecido ósseo imaturo e/ou matriz osteóide. Tem origem a partir do tecido conjuntivo indiferenciado, podendo apresentar elementos cartilaginosos e fibrosos (KOWALSKI, 2006). Do total de cânceres diagnosticados anualmente nos Estados Unidos, representa apenas 1% e, portanto, constitui um tipo raro de tumor. Esse número corresponde à média de 800 novos casos diagnosticados a cada ano, dos quais 400 são crianças e jovens com idade inferior a 20 anos (JANEWAY, et al, 2009). A incidência de osteossarcoma aumenta de 2 a 3 casos/milhão de pessoas por ano para 8 a 11 casos/milhão de pessoas quando se considera jovens de 15 a 19 anos, representando mais de 10% dos tumores sólidos (PETRILLI, et al, 2007). Tumores sólidos são tumores encontrados na forma de nódulo ou massa palpável e, quando malignos, podem invadir tecidos e órgãos vizinhos ou disseminar para órgãos distantes – metastização (FLECK, 2006). 7 Alguns autores associam o início de desenvolvimento da doença com o surto de crescimento na adolescência, visto que, em jovens, o pico de incidência situa-se entre 13 e 16 anos, conforme demonstrado no gráfico 1. Além disso, é aproximadamente 1,4 vezes mais comum no sexo masculino e parece acometer principalmente indivíduos da raça negra (WANG, et al, 2009). Gráfico 1: Incidência por faixa etária e sexo 250 10 a 19 200 10 a 19 150 Masculino Feminino 100 50 0 0a9 20a29 40a49 60a69 Fonte: Adaptado de FUNDAÇÃO ONCOCENTRO DE SÃO PAULO, 2005. As metáfises de ossos longos são o local mais comum de desenvolvimento da doença, principalmente na região distal do fêmur e proximal da tíbia e do úmero. O prognóstico de osteossarcoma não tratado é de aumento do tumor e metástases à distância, principalmente em outros ossos e no pulmão, sendo a sobrevida de 10 a 40% nos pacientes que apresentam metástases ao diagnóstico (KOWALSKI, et al, 2006). Antes do modelo de tratamento multidisciplinar, os pacientes eram tratados apenas com cirurgia e o prognóstico era bastante negativo. Aproximadamente 90% evoluíam para óbito, geralmente por metástase pulmonar (JANEWAY, et al, 2009). 8 Nos últimos 30 anos, com a introdução da quimioterapia neoadjuvante e adjuvante nos protocolos clínicos, houve melhoria no prognóstico dos pacientes que apresentavam osteossarcoma não-metastático. A quimioterapia adjuvante é considerada componente padrão do tratamento, tanto em crianças como em adultos (JANEWAY, et al, 2009). Atualmente, o tratamento multidisciplinar permite a cura em cerca de 60 a 70% dos pacientes, sem recidivas (KOWALSKI, et al, 2006). Segundo o Instituto Nacional de Câncer (2002), as bases para o tratamento são a classificação histológica e o estadiamento TNM. Quanto ao estadiamento, o American Joint Committee on Cancer (AJCC) estabelece que: T: tamanho do tumor. T1: Tumor até 8 cm; T2: Tumor com mais de 8cm; T3: tumor descontínuo no sítio ósseo primário. N: linfonodos acometidos. N0: sem metástases em linfonodos; N1: com metástases regionais em linfonodos. M: metástases à distância. M0: sem metástases; M1: com metástases à distância. M1a: pulmão; M1b: outros sítios. G: grau histológico. G0: bem diferenciado (baixo grau); G1: moderadamento diferenciado (baixo grau); G2: pouco diferenciado (alto grau); G3-4: indiferenciado (alto grau). Assim, a partir de exames como tomografia óssea computadorizada de tórax, cintilografia óssea e tomografia ou ressonância magnética nuclear do tumor primário, é possível agrupar por estádios, conforme tabela 1: 9 Tabela 1: Estadiamento TNM - American Joint Committee on Cancer (AJCC) GRAU IA T1 N0 M0 G1-2 BAIXO GRAU IB T2 N0 M0 G1-2 BAIXO GRAU IIA T1 N0 M0 G3-4 ALTO GRAU IIB T2 N0 M0 G3-4 ALTO GRAU III T3 N0 M0 IVA N0 M1a IVB N1 M1b Fonte: Adaptado de KOWALSKI, L. P. et al. Manual de Condutas Diagnósticas e Terapêuticas em Oncologia. Centro de Tratamento e Pesquisa Hospital A.C. Camargo: São Paulo. 3 ed. 2006 O controle local com cirurgia assegura a preservação do membro em 90 a 95% dos casos. Sabe-se, no entanto, que, se nenhum tratamento sistêmico adicional for iniciado, a maioria desses casos evolui para óbito por metástases pulmonares (PETRILLI, et al, 2007). Assim, segundo Petrilli (2007), o objetivo do tratamento multidisciplinar, no qual adiciona-se a quimioterapia com drogas eficazes, é erradicar a doença micrometastática, aumentado a segurança da cirurgia. A eficácia do tratamento envolve a escolha do esquema a ser utilizado e o momento correto para iniciar o tratamento, que pode ser antes (neo-adjuvante ou indutória) ou depois (adjuvante) da realização da cirurgia. No Brasil, um dos protocolos seguidos para o tratamento de pacientes metastáticos e não-metastáticos é o elaborado pelo Grupo Brasileiro de Tratamento de Osteossarcoma (GBTO), parte do Comitê de Tumores Ósseos da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica. 10 Segundo esse protocolo, as drogas consideradas mais ativas são a doxorrubicina (ADR), a cisplatina (DDP), a ifosfamida (IFOS) e o metotrexato (MTX). Para osteossarcoma metastático, conforme tabela 2, o protocolo sugere o seguinte esquema: Tabela 2: Protocolo GBTO Osteossarcoma Metastático DDP ADR CTX MTX HDMTX D1 D2 D3 D4 D5 D6 D7 D8 D9 D10 D11 CIRURGIA D12 INTERVALO D13 INTERVALO D14 REPETE O CICLO LEGENDA: DDP: Cisplatina IV 60 mg/m2/dia CTX: ciclofosfamida VO 25 mg/m 2/dia 2 ADR: doxorrubicina IV 37,5 mg/m /dia HDMTX: metotrexato IV 12 mg/m 2/dia MTX: metotrexato VO 15,5 mg/m2/2Xdia Fonte: PETRILLI, A. S. et al. Protocolo do Grupo Brasileiro de Tratamento de Osteossarcoma (GBTO). 2006. 11 Seja como terapia adjuvante ou neo-adjuvante, é comum a utilização do metotrexato no tratamento de pacientes com osteossarcoma metastático e não metastático. A atuação desse fármaco na fase S do ciclo celular, através do bloqueio de enzimas importantes à replicação do DNA, é o que justifica a sua utilização no tratamento de cânceres com rápida proliferação celular. Na fase S ocorre a duplicação do DNA, além da síntese de histonas, proteínas que compõem a cromatina e atuam como matriz para o enrolamento do DNA (MARQUES, 2009). Apesar da eficácia observada no controle do tamanho do tumor e na minimização de metástases, o metotrexato é um fármaco associado à incidência de efeitos tóxicos, muitos desses limitantes da qualidade de vida dos pacientes. A compreensão dos mecanismos de toxicidade e dos fatores que potencializam os efeitos tóxicos são aspectos importantes a serem considerados durante o tratamento. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX, 2008), da Fundação Oswaldo Cruz, os medicamentos estão associados a 30,71% dos casos de intoxicação e 19,73% dos óbitos registrados pela mesma causa. Do total de óbitos, aproximadamente 6% são decorrentes da utilização em doses consideradas terapêuticas. O conjunto desses dados responde pela crescente preocupação com o uso racional de medicamentos, visando compreender os mecanismos responsáveis pelos problemas relacionados à terapia medicamentosa e minimizar os efeitos adversos indesejáveis. 12 2. OBJETIVOS Apresentar os principais aspectos do tratamento do osteossarcoma com metotrexato em altas doses, considerando os efeitos tóxicos do fármaco e seus metabólitos e as principais interações medicamentosas que potencializam a toxicidade. Discutir sobre as formas de monitorização terapêutica adotadas na prática clínica, avaliando as vantagens e as limitações. 13 3. REVISÃO DE LITERATURA 3.1. METOTREXATO O ácido fólico (2-amino-4-hidroxi-metilenoaminobenzoil-glutâmico), também conhecido como ácido pteroilglutâmico, vitamina B 9 ou vitamina M, é fator essencial na dieta. Nos alimentos, é encontrado na forma reduzida como derivados de poliglutamatos, com 2 a 7 resíduos de ácido glutâmico, conhecidos como folatos (LIMA, et al, 2003). Os folatos atuam como co-fatores em reações de transferência de carbono (LIMA, et al, 2003). Após a absorção, são reduzidos a ácido tetraidrofólico (ou tetraidrofolato) que age como aceptor de unidades de carbono, originando coenzimas necessárias à síntese de timidilato e purinas (GUIMARÃES, 2003). O derivado N-5,10-metilenotetraidrofolato é essencial na síntese de timidilato ao passo que os derivados N-5,10-metenotetrahidrofolato e N-10-formiltetrahidrofolato são doadores de átomos de carbono para o crescimento do anel de purina. (BRUNTON, LAZO, PARKER, 2006). Diante da importância do folato na síntese de DNA, os antagonistas do ácido fólico foram os primeiros agentes antimetabólitos a serem utilizados no tratamento do câncer, sendo o metotrexato o primeiro fármaco utilizado em monoterapia (LACASCE, 2009). Como pode ser verificado na figura 1, o ácido fólico e o metotrexato são compostos estruturalmente semelhantes, diferindo apenas na substituição de um grupo amino por um grupo hidroxila e na adição de um grupo metila entre os grupos pteroila e benzoila. 14 Figura 1: Fórmulas estruturais do ácido fólico e do metotrexato Fonte: http://www.ff.up.pt/toxicologia/monografias/ano0708/g9_metotrexato/sem elhancas.html O metotrexato ou ametopterina (C2OH22N8O5), representado estruturalmente pela figura 1, caracteriza-se por uma mistura de ácido-4-amino-10-metil-fólico e compostos relacionados. Este é utilizado no tratamento de algumas neoplasias, como leucemias, osteossarcomas, linfomas não-Hodgkin, coriocarcinomas e tumores de cabeça e pescoço (LEKE, 2005). É um agente específico da fase S do ciclo celular, atuando sobre células que se encontram em crescimento exponencial. O principal alvo do metotrexato é a enzima diidrofolato redutase (DHFR), responsável pela redução do folato à tetraidrofolato. Por apresentar maior afinidade pela enzima que os folatos naturais, é capaz de inibir competitivamente, resultando em depleção dos co-fatores de tetraidrofolato (BRUNTON, LAZO, PARKER, 2006). O esgotamento dos folatos reduzidos (tetraidrofolatos) interfere nos mecanismos de síntese e reparo do DNA e replicação celular. O efeito imediato é uma interrupção abrupta na síntese de DNA, com conseqüente morte celular (LACASCE, 2009). 15 3.1.1. FARMACOCINÉTICA Após administração oral, doses baixas apresentam rápida absorção no trato gastrintestinal, ao passo que doses mais elevadas apresentam absorção irregular. Na circulação sistêmica, qualquer que seja a via de administração, o metotrexato difunde-se e se acumula nos glóbulos vermelhos e no soro, evidenciando cerca de 50% de capacidade de ligação à albumina (PIOTO, 2007). Alguns medicamentos apresentam maior afinidade pela albumina e são capazes de deslocá-lo do sítio de ligação, aumentando a atividade do fármaco. Esse deslocamento é um dos responsáveis pelo aumento dos efeitos tóxicos (PIOTO, 2007). Ademais, apresenta ampla distribuição nos tecidos corpóreos, encontrado em maiores concentrações nos rins, no fígado, na vesícula biliar, no baço e na pele. Após 3 horas de administração, a relação entre a concentração sérica e a encontrada no fígado é na razão 4:1; após 24 horas, obedece a relação 8:1 (BRUNTON, LAZO, PARKER, 2006). A concentração plasmática é reduzida de forma trifásica: a primeira fase é de distribuição, a qual é imediatamente seguida da fase de depuração renal, com meiavida de 2 a 3 horas; em seguida, inicia-se a terceira fase, que apresenta meia-vida de 10 a 27 horas. (BRUNTON, LAZO, PARKER, 2006). Por apresentar excreção predominantemente renal, principalmente por filtração glomerular, a terceira fase é prolongada em casos de insuficiência renal, além de ascite e derrame pleural (PIOTO, 2007). A taxa de depuração renal é de 90-200 ng/mL e, após a administração, 80 – 90% da dose são excretados de forma inalterada na urina dentro de 24 horas 16 (KLASCO, [19-]). Em baixas doses, o metotrexato apresenta baixa taxa de metabolização. Por outro lado, após a administração de altas doses, o metotrexato sofre conversão em poliglutamatos (MTX-PG) pela ação da enzima folilpoliglutamato sintetase, que adiciona resíduos de glutamil à molécula do metotrexato (BRUNTON, LAZO, PARKER, 2006). Segundo LaCasce (2009), quando a cauda poliglutamada tem mais do que cinco resíduos de ácido glutâmico, existe uma maior afinidade pelas enzimas DHRF e timidilato sintase, além de apresentar retardo no tempo de difusão para fora da célula. Concentrações plasmáticas mais elevadas e maior tempo de exposição ampliam a formação de poliglutamatos. Os compostos formados apresentam uma intensa carga e não conseguem atravessar facilmente a membrana plasmática, permanecendo no interior das células e exercendo maior efeito inibitório sobre a DHFR e timidilato sintase (LACASCE, 2009). Assim, sob a forma de poliglutamatos, o metotrexato pode ser retido por várias semanas nos rins e vários meses no fígado (BRUNTON, LAZO, PARKER, 2006). Dessa forma, ao passo que a síntese de poliglutamatos responde pela citotoxidade do metotrexato, levando à destruição de células cancerosas, essa forma de armazenamento também resulta em toxicidade clínica do fármaco, através da retenção no tecido hepático (CEDEÑO, 1993). LaCasce (2009) admite ainda que outro metabólito tóxico, o 7-hidroximetotrexato (7-OH-MTX), também é formado em esquemas de altas doses pela ação da enzima aldeído oxidase hepática. Esse metabólito, devido à sua baixa solubilidade em água, contribui para a toxicidade renal. 17 Além disso, acredita-se que o metotrexato pode se acumular nos espaços pleurais, como nos casos de ascite e derrame pleural, retornando à circulação sistêmica muito tempo depois da administração da dose. Isso pode levar a uma superdosagem de metotrexato e, caso a função renal esteja prejudicada, resultar em severa toxicidade retardada. É necessário, portanto, drenagem dos líquidos pleurais antes da administração do metotrexato (LACASCE, 2009). Concentrações que variam de 3 a 10% da dose sérica podem ser encontradas no líquido cefalorraquidiano (LCR), visto que o fármaco é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica (BRUNTON, LAZO, PARKER, 2006). 3.1.2. METOTREXATO EM ALTAS DOSES COM LEUCOVORINA DE RESGATE As células tumorais têm capacidade reduzida ou insignificante de transportar o metotrexato para o interior das células e, portanto, necessitam de uma elevada concentração extracelular de metotrexato para que este entre por difusão passiva. Além disso, sabe-se que a síntese de tetraidrofolatos é bloqueada apenas quando é atingido um mínimo de 95% de inibição da DHFR (LACASCE, 2009). Assim, para que seja possível atingir máxima concentração plasmática e potencializar o efeito citotóxico desejado no tratamento do osteossarcoma, vários autores argumentam a favor dos esquemas de altas doses de metotrexato (HDMTX). Para tanto, classificam-se como altas doses aquelas superiores a 500 mg/m2 de superfície corpórea (KLASCO, [19-]). O esquema inicial adotado em vários consensos é de 8 – 12 g/m2 de superfície corpórea, com leucovorina de resgate, para obtenção de um pico de 18 concentração sérica de 1 X 10 -3 mol/L, podendo ser aumentada para 15g/m2 caso a concentração não tenha sido obtida (KLASCO, [19-]). Segundo o protocolo do Grupo Brasileiro de Tratamento de Osteossarcoma (GBTO), a utilização de metotrexato em altas doses baseia-se na maior capacidade de resgate que as células normais apresentam em detrimento das células tumorais. A leucovorina ou ácido folínico é uma forma reduzida dos folatos utilizada para reverter o bloqueio metabólico induzido pelo metotrexato em células normais. Apresenta-se na forma de uma mistura racêmica e o resgate das células expostas às altas doses de MTX é feito pelo isômero L. (ACKLAND, SCHILSKY, 1987). Após a administração, a leucovorina é rapidamente convertida a N5-metilFH4, o folato fisiológico normalmente existente no plasma (PETRILLI, et al, 2007). O motivo pelo qual essa reversão ocorre apenas nas células normais ainda não é totalmente compreendido, mas está associado à deficiência do transporte de folatos evidenciada nas células tumorais (LACASCE, 2009). Assim, para se obter resposta satisfatória, o resgate com leucovorina deve ser iniciado dentro de 24 horas após a administração de HDMTX. Por via endovenosa, a dose habitual de leucovorina é 10 mg/m2 de superfície corpórea ou 15 mg/m2 quando por via oral (LACASCE, 2009). A administração deve ser continuada até que a concentração sérica do metotrexato atinja níveis inferiores a 0,05-0,1 micromol/litro (KLASCO, [19-]). Contraditoriamente, apesar de ser indicado para reverter os efeitos tóxicos do metotrexato sobre células normais, o resgate com leucovorina pode levar à precipitação do fármaco nos túbulos renais, evidenciando potencial de toxicidade renal. Acredita-se que a acidez urinária e a depleção do volume aumentam o risco 19 de insuficiência renal, devido à insolubilidade do fármaco e maior concentração no líquido tubular, respectivamente (BRUNTON, LAZO, PARKER, 2006). Dessa forma, para reduzir o risco de insuficiência renal, recomenda-se hidratação antes da infusão de metotrexato e alcalinização da urina. A hidratação mantém o fluxo urinário elevado e concentrações reduzidas nos túbulos renais, ao passo que a alcalinização deve elevar o pH para acima de 7,0, aumentando significativamente a solubilidade do fármaco (ROSE, 2008). Acredita-se que uma dose de 3000 mL/m2/dia com 44-88 mEq de bicarbonato de sódio é suficiente para manter o pH urinário de 7 a 8 (KLASCO, [19-]). 3.2. TOXICIDADE DO MTX A terapia com metotrexato em altas doses (HDMTX) é defendida por muitos especialistas, visto que há evidências de resultados mais satisfatórios no tratamento de algumas neoplasias, como o osteossarcoma. Observa-se, no entanto, que o uso de HDMTX ainda é bastante contraditório, diante dos inúmeros efeitos tóxicos identificados durante o tratamento. Os tecidos que apresentam células com grande potencial de divisão possuem maior probabilidade de desenvolver toxicidade, visto que o bloqueio metabólico exercido pelo fármaco ocorre na fase S do ciclo celular (BRUNTON, LAZO, PARKER, 2006). 20 3.2.1. EFEITOS SOBRE O TGI Os efeitos sobre o trato gastrintestinal (TGI) frequentemente relatados após a administração de metotrexato são náuseas, vômitos, anorexia, estomatite, ulcerações e hemorragia gastrintestinal grave. Esses efeitos são observados principalmente em esquemas de altas doses. Há, no entanto, relatos da ocorrência de ulceração oral também em esquemas de baixa dose, com regime semanal (KALANTZIS, et al, 2005). 3.2.2. TOXICIDADE PULMONAR A toxicidade pulmonar é um dos efeitos bem descritos associados ao uso de metotrexato, podendo ser evidenciada em qualquer momento no curso do tratamento. Os principais sintomas são tosse não-produtiva, febre e dispnéia (IMOKAWA, et al. 2000). Imokawa (2000) e Lateef (2005) descrevem que exames realizados em pacientes com suspeita de toxicidade pulmonar evidenciaram eosinofilia, inflamação intersticial, infiltrado intersticial e alveolar e redução da função pulmonar. Após a cessação da terapia com MTX, a maioria dos pacientes obteve melhora da função pulmonar, mas há relatos de mortes. Dos 16 pacientes que recomeçaram a terapia, 4 apresentaram pneumonite recorrente. Um estudo de caso-controle multicêntrico, realizado por Alarcón (1997), traçou os fatores de risco para lesão pulmonar de 29 pacientes em uso de metotrexato para o tratamento de artrite reumatóide. Os principais são: idade 21 superior a 60 anos, doenças pleuropulmonares, baixos níveis séricos de albumina, tabagismo e diabetes mellitus. 3.2.3. MIELOTOXICIDADE Anemia, leucopenia, pancitopenia, neutropenia e trombocitopenia são decorrentes da mielossupressão provocada pelo metotrexato. Esses efeitos são observados em cerca de 25% dos pacientes em terapia com metotrexato (SWEETMAN, [19-]). Além disso, surgem 6 a 9 dias após a administração da droga e duram cerca de 2 semanas (HANSEN, SELAWRY, HOLLAND, 1971). Anemia megaloblástica também foi evidenciada durante a terapia, decorrente da depleção de folato. O volume corpuscular médio dos pacientes que desenvolveram toxicidade foi maior que o dos pacientes não expostos à toxicidade (SWEETMAN, [19-]). Segundo Morgan ([19-]), três indivíduos com história de doença renal terminal, tratados com hemodiálise secundária a diabetes, apresentaram toxicidade após pequenas doses de metotrexato. Um óbito foi relatado após dose de 7,5 mg, com curso de sepse mesmo após recuperação gradual da medula óssea. 3.2.4. HEPATOTOXICIDADE Durante o tratamento com metotrexato é comum a elevação da aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina e bilirrubina, reversível na maioria dos casos. Em uma análise retrospectiva realizada com pacientes portadores de artrite reumatóide, 42% e 48% dos pacientes 22 apresentaram elevação de AST e ALT, respectivamente, em comparação com 19% e 28% em pacientes que realizaram outro tratamento (KLASCO, [19-]). Com o uso prolongado, é comum o aparecimento de alterações histológicas, como fibrose e cirrose, potencializadas pelo o abuso de álcool, obesidade, idade avançada e diabetes mellitus (JANEWAY, GOORIN, MAKI, [19-]). 3.2.5. EFEITOS NEUROLÓGICOS Síndromes neurológicas agudas foram observadas seis dias após o tratamento com metotrexato em pacientes recebendo altas doses, seguido de leucovorina (KLASCO, [19-]). Em pacientes com osteossarcoma tratados com altas doses de metotrexato, foram observados déficits neurológicos. Alguns autores sugerem que esta condição pode ser resultado de desmielinização transitória ou acidente vascular cerebral embólico (PACKER, GROSSMAN, BELASCO, 1983). Segundo o UpToDate, as principais reações evidenciadas são: Aracnoidite: reação aguda manifestada por cefaléia intensa, rigidez na nuca, vômitos e febre. Os sintomas são dose dependente. Toxicidade subaguda: presente em 10% dos pacientes tratados com esquemas de 12 – 15 g de metotrexato. Consiste em paralisia motora das extremidades, paralisia dos nervos cranianos, convulsões, podendo levar a coma. Encefalopatia desmielinizante: presente em associação com irradiação craniana ou quimioterapia sistêmica com outros fármacos. 23 Caracterizada por demência, ataxia, convulsões (generalizadas ou focais) e coma. 3.2.6. TOXICIDADE RENAL Nefrotoxicidade é um dos principais efeitos adversos decorrentes do uso do metotrexato em altas doses. Segundo LaCasce (2009), essa toxicidade está relacionada a dois mecanismos: Precipitação nos túbulos renais: risco de lesão tubular, potencializado pelas altas concentrações plasmáticas, depleção do volume e acidez urinária, visto que o MTX e seus metabólitos são pouco solúveis em pH ácido; Redução da taxa de filtração glomerular: insuficiência renal funcional que envolve a constrição arteriolar aferente. O efeito é potencializado na presença de outras drogas nefrotóxicas. Alterações na função renal interferem nos níveis plasmáticos do metotrexato, que é eliminado por filtração glomerular e secreção tubular ativa, predispondo o paciente a maiores riscos de toxicidade sistêmica. Assim, a insuficiência renal obstrutiva é o mecanismo mais aceito para a nefrotoxicidade. Ocorre quando a concentração da droga excretada excede a solubilidade nos túbulos renais (KLASCO, [19-]). Pacientes que apresentam atraso na eliminação podem desenvolver insuficiência renal aguda irreversível (KLASCO, [19-]). 24 Alguns autores sugerem que os níveis séricos de creatinina traduzem a nefrotoxicidade induzida pelo MTX. Para níveis de creatinina sérica superiores a 50%, sugere-se a administração de 15 mg de leucovorina; quando os níveis de creatinina aumentam em 100%, a dose de leucovorina deve ser 150 mg a cada 3 horas (GOLDBERG, GARNICK , BLOOMER, 1984). 3.2.7. TERATOGENICIDADE A administração de antagonistas do ácido fólico no primeiro trimestre da gravidez está associada à teratogenicidade e risco elevado de aborto espontâneo. Malformações semelhantes às evidenciadas com outros antagonistas de ácido fólico são observadas na exposição fetal ao MTX, incluindo malformações da orelha, fenda palatina e hidrocefalia (MILUNSKY, GRAEF, GAYNOR, 1968). A gravidez deve ser evitada pelo menos por três meses após a terapia com metotrexato (KLASCO, [19-]). Restrições à administração durante a amamentação também são relatadas. O metotrexato difunde-se no leite materno em pequenas quantidades, correspondendo a aproximadamente 8% da concentração do plasma materno (KLASCO, [19-]). 3.2.8. PARÂMETROS FISIOLÓGICOS E AJUSTES DE DOSE Durante o tratamento com HDMTX, é necessário o monitoramento dos níveis séricos e do clearance, a fim de avaliar a função renal e minimizar os efeitos tóxicos. Segundo LaCasce (2009), a creatinina sérica medida isoladamente é insuficiente, pois existem grandes variações individuais e há baixa correlação entre esta e o clearance do metotrexato. 25 Os níveis séricos são monitorados geralmente às 24, 48 e 72 horas após a administração da droga, tomando por base estudos realizados na década de 70. Assim, considera-se que níveis superiores a 5 – 10 micromol nas 24 horas, a 0,9 – 1 micromol nas 48 horas e a 0,1 micromol nas 72 horas respondem por alto risco de toxicidade sobre a mucosa do trato gastrintestinal e sobre a medula óssea (LACASCE, 2009). Sabe-se, no entanto, que, além dos níveis séricos, é necessário o monitoramento do clearance, a fim de avaliar a função renal. Aronoff (2007) propôs ajustes de dose, de acordo com os valores encontrados para o clearance de creatinina, como pode ser observados na tabela 3: Tabela 3: Clearance de Creatinina (Clcr) e Ajustes de Dose Parâmetros Adultos Crianças Clcr 10-50 mL/min Administrar 50% da dose Administrar 50% da dose Clcr <10 mL/min Evitar o uso Administrar 30% da dose Hemodiálise Administrar 50% da Administrar 30% da dose dose Fonte: ARONOFF, G. R. et al. Disponível em: http://www.uptodate.com/online/content/topic.do?topicKey=drug_l_z/162031&selectedTitle=4%7E25& source=search_result#F194561 26 3.3. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS As interações medicamentosas constituem um fator importante a ser considerado na terapia com altas doses de metotrexato. Muitas classes de medicamentos potencializam a toxicidade do fármaco, necessitando muitas vezes de redução de dose ou suspensão da terapia. A tabela 4 demonstra o grau do risco de interação, o nível de documentação, os principais efeitos e a conduta a ser seguida em evidências de toxicidade. Tabela 4: Principais interações medicamentosas DROGA RISCO DOCUM. Vacinas Contraindicado Excelente RESUMO ↑ risco de infecção pela vacina ↑ risco de toxicidade Sulfametoxazol/ Trimetoprima AINES (Aspirina, Dipirona, Cetoprofeno, Diclofenaco, Indometacina) Grave Excelente (mielotoxicidade, pancitopenia e anemia megaloblástica) ↑ níveis séricos do Grave Boa Fenitoína Grave Boa Amoxicilina Grave Boa Piperacilina Grave Boa Warfarina Grave Boa metotrexato (mielotoxicidade, nefrotoxicidade e lesão da mucosa) Aumento do risco de toxicidade (mielotoxicidade, pancitopenia e anemia megaloblástica) Toxicidade do metotrexato. Toxicidade do metotrexato ↑ risco de hemorragias CONDUTA Intervalo mínimo de 3 meses Evitar o uso. Monitorar toxicidade hematológica. Intervalo mínimo de 10 dias após HDMTX. Monitorar toxicidade Reduzir a dose da fenitoína. Monitorar toxicidade Evitar o uso. Reduzir dose. Evitar o uso. Monitorar. Monitorar hemorragia. Reduzir dose. 27 Tabela 4: Principais interações medicamentosas DROGA RISCO DOCUM. Tamoxifeno Grave Boa Penicilina Grave Boa RESUMO ↑ risco de tromboembolismo ↑ risco de toxicidade ↑ concentração Pantoprazol Moderado Boa plasmática do 7OH-metotrexato CONDUTA Análise riscobenefício. Evitar o uso. Monitorar. Monitorar principalmente mialgia e dor óssea. ↑ concentrações plasmáticas do metotrexato pela redução da excreção tubular renal. Monitorar toxicidade. Ciprofloxacino Moderado Rara Retinóides Moderado Rara ↑ hepatotoxicidade Monitorar toxicidade hepática. HCTZ Moderado Rara Mielossupressão (granulocitopenia) Monitorar. Fonte: Adaptado de http://www.thomsonhc.com/hcs/librarian/PFDefaultActionId/hcs.Interactions.WordWheel. Dentre as interações clinicamente significativas, destacam-se as observadas entre o metotrexato e antiinflamatórios não-esteróides (AINES). Um estudo realizado com 7 crianças com artrite reumatóide evidenciou aumento da meia-vida de eliminação do metotrexato (DUPUIS, SHORE, SILVERMAN, et al.1990). Outro estudo realizado com 36 pacientes evidenciou toxicidade severa decorrente da administração concomitante de metotrexato e cetoprofeno, com três casos fatais (THYSS, MILANO, KUBAR, et al. [19-]). Os principais efeitos relatados são toxicidade hematológica e gastrintestinal (KLASCO, [19-]). Segundo Maeda (2008), os principais mecanismos que justificam essa interação são: competição pelo sítio de ligação das proteínas plasmáticas, inibição 28 da secreção tubular de metotrexato e inibição da síntese de prostaglandinas renais, reduzindo o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular do metotrexato. 3.4. MONITORIZAÇÃO TERAPÊUTICA A Política Nacional de Medicamentos do Brasil direciona as ações relacionadas a medicamentos no país e apresenta a promoção do uso racional como uma das diretrizes prioritárias. Nesse contexto, a terapia medicamentosa tem como objetivo principal oferecer benefícios à saúde dos indivíduos, minimizando os danos eventualmente existentes ou prevenindo novos danos. A adoção de mecanismos de monitorização terapêutica visa possibilitar maior segurança na terapia, minimizando os efeitos adversos indesejáveis (ARONSON, 2005). Durante o tratamento do osteossarcoma com metotrexato, algumas estratégias são propostas para monitorização, conforme descrito a seguir. 3.4.1. FÓRMULA DE SCHWARTZ Um dos protocolos clínicos adotados para o tratamento do osteossarcoma é o do Grupo Brasileiro de Tratamento de Osteossarcoma – GBTO. Esse protocolo estabelece como parâmetros de monitorização a dosagem dos níveis séricos de metotrexato nas 24, 48 e 72 horas após o fim da infusão, com o objetivo de identificar os pacientes que não estão eliminando a droga completamente. 29 Além disso, o protocolo preconiza a avaliação renal em crianças pela estimativa do clearance de creatinina, a partir da creatinina sérica, baseado na fórmula de Schwartz: TGF = [k x estatura da criança em cm]/ [creatinina sérica] TGF = Taxa de Filtração Glomerular k = 0,55 para meninas de todas as idades e meninos até 13 anos; e 0,70 para meninos maiores que 13 anos. A precisão da fórmula de Schwartz para avaliação da função renal, estimando a taxa de filtração glomerular a partir da altura e da creatinina sérica, é bastante discutida por vários autores, sendo considerada por muitos como um método impreciso. Um estudo realizado com 32 crianças nigerianas pelo University College Hospital avaliou a concordância entre a depuração da creatinina endógena e a estimativa da TGF pela fórmula de Schwartz. Os resultados do estudo demonstraram que a fórmula superestimou a TGF em mais de dois terços das crianças, sendo imprecisa para avaliar a função renal (GBADEGESIN, et al. 1997). 3.4.2. ENSAIO IMUNOENZIMÁTICO Os métodos imunoenzimáticos são amplamente usados na análise de fármacos em fluidos biológicos e podem envolver equipamentos automatizados que realizam centenas de análises por dia. O princípio da técnica baseia-se na interação 30 entre antígenos, alvos da determinação, e anticorpos específicos para as substâncias a serem analisadas. (FOTOOHI, et al. [20-]) No monitoramento de medicamentos, é comum a utilização do imunoensaio tipo EMIT (Imunoensaio Enzimático de Multiplicação ou de Competição). Este método é baseado na competição entre a droga presente na amostra e a droga marcada com a enzima glicose-6-fosfato desidrogenase (FUKUSHIMA, BARRETO, et al. 2009). A ligação da droga marcada com o anticorpo reduz a atividade enzimática, indicando a ausência da droga de interesse na amostra analisada. Por outro lado, caso o fármaco esteja presente na amostra em concentrações detectáveis pelo método, a enzima permanece ativa e reduz o NAD a NADH + H+, resultando em alteração da absorbância, a qual é medida no espectrofotômetro (FUKUSHIMA, BARRETO, et al. 2009). Na figura 2 pode ser observado o princípio da técnica: Figura 2: Esquema do Imunoensaio tipo EMIT Fonte: Fotoohi et al. Disponível em:http://www.sciencedirect.com/science 31 Os imunoensaios tipo EMIT são métodos de determinação simples e que exigem pouco tratamento da amostra, além de produzirem resultados rápidos (FOTOOHI, et al. [20-]). Por outro lado, sofrem interferência de alguns compostos endógenos, como hemoglobina, bilirrubina e triglicérides, de modo a provocar desvios de aproximadamente 10% da concentração real do fármaco (OELLERICH, ENGELHARDT, DIEHL, 1980). Na análise do metotrexato, o método não permite a distinção entre o fármaco e seus metabólitos, apresentando reatividade cruzada. (OELLERICH, ENGELHARDT, DIEHL, 1980). Dessa forma, como a dosagem sérica de metotrexato define a dose de leucovorina a ser usada como resgate, a quantificação realizada por esses métodos pode superestimar os níveis de MTX, visto que ocorre a detecção do metotrexato e do 7-OH-metotrexato, principalmente. Esses desvios na quantificação do metotrexato podem conduzir à utilização de doses de leucovorina superiores às necessárias para o tratamento. Essa exposição a doses elevadas de leucovorina aumenta o risco de precipitação do metotrexato nos túbulos renais, com potencial de nefrotoxicidade. 3.4.3. CROMATOGRAFIA LÍQUIDA DE ALTA EFICIÊNCIA (CLAE) A cromatografia é um método físico-químico de separação fundamentado na migração diferencial dos componentes de uma mistura, devido a diferentes interações entre duas fases imiscíveis: a fase móvel e a fase estacionária (DEGANI, CASS, VIEIRA, 1998). 32 Para determinações quantitativas mais acuradas e com elevada sensibilidade, utiliza-se a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), que permite a análise de amostras complexas, como a urina humana (SKOOG, HOLLER, NIEMAN, 2002). A técnica emprega colunas recheadas e uma fase móvel, eluída sob altas pressões. Tem a capacidade de realizar, em minutos, separações e análises quantitativas de uma grande variedade de compostos presentes em vários tipos de amostras, com alta resolução, eficiência e detectabilidade (COLLINS, et al, 2006). Na CLAE, sistemas automatizados injetam a amostra – composta pela fração a ser identificada, previamente obtida por extração –, realizam a separação, exibem as áreas dos picos e os tempos de retenção. A identificação das espécies é possível através da comparação dos tempos de retenção encontrados com os de padrões, ao passo que a concentração é calculada pela área dos picos (COLLINS, et al, 2006). A figura 3 demonstra a ilustração da aparelhagem, como pode ser verificado a seguir. Figura 3: Esquema da CLAE Fonte: DEGANI, A. L. G. et al. http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc07/atual.pdf A melhor resolução da CLAE está relacionada à utilização de fases estacionárias de partículas menores, aumentando a interação entre a coluna e os 33 componentes da amostra, que são separados de acordo com o grau de interação com a fase estacionária. Essa maior interação confere uma grande resistência à vazão da fase móvel. Assim, diferentemente da cromatografia líquida clássica, na qual a fase móvel é eluída apenas pela força da gravidade, na CLAE emprega-se uma bomba de alta pressão que elui a fase móvel em velocidade controlada, o que facilita a separação (DEGANI, CASS, VIEIRA, 1998). Ainda segundo Degani et al (1998), as fases móveis utilizadas devem possuir alto grau de pureza; a bomba deve proporcionar vazão contínua, sem pulsos, com alta reprodutibilidade, possibilitando a eluição da fase móvel num fluxo adequado à separação; e as colunas geralmente são reaproveitáveis, feitas de aço inoxidável e empacotadas com suporte de alta resolução. Assim, baseando-se na necessidade de doseamento mais preciso do metotrexato, Pioto (2007) realizou um estudo de biodisponibilidade com 25 voluntários sadios, o qual teve como objetivo desenvolver um método sensível, preciso e reprodutível para determinar quantitativamente o metotrexato em plasma humano. Para tanto, foi empregada a Cromatografia Líquida Acoplada a Espectrômetro de Massas. A leucovorina foi utilizada como padrão interno, escolha baseada na presença de grupos funcionais e propriedades físico-químicas similares. Amostras de plasma branco foram analisadas e verificou-se que não há interferentes tanto para o analito quanto para o padrão interno. O método permitiu, portanto, a quantificação do metotrexato de forma rápida, sensível e seletiva, apresentando um tempo de corrida analítica de 3,5 minutos e limite de quantificação de 10 ng.mL-1. 34 4. DISCUSSÃO O tratamento do osteossarcoma com altas doses de metotrexato requer uma correta monitorização, a fim de minimizar a incidência de efeitos tóxicos. Os métodos convencionais utilizados pela prática clínica para monitorização baseiam-se na concentração sérica do fármaco e na creatinina sérica, estimando a taxa de depuração através da fórmula de Schwartz. O caráter generalista da fórmula, considerando a idade e a altura das crianças frente à concentração sérica para estabelecer a taxa de filtração glomerular, conduz a distorções dos reais valores de eliminação do metotrexato e de seus metabólitos. Sabe-se que, em altas concentrações, há formação de 7-OH-metotrexato – um metabólito pouco solúvel em água que pode sofrer precipitação nos túbulos renais – e de formas poliglutamadas, que constituem um mecanismo de aprisionamento do fármaco dentro das células. Esses poliglutamatos possuem a propriedade de, a qualquer momento, serem convertidos à forma ativa de metotrexato livre na circulação sanguínea. Apesar de o mecanismo ainda não ser totalmente compreendido, acredita-se que essa conversão pode originar picos de concentração sérica do fármaco, potencializando os efeitos tóxicos. Na prática clínica, a dosagem do metotrexato sérico é feita principalmente por ensaios imunoenzimáticos, como o tipo EMIT. Apesar de apresentarem vantagens, como praticidade e rápida determinação, esses ensaios apresentam reduzida sensibilidade e especificidade, sofrendo interferências de outros compostos endógenos e reatividade cruzada, não distinguindo o metotrexato de seus metabólitos. 35 Em esquemas de altas doses, nos quais há formação de metabólitos tóxicos como o 7-OH-metotrexato, a dosagem sérica de metotrexato por esse método poderá, portanto, superestimar a real concentração sérica do fármaco, implicando em doses equivocadas de leucovorina de resgate. A leucovorina, por sua vez, apesar de ser utilizada para reverter o bloqueio metabólito das células normais, pode induzir à precipitação do fármaco nos túbulos renais, aumentando o risco de nefrotoxicidade. Sabe-se também que a leucovorina não é capaz de reverter todos os efeitos tóxicos. Segundo LaCasce (2009), dados in vitro sugerem que a recuperação por leucovorina não é total quando as células são expostas a concentrações superiores a 100 micromols. Um estudo retrospectivo realizado com 13 pacientes, com níveis de MTX superiores a 100 micromols nas 24 horas e a 10 micromols nas 48 horas, evidenciou a reversão do bloqueio metabólico com leucovorina, associado à alcalinização e hidratação. Esses pacientes, no entanto, apresentaram morbidade a curto prazo, principalmente mielossupressão, mucosite e diarréia (LACASCE, A. S. 2009). Assim, diante de um conjunto de fatores que podem potencializar a toxicidade do metotrexato, torna-se imprescindível o doseamento dos níveis séricos e do clearance dessa droga. Os métodos atualmente adotados na prática clínica podem não traduzir as concentrações reais, expondo os pacientes a um elevado risco de toxicidade. A tabela 5 demonstra uma comparação entre o ensaio imunoenzimático do tipo EMIT, usado na prática clínica para monitorização, e a cromatografia líquida de alta eficiência, que apresenta grandes vantagens sobre o outro método, como pode ser verificado a seguir: 36 Tabela 5: Comparativo de métodos – EMIT versus CLAE Critérios Tempo de análise EMIT CLAE 15 segundos 3,5 minutos Determina a concentração total do metotrexato (conjugado a proteínas ou livre), mas não diferencia compostos estruturalmente relacionados, como metabólitos. Capaz de distinguir, através dos tempos de retenção, compostos estruturalmente relacionados, como o metotrexato e o 7-OHmetotrexato LIQ 0,3 µmol.L -1 10 ng.mL-1 Vantangens Determinação simples. Pouco tratamento da amostra. Resultados rápidos. Alta resolução. Boa análise qualitativa. Resultados quantitativos com grande precisão, com desvios inferiores a 0,5%. Alto custo da instrumentação. Necessidade de experiência no manuseio. Especificidade Desvantagens Interferência de compostos endógenos. Reatividade cruzada. Fonte: Adaptado de COLLINS, C. H. et al. Fundamentos de cromatografia. Unicamp: Campinas, São Paulo. 2006; SYVA COMPANY. . Emit: Methotrexate Assay. São Paulo, SP. 1996 Assim, diante das vantagens da CLAE apresentadas na tabela 5, apesar do alto custo da instrumentação, é possível adaptar a utilização dessa técnica à necessidade do Sistema Único de Saúde. A terceirização dos exames para laboratórios de análises toxicológicas conveniados, que possuem equipamentos avançados, muitas vezes em regime de comodato, pode viabilizar a monitorização por essa técnica. Essa parceria já é observada em alguns estados para outras análises, como doseamento de drogas de baixo índice terapêutico ou exposição ocupacional a metais pesados e outros contaminantes. 37 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A oncologia compreende um vasto campo de estudo, no qual muitos aspectos ainda precisam ser compreendidos. O tratamento quimioterápico realizado em esquemas de politerapia visa assegurar maior controle do curso da doença, conjugando mecanismos de ação farmacológica distintos. Verifica-se, no entanto, que esses esquemas podem responder por maior incidência de efeitos adversos secundários, muitos desses limitantes da qualidade de vida dos pacientes. No tratamento do osteossarcoma, os esquemas adotados incluem o metotrexato em altas doses com leucovorina de resgate. Contudo, o metotrexato está associado a reações adversas importantes que podem ser minimizadas ou ainda prevenidas pela correta monitorização. Diante dos efeitos tóxicos, a terapia do osteossarcoma com esquemas de altas doses de metotrexato não é consenso na prática clínica. Apesar de alguns autores acreditarem nos efeitos benéficos desse fármaco no controle do tumor e na redução da incidência de metástases à distância, ainda não há real comprovação desse benefício. Uma revisão sistemática realizada por Van Dalen e Camargo (2009) comparou esquemas com metotrexato e sem metotrexato no tratamento de osteossarcoma de alto grau em crianças e jovens (até 21 anos). Os critérios de seleção da revisão incluíram ensaios controlados randomizados ou ensaios clínicos controlados. Segundo a revisão, os principais protocolos clínicos são baseados na combinação de duas ou mais drogas, como doxorrubicina, cisplatina, ifosfamida e 38 metotrexato. As análises da taxa de resposta (número de pacientes com uma resposta completa ou parcial) não demonstraram nenhuma evidência de uma diferença significativa entre os grupos de tratamento. Em todos os estudos analisados, não há como assegurar que os resultados diferem apenas pela presença ou ausência do metotrexato, visto que os esquemas apresentam combinação de drogas. Na comparação das doses de metotrexato, percebeu-se que uma maior dose apresenta melhor eficácia antitumoral, mas também conduz à maior freqüência de toxicidade. Assim, segundo Van Dalen e Camargo (2009) não há como concluir sobre a eficácia no controle do tumor e sobre os efeitos na qualidade de vida dos pacientes. Enfim, ainda há muito a ser descoberto e compreendido sobre a terapia oncológica, seja com a inserção de novos tratamentos ou com o aperfeiçoamento dos atuais. Enquanto isso, estratégias de otimização do tratamento podem ser adotadas e a monitorização terapêutica constitui uma ferramenta válida para a prevenção ou minimização dos problemas relacionados aos medicamentos, contribuindo com a implementação da política de uso racional. Sob o contexto de vigilância em saúde, essas estratégias de monitorização enquadram-se no âmbito da farmacovigilância, que visa à detecção, prevenção e controle das reações adversas aos medicamentos. Atualmente, o fortalecimento da farmacovigilância é um dos maiores desafios da Assistência Farmacêutica do Brasil, permitindo a redução dos custos para reversão dos danos causados e assegurando maior qualidade de vida aos pacientes. 39 REFERÊNCIAS ACKLAND, S. P., SCHILSKY, R. L. Journal of Clinical Oncology. 1987. v. 5. n.12. p. 2017-2031. Disponível em: http://jco.ascopubs.org/. Acesso em: 15/01/2010. ALARCÓN, G.S., et al. Risk factors for methotrexate-induced lung injury in patients with rheumatoid arthritis: a multicenter, case-control study. Annals of Internal Medicine. 1997. v.127. p. 356-64. Disponível em: http://www.annals.org/. Acesso em: 12/01/2010. ALIMENA, L. J. M. et al. Protocolo de um banco de dados de tecidos neoplásicos. Revista Brasileira de Ortopedia. 2008. 43(3):53-58. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbort/v43n3/a01v43n3.pdf. Acesso em: 12/11/2009. ARONOFF, G. R. et al. Drug Prescribing in Renal Failure: Dosing Guidelines for Adults and Children. 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