162 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170 M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal Infecção por fungos e Transplante Renal: Análise nos primeiros 500 pacientes transplantados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP Miguel Moysés Neto, Valmir Muglia, Maria Estela P. N. Batista, Tania Marisa Pisi, Luciana T. S . Saber, Agenor Spallini Fer raz, Haylton Jor ge Suaid, Adauto José Cologna, José Fer nando de Castro Figueiredo Foram avaliados, em estudo retrospectivo, os primeiros 500 pacientes transplantados renais do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, com relação ao acometimento por infecções fúngicas (“micoses profundas”). Setenta e seis pacientes apresentaram um total de 82 episódios de infecção por esse tipo de agente. O trato respiratório, o sistema nervoso central, e o trato urinário foram os locais mais frequentemente acometidos- 54 episódios (65,6%). Os agentes mais frequentes foram Candida sp e Cryptococcus sp perfazendo um total de 56 casos (68,3%). Foram ainda isolados: Aspergillus sp, Paracoccidioides sp, Mucor sp, Histoplasma sp, Aureobasidium sp, Rhodotorula sp , Trichophyton sp. A alta taxa de mortalidade e a dificuldade de diagnóstico precoce chamaram a atenção, mostrando a necessidade de investigações mais persistentes e constantes, e tratamento precoce, nos pacientes suspeitos. Departamentos de Clínica Médica e de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e Unidade de Transplante Renal do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto -USP- Ribeirão Preto- SP Endereço para correspondência: Dr.Miguel Moysés Neto, Departamento de Clínica Médica, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - Fazenda Monte Alegre. Ribeirão Preto - SP - CEP 14100 Fone: (016) 623-4083 - Fax (016) 623-7943 Micoses, Transplante renal, Paciente imunossuprimido Mycoses, Kidney transplant, Immunosuppressed patient Introdução As infecções fúngicas incluem algumas das doenças mais comuns do homem, como as dermatofitoses e candidíases de pele. Entretanto, em anos recentes, as micoses sistêmicas têm aumentado sua incidência e importância, particularmente nos pacientes com doenças neoplásicas e transplantes de órgãos, sendo que a mortalidade, a despeito do tratamento instituido, permanece muito elevada, em parte porque o diagnóstico é tardio. 1,2 A ocorrência de infecção no transplantado está relacionada a dois fatores: o estado de imunossupressão do paciente e a exposição aos comunicantes, em especial aos riscos nosocomiais, desde a instrumentação invasiva até a contaminação hospitalar. 3,4,5 Cerca de 80% dos pacientes transplantados têm, pelo menos, 1 episódio de infecção no primeiro ano após o transplante, com risco maior do que a população em geral de contrair infecção oportunista. 4 As infecções fúngicas, que afetam o paciente transplantado renal, podem ser consideradas como pertencentes a duas categorias gerais: a) micoses sistêmicas geograficamente restritas (histoplasmose, coccidioidomicose, paracoccidioidomicose), as quais raramente causam infecção disseminada no transplantado, b) fungos invasivos oportunistas como Candida sp, Aspergillus sp, Cryptococcus sp, Mucoracae sp, que raramente causam doença no hospedeiro normal. 3,6,7 Outros tipos de fungos podem, mais raramente, provocar infecções como Tricosporon sp, Fusarium sp, Bipolaris sp. 2,8 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170 163 M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal O objetivo desse trabalho foi estudar as infecções por fungos em pacientes transplantados renais, com ênfase nos aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos. Material e Métodos Foram avaliados, de maneira retrospectiva, os casos de infecção fúngica que ocorreram nos primeiros 500 pacientes submetidos a transplante renal no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRPUSP),de fevereiro de 1968 até dezembro de 1992 , através de seus respectivos prontuários, além de consultas a relatos anteriores. 9,10 Consideraram-se somente os casos em que foram acometidos mucosas e órgãos, denominando-as como micoses profundas, e também os casos em que a pele e o subcutâneo foram lesados ou por disseminação ou por agentes etiológicos não habituais nesses locais. Não foram considerados, portanto, os casos de ptiríase versicolor ou as tinhas de maneira geral. Considerou-se infecção fúngica quando, além do quadro clínico compatível, um fungo era identificado em cultura e/ou visualizado em preparações histológicas obtidas de biópsias ou necrópsias. A revisão dos prontuários foi feita segundo um protocolo padronizado, o que permitiu a análise dos seguintes parâmetros: número total de pacientes que apresentaram infecção fúngica; número de episódios de infecção fúngica; época do aparecimento da infecção em relação ao transplante; sítios anatômicos acometidos e agentes etiológicos identificados. Para cada um dos fungos mais frequentemente implicados como causadores da infecção, analisou-se também a sua ocorrência em relação à época do transplante; o local acometido, o número de casos que receberam tratamento específico e o número de óbitos atribuíveis à infecção fúngica propriamente dita. Resultados A- Dados Gerais Setenta e seis (15,2%) pacientes apresentaram um total de 82 episódios de infecção por fungos. Em 21 casos, o diagnóstico foi feito somente após a necrópsia (25,6%). Vinte e cinco casos receberam pulso de metilprednisolona previamente (30,4%), considerando-se o período de 1 mês entre o pulso e o aparecimento do quadro infeccioso. Notou-se um grande número de ocorrências nos primeiros meses, porém, a incidência maior ocorreu após o primeiro ano do enxerto (Tabela 1). Tabela 1 Número de episódios de infecção fúngica de acordo com o tempo decorrido após o transplante renal em pacientes transplantados do HCFMRPUSP TEMPO PÓS TRANSPLANTE NÚMERO DE EPISÓDIOS % 19 05 11 47 23,1 6,0 13,4 57,3 0 a 3 meses 3 a 6 meses 6 a 12 meses maior que 12 meses O Trato Respiratório, Sistema Nervoso Central (SNC), Trato Urinário foram os locais mais frequentemente acometidos (65,6%). Em 12,1% dos casos (10 episódios), a infecção fúngica foi considerada disseminada (Tabela 2). Tabela 2 Topografia em 82 episódios de infecção fúngica nos transplantados renais do HCFMRPUSP. TOPOGRAFIA Trato respiratório Sistema Nervoso Central Trato urinário Trato gastrointestinal Pele e subcutâneo Laringe Pálato Disseminada NÚMERO DE EPISÓDIOS % 20 19 15 10 6 1 1 10 24,3 23,1 18,2 12,1 7,3 1,2 1,2 12,1 Os agentes mais frequentes foram Candida sp e Cr yptococcus sp, perfazendo um total de 56 casos (68,3%). Em 9 episódios, não foi possível a identificação do fungo. (Tabela 3) Tabela 3 Agentes etiológicos (Gênero) em 82 episódios de infecção fúngica em pacientes transplantados renais no HCFMRPUSP. AGENTE ETIOLÓGICO Candida Cryptococcus Asper gillus Paracoccidioides Mucor Histoplasma Aureobasidium Rhodotorula Trichophyton Fungos não identificados NÚMERO DE EPISÓDIOS % 32 24 5 3 3 3 1 1 1 9 39,0 29,2 6,0 3,6 3,6 3,6 1,2 1,2 1,2 10,9 164 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170 M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal B- Infeccões fúngicas mais frequentes Candidíase: A infecção por Candida sp foi a mais frequente. (Tabelas 4, 5, 6) No total foram verificados 32 casos em 30 pacientes, sendo que 17 (53,1%) haviam recebido previamente pulso de metilprednisolona para rejeição aguda, e, desses pacientes, 4 foram a óbito pela candidíase. A espécie mais prevalente foi Candida albicans, seguida de Candida tropicalis. A candidíase ocorreu com muita frequência nos primeiros 3 meses (31,2%), mas se distribuiu em várias épocas após o transplante renal, mesmo após o primeiro ano. O local mais comum de infecção foi o trato urinário, seguido do esôfago e pulmão. Alguns casos, apesar de não terem sido tratados, apresentaram boa evolução. Os óbitos ocorreram mais frequentemente quando os pulmões estavam acometidos, fato indicativo de disseTabela 4 Espécies de Candida isoladas nos episódios de infecção fúngica em pacientes transplantados renais do HCFMRPUSP ESPÉCIE DE CANDIDA NÚMERO DE CASOS % 19 4 3 1 5 59,3 12,5 9,3 3,1 15,6 C. albicans C. tropicalis C. glabrata C. Parapsilosis Candida sp Tabela 5 Tempo de aparecimento da infecção por Candida sp pós transplante renal em transplantados renais do HCFMRPUSP TEMPO DE APARECIMENTO NÚMERO DE CASOS % 10 4 5 13 31,2 12,5 15,6 40,6 até 3 meses 3 a 6 meses 6 meses a 1ano maior que 1 ano minação da doença. Os casos comprovadamente disseminados mostraram uma alta taxa de mortalidade mesmo com tratamento. Um único caso em que houve crescimento de Candida parapsilosis em hemocultura não foi tratado e evoluiu bem. Criptococose O Cr yptococcus neoformans foi o segundo agente etiológico mais frequente (prevalência de 4,6% na população total de transplantados, perfazendo um total de 24 episódios em 23 pacientes (Tabela 7). A maioria dos episódios ocorreu no período de 2 anos pós transplante. (68,0%). O local mais frequente de infecção foi o Sistema Nervoso Central (SNC) isoladamente, ou associado a outras localizações. Praticamente, metade deles evoluiu para o óbito. A boa evolução nos casos em que a pele estava comprometida, provavelmente foi devido ao diagnóstico mais precoce da infecção (Tabela 8). Outras Micoses Micoses menos frequentes foram identificadas em 18 pacientes. Os fungos responsáveis pelas infecções, a época de seu aparecimento, a topografia do processo infeccioso e sua evolução encontram-se resumidos na Tabela 9. Os casos de aspergilose, mucormicose e Rhodotorula apareceram mais precocemente, tenderam à disseminação e tiveram alta mortalidade. Em contraposição, os casos de paracoccidioidomicose, histoplasmose, Aureobasidium e cromomicose tiveram aparecimento mais tardio e predominaram nas formas localizadas de infecção, com melhor prognóstico. Um único caso de infecção disseminada, fatal, por Tr ychophyton, foi registrado em fase tardia do transplante. Em 8 casos, não foi possível a identificação do fungo. Desses, sete faleceram em consequência da gravidade dos quadros clínicos e do diagnóstico tardio da infecção. Tabela 6 Local da infecção e evolução dos episódios de candidíase, de acordo com o tratamento nos transplantados renais do HCFMRPUSP LOCALIZAÇÃO Trato Urinário Esôfago Pulmão Trato Gastro Intestinal Subcutâneo Disseminada NÚMERO DE EPISÓDIOS NÚMERO DE CASOS TRATADOS NÚMERO DE CASOS COM BOA EVOLUÇÃO ÓBITOS 13 7 6 2 1 3 7 1 5 0 0 2 12 6 3 2 1 1 1 1 3 0 0 2 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170 165 M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal Tabela 7 Número de episódios de infecção por Cryptococcus sp de acordo com o tempo decorrido após o transplante renal, nos pacientes do HCFMRPUSP TEMPO DE APARECIMENTO PÓS TRANSPLANTE NÚMERO DE CASOS % 2 3 3 16 8,3 12,5 12,5 66,6 menor que 6 meses entre 6 meses e 1 ano entre 1 a 2 anos maior que 2 anos trar a correlação anatomo-clínica em casos de transplantados renais, que foram a óbito no HCFMRPUSP, verificou que o diagnóstico etiológico foi suspeitado em vida em apenas 43,0% dos casos. 13 A presença de lesões orais ou cutâneas pode sugerir etiologia fúngica e deve, nesse caso, ser avaliada a possibilidade de biópsia. 8,14 Candidíase: Discussão Aspectos Gerais Os achados mostram-nos a importância das infecções fúngicas no transplantado renal, com alta morbidade e mortalidade nessa população. Reis e cols. 10 estudaram a causa mortis de 102 pacientes transplantados renais, no HCFMRPUSP, que faleceram no período de 1968 a 1991. Através de estudo necroscópico, concluiram que 18 pacientes (25,3%) haviam falecido em decorrência de infecções fúngicas. Os agentes mais comuns no nosso trabalho foram Candida sp e Cryptoccocus sp, e os locais mais atingidos, o SNC, trato respiratório, urinário e gastrointestinal. Alguns relatos de outros grupos de pesquisa também mostram a importância dessas infecções com predominância de candidíase e criptococose, além de apresentarem taxas elevadas de mortalidade, como aquela aqui verificada. 11,12 Embora suspeitemos com frequência de infecção fúngica invasiva, o diagnóstico é extremamente difícil, uma vez que as hemoculturas e os testes para detecção de anticorpos tem baixa sensibilidade, e a realização de biópsias pode ser dificultada pelas condições gerais do paciente. 8 O diagnóstico clínico é prejudicado pelo polimorfismo do quadro acrescido de manifestações atípicas decorrentes da imunossupressão. Estudo prospectivo, procurando demons- São as infecções fúngicas mais comuns no hospedeiro comprometido, com várias espécies reconhecidamente patogênicas (C.albicans, C.tropicalis, C. krusei, C.parapsilosis, C.glabrata, C.pseudotropicalis.). C.albicans e C. tropicalis são os patógenos mais frequentes. 1,8,15,16,17 Nos nossos casos, a candidíase foi mais frequente no trato urinário (40,6%), principalmente até o terceiro mês após o transplante, seguido do esôfago, num total aproximado de 65% dos casos. Embora infecções fúngicas do trato urinário sejam menos comuns do que infecções bacterianas, tem-se verificado o aparecimento de candidúria em até 20% no pós operatório de transplante renal, provavelmente pelo uso frequente de cateter vesical. 18 Várias espécies de Cândida podem provocar infecção urinária grave, com formação de grumos renais (bezoares) que podem ocasionar cólicas fortes ou mesmo obstrução do fluxo urinário. 18,19 Mimetizando pielonefrite bacteriana, pode coexistir com esse tipo de infecção, ocorrendo 4 vezes mais em mulheres do que em homens. Pode, ainda, provocar ruptura de artéria renal por infecção perirrenal 20,21 . Na maioria dos casos por nós verificado, houve evolução favorável, mesmo sem tratamento. Entretanto, deve sempre existir a suspeita de disseminação em pacientes transplantados renais com candidúria, que deverão ser tratados por serem pacientes de alto risco. O trato gastrointestinal é a maior fonte de candidíase no hospedeiro comprometido, pois enquanto em pessoas normais a colonização ocorre em 20 a Tabela 8 Local da infecção e evolução dos casos de criptococose de acordo com o tratamento LOCAL SNC SNC e outros locais Pulmão e Pele Pulmonar e/ou disseminada Total NÚMERO DE CASOS NÚMERO DE CASOS TRATADOS NÚMERO DE CASOS COM BOA EVOLUÇÃO ÓBITOS 13 4 4 3 24 11 3 4 1 19 5 2 4 1 12 8 2 0 2 12 166 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170 M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal Tabela 9 Infecções fúngicas menos comuns, encontradas nos pacientes transplantados renais do HCFMRPUSP, segundo tempo pós transplante (T X), local da infecção e resposta ao tratamento FUNGO (GÊNERO) NÚMERO DE CASOS (TOTAL) TEMPO PÓS-TX E NÚMERO DE CASOS Asper gillus 5 até 3 meses: 3 mais que 1 ano: 2 Mucor 3 Paracoccidioides LOCAL E NÚMERO DE CASOS NÚMERO DE CASOS TRATADOS NÚMERO DE CASOS COM BOA RESPOSTA ÓBITOS Pulmonar: 1 SNC: 2 Disseminado: 1 2 1 4 até 3 meses: 3 Seio face: 1 SNC: 1 Disseminado: 1 1 1 2 3 mais que 1 ano: 3 Pulmonar: 1 Pálato: 1 TGI: 1 2 2 1 Histoplasma 3 mais que 1 ano: 3 Cordas vocais: 1 Pulmonar: 2 1 1 2 Trichophyton 1 mais que 1 ano Disseminado 0 0 1 Rhodotorula 1 até 3 meses Disseminado 1 1 0 Aureobasidium 1 mais que 1 ano Pele 1 1 0 Cromomicose 1 mais que 1 ano Pele 1 1 0 30% dos casos, em pacientes debilitados pode chegar a 85%. A doença pode progredir da cavidade oral para o esôfago e o diagnóstico é feito geralmente pela endoscopia digestiva e pelo quadro clínico. 8 Em nossos achados, o segundo local de infecção mais acometido foi o esôfago, com um caso evoluindo para óbito, indicando que esse tipo de infecção deva ser tratado assim que diagnosticado.O tratamento recomendado poderia ser com cetoconazol, fluconazol ou itraconazol. 22 A candidíase pulmonar geralmente ocorre por disseminação. Encontramos 5 casos, com 2 óbitos, mostrando a importância e a necessidade de tratamento mais agressivo para essa condição, de preferência com anfotericina B. Observamos 3 casos de candidíase disseminada, um com hemocultura positiva para C. parapsilosis que evoluiu bem, sem tratamento, e 2 outros que foram a óbito (C. albicans em um caso e Candida sp em outro). A alta taxa de mortalidade e frequência de disseminação hematogênica são indícios contrários ao conceito de candidemia transitória ou benigna. Assim, todos os pacientes com candidemia, independentemente de sua fonte ou duração, devem receber tratamento antifúngico. 23 Alguns estudos sugerem que tanto a anfotericina B como o fluconazol podem ser igualmente eficazes para tratamento de candidíase em casos sem neutropenia (basicamente candidemia por cateteres). No caso de candidíase disseminada, é prudente iniciar o tratamento com anfotericina B, até que o paciente se estabilize. 6,16,23 O fluconazol é escolhido para tratamento de infecção urinária por Candida por sua alta concentração renal. 23 Quanto ao itraconazol, ativo in vitro contra várias espécies de Candida, não tem ainda sua eficácia plenamente estabelecida. 23,24 Criptococose O Cr yptococcus neoformans é comumente encontrado em vegetais, no solo, bem como em fezes de aves, 8,25 e é adquirido, mais frequentemente, pelo ar inspirado. 16 As infecções criptocócicas mais sérias usualmente ocorrem em indivíduos com imunidade celular defeituosa. 26 É causa comum de meningite fúngica em pacientes imunocomprometidos e normais. 23,27 A apresentação clínica mais comum, usualmente de início gradual, inclui cefaléia, perda da memória, concentração deficiente, sinais de irritação meníngea e paralisia de nervos cranianos. 1,8,25 O acometimento de pele e pulmões é indicativo de disseminação. 28,29 O exame de líquor revela, com frequência, pleocitose linfocítica, hipoglicorraquia e hiperproteinorraquia. 8,30 Baixos teores de glicose, pressão de abertura elevada, quantidade de criptocococos no líquor e presença de fungemia, estão associados a pior prognóstico. 31 O diagnóstico pode ser feito em preparação de tinta da China, com recuperação posterior por cultura no J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170 167 M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal líquor ou hemocultura.A pesquisa de antígeno criptocócico no líquor é também útil no diagnóstico. 25 O agente etiológico mais comum no nosso meio foi o C.neoformans (23 casos). Em um paciente foi isolado o C. luteolus. Na grande maioria dos casos (66,6%), a criptococose foi complicação tardia, aparecendo após 2 anos ou mais do transplante. Predominou o acometimento neurológico grave, por lesões cerebrais e medulares. A esse respeito, a precocidade do diagnóstico, ensejando terapias mais rápidas, pode melhorar o prognóstico. 28 Em quatro casos por nós estudados, com acometimento cutâneo, a biópsia de pele permitiu diagnóstico precoce e a terapêutica com anfotericina B, resultou em cura completa de todos eles. Aspergilose O A. fumigatus e o A. flavus são as duas espécies mais comumente encontradas no hospedeiro comprometido. 8 Esses agentes são saprófitas ubíquos no meio ambiente, geralmente encontrados em meios orgânicos em decomposicão, podendo ser também encontrados em vasos de plantas, espaços cheios de poeira e em condimentos alimentares como pimenta, por exemplo. 8,1,16,32 A aspergilose resulta da aspiração de esporos dentro e fora dos hospitais, particularmente quando há refor mas ou construções desses nosocomios, podendo haver contaminação nos sistemas de ventilação. 1,8 No presente estudo, foram encontrados 5 casos de aspergilose, sendo dois casos com acometimento pulmonar, 2 atingindo o Sistema Nervoso Central, e um paciente com quadro séptico por esse agente. Quatro pacientes faleceram e 1 se curou com o tratamento. Um paciente, que apresentava septicemia por Aspergillus, tinha, também, infecção concomitante com fungo do gênero Mucor, apresentou obstrução fúngica coronariana e infarto agudo do miocárdio.Há relatos de caso de miocardite, determinada por Aspergillus. 33 Raramente as hemoculturas são positivas, a cultura de escarro tem valor limitado, devido ao fato de que pode ser encontrado em 15% de pessoas normais e devido ao alto número de resultados negativos em aspergilose invasiva confirmada. Por outro lado, amostra de escarro de pacientes imunossuprimidos em que se isola A. fumigatus ou A. flavus, pode ser altamente preditivo de aspergilose invasiva. 1 A biópsia pulmonar oferece subsídios para o diagnóstico em número expressivo de casos (92%). A sua indicação, é, entretanto, limitada aos casos não muito graves, aptos a suportar esse procedimento ci- rúrgico 1. Verificamos dois casos de aspergilose do SNC,que foram a óbito apesar do tratamento, com diagnóstico feito pela necrópsia. O quadro pode se apresentar como síndrome tipo AVC, convulsões, meningite. Infiltrados pulmonares são encontrados em praticamente todos os casos no tempo de aparecimento dos sintomas neurológicos. 34 O rim também pode, eventualmente, ser afetado com prognóstico ruim para o enxerto. 35 Raramente a aspergilose se manifesta após 12 meses de transplante e em transplantados renais é, frequentemente, fatal, daí a importância do diagnóstico precoce e valorização da cultura positiva em pacientes imuinossuprimidos de acordo com o quadro clínico. 36 O tratamento é feito preferencialmente com anfotericina B,com dose acumulada total média de 2 a 3 g. O uso de itraconazol tem sido boa alternativa terapêutica. 24 Mucormicose Os microorganismos causadores da doença pertencem a 4 famílias da ordem das mucorales, membros da classe zigomiceto (phycomiceto), incluindo 3 gêneros da família mucoracae: Absidia, Mucor e Rhizopus, patógenos clássicos em hospedeiros comprometidos, notadamente em diabéticos descompensados. 8,37 O diagnóstico é sempre feito quando se encontram, na histologia, hifas não septadas, de forma irregular e amplas. A cultura é fundamental para o diagnóstico definitivo 37 As mucoracae são encontradas universalmente no solo, esterco, vegetação em decomposição e outras matérias orgânicas, não são patogênicos, e hospedeiros normais raramente são infectados. 8,38 Foram descritas as seguintes formas de mucor micose: a) cerebrorinoorbital (a mais comum), b) pulmonar, c) SNC, d) gastrointestinal, e) feridas de queimaduras, f) endocardite. 8,16,38,39 A forma rinocerebral é particularmente grave, com evolução fulminante. O quadro se inicia, caracteristicamente, pela cavidade nasal, às vezes sob forma de uma úlcera negra, com cefaléia unilateral e congestão nasal dos seios paranasais ou palato, e aí se espalhando pela órbita, eventualmente para estruturas intracranianas através da veia oftálmica, fissura supra-orbital, podendo causar oftalmoplegia, paralisia facial e edema de face. 8,29 A terapêutica precoce com anfotericina B, associada com a ressecção cirúrgica, é o tratamento de escolha. 37,38 A forma pulmonar é a segunda em frequência da localização da infecção. 37 Obser vamos um caso de mucormicose rinocerebral que evoluiu para óbito, cujo tratamento foi iniciado tardiamente, 168 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170 M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal um caso de infecção do SNC (meningite) que evoluiu para cura e um quadro de disseminação hematogênica, que causou obstrução de artéria coronária, provocando infarto do miocárdio, causa básica do óbito.Esse último caso, conforme já foi relatado, apresentava também aspergilose invasiva. Micoses Endêmicas (Histoplasmose, Paracoccidioidomicose) Histoplasmose: O Histoplasma capsulatum é encontrado em várias partes do mundo e frequentemente infecta indivíduos normais, causando doença grave em doentes imunodeprimidos. 8,16 Seu habitat natural é o solo, particular mente aqueles contaminados por fezes de morcegos e aves, devido à alta concentração de nitrogênio no solo. 8,16 A infecção pode permanecer dormente por vários anos após a primo-infecção, e se tornar clinicamente aparente quando o hospedeiro está imunologicamente comprometido 8,16,40 Pode ocorrer lesão primária pulmonar, mimetizando tuberculose, podendo se disseminar, o que ocorre tipicamente no hospedeiro imunodeprimido. O diagnóstico pode ser feito através de isolamento a partir de lesões da pele, crescimento nas culturas, exames da medula óssea e secreções respiratórias. 8,40 O modo mais frequente de adquirir a infecção é por inalação. Há casos descritos de transmissão através do orgão de cadáver recebido pelo receptor, 41 e casos de insuficiência renal ou obstrução por invasão do tecido renal. 42, 43,44 Registramos um caso de histoplasmose que foi detectada em cordas vocais, tendo sido tratado com anfotericina B com boa resposta e dois outros casos que foram a óbito com o diagnóstico feito somente na necrópsia, como infecção pulmonar e disseminada. Um dos casos que foi a óbito apresentava lesões de pele algumas semanas antes. Também nesses casos, a anfotericina B é o tratamento de escolha, com dose total acumulada média entre 2,0 a 3,0g. 40 O itraconazol pode ser a droga inicial em casos menos graves. 23 Paracoccidioidomicose Essa doença, como a histoplasmose, é uma micose endêmica que eventualmente pode provocar doença em imunodeprimidos. Na nossa casuística, encontramos 3 casos, um dos quais no trato gastro- intestinal, diagnosticado após o óbito. O paciente vinha apresentando diarréia e emagrecimento. Outros dois pacientes, um com acometimento pulmonar e outro com lesões na mucosa do pálato, evoluiram bem, após tratamento com sulfadiazina. Constituem alternativas terapêuticas: associação sulfametoxasoltrimetroprim, anfotericina B, ketoconazol e o itraconazol. 23 Outros fungos: Outros agentes podem ser mais raramente encontrados como oportunistas no hospedeiro imunocomprometido. Aureobasidium pullulans foi recuperado de uma lesão de pele no membro inferior direito e evoluiu bem após tratamento com anfotericina B. Comumente, esse é um agente que coloniza a superfície de plantas como a videira, saprófita, cuja porta de entrada é desconhecida, porém pode provocar doença sistêmica grave. 45 Um outro agente, Rodothorula sp foi isolado em hemocultura de um paciente que evoluiu bem após tratamento com anfotericina B.O mesmo paciente apresentava também infecção urinária por Candida sp. Infecção disseminada e fatal pelo Tr ychophyton rubrum ocorreu em um único caso. Esse paciente recebeu somente tratamento local em lesão de pele e do subcutâneo. Um caso de cromomicose, tratado somente com ressecção cirúrgica, evoluiu para cura. Em 8 casos, determinados por fungos não identificados, houve alta taxa de mortalidade por serem muito graves e não diagnosticados em tempo. Desses, somente 4 receberam tratamento antifúngico. Temos verificado um aumento da incidência de infecção fúngica em pacientes transplantados renais nos últimos anos. Isso decorre, em parte, pelo aumento do número de transplantes, aumento do número de procedimentos invasivos e por técnicas mais apuradas de diagnóstico. Em contrapartida, esquemas menos intensos de imunossupressão, aliados à valorização adequada dos resultados microbiológicos e tratamento precoce, contribuem para a diminuição da alta taxa de mortalidade nesses casos. 46 Lembramos também que, naqueles casos em que não há resposta relativamente mais rápida ao tratamento instituido para infecção supostamente bacteriana , deve-se aventar a hipótese de infecções por outros agentes e, se indicado, iniciar o tratamento antifúngico de maneira empírica. Apesar do grande avanço provocado pelo aparecimento dos imidazóis, a anfotericina B continua sendo o tratamento preferencial nos casos mais graves e com suspeita de disseminação. J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 162-170 169 M. Moysés Neto et al - Infecção por fungos e transplante renal Summary The first 500 kidney transplants from Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, were evaluated , in a retrospective study, to search the incidence of fungal infections. Seventy six patients showed a total of 82 episodes. The most frequent infected organs were: respiratory tract, central nervous system, and urinary tract, accounting for 54 episodes (65,6%). The most frequent pathogens were: Candida sp and Cr yptococcus sp, accounting for 56 cases (68,3%). Other isolated pathogens: Asper gillus sp, Paracoccidioides sp, Mucor sp, Histoplasma sp, Aureobasidium sp, Rhodotorula sp, Trichophyton sp. The high mortality rates and difficulty of diagnosis, showed the necessity of more intensive and constant investigations, and the need to start an early treatment in the suspicious cases. Referências 01. Tang CM, Cohen J. Diagnosing fungal infections in immunocompromised hosts. J Clin Path. 1992; 45:1-5 02. Hay RJ. Overview of the treatment of disseminated fungal infections. J. Antimicrob. Therapy. 1991; 28:Suppl.B:17-25 03. Rubin RH, Tolkoff-Rubin NE. The impact of infection on the outcome of transplantation. Transpl Proceedings. 1991; 23 (4):2068-2074 04. 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