Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital

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Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Diretrizes para o Diagnóstico e
Tratamento de Endocardite Infecciosa
Lorena Pestana
Claudio Querido
“A endocardite infecciosa aguça o interesse do médico sobre o
desenrolar de um processo infeccioso”
William Bart Osler, 1893
Introdução
A endocardite infecciosa (EI) é uma doença peculiar. Sua incidência e
mortalidade da doença não têm diminuído nos últimos 30 anos. Apesar dos
grandes avanços, tanto nos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, a
doença ainda carrega um mau prognóstico e uma alta mortalidade. É uma
doença uniforme, mas apresenta uma variedade de diferentes formas, variando
de acordo com a manifestação clínica inicial, a doença cardíaca subjacente (se
houver), do microorganismo envolvido, a presença ou ausência de
complicações e características do paciente. Por esta razão, é necessária uma
abordagem colaborativa, envolvendo médicos de cuidados primários,
cardiologistas, cirurgiões, microbiologistas, infectologistas, e freqüentemente,
neurologistas, neurocirurgiões, radiologistas e patologistas.
2
Definição
É um processo infeccioso que acomete o endocárdio. Geralmente
envolve a superfície valvular, alguma anormalidade cardíaca, a corda tendínea
ou até mesmo o endocárdio mural.
É causada principalmente por:





Staphylococcus
Streptococcus do grupo viridans
Streptococcus epidermidis
Enterococcus
Gram negativos
2. Epidemiologia
Houve uma mudança do perfil epidemiológico, principalmente em países
desenvolvidos. Havia um predomínio de acometimento em adultos jovens com
doença valvar reumática. Atualmente, ocorreu um aumento do aparecimento da
doença em idosos, devido ao maior cuidado em saúde e colocação de próteses
valvares.
Geralmente, é uma doença considerada rara, ocorrendo de 3-10
episódios/100.000 pessoas-anos.
A relação masculino/feminino é de 2:1, acometendo ainda mais homens
que mulheres.
Os fatores predisponentes são:




Próteses valvares
Alterações degenerativas
Abuso de drogas por via intravenosa
Aumento do uso de procedimentos invasivos de risco para
bacteremia
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Fisiopatologia
Válvula
Normal
Lesão
Endotelial
Deposição de plaquetas
e fibrina
Lesões
mecânicas
provocadas pela
turbulência do
fluxo sanguíneo
Ativação da cascata
de coagulação
• Escovação
dentária
• Cateterismos
• Partos vaginais
Endocardite
Trombótica Não
Bacteriana
Aderência de
microorganismos
por Bacteremias COLONIZAÇÃO
Bactérias com fator
de adesão
• CIV
• Insuficiência
mitral e aórtica
• Estenoses
Lesão
Endotelial
valvulares
• Coarctação da
aorta
Apresentação clínica
A evolução do perfil epidemiológico da EI mantém este diagnóstico como
desafio.
A clínica é altamente variável de acordo com o microorganismo
causador, a presença ou ausência de doença cardíaca pré-existente , e a
forma de apresentação.
Por isso, que Endocardite Infecciosa deve ser suspeitada em uma
variedade de diferentes situações clínicas.
Pode apresentar-se como infecção aguda, rapidamente progressiva;
subaguda ou doença crônica com febre baixa e os sintomas não específicos o
que pode frustrar ou confundir avaliação inicial.
Até 90% dos pacientes apresentam febre, muitas vezes associada a
sintomas sistêmicos de calafrios, falta de apetite e perda de peso. Sopros
cardíacos são encontrados em até 85% dos pacientes.
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Estigmas periférico de EI são cada vez mais raros, porém fenômenos
vasculares e imunológicos, como hemorragias, Manchas de Roth e
glomerulonefrite continuam a ser as principais suspeitas diagnósticas. Embolias
para o cérebro, pulmão ou baço ocorrem em 30% dos pacientes.
Também lembrar dos possíveis sinais laboratoriais de infecção,
como a proteína C reativa elevada ou velocidade de sedimentação,
leucocitose, anemia e hematúria microscópica. Mas também não têm
especificidade.
Lembrar que apresentação atípica é comum em idosos ou
immunocompromentidos, onde a febre é menos frequente do que em jovens
indivíduos.
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Principais Sinais e Sintomas:
SINTOMAS
%
SINAIS
%
Febre
80-85
Febre
80-90
Calafrios
42-75
Sopro cardíaco
80-95
Sudorese
25
Embolia
20-40
Anorexia
25-55
Esplenomegalia
15-50
Emagrecimento
25-35
Nódulo de Osler
7-10
Mal estar
25-40
Splinters
5-15
Dispnéia
20-40
Petéquias
10-40
Tosse
25
Lesões de Janeway
6-10
Mialgia/Artralgia
15-30
Manchas de Roth
4-10
Dor no peito
8-35
Manifestações cutâneas
18–50
Náuseas e
Vômitos
Cefaléia
20
Complicações sépticas
20
Aneurisma micótico
20
20
Avaliação clínica
Devido às diversas apresentações possíveis da EI, seu diagnóstico
depende de SUSPEITA e deverá basear-se principalmente em dados clínicos e
epidemiológicos, devendo ser confirmado por exames laboratoriais.
Classificação da endocardite
Colaboram para direcionar o tratamento empírico e avaliam o
prognóstico do paciente.
Classificam-se em:
1. Quanto ao tipo de VÁLVULA acometida:
 Nativa
 Protética
 Precoce < 2 meses
 Intermediaria 2 a 12 meses
 Tardia > 12 meses
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2. Quanto a fatores predisponentes específicos:
 Usuário de droga endovenosas
 Hemodiálise
 Marcapasso endocárdico
 Desfibrilador implantado
3. Quanto à evolução da doença:
 Aguda
 Subaguda
AGUDA
SUBAGUDA
Tempo de doença
< 2 semanas
> 6 semanas
Bacteremia
transitória
Não
Sim
Foco infeccioso atual
ou recente
Sim
Não
Cardiopatia prévia
Sim ou não
Sim
Nódulos de Osler
Sim ou não
Sim
Manchas de Janeway
Sim
Não
Apresentação clínica
Toxemia
Apresentação
insidiosa
4. Quanto ao local de aquisição da infecção:
 Comunitária
 Na comunidade relacionada a procedimentos hospitalares
 Nosocomial
5. Quanto ao agente etiológico:
 Staphylococcus aureus
 Streptococcus do grupo viridans
 Enterococcus faecalis
 Streptococcus bovis
 Staphylococcus coagulase negativo
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ATB após coleta de
HCT
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Rotina laboratorial
A importância de se proceder com cautela na avaliação de um paciente
com endocardite infecciosa, exige fluxogramas para evitar o erro.
A coleta laboratorial ajuda a direcionar e orientar o pensamento
diagnóstico.
Coletar inicialmente:
 HEMOGRAMA:
 Anemia normocítica e normocrômica
 Leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda
 VHS elevada
 EAS: hematúria microscópica, proteinúria e menos comum, leucocitúria.
 Bioquímica: IRA por deposição de imunocomplexos – GNDA
 Fator Reumatóide e VDRL, quando “positivos” - FALSOS POSITIVOS
podem colaborar para o diagnóstico.
 Fundo de olho: Encontrar as manchas de Roth – DIAGNÓSTICO
 HEMOCULTURAS
Hemoculturas:
 EI Aguda
 3 coletas de sítios diferentes com volume de 20mL (10mL frasco
aeróbio e 10mL frasco anaeróbio) por coleta.
 Total de 6 frascos (60mL).
 Intervalo de no mínimo 30min entre as coletas: 0, 30min e 60min.
 Em até 1h, para iniciar ATB empírico.
 Estafilococos, estreptococos e enterococcos.
 Coleta no período febril NÃO aumenta a sensibilidade.
 EI Subaguda
 Colher 3 “sets” de hemoculturas de sítios diferentes nas 24 horas.
E repetir nas próximas 24h, caso negativo.
 Adiar o quanto puder o ATB.
Resultados de hemocultura
Hemocultura positiva
 Estafilococos, estreptococos e enterococcos.
Hemocultura negativa
 Uso prévio de antibiótico.
 Estreptococos, bacilos Gram-negativos do grupo HACEK
 Fungos
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 Bactérias intracelulares como Coxiella burnetii, Bartonella,
Chlamydia, e Tropheryma whipplei (DOENÇA DE WHIPPLE) >
Até 5% Somente com SOROLOGIA.
Taxas de hemoculturas positivas nos hospitais do RJ:
 Hospital Servidores do Estado: Hemocultura positivas em 63% de
todos os casos.
 Hospital de Laranjeiras: Hemoculturas positivas em 64% dos
pacientes e negativas em 36%.
 HUCFF: Hemocultura positiva em 41,7%.
Hemocultura Positivas em 278 episódios definitivos no HUCFF
Staphylococcus aureus
86
30,94%
Streptococcus viridans
83
29,86%
Enterococcus
29
10,43%
Staphylococcus coagulase negativo
20
07,19%
Enterobacterias
14
05,06%
Streptococcus bovis
13
04,69%
Candida
7
02,52%
Streptococcus pyogenes
6
02,16%
Hacek
3
01,08%
O ecocardiograma
Exame muito importante para avaliação de alterações sugestivas do
coração. Pode encontrar diversas alterações que colaboram no diagnóstico e
ajudar no tratamento.
São três os achados principais:
 Vegetação
 Abscesso
 Deiscência nova de uma prótese da válvula
Na suspeita de EI, sugere-se a escolha
Transesofágico, que possui maior sensibilidade.
do
Ecocardiograma
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Sensibilidade dos tipos de Ecocardiograma:
 Eco TransTorácico: 40-63%
 EcoTransEsofágico: 90-100%
Fluxograma do Ecocardiograma:
Métodos diagnósticos após a cirurgia
Como o diagnóstico pré-cirúrgico nem sempre é possível, existem
métodos após ressecção de tecido cardíaco.
1.Técnicas Histológica e Imunológica:
 Padrão Ouro: Exame patológico de ressecção de tecido valvular
ou fragmentos embólicos
 É demorado e caro.
 Coxiella burnetii e Bartonella detectadas por ELISA.
2.Técnicas de biologia molecular:
 A reação em cadeia da polimerase (PCR) permite a rápida e
confiável detecção de agentes exigente e não cultiváveis em
tecido de válvula.
 Extrema sensibilidade: Serve mais para epidemiologia
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E os critérios de Duke?
É importante não considerar APENAS os critérios de Duke para
diagnóstico, pois podem não preencher os critérios e ainda assim ter um alto
nível de suspeição.
Alguns problemas são descritos para reflexão:
 São baseados em evidências clínicas, ecocardiográficas e achados
microbiológicos, com alta sensibilidade e especificidade (80%) para o
diagnóstico.
 Os
critérios
originais
foram
inicialmente
desenvolvidos
para definir casos para estudos epidemiológicos e ensaios clínicos.
 Os critérios de Duke são úteis para a classificação de EI, mas não
substituem o julgamento clínico.
 Existem deficiências quando a sensibilidade dos critérios modificados é
diminuída.
A atenção deve ser sempre voltada para a história, clínica e tempo de
evolução do paciente, associado a exames laboratoriais e de imagem.
Podemos olhar a tabela para ajudar, já que o diagnóstico é criterioso e
difícil.
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Rotina de Acompanhamento
Seguimento
O seguimento da Endocardite Infecciosa deve ser feita criteriosamente
para não acontecer iatrogenias.
O Ecocardiograma TransEsofágico é obrigatório para avaliar
complicações cardiológicas.
As Hemoculturas devem ser diárias até NEGATIVAR.
A duração do tratamento deve ser no mínimo de 2 semanas após a
cirurgia.
O eletrocardiograma deve ser solicitado, principalmente na EI de válvula
aórtica pelo risco de BAV.
Tratamento
Geralmente, o tratamento se baseia em resultados de hemoculturas.
Porém, o rendimento das hemoculturas nos nossos hospitais é muito
INFERIOR ao relatado na literatura estrangeira.
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Por isso, a utilização de esquemas empíricos são muito mais frequentes em
nosso meio.
Indicações de terapia empírica de acordo com a evolução:
 EI Aguda: Início do antibiótico imediatamente após a coleta das
hemoculturas
 EI Subaguda: Inicia-se quando não se consegue definir o agente
etiológico.
Antibioticoterapia
Importância do tratamento multiprofissional e uma equipe médica de
infectologista, cardiologia e cirurgia cardíaca.
Opções terapêuticas de acordo com o tipo e evolução:
1. Terapia Empírica em Valvúla Nativa em EI
AGUDA
ATB
Vancomicina
Oxacilina
Gentamicina
Dosagem
30 mg/kg/dia EV em 2 doses
2 g, EV a cada 4h
Duração
4 - 6 semanas
4 - 6 semanas
EI AGUDA >> Cobertura de Enterococcus e
CaMARSA
Até o resultado da Hemocultura e Antibiograma!
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2. Terapia Empírica em Valvúla Nativa em EI
SUBAGUDA
ATB
Dosagem
Duração
Ampicilina-Sulbactam 12g/dia IV 4 doses
4-6 semanas
Ou
12g/dia IV 4 doses
4-6 semanas
Amoxicilina3mg/kg/dia IV ou IM 2 ou 3
Clavulanato
4-6 semanas
Com GENTAMICINA doses
30mg/kg/dia IV 2 doses
Alérgicos:
3mg/kg/dia IV ou IM 2 ou 3 4-6 semanas
Vancomicina
4-6 semanas
Com GENTAMICINA doses
Com
1000mg/dia VO 2 doses ou 4-6 semanas
CIPROFLOXACINO 800mg/dia IV 2 doses
3. Terapia Empírica em Prótese Valvar PRECOCE
< 2 meses
ATB
Dosagem
Duração
S. aureus, S. Coagulase Negativo, Pseudomonas e Enterobactérias
Vancomicina
GENTAMICINA
RIFAMPICINA
Cefepime
12g/dia IV 4-6 doses
3mg/kg/dia IV ou IM 2 ou 3
doses
1200mg/dia IV ou VO 2 doses
6 semanas
4. Terapia Empírica em Prótese Valvar
INTERMEDIÁRIA
ATB
Dosagem
Duração
S. aureus, S. Coagulase Negativo, Pseudomonas e Enterococos
Vancomicina
GENTAMICINA
RIFAMPICINA
12g/dia IV 4-6 doses
3mg/kg/dia IV ou IM 2 ou 3
doses
1200mg/dia IV ou VO 2 doses
6 semanas
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5. Terapia Empírica em Prótese Valvar TARDIA
ATB
Dosagem
Duração
S. aureus, S. Coagulase Negativo, S. epidermidis
Vancomicina
Oxacilina
GENTAMICINA
RIFAMPICINA
6 semanas
Cirurgia
Indicações para realização de cirurgia:
 Insuficiência Cardíaca
 Infecção descontrolada, com manutenção de sinais clínicos,
septicemia e hemoculturas permanentemente positivas.
 Prevenção de eventos embólicos
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Avaliação das complicações
 Insuficiência Cardíaca – acompanhada pela clínica e EcoTE. Principal
causa de morte.
 Embolia – principal causa de complicações.
 Complicações neurológicas – ao indício de qualquer alteração do nível
de consciência, solicitar TC de crânio e Angiografia.
 Aneurismas infecciosos – Avaliado por Angiografia. Geralmente, remite
com tratamento medicamentoso.
 Abscesso esplênico – Qualquer manifestação de dor abdominal no curso
da doença, solicitar US de abdome para avaliar abscessos e possível
abordagem.
 Miocardite e pericardite
 IRA
 Complicações reumáticas
E a terapia antitrombótica?
Não há nenhuma indicação para o início de antitrombóticos (Trombolíticos,
anticoagulante ou antiplaquetária) durante a fase ativa do EI.
O que ocorre é que geralmente não previnem a embolização na EI e
aumentam o risco de hemorragia intracerebral e, portanto, não são utilizadas
rotineiramente no tratamento.
Nos pacientes com prótese valvar que usam anticoagulante previamente,
esta pode ser mantida. Porém, é necessário o acompanhamento cuidadoso.
Deve-se,
sempre,
suspender
a
anticoagulação,
pelo
menos
temporariamente, se houver sinais de comprometimento do sistema nervoso
central.
Quando indicar profilaxia?
 Considerar pacientes com ALTO risco de EI, como nas seguintes
situações:
- Implante de prótese valvar ou intravascular: considerar profilaxia
perioperatória imediatamente antes do procedimento, repetir se procedimento
prolongado, e terminar após 48h.
- EI prévia
- Algumas doenças cardíacas congênitas:
 Doença cardíaca congênita cianótica, sem cirurgia
reparadora ou defeitos residuais como shunts.
 Doença cardíaca congênita com reparo material protético
por cirurgia ou percutâneo: até 6 meses após reparo.
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

Defeito residual persistente em sítio de implantação de
material ou dispositivo por cirurgia ou percutâneo.
Não é recomendada em outras formas de Doença
Cardíaca congênita ou valvular.
Fazer a profilaxia em pacientes de alto risco associado a um procedimento
que favoreça ao risco de bacteremia, como:
 Procedimento invasivo do trato respiratório ou drenagem de um
abscesso  Penicilina anti-estafilocócica ou cefalosporina. Ou
Vancomicina intolerantes a b-lactâmicos ou MRSA.
 Prevenção de infecção de ferida ou sepse associada a procedimento de
TGI ou GU  Cobertura de enterococos -ampicilina, amoxicilina, ou
vancomicina, se intolerantes a b-lactâmicos.
 Procedimentos que envolvem pele infectada, abcesso oral ou músculoesqueléticas  Cobertura de estafilococos e estreptococos b-hemolítico,
penicilina anti-estafilocócica ou cefalosporina. Vancomicina ou
clindamicina, se intolerantes b-lactâmicos ou MRSA.
O ideal seria fazer uma dose única 30 a 60 minutos ANTES do
procedimento e manter sem antibiótico.
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Conclusão
Conclui-se que o diagnóstico e tratamento de Endocardite Infeccioso são
complicados e exigem um alto nível de suspeição e conhecimento da doença.
Por isso se indica uma equipe multiprofissional e capacitada de
especialidades para a abordagem e condução de cada caso, além de terapia
precoce.
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